Captura em Le Cap escrita por GilCAnjos


Capítulo 14
Agaté - Um Preço Pequeno


Notas iniciais do capítulo

Eu disse que ia compensar o tamanho, não disse? Kkk, o capítulo ficou um pouquinho além das quatro mil palavras recomendadas (e olha que eu queria fazê-lo ainda mais longo), mas eu pessoalmente acho que ficou muito bom (é raro eu ler algo que eu fiz e achar ~muito~ bom). Enfim, divirtam-se e brace yourselves, porque o fim está próximo!



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Sexta-feira

 

Aquele dia havia sido dolorosamente comprido para Agaté. Na noite anterior, ele fora preso, nu, a um pelourinho. Por mais de uma hora, o capataz Charles o espancou, revezando entre açoites de chicote e murros na face, sempre acompanhados por comentários cínicos e gritos de apoio que vinham de Gérald. Agaté gritava de dor conforme o sangue escorria por sua boca e suas costas. Ele tentava se manter austero, mas o desespero lhe fazia pedir por misericórdia, o que apenas deixava os capatazes mais cruéis.

Volta e meia, Charles o soltava e, segurando Agaté pela nuca, o punha de joelhos em frente a Gérald, que então o interrogava enquanto balançava uma faca no ar. O homem passava a faca pelo corpo de Agaté, ameaçando fazer um corte profundo na garganta, no tórax, no abdome, entre outros. Estava óbvio que ele não iria esfaquear o refém de verdade, e que queria apenas desconcerta-lo. Infelizmente, ele havia sido bem-sucedido nisso, de modo que Agaté não fora capaz de segurar algumas lágrimas.

 Quando finalmente cessaram o espancamento, foi apenas para realocar Agaté. Levaram-no para uma senzala pequena e vazia, trancada a chave. O ambiente estava escuro, iluminado apenas por uma janela estreita próxima ao teto. Devolveram-lhe suas calças, juntas com uma toalha velha para secar o sangue das feridas. Colocaram em seu pé uma algema, presa à parede por uma corrente. Gérald lhe disse que era lá que ele passaria a noite. O desgraçado certificou-se de colocar uma vasilha com frutas e outra com água na extremidade oposta do aposento, um local que Agaté não conseguia alcançar por causa da corrente. Um golpe traiçoeiro para despertar a tentação do pobre Assassino, que, com fome e com sede, nunca havia se sentido tão fraco e incapaz.

Durante a madrugada, Agaté tentou dormir, mas sua mente estava cheia de pensamentos tortuosos, além da dor física que ainda sentia no corpo. Quando finalmente pegava no sono, era acordado meia hora depois pelo ronco do próprio estômago. Em um de seus cochilos, teve um sonho esperançoso. Nele, Agaté usava um machete para cortar a corrente e, em fúria, matava todos os capatazes da fazenda. Outros Assassinos surgiam para ajuda-lo: Mackandal, Adéwalé e Baptiste. Ao fim do sonho, cada Assassino matava um dos Templários: o Mentor quebrou a coluna de Xavier, Baptiste empalou Gist, Adéwalé desmembrou Cormac, e Agaté enfim decapitou Duvalier. Depois disso, os próprios Lwa, espíritos divinos, desceram à Terra para agradecê-los, em suas formas físicas de cor brilhante e vermelha.

Agaté suspirou quando percebeu que era apenas um sonho. Ele já fora um escravo um dia. E agora era deplorável ver que, décadas depois, estava de volta à mesma situação de impotência e submissão que marcara sua juventude. E logo naquela sexta-feira; o dia da cerimônia de iniciação para os Assassinos de Saint-Domingue. Agaté iria lamentar estar ausente, mas entendia que tinha outra prioridade no momento: escapar.

Ele tateou o chão em busca de algo que pudesse ser útil. Encontrou uma pequena pedra e começou a batê-la contra a corrente. No entanto, a pedra fazia muito pouco efeito, não só por ser pequena, mas também por causa da fraqueza de Agaté, que agora parecia atingir seu ápice. Nesse ritmo, ele precisaria de dias inteiros para se livrar da corrente, e depois ainda teria que destrancar a porta que o isolava ali. Isso se não morresse por inanição antes.

—Bom dia! – anunciou Guillaume Duvalier pela manhã seguinte.

O sol já estava alto no céu, portanto eram cerca de nove ou dez horas. O Templário, que continuava pálido e agora tossia bastante, vinha acompanhado dos mesmos dois carrascos do dia anterior. Agaté havia escondido a pedra em um canto assim que ouviu a porta sendo destrancada.

—Espero que a noite tenha sido boa para você clarear sua memória. – retomou o homem – Será que voltou à razão?

Agaté recusou-se a falar. Charles e Gérald dirigiram-se à cesta de frutas que haviam deixado na senzala no dia anterior. O primeiro começou a chupar uma manga e o segundo pôs-se a descascar uma banana. Gérald comentou sarcasticamente:

—Por que você não comeu as frutas que deixamos ontem? Sua mãe não te ensinou que recusar comida é falta de educação?

Duvalier, tossindo, agachou-se para ficar mais próximo de Agaté. Seus olhos ainda mantinham um certo brilho cínico, mas dessa vez ele tentava parecer convidativo, como se estivesse disposto a argumentar.

—Escute aqui, Assassino. Nós, Templários, apenas queremos o melhor para Saint-Domingue. E François Mackandal, o Mentor que você tão fielmente segue, é uma pedra no sapato que nos impede de continuar o caminho para a paz. O que ele mais quer é matar todos os homens brancos da ilha. Eu sei que alguns brancos já fizeram coisas horríveis aos negros. Mas vocês realmente acham que o melhor é retribuir na mesma moeda? Se vocês matarem a todos, o que acontecerá? O caos iria se espalhar, e as ruas se tingiriam de sangue e nada mais. Além do mais, esta colônia é governada e gerida por brancos. Se todos morrerem, vocês, negros, não poderão retomar a ilha e colocá-la em seus eixos se continuarem obcecados em assassinar. Por isso, eu lhe peço que ouça a razão e perceba que os meios de seu Mentor são errados. Pedimos apenas que nos leve até ele. Faça isso, para que Saint-Domingue possa viver em paz, antes que Mackandal a mergulhe em uma guerra civil.

Agaté o encarou por alguns segundos. Tentou falar algo, mas sua garganta estava seca e sua voz estava rouca. Aproveitou isso e pediu água para o Templário, que o concedeu um gole da jarra. Agaté deliciou-se quando o líquido escorreu por sua garganta e enfim saciava sua sede. Sentia-se levemente revigorado.

—E então? – perguntou Guillaume – Diga algo.

Agaté tossiu um pouco e lhe falou:

—Quando eu ainda era uma criança pequena, exploradores franceses invadiram a aldeia onde eu morava e capturaram a mim, à minha família e a outros moradores. Eu não tenho lembrança nenhuma de meu pai, mas soube que ele morreu enquanto nos protegia. Uma semana depois, fomos vendidos e postos num navio para cruzar o Atlântico. Na viagem, vi minha mãe, que estava grávida, adoecer e morrer. Minha irmã seguiu o mesmo destino pouco depois. Quando chegamos a Saint-Domingue sobravam apenas eu e meus dois irmãos. Um deles foi vendido para uma fazenda diferente, e nunca mais o vi. O outro irmão... Quando ele foi visto comendo uma fruta no pomar de nosso dono, foi repreendido. Eu vi com meus próprios olhos ele ser espancado até a morte. Vocês tentam me dobrar com chicotes e torturas, mas não será tão fácil tirar algo de mim. Vários já fizeram isso antes; estou mais do que acostumado. Por toda a minha juventude fui vítima de crueldades por parte de capatazes como vocês. Isso apenas cessou no dia em que Mackandal me libertou. Ele invadiu a fazenda de meu dono, e com um braço só pôs fim a tudo aquilo que eu mais odiava. Quando aprendi com ele sobre o Credo, foi a primeira vez que eu me lembro de realmente me sentir feliz. Trabalhei para os Assassinos, mas dessa vez eu não era obrigado a trabalhar; eu me identificava com eles. Mackandal é o único que fala em nome dos escravos. Ele é o único que realmente sabe o que é justiça. E você diz que ele apenas quer uma guerra civil. Depois de tudo o que vivi, garanto-lhe: uma guerra civil é um preço pequeno a se pagar, e não descansaremos até que os negros de Saint-Domingue tenham o que merecem. Os brancos governam a ilha, mas somos nós que fazemos ela funcionar, com o nosso trabalho braçal. Você diz que quer o melhor para Saint-Domingue, mas a mim parece que você só quer o melhor para seu bolso!

Ao fim do discurso, Duvalier estava obviamente desconcertado, embora tentasse não demonstrá-lo. Ele deu uma tosse forte mais uma vez e então anunciou:

—Muito bem, Assassino. Eu esperava que os métodos convencionais fossem funcionar. Mas vejo que você de fato é difícil de dobrar; a lavagem cerebral de François funcionou muito bem. Não seja por isso. É um bom momento para estrear o novo método que descobrimos. – o Templário retirou, de um bolso dentro do seu casaco, um frasco de vidro com um líquido claro e esverdeado.

Agaté reconheceu o recipiente de imediato, e inconscientemente refletiu isso com uma expressão embasbacada. Era um barbitúrico.

—Impressionante, não? – completou o Templário, fitando o frasco – Encontramos em seu cinto de ferramentas, junto com outros venenos. Eu poderia ter te envenenado sem pestanejar, mas... – ele deu uma risadinha – Você de nada seria útil para mim se estivesse morto. Mandei um homem descobrir o que os venenos faziam. Ontem à noite ele voltou com informações e, adivinhe só! Este aqui não é um veneno: é uma droga. Um barbitúrico, pra ser mais exato. Ele não é letal, apenas deixa a vítima em um estado de anestesia. – Duvalier cessou para olhar para Agaté – O que o faz perfeito pra nós! O indivíduo que usar esta droga perde a clareza das ideias, fica bastante relaxado e, claro, perde a capacidade de mentir. Mackandal tem artifícios curiosos.

Agaté engoliu em seco. O líquido fazia exatamente isso. Todos os Assassinos costumavam levar um pouco consigo para o caso de precisar interrogar alguém. Agora, no entanto, Agaté era o interrogado.

—Ao contrário do arsênico que você botou na minha comida, este foi feito para ser injetado, não ingerido. Sorte que os Assassinos sabem disso bem. Charles!

O brutamontes atrás dele entregou ao chefe uma braçadeira. Mas não era uma braçadeira qualquer: era uma das lâminas ocultas de Agaté. Duvalier segurou a arma, já ejetada, e pingou algumas gotas da droga na ranhura interna da lâmina, e que era feita justamente para injetar veneno nos alvos.

Gérald levou a lâmina envenenada para Agaté, a fim de espetá-la em seu abdome. O Assassino tentou espernear contra seus carrascos, mas em seu estado atual qualquer movimento era inútil contra Charles, a montanha de músculos que o segurava. Agaté gemeu quando a ponta da lâmina fez um pequeno furo em sua barriga. Ele não desmaiou de imediato. Em compensação, não se lembra de nada do que aconteceu em seguida.

­­­

Quando voltou a si, os ferimentos de Agaté não doíam tanto quanto antes. Ele não sentia mais fome ou sede; continuava, no entanto, acorrentado pelo pé. A luz do Sol estava mais fraca, indicando que algumas horas haviam se passado. Ele não sabia o que havia acontecido – ou o que ele havia falado – durante essas horas de inconsciência, mas temia pelo pior.

Além do próprio Agaté, não havia ninguém na casinha.

—Alô? – ele exclamou, chamando por alguma pessoa ou algum capataz que pudesse estar por perto – Alguém pode me ajudar?

Passados alguns minutos, como não houve resposta, o Assassino voltou àquilo que fazia pela madrugada: pegou a pedrinha que achara no chão e voltou a lascar a corrente, em uma tentativa de se libertar. Seu progresso, obviamente, era lento, embora não fosse nulo. Agaté perdeu a noção das horas, e gastou incontáveis minutos nessa atividade. Apenas foi interrompido quando alguém destrancou a porta da casinha. O Sol já havia se posto, e Agaté fizera apenas metade do trabalho necessário para cortar a corrente. A figura grandalhona de Charles atravessou a porta. Ele trazia consigo um prato com algumas coxas de frango. Após servir a comida a Agaté, Charles ficou de pé do outro lado do recinto, como se o vigiando. O Assassino primeiramente estranhou a oferta. Cheirou a comida para certificar-se de que Duvalier não havia usado nela mais uma das substâncias da Irmandade. Não sentiu nenhum cheiro familiar, e, portanto, assumiu que a comida estava limpa.

—Obrigado. – Agaté arriscou-se a dizer – Não esperava essa... gentileza.

Charles bufou, com um sorriso irônico e uma sobrancelha arqueada. Agaté o fitou.

—Não é gentileza nenhuma, não? Seu chefe lhe mandou trazer isso. Estou certo?

O mudo assentiu com a cabeça. Agaté começou a comer a carne no prato. Após alguns minutos, resolveu fazer perguntas ao capataz para certificar-se do que acontecera.

—Enquanto eu estava inconsciente... Duvalier me interrogou? Eu disse algo sobre minha Irmandade?

Charles acenou que sim duas vezes.

—Droga... Quanto eu falei?

Charles esticou os braços, e distanciou as mãos como se mostrasse algo grande. Ou seja, Agaté havia falado bastante. O Assassino tomou-se de melancolia. Ele deixara que os inimigos o dopassem e o fizessem trair o sigilo dos Assassinos. Começou a pensar que nunca iria se perdoar.

Charles fez mais um gesto: escondeu o braço esquerdo atrás das costas, imitando o braço amputado de François Mackandal. Em seguida, passou o dedo indicador por baixo da garganta. “Mackandal vai morrer”. Era isso que Agaté interpretou de sua linguagem corporal. Isso o deixava não apenas com tristeza, mas com raiva. Raiva de Guillaume Duvalier e de seus capangas covardes. Raiva de todos os Cavaleiros Templários e de todos os donos de escravos.

—Ó de casa! – disse uma voz vinda do lado de fora. Gérald entrou pela porta – Me desculpem por interromper o... diálogo de vocês, mas eu tenho um sujeito que quer te ver, meu amigo encapuzado.

Após Gérald dizer isso, dois capatazes entraram atrás dele. O primeiro era um baixinho careca, e o segundo era um loiro de barba malfeita que Agaté reconheceu de imediato. Ele fitou o Assassino com uma expressão furiosa, mas contida.

—E então, Rousseau? É esse o preto de que você estava falando?

Rousseau sorriu.

Esse mesmo! – ele se aproximou de Agaté – Lembra-se de mim, seu puto? Eu sou aquele cara de que você arrancou o pau! – ao dizer isso, ele estapeou Agaté – Me dê um motivo por que eu não deveria te matar agora mesmo?

Agaté levantou a vista para o capataz.

—O seu chefe me quer vivo, não quer?

O capataz baixinho deu uma gargalhada. Gérald, que comia uma maçã, comentou:

—Não sei se você percebeu, amigo encapuzado, mas... você é completamente inútil agora! Já falou tudo que tinha a falar. Falou onde fica o esconderijo, como entrar lá...

—É só uma questão de tempo! – riu o baixinho – Já temos homens se preparando para invadir o vilarejo do Mackandal. Eles vão matar aquele desgraçado bem no meio da sua pequena festinha de macumba.

Agaté, em um reflexo, levantou o punho para agredir o sujeito, sem saber se sua raiva vinha da frustração ou dos estereótipos que o capataz repetia sobre a religião de Agaté. Lembrou que não estava em condições de fazer ameaças, e se conteve. Rousseau, rindo, continuou:

—Sim, você é inútil e eu realmente poderia te matar. Mas não quero ser tão extremo, porque eu acredito na filosofia do ‘olho por olho’.

—E eu também acredito. – falou Gérald, puxando de seu bolso duas cordas – Charles, segure-o!

Agaté tentou espernear, mas não pôde superar a força de Charles. Enquanto era segurado, Gérald usava uma corda para atar suas mãos e o baixinho usava a outra para atar seus pés. Agaté se debatia e protestava, em qualquer tentativa de impedir os capatazes de fazer o que pretendiam. A essa hora, Rousseau puxava uma faca de sua bainha e a passava de uma mão à outra. Quando os capatazes largaram Agaté, ele já estava completamente amarrado, com as mãos atrás das costas e os pés presos.

—Deixem ele pra mim! – exclamou Rousseau, girando a faca ameaçadoramente. Os demais capatazes se distanciaram, indo para diferentes cantos do aposento. Rousseau se ajoelhou ao lado de Agaté. Curvou-se; levou a mão esquerda à barra da calça do Assassino, enquanto preparava a faca com a mão direita.

Agaté pôde refletir durante aquela fração de segundo em que Rousseau lhe tirava as calças. Durante as últimas vinte e quatro horas ele esperara o momento certo para se livrar do cativeiro. Fora muito paciente durante esse tempo; aguentara as chicotadas, o espancamento, a tortura, a desnutrição e o interrogatório. Mas agora, à beira daquela que seria uma mutilação irreparável, a frustração inundava suas veias. Ficou furioso, não apenas por aquilo que Rousseau faria, mas por tudo aquilo que estava acontecendo. Ele, Agaté, antes um ilustre Assassino, agora reduzido a um reles e deprimente escravo; e ainda sabendo que, por causa dele próprio, toda sua Irmandade seria abalada dali a poucas horas. A fúria tornava aquele o verdadeiro momento certo.

Ele encolheu as pernas e, juntando os joelhos, bateu com força no rosto de Rousseau. Enquanto o capataz estava atordoado, Agaté separou os joelhos e colocou cada um acima de cada um dos ombros de Rousseau. Apertou a sua garganta enquanto o encarava, com raiva. Rousseau começava a sufocar, mas não desistiria tão facilmente. Rapidamente levou a faca em direção às costas de Agaté, para apunhala-lo. Agaté, ainda mais rapidamente, segurou a faca durante o processo. Em um segundo, ele havia tirado a arma das mãos do capataz. Afastando as mãos dele, Agaté usou a faca para cortar a corda que prendia suas mãos. Conseguiu fazê-lo, mas acidentalmente cortou um pouco dos próprios pulsos no processo.

A essa altura, enquanto Rousseau engasgava, os outros capatazes corriam para impedir Agaté. À sua direita, Gérald lhe apontava uma pistola, enquanto que Charles, vindo da parede oposta a Agaté, sacava uma adaga e corria até o Assassino. Agaté, agora com as mãos livres, lançou a faca de Rousseau em direção a Gérald. A faca se alojou no tórax do capataz, que caiu para a frente, derrubando a pederneira. Agaté arrastou-se em direção à pistola o mais rápido que pôde. Charles já investia a adaga contra ele. Com a mão esquerda, segurou a mão com que Charles atacava. Quando finalmente alcançou a pistola com a mão direita, apontou-a direto para o queixo de Charles. Talvez a pistola não estivesse carregada, mas valia muito a pena arriscar.

Por sorte, ela estava. A bala saiu da pistola e passou pelo maxilar de Charles, lançando pedaços de seu cérebro no ar. Com Charles morto, a adaga não tinha mais dono. O capataz baixinho, que até agora estava em um canto, com medo ao ver seus amigos serem abatidos, andou até Agaté, embora relutante. O Assassino deixou a adaga ao lado e procurou por alguma arma em volta. Seus olhos foram de encontro a um prato de cerâmica. O prato de comida, agora vazio, que havia sido oferecido a Agaté poucos minutos antes. Ele segurou o prato e lançou-o para o capataz. O prato atingiu sua testa, atordoando-o.

Com três dos capatazes neutralizados por ora, Agaté ainda sufocava Rousseau. O homem tentava em desespero separar as pernas do Assassino, sem sucesso. Agaté pegou a adaga e levou-a até a corrente que prendia seu pé. Ele já a havia danificado mais cedo, e agora, com um rápido golpe, se libertou. Jogando o corpo para a frente, Agaté ficou ajoelhado. Rousseau debatia-se no chão, pedindo piedade assim como na última vez em que haviam se visto. Dessa vez, uma piedade que Agaté não pretendia conceder. Com a adaga, e sem soltar as pernas do pescoço do inimigo, o Assassino perfurou a garganta de Rousseau. Pressionou a adaga o mais profundamente que pôde. Não a soltou até ver Rousseau dar seu último suspiro.

Enfim levantando-se, Agaté olhou em volta. Virou-se para o capataz medroso. Quando fitaram um ao outro, o baixinho correu pela porta para fora da casinha.

—Fique longe de mim! – ele gritava – Socorro! Ajudem-me!

Agaté, no entanto, o alcançou poucos metros depois. Jogando-o no chão, fez o movimento muscular que ativava a lâmina oculta. Mas então lembrou que ainda estava desarmado.

—Onde estão minhas armas? – interrogou.

O capataz chorava, aterrorizado.

—Por favor, não me mate!

Onde estão minhas armas? Me conte, e eu te pouparei.

—Eu não sei, mas... O chefe! Devem estar com o chefe. Ontem ele levou todas as suas coisas para o quarto dele. – balbuciou em resposta.

Agaté olhou para a frente. Na mansão da fazenda, viu uma pessoa, de pé em uma janela do terceiro piso, observando a cena. Duvalier, certamente alertado pelo tiro da pistola. Agaté voltou a falar com o capataz a seus pés.

—Viu? Foi tão difícil assim? – disse, antes de nocauteá-lo com um soco não-letal na face.

Agaté levou o capataz desmaiado de volta à casinha. Deitou-o em um canto e então armou-se com o que encontrou em suas vítimas. Colocou a adaga na barra de sua calça. No bolso do finado Charles, encontrou a chave da casinha. Em seguida, vasculhou o corpo de Rousseau e encontrou em um coldre uma pederneira carregada. Com a pólvora que encontrou no bolso dele, recarregou também a pistola que Gérald havia derrubado mais cedo.

Por falar no capataz, Agaté ouviu um gemido vindo de um canto. Lá, Gérald, ainda com a faca no peito, respirava com dificuldade. O Assassino andou até ele e o encarou nos olhos. O capataz riu em resposta.

—Sabe, meu amigo encapuzado... Com nós quatro mortos, você pode até pensar que venceu a batalha. Mas eu sei... Sim... Sei que você sabe muito bem a verdade: hoje à noite, vocês perderão a batalha de vez.

—Então é melhor eu me apressar.

Agaté cravou a adaga no pulmão direito do homem, causando um ferimento mortal. Gérald continuava respirando, mas estava claro que eram seus últimos minutos. O Assassino saiu, trancando a porta em seguida. Agora, apenas faltava-lhe seu equipamento. Observou a mansão e tentou recordar-se de seu interior, para mentalmente traçar um trajeto até o quarto de Duvalier. Pouco depois, percebeu capatazes saindo do térreo do edifício, procurando um Assassino na escuridão. Agaté concluiu que seria melhor não cruzar com mais inimigos por enquanto. Sendo assim, silenciosamente circundou-os a uma distância segura. Quando viu seu caminho livre, espreitou até a face da mansão que daria na janela de Duvalier.

Prendeu as duas pistolas no coldre que tomara de Rousseau, segurou a adaga com a boca e escalou a parede, apoiando-se em janelas e tijolos salientes. Quando alcançou a altura do terceiro piso, hesitou. Percebeu que estava na janela que daria no quarto de Guillaume, mas havia algo estranho. Duvalier viu Agaté nos quintais. Por que ele deixaria a janela aberta sabendo que um Assassino estava à solta? Em seguida, ouviu um som peculiar vindo do interior do aposento. Um clique que parecia muito o som de uma pistola sendo preparada para um tiro.

Moveu-se alguns metros para a direita. Entrou por uma outra janela e chegou a um corredor vazio. Alguns metros à frente estava a porta do aposento pessoal do Mestre Templário. Com passos propositalmente pesados e ruidosos, Agaté aproximou-se da porta. Com um movimento dos pés, fez o chão ranger. Escondido atrás de uma parede, pôs a mão na maçaneta da porta. Sem sair do lugar, girou-a e abriu a porta com força.

Assim que a porta se abriu, uma bala saiu zunindo de dentro do quarto, acompanhada do ruído escandaloso de uma pistola. A única vítima foi a parede do outro lado. Assim, Agaté segurou uma de suas pistolas e entrou no quarto com autoridade. Chegando lá, viu Guillaume Duvalier, deitado em sua cama, com uma expressão de espanto ao ver que sua bala não atingira o alvo imaginado. Agora, a situação se invertia: Agaté era quem apontava a pistola para o Templário.

—Jesus Cristo, Assassino! – exclamou ele, erguendo os braços em postura de rendição.

—É isso? Você, Duvalier? Um Mestre Templário se rendendo ao próprio refém? Que deprimente.

O Templário nada disse em resposta.

—Diga-me, desgraçado: onde você colocou as minhas armas?

Duvalier o fitou. E então riu alto.

—Isso não é piada, desgraçado! Onde está meu equipamento? Meu manto, minhas lâminas, espada, bombas, venenos? Diga!

—Não estão aqui.

—Como?

—Eu dei tudo para o meu bom amigo, Olatunde Xavier. Nesse momento, ele deve estar na selva, vestido com a sua roupa e equipado com as suas armas.

Agaté não entendia aquilo.

—Mas por que ele...?

—Pensei que estaria óbvio, Assassino. Lembra-se de quando você e seu amigo se fingiram de escravos na minha fazenda? Bem, Xavier fará o mesmo. Ele vai se infiltrar no esconderijo da sua Irmandade. – ele sorriu – O esconderijo, aliás, que você nos revelou com muito boa vontade.

O Templário gargalhou e Agaté disparou a pistola, acertando seu ombro. Duvalier reagiu com um grito de dor. Agaté se aproximou e lentamente usou a adaga para penetrar seu abdome. Fez um corte grande em sua barriga, jorrando sangue de uma lateral à outra do corpo. O Assassino levantou-se enquanto via Duvalier curvar-se sobre o ferimento.

—Você é um tolo, Assassino! Mesmo com a batalha já perdida, você continua a lutar. Lutando por uma causa que traria apenas ruína a Saint-Domingue!

Ruína? Você percebe a ironia que há em um dono de escravos dizer que a minha causa nos levará à ruína? Foi a sua laia que trouxe ruína aos povos da minha terra. Tantas famílias separadas, tantas vidas perdidas... E eu sou o errado aqui?

O Templário gargalhou. Em seguida, ele tossiu. Se antes expelia uma tosse comum, agora sangue também saía de sua boca

—Parabéns, Assassino. Você conseguiu me matar. – ele se silenciou por um momento – Está contente? Mas, veja bem, eu não te culpo por isso. Se a minha hora chegou, não tenho o que contestar. Não lamento por mim. Lamento por Saint-Domingue. Espero que você um dia perceba o erro que está cometendo. – ele grunhiu em desprezo – Mesmo agora, no clímax desta peça, você não consegue ver a verdade. Você continua apoiando o seu Mentor sem questionar. Isso sim é irônico: os Assassinos alegam defender o livre-arbítrio, mas seus acólitos obedecem cegamente às convicções do “Credo”. – uma tosse – Onde está o livre-arbítrio nisso?

Dito isso, Guillaume Duvalier fechou os olhos enquanto proferia seu último suspiro.

—Se eu odeio os homens brancos, Duvalier, não é porque Mackandal me ensinou a odiá-los. Os próprios homens brancos me fizeram chegar a essa conclusão.

Agaté permaneceu lá por alguns segundos, observando o agora finado Mestre Templário. Ouviu passos e gritos vindos dos pisos inferiores. Eram os capatazes, que provavelmente haviam ouvido o tiro da arma de fogo. O Assassino olhou para o lado e, vendo a janela aberta, pulou. Quando aterrissou no chão, saiu correndo para o esconderijo dos Assassinos. Se tivesse sorte, poderia chegar antes que fosse tarde.


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