Além de Irmandade escrita por Dricca


Capítulo 1
Irmão de brinde


Notas iniciais do capítulo

Olá, esta é minha primeiríssima fic, e eu trabalhei duro nela pra que ficasse realmente boa pra postar. Então espero que goste! Boa leitura ;*



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— Este aqui é o Daniel, seu novo irmão — meu pai guiou salvo da tempestade o garoto de cabelos escuros, empurrando-o em minha direção; ele fez uma careta porque provavelmente não gostou nada de ser empurrado, mesmo que por uma boa causa.

— Vai com calma — ele disse ao meu pai, ajeitando a alça da mochila no ombro direito; estava encharcado, pingando água da chuva pelas roupas no nosso tapete.

Meu pai era meio bruto às vezes. Ele constantemente pensava que era engraçado, que quando invadia a privacidade dos outros dessa forma, apertando os ombros de quem nunca tinha visto antes, estava, na verdade, introduzindo a pessoa ao grupo, sendo o herói contra segregação. Mas tudo o que ele conseguia fazendo esse tipo de coisa era ser chato. Quer dizer, que pai apresenta o filho da noiva como “seu novo irmão”? Ninguém vira irmão de ninguém assim do nada, a menos que venha com toda a documentação de adoção regulamentada em mãos. Ele não deveria empurrar gente estranha para dentro de casa dizendo que agora essa pessoa é meu irmão. Mas é o meu pai, e ele pode fazer isso porque eu entendo que ele não sabe ser de outro jeito, estourando a bolha pessoal dos outros porque a sua própria bolha é gigante e expansiva.

Entretanto, naquele momento, eu até que gostei desse jeito meio dono-da-situação engraçadinho-sem-noção do meu pai. Porque irritou o Daniel, e eu fiquei secretamente satisfeito por isso, porque, devo dizer, eu não gosto dele. Metade por culpa dele mesmo e metade por culpa minha. Eu não gosto de mudanças, de gente nova, de desarrumação mental. E ele, junto com o pacote: nova noiva do meu pai + nova casa em outra cidade + nova escola, acabava completamente com meu conforto pessoal, porque, veja bem, a palavra “nova” precisou ser constantemente, e infelizmente, repetida. E a parte que culpo o garoto corresponde ao fato de que ele é, basicamente, um intruso. Alguém que não precisava estar ali. Meu pai poderia casar-se com Amora, a noiva, sem que Daniel existisse, porque ele não faria diferença. E, sendo uma pessoa existente, Daniel faz diferença do jeito negativo. Que Amora me perdoe, mas ele tem cara de marginal.

Olhei bem para o garoto parado ali em minha frente, tentando identificar a cor dos seus olhos — porque era nisso que eu reparava por primeiro nas pessoas, quando eu me lembrava de reparar —, mas o hall estava escuro o suficiente apenas para se enxergar contornos e a cor levemente bronzeada da pele dele, já que brilhava na luz por causa da água da chuva grudada em seu rosto e na parte exposta do pescoço que a camiseta não cobria.

Era a primeira vez que nós nos víamos de fato e eu supostamente deveria cumprimentá-lo. Era o momento perfeito para encaixar um cumprimento, meu pai já tinha o empurrado para cima de mim e tudo. A expressão no rosto do meu pai praticamente gritava “diga oi, moleque!”. Mas eu não queria fazer isso, simplesmente não queria falar com Daniel. Eu queria empurrá-lo de volta para fora e deixar que ele vivesse na garagem até que eu me acostumasse com a ideia de que alguém desconhecido me veria tomar café da manhã de pijamas e usaria o mesmo banheiro que eu. Só de pensar nesse tipo de coisa já me dava vontade de chutá-lo para o lugar de onde ele veio. Eu não costumava pensar assim sobre ninguém, mas era muita invasão de privacidade.

No entanto, olhando assim para ele todo coitado encharcado parecendo estar tentando me avaliar com um ar de incerteza, eu considerei passar por cima dos meus traumas fóbicos sociais. Eu já tinha escutado a voz dele, e ele não tinha escutado nada de mim; ele estava ensopado num lugar estranho, e eu estava seco e confortável num lugar quase estranho (porque eu já tinha conhecido a casa nova meia hora antes e todas as minhas malas estavam no quarto que eu tive a liberdade de escolher sem concorrência nem necessidade de par-ou-ímpar ou cara-ou-coroa ou qualquer coisa desse tipo, graças a Deus). A situação parecia desfavorável para ele, afinal de contas, e eu era muito bom em me colocar no lugar dos outros.

E ainda assim eu não consegui dizer nada. Apenas encarei as gotinhas que caíam de sua jaqueta até o tapete felpudo com um sentimento alfinetando meu peito, uma coisa desconfortável crescendo bem devagarzinho. No fundo, talvez eu fosse chato como meu pai, mais chato ainda por não querer falar com o garoto, por puro achismo e pré-conceito.

Quando eu pensei que finalmente abriria a boca para falar nem que fosse um oi murmurado, veio o barulho da porta se abrindo abruptamente, e todos nós olhamos naquela direção. Amora segurou a porta com o quadril, já que os braços estavam ocupados empilhando umas cinco caixas. Enquanto ela entrava, o vento forte trazia metade da tempestade para dentro, um relâmpago clareou o céu seguido de um trovão. Meu pai correu para ajudar a noiva com as caixas e, enquanto ele fechava a porta, os dois trocaram um sorriso amoroso.

E foi aí que me dei conta de que, a partir daquele momento, querendo ou não, aquela seria a minha família. E eu preciso admitir que fiquei horrorizado e meio deprimido com essa percepção. Eu estava muito bem sem uma mãe e como filho único, obrigado. Entretanto, ver meu pai feliz fazia com que talvez — um grande talvez — o meu enorme sacrifício altruísta de mudar de vida valesse à pena. Mesmo porque eu só estava mudando de cidade e podia rever meus amigos com mais facilidade que Amora e seu filho, os quais vinham de outro estado. Mas mesmo assim eu estava triste, já que não era como se eu tivesse sido levado em consideração.

— Eu tentei trazer o máximo de caixas que eu consegui, mas ainda sobraram algumas no porta-malas — Amora dividiu o peso com meu pai, que só não se apropriou de todas as caixas porque ela insistiu que se não carregasse pelo menos uma se sentiria inútil. — Acho que é melhor esperar a chuva passar pra pegar as outras, se não vai trazer mais sujeira aqui pra dentro.

Amora, então, percebeu que eu estava ali, e, como se eu tivesse brotado do chão de repente, ela arregalou alegremente seus olhos azuis e sorriu para mim. — Luca, oi! Eu não te enxerguei aí quando entrei; esse clima de hoje deixou tudo muito escuro, alguém precisa ligar a luz. Como é que você vai?

— Bem — respondi tímido, colocando os cabelos atrás da orelha.

Eu gostava da Amora, gostava muito. Perto dela o meu pai ficava notavelmente feliz e, apesar desse jeito meio afobado e expansivo – que inclusive combinava muito bem com a expansividade do meu pai, de forma que ele se assossegava por influência da personalidade forte dela –, todas as vezes que meu pai a trouxe para casa, Amora soube me tratar com a privacidade que eu tanto prezo, e, ao mesmo tempo, conseguia ser muito carinhosa comigo. Ela era daquele jeito que somente mulheres-mães conseguem ser.

Mesmo assim eu ainda não tinha me acostumado totalmente a ela. Não nos víamos com tanta frequência porque quem se dispunha a viajar horas para que pudessem se ver, na maioria das vezes, era o meu pai. Fato me fazia pensar se Daniel também tinha ido com a cara dele da mesma forma que eu tinha simpatizado com Amora.

— Vocês chegaram quando, Tony? — Amora olhou para meu pai, limpando os tênis no pequeno carpete em frente à porta.

— Há meia hora, mais ou menos — ele ajeitou melhor as caixas nos braços. — Pra onde essas aqui vão?

— Pro nosso quarto — Amora olhou para mim. — Falando nisso, já escolheu o seu quarto, Luca?

— Já — falei, confirmando com um aceno de cabeça.

Daniel me encarou com certo ar irritadiço, provavelmente porque deve ter achado injusto a falta do par-ou-ímpar na distribuição dos quartos. Eu quis sorrir, porque era ótimo já estar em vantagem, mas achei que aquela não era a melhor hora para rir da cara dele, principalmente porque meu pai não iria gostar que eu fizesse isso.

— Não se preocupe, Dani — Amora leu a expressão do filho, e eu achei engraçado ela chamar de “Dani” alguém grande como aquele garoto. — Os quartos são exatamente iguais.

— Eu não me importo com isso — respondeu ele, encarando-me como se eu fosse a pessoa mais idiota e infantil do mundo por pensar que ter escolhido o quarto antes dele era uma vantagem. — Eu só quero tomar um banho quente agora, depois de ter pagado essa chuva; vocês precisam ver o que tem de errado com portão logo.

— O eletricista vem amanhã instalar as televisões e os computadores — informou Amora. — Daí eu já aproveito e peço pra ele ver por que o portão não está abrindo com o controle.

— Amora, isso aqui é pesado — pronunciou-se meu pai, tomando atenção exclusiva da noiva. — Vamos levar as coisas lá pra cima que o Luca mostra pro Daniel onde fica o banheiro.

— Ah, sim, vamos — Amora sorriu e logo se virou para as escadas. — Nós vamos encomendar uma pizza mais tarde, meninos. Por enquanto só arrumem as coisas de vocês; quando é que o caminhão de mudanças vai chegar, Tony? — ela rapidamente se esqueceu de nossa existência e começou a discutir sobre as coisas aleatórias da mudança conforme subia as escadas com meu pai atrás.

Daniel e eu restamos sozinhos no hall, em silêncio, um olhando para cara do outro. Eu que não ia mostrar o banheiro para ele. Daniel tinha pernas saudáveis e podia fazer isso por si mesmo; eu tinha feito. Além disso, acho que eu estava incomodado demais para fingir qualquer simpatia por aquele intruso, então dei de costas para ele e comecei a subir as escadas, dois degraus por vez.

— Ou, irritadinho — ouvi uma voz masculina com um quê de ironia e me virei, estagnando no meio das escadas. — Não vai nem me ajudar com as malas? — Daniel falou e estendeu a única mochila que ele tinha em minha direção, me deixando irritado: aquilo devia pesar menos que a cabeça de vento dele.

Bufei e revirei os olhos enquanto voltava a subir as escadas, apressado, direto para o meu quarto.

À noite, enfim, nos sentamos todos para comer pizza na mesa da sala de jantar. Eu e Daniel estávamos em silêncio enquanto Amora e meu pai não paravam de falar dos últimos detalhes do casamento, qual seria na semana seguinte. Eu não conseguia entender de onde eles tiravam energia para conversar tão animadamente depois de um dia longo como aquele. Eu me sentia podre de cansaço depois de me empenhar tanto na arrumação do meu quarto, e Daniel não parecia muito diferente. Acho que eles estavam realmente animados para se casar. Tanto que, ao contrário de muitos casais, eles preferiram arrumar e morar na casa antes do casamento. Isso, segundo eles, era uma forma de todos nós nos organizarmos mais rápido, o que não fazia sentido para mim, já que de todos os lados e em todos os sentidos eu só enxergava bagunça.

— E nós precisamos deixar tudo pronto pros meninos ficarem sozinhos aqui em casa durante a nossa lua de mel, Tony – Amora disse ao meu pai, afobada e gentil.

Quando me lembrei desse detalhe, engasguei com a Coca-Cola atraindo a atenção dos três. Meu pai deu batidinhas nas minhas costas enquanto eu recebia um olhar debochado de Daniel, de modo que pude ver seus olhos azuis acinzentados pela primeira vez de verdade. Até ali tinha tentado não encará-lo.

Tinha me esquecido de que precisaria ficar sozinho com Daniel durante duas semanas e meia, enquanto meu pai iria para Miami e eu para a escola. Eu estava nervoso porque eu sabia o jeito delinquente de Daniel de viver a vida depois de pesquisar sobre ele no Facebook, alguns dias atrás. Tudo em Daniel me fazia pensar que ele me meteria em alguma fria, principalmente aquela cara de marginal. Eu não gostava disso, e por isso também não gostava dele. Portanto minha meta era ficar longe.

— Um cartão de crédito e as chaves do carro são tudo o que a gente precisa – Daniel falou de boca cheia, causando uma careta involuntária de “eca” no meu rosto — Não precisa preparar nada, não.

— Um cartão de crédito? – Amora olhou para o filho, o cenho franzido.

— É, pra comprar comida, mãe – ele deu de ombros, com uma expressão do tipo “isso é óbvio” — E o carro pra irmos à escola.

— Tony, você acha seguro deixar um cartão com esses dois? – Amora perguntou, com razão.

— Acho que não tem problema, eles não são mais crianças; na verdade já são bem crescidos pra saberem se virar sozinhos – meu pai disse, me fazendo revirar os olhos. Ele, além de parecer uma mulher da terceira idade falando, estava sendo completamente idiota. Era óbvio que, pela cara perversa de Daniel, ele iria acabar com o dinheiro da conta dos dois em muito menos do que duas semanas e meia.

Apenas continuei a comer minha pizza gordurosa em silêncio, não queria me meter.

— O que você acha, Luca? – meu pai perguntou, parecendo adivinhar minha vontade de não participar daquilo.

— Tanto faz – respondi indiferente, percebendo o olhar curioso de Daniel sobre mim; eu só esperava que ele não estivesse pensando algo como “vai ser fácil controlar esse moleque”.

— Tudo bem então, mas tenham juízo, meninos – Amora disse, concluindo o assunto ‘cartão de crédito’ para em seguida voltar a tagarelar sobre o casamento com meu pai.

Desliguei-me do ambiente família-no-jantar e me concentrei em tirar as rodelas de tomate da minha fatia de pizza, preocupado com o que seria da minha vida dali para frente. Eu apenas esperava com todas as minhas forças que Daniel ficasse na dele e não fosse dessas pessoas intrometidas que acham que com um pouco de convivência já podem ser consideradas íntimas ao ponto de dividir um sanduíche ou coisa parecida.

— Você não gosta de tomate? — ouvi alguém perguntar, e infelizmente a voz masculina não era do meu pai.

Olhei para Daniel e depois para os tomates abandonados no meu prato.

— Não — respondi em voz baixa, eu não queria que meu pai e Amora reparassem que incrivelmente seus filhos estavam iniciando uma interação e por isso parassem de conversar entrei si para nos assistir.

Mas quando desviei meu olhar para os dois, um de frente para o outro na mesa quadrada, percebi que eles não notariam qualquer que fosse a coisa ao redor deles com muita facilidade. Esse tipo de coisa de gente apaixonada.

— Mas tomate é bom — Daniel disse de cenho franzido.

Reparei que no prato dele, como meus tomates, algumas azeitonas haviam sido deixadas de lado.

— Azeitona que é bom — falei olhando para ele.

— Azeitona é ruim.

— Tomate é ruim.

— Posso ficar com os seus tomates?

— O quê? — foi minha vez de franzir o cenho, ele só podia estar brincando; há pouco eu estava pensando que não queria que ele fosse desses que pede um pedaço do sanduíche, mas parece que Daniel é muito mais esquisito do que pensei, ele não conhece nenhum tipo de regra social? — Não!

— Eu deixo você ficar com as minhas azeitonas — ele disse.

— O problema não é esse — esclareci. — Você não acha estranho pegar comida do prato de alguém que você não conhece?

— Eu não — ele me olhou por um segundo e depois engarfou meus tomates, colocou-os na boca e voltou a me olhar com naturalidade, enquanto eu olhava sem reação para Daniel mastigando — Você acha?

— É meio nojento.

— Por quê? Você não cuspiu nos tomates, nem nada.

Eu não disse nada. Não tinha o que dizer de uma frase daquelas. Apenas me concentrei em terminar de comer a pizza depressa para que eu pudesse sair dali. Daniel ficou dando umas risadinhas por um tempo, o que me levou a imaginar se ele não tinha pegado meus tomates só para fazer graça. Quer dizer, aquilo tinha sido estranho. Normalmente não é algo que se faça.

Quando terminei me pus de pé e fui levar meu prato até a cozinha. Queria voltar logo para o meu quarto, tomar um banho e dormir. Amanhã era uma quarta-feira de aula na escola nova e eu precisava descansar se quisesse parecer uma pessoa de verdade às seis da manhã.

Daniel levantou da mesa logo depois. Chegou até a pia e largou o prato em cima do qual eu tinha acabado de largar, roçando seu braço no meu. Olhei feio para ele, que, sem tirar os olhos dos “nossos pais” no outro cômodo, perguntou:

— O que você acha de uma festa?

— O quê? – continuei encarando seu perfil, confuso.

— Uma festa enquanto eles não estiverem aqui – ele me olhou malicioso, seguro de que eles não iriam escutar nossa conversa.

Por um momento fiquei parado o encarando, era a primeira vez que eu o via de perto de verdade; ele tinha o rosto levemente bronzeado, provavelmente porque antes de vir para cá tinha morado perto da praia. Os olhos claros eram de dar inveja.

— Ah, tá bom – falei irônico, desviando o olhar por um segundo – Você vai convidar quem? Seu amigo imaginário? Nós não conhecemos ninguém nessa cidade.

— Relaxe, em uma semana eu consigo uns cinquenta convidados – ele deu risada e bagunçou meus cabelos, saindo da cozinha.

Ele era mesmo um pouco mais alto do que eu, pensei, ajeitando os cabelos, com um misto de raiva e curiosidade.


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Notas finais do capítulo

Adoraria saber a sua opinião sobre esse primeiro capítulo, já que como iniciante eu fico ansiosa por isso. Então estou aberta a sugestões, críticas e correções. É isso, até o próximo ;)