Além de Irmandade escrita por Dricca


Capítulo 2
Apus


Notas iniciais do capítulo

Este é um capítulo importante pra conhecer melhor sobre onde é que vai se passar a história daqui pra frente, e também pra se familiarizar com os novos amigos do Luca. Espero que gostem, boa leitura ;**



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A primeira coisa que fiz depois de desligar o despertador foi me perguntar onde é que eu estava. O teto era diferente, não tinha mais os adesivos de planetas e estrelas que brilhavam no escuro. Me senti tão vazio de repente, como se minha casa antiga nem existisse mais, e conforme eu me lembrava dos dias anteriores, cheios de mudanças e agitação, sentia menos vontade de sair debaixo das cobertas.

Depois de me espreguiçar, sentei-me na beirada da cama e olhei meio aturdido ao redor, para aquele ambiente diferente. Tudo era branco e novo: os móveis, as paredes, as cortinas, meus lençóis, meu edredom... E mesmo sempre gostando de ter o quarto cheio de cores e pôsteres e minhas pinturas grudadas nas paredes, naquele momento eu sentia que nada ficaria melhor ali que o branco. Como se fosse uma folha de sulfite ou uma tela vazia, que com o tempo, talvez, pudessem ser preenchidos.

E apesar de toda aquela nova bagunça que eu sabia que me esperava do lado de fora do meu quarto, parecia que ali dentro estava tudo bem eu me sentir meio vazio e temeroso, me sentir meio em branco depois de ter deixado todas as minhas cores na minha antiga cidade.

Suspirei, procurando meu celular entre as cobertas. Desbloqueei a tela e vi que o Matheus havia me enviado dois Snaps no dia anterior, além de uma enxurrada de mensagens. Vi as fotos primeiro, nas quais ele e mais todos os meus outros antigos amigos estavam felizes, reunidos no que parecia ser a lanchonete da escola. Fiquei tão triste de ver todos eles juntos sem mim que joguei o celular de volta para as cobertas, sem nem ver o quê Matheus queria comigo no Whatsapp.

Era egoísmo, eu sabia. Mas será que ele não tinha noção do quanto era chato ter me enviado algo assim? Matheus sempre foi o meu melhor amigo, mas nunca teve muita sensibilidade em relação aos sentimentos alheios. Ele provavelmente nem imaginava o quanto me machucava ver todas aquelas pessoas que eu tive que deixar para trás juntas e felizes como se nada tivesse acontecido. E, parando para analisar, para elas nada aconteceu de fato. Era a minha vida que estava toda de cabeça para baixo, não a delas.

Eu realmente não queria me sentir assim, magoado e irritado logo de manhã. Mas não tinha jeito, Matheus era mesmo um desgraçado. E fazia muita falta.

De mau humor baguncei os cabelos, irritado com o comprimento deles. Tinham crescido muito rápido nas férias, quase chegavam aos ombros. Eu fiquei com preguiça de cortá-los, e depois que meus amigos disseram que combinava comigo, achei que estava tudo bem deixar assim.

Procurei um elástico nas gavetas e, depois de prender aquela cabeleira, peguei uma toalha no armário e ziguezagueei grogue de sono para fora do quarto, esfregando os olhos para me acostumar com a claridade.

Senti cheiro de café vindo do andar de baixo, e isso quase me deixou de bom humor outra vez, não fosse eu ter encontrado a porta do banheiro trancada ao testar a maçaneta.

— Daniel? — chamei batendo na porta, presumi que era ele quem estivesse tomando banho, afinal meu pai e Amora tinham a própria suíte no quarto deles.

— O quê? — a voz dele estava abafada pela água do chuveiro.

— Você vai demorar muito? Eu preciso tomar banho.

— Foi mal, acabei de entrar.

Que ótimo! Eu definitivamente não queria passar por aquilo todas as manhãs dali para frente. Agora eu teria que acordar mais cedo se quisesse tomar banho sem aquela pressa toda para não me atrasar para escola.

Escorreguei as costas pela parede ao lado da porta do banheiro, sentando-me no chão de madeira, e abracei minha toalha em pura desolação. Fiquei ali me lamentando internamente até meu pai sair de seu quarto dois minutos depois, com os cabelos loiros molhados, vestido para o trabalho.

— Por que você tá no chão, filho? — ele perguntou com uma careta de desentendido assim que me viu.

— Porque nesta casa não têm banheiros suficientes — respondi mal humorado, entredentes.

— Você não disse que adorou a casa quando chegou aqui, ontem? — ele perguntou em tom de zombaria. — Quase chorou quando viu a piscina.

— Acontece que não dá pra tomar banho na piscina, pai — falei e ele riu pelo nariz. — Eu preciso de um chuveiro com água quente pra isso.

— Bom, ao invés de ficar com essa cara de quem comeu e não gostou aí no chão, por que você não vem tomar café comigo? — meu pai se aproximou e estendeu a mão para me ajudar a levantar. — Amora tá no banho agora, mas deixou o café pronto lá em baixo.

Aceitei sua mão e me levantei, sentindo-me menos deprimido. Meu pai podia ser chato grande parte das vezes, mas também era sensível, e sabia só pela minha expressão quando eu precisava de um apoio moral.

— O que foi que tá com essa cara? — ele perguntou quando já estávamos na cozinha, encostado na bancada da pia, depois de colocar duas fatias de pão na torradeira.

Suspirei enquanto enchia minha xícara de café. Não sabia se era uma boa ideia abarrotar meu pai de reclamações logo de manhã, mas já que ele tinha perguntado...

Adocei e tomei um gole do café antes de começar a falar.

— O Matheus fica me mandando fotos dele com o resto do pessoal — contei, levando um breve susto com as torradas pulando da máquina. — E não é tipo, “ah, nós estamos com saudade, olha nossa cara de saudade” — fiz falsete para falar enquanto meu pai ria me entregando uma das torradas e se sentava comigo à bancada. — Parece que ele quer me mandar o recado que tá todo mundo ótimo sem mim.

— E você quer que todo mundo esteja mal sem você?

— Não é isso... — passei manteiga na torrada e depois dei uma mordida, para prosseguir minhas reclamações de boca cheia. — Eu só tô me sentindo excluído de tudo.

— O Matheus não deve ter mandado a foto com essa intenção.

— Eu sei que não — dei de ombros enquanto mastigava devagar, desanimado. — Na real, eu sei que tô bravo porque eu sou um egoísta.

— Quando você souber dirigir vai poder visitar seus amigos — meu pai me lançou um olhar de piedade — Eu até te levaria se não estivesse ocupado com os assuntos da imobiliária.

— Não precisa se preocupar, pai — sorri de leve para ele com as bochechas lotadas de torrada — Acho que mesmo se eu pudesse, não iria visitar nenhum deles; nem as mensagens do Matheus eu quero responder, porque parece que eu não faço mais parte do grupo ou da vida de nenhum deles, é esquisito.

— Mas você só saía com eles porque o Matheus insistia muito, se não você passava o dia todo trancado no quarto, escrevendo ou desenhando suas coisas, sem falar com ninguém — meu pai dizia enchendo a xícara dele. — Você precisa se decidir se quer ou não quer ter amigos.

— Mas, pai, você precisa entender que é bom ficar sozinho quando você sabe que têm pessoas esperando por você, mas ficar sozinho sabendo que ninguém é seu amigo... Aí sim é ruim.

Meu pai ergueu as sobrancelhas, pensativo.

— Bom, eu sei que você vai conseguir fazer novas amizades na escola, você é um garoto legal.

— Nem me fale disso, pai — fiz uma careta de desânimo. — Eu fico com dor de barriga de ansiedade só de pensar em entrar naquele colégio depois que todo mundo já se conheceu.

— Fica tranquilo, Luca — meu pai passou a mão na minha cabeça, fazendo alguns fios do meu cabelo escaparem do elástico — Vai dar tudo certo.

Assenti, mesmo achando que não daria tudo certo. Pelo menos meu pai era idiota o bastante para achar que sim, e isso era legal.

Daniel desceu as escadas um minuto depois, vestindo o uniforme azul-marinho e branco da nossa nova escola, com os cabelos escuros molhados e cheirando a perfume masculino. Olhou para mim e deu um sorriso de canto.

— Pijama legal — ele disse, abrindo o armário para pegar uma xícara.

Olhei para minhas próprias roupas e percebi que estava usando o pijama de mini espaçonaves que eu tinha ganhado da minha tia no Natal do ano passado. Ela nunca soube aceitar que com o tempo eu cresci mentalmente além de fisicamente, e me dava essas coisas de criança. Mas eu gostava do pijama, era confortável e até que engraçadinho.

Ouvi meu pai dar risada e olhei para ele de cenho franzido.

Suspirei, revirando os olhos. — Vou tomar banho.

...

Basicamente, o primeiro dia de aula foi normal. As mesmas coisas de todos os primeiros dias de sempre: provocar olhares curiosos dos veteranos, me apresentar à turma toda, trazer uma montanha de material novo para casa, e quem sabe, parecer legal o suficiente para arranjar algum amigo.

Eu e Daniel tínhamos um ano de diferença, ele era mais velho e estava no último ano do ensino médio, e eu no segundo. Mas ele parecia milhares de anos mais esperto que eu para fazer amigos. Acho que ele tinha falado sério em conseguir cinquenta convidados para a festa em uma semana.

Eu estava realmente nervoso quando meu pai parou com o carro em frente ao Apus, o colégio, e se foi para o trabalho me deixando ali, sozinho na multidão enquanto Daniel já tinha sumido de vista num piscar de olhos.

Mas o pessoal da minha sala foi tão receptivo comigo que nem deu tempo de sentir vontade de fugir. No intervalo das aulas, eu estava quase saltando de felicidade por ter sido convidado por um garoto de cabelos encaracolados para ficar com grupo dele.

Nós compramos algumas coisas na lanchonete do colégio e depois segui o garoto e seu grupo até onde eles haviam escolhido para ficarmos — uma área gramada semicoberta, com árvores e bancos de ferro, que ficava no centro do prédio circular do colégio. Todos sentaram no gramado debaixo de uma árvore gigante, e eu imaginei se o chão não estaria molhado por causa da chuva de ontem, mas quando fiz como eles e me sentei vi que não. Olhei em volta admirado com o quanto aquele espaço verde era bonito. Ficaria bem numa pintura.

— Qual é mesmo o seu nome? — perguntou o garoto de cabelos encaracolados, prendendo minha atenção de volta ao grupo. — Lucas?

— É Luca, sem “s” no final — respondi com um sorriso, para parecer menos chato ao corrigi-lo, já tinha me acostumado com aquele tipo de erro no fim das contas. — E o seu?

— É Carlos Eduardo, mas todo mundo me chama de Cadu. — ele sorriu em retorno — E esses são Vitor, Fernando, e a Madu, minha namorada — Cadu apontou um por um enquanto falava.

Não pude reparar tão detalhadamente em cada um, mas decorei Vitor como o garoto das pintinhas – porque ele tinha várias pelo rosto e pescoço – e Fernando como o garoto do topete – era um topete especialmente exagerado.

Sorri para todos eles e depois olhei para Cadu com a namorada nos braços e soltei uma risada. — Seus apelidos combinam.

­— É o que todo mundo diz — Madu disse, olhando para o namorado.

Os dois, além de terem os apelidos combinando, eram parecidos também. Ambos tinham olhos cor de mel, cabelos escuros e narizes retos.

— Gente, aquele ali não é o garoto que faz os vídeos pro YouTube que o Nando assiste? — Madu falou, franzindo o cenho para tentar enxergar melhor, mirando em algum ponto atrás de mim.

Olhei para trás e tudo o que vi foi Daniel, desfilando em frente a um grupo de garotos que o seguiam como se ele fosse o líder, com o braço por sobre os ombros de uma garota loira bonita. Ele acabou sentando bem perto de nós, e quando me viu apenas manteve seu olhar por alguns segundos e virou o rosto. Eu dei de ombros, não fazia mesmo questão de que ele me cumprimentasse.

— É ele mesmo! — Nando disse empolgado, abrindo um dos pacotes de salgadinho que tinha comprado na lanchonete, deixando metade do conteúdo cair para fora, no gramado.

— Quem? — perguntei desconfiado. — O Daniel?

— Você vê os vídeos dele também?

— Não, nem sabia que ele fazia esse tipo de coisa — falei. — É sobre o quê?

— Gameplays — Nando respondeu animado — Mas como você sabe que o nome dele é Daniel?

— Ah, ele é filho da noiva do meu pai — respondi sem saber esconder o desânimo no meu tom de voz. — A gente mora junto agora.

— E por que parece que você odeia isso? — Madu se pronunciou, com os olhos curiosos.

— Porque é meio esquisito começar a morar com alguém estranho — queria falar logo que eu não gostava do idiota do Daniel, mas eu tinha acabado de conhecê-los, e queria que eles não pensassem que eu era um odiador de pessoas, até porque eu não era. Mas se eu falasse o quê pensava do Daniel eles provavelmente pensariam que sim.

— Faz sentindo — Madu assentiu.

— Onde você estudava antes, Luca? — Cadu me perguntou, felizmente percebendo que seria melhor mudar de assunto.

— No São Francisco, conhece? — falei, abrindo o plástico que embalava meu sanduíche; imaginei que conheceriam, já que era um colégio bem conceituado.

— Tenho um primo que estuda lá — disse Fernando com a boca cheia de Ruffles.

— Por que você mudou? — Vitor me olhou com interesse.

— Porque, como meu pai resolveu casar outra vez, era uma boa ideia vir morar pra cá, já que a imobiliária pra qual ele trabalha precisava dele por aqui — respondi, olhando para Vitor também.

— O que aconteceu com sua mãe? — Fernando quis saber, depois de quase acabar com uma lata de Coca-Cola em um único gole.

Pisquei surpreso, não esperava que fossem me perguntar isso assim tão depressa. Madu pareceu perceber minha reação.

— Você não deveria fazer esse tipo de pergunta, Nando — ela disse.

— Que tipo de pergunta? – Fernando franziu o cenho, abrindo um pacote de biscoitos dessa vez; como ele conseguia comer tão rápido?

— Perguntas que podem ter respostas ruins – Madu explicou.

— Ah, como eu vou saber? — o garoto do topete reclamou com a boca cheia, os dentes pintados de recheio de chocolate.

— Eu não sei o que aconteceu com ela — respondi, antes que eles começassem uma discussão boba — Ela foi embora de casa quando eu era muito pequeno.

— Ah, que chato — Cadu comentou, cobrindo um possível silêncio constrangedor.

— Eu não ligo tanto assim — dei de ombros, olhando para o meu sanduíche pela metade, de repente sem mais vontade de comê-lo — Afinal eu tinha só dois anos na época, e já me esqueci de como ela era e tudo mais.

— Vitor também tem uma madrasta — Fernando disse enquanto comia, para variar.

Olhei para Vitor, que me observava com atenção. Ele piscou duas vezes depressa, parecendo acordar de algum transe.

— Verdade — ele confirmou — Meus pais são divorciados. Ela é legal, minha madrasta.

— Também gosto da minha — comentei. Mesmo que soubesse que Amora ainda não era oficialmente minha madrasta, não valia a pena ficar explicando que meu pai e Amora não eram casados ainda, até porque faltavam apenas duas semanas para isso acontecer.

Vitor e eu trocamos um sorriso cumplice, e depois disso Madu voltou a fazer perguntas. No final do intervalo eles já sabiam onde eu morava — perto da casa da garota que Fernando estava a fim —, que eu gostava de escrever e desenhar, e que eu lia muito, assim como todos eles. Quando o sinal tocou para voltarmos para a sala, eu estava contente por tê-los conhecido.

...

Quinze para meio dia o sinal barulhento anunciou o final as aulas, e eu dei graças a Deus, pois estava morrendo de fome já que tinha deixado metade do sanduíche para o Fernando. Ele perguntou se eu não iria comer depois de ver o sanduíche intocado em minhas mãos, e eu disse que ele podia ficar.

Recolhi minhas coisas e notei que apenas Vitor me esperava para irmos juntos até a saída.

— Você já tem seu crachá pra passar nas catracas? — ele perguntou quando me aproximei para começarmos a descer as escadas.

— Nossa, eu tinha me esquecido! — bati com a palma da mão na própria testa, arrancando uma risada de Vitor. — Preciso ir até a secretaria pegar meu crachá, ainda bem que você lembrou.

— Eu perguntei porque queria ver sua foto três por quatro — ele confessou risonho. — Geralmente essas fotos de crachá são engraçadas.

Dei risada. — Entendi — levei a mão até meus brincos e suspirei. — Você pode me levar até a secretaria? Eu não faço ideia de onde fica.

— Claro — Vitor concordou simpático.

Quando chegamos, tivemos que esperar alguns minutos para sermos atendidos pela única secretária, já que a outra estava em seu horário de almoço.

— Se você não quiser, não precisa me esperar — declarei preocupado enquanto esperávamos juntos sentados em um sofá de couro, perto das janelas que davam para o estacionamento. — Você já foi bem legal de me trazer aqui.

— Por mim tudo bem ficar esperando — ele disse tranquilo. — Minha mãe ainda não chegou, ela vai me ligar quando estiver aqui.

— Então se é assim, eu posso ver a sua foto do crachá? — perguntei curioso; normalmente eu não pediria, mas Vitor me deixava confortável para alguém que acabei de conhecer.

Ele sorriu. — Pode — e então levantou o quadril para pegar o crachá que, pelo jeito, estava no bolso traseiro da calça do uniforme dele.

Senti-me extremamente frustrado por reparar em como sua camiseta branca do uniforme se estreitou contra o corpo enquanto ele elevava o quadril e pegava o crachá no bolso de trás, com a cabeça apoiada no encosto do sofá, mostrando as pintinhas do pescoço. Mordi as bochechas por dentro e olhei para o outro lado, bravo comigo mesmo. Eu odiava esses momentos em que eu não conseguia não reparar nesse tipo de detalhes em outros homens. Tentava evitar isso desde que me lembro, e tentaria até não aguentar mais, e esperava que isso significasse “para sempre”.

— Pode ver — Vitor disse, e me virei para pegar o crachá que ele estendia.

Dei risada. Era uma foto dele quando criança, não tinha nada constrangedor. Suas bochechas apenas eram mais rechonchudas e seu cabelo mais desgrenhado, o resto estava idêntico ao que ele era hoje: cílios grandes, pintinhas charmosas e olhos cor de mel.

— Não tem nada de engraçado nem vergonhoso. Você só tá fofo! — falei fingindo estar indignado e ele riu. — Quantos anos você tinha aqui?

— Dez — ele respondeu ainda sorrindo, enquanto eu devolvia o crachá.

— Deve ser legal estudar aqui desde sempre — sugeri, olhando para ele.

— Nem tanto — ele ergueu as sobrancelhas, parecendo ponderar sobre o assunto. — Meio enjoativo.

Abri a boca para responder, mas ouvi um grito antes disso.

— Próximo! — a secretária berrou, olhando para mim.

Levantei depressa e fui até a mulher de óculos e blazer. Quando ela abriu a gaveta com os crachás novos depois de eu explicar porque estava ali, vi o de Daniel de relance, e perguntei para ela se eu poderia levar aquele também, já que eu iria voltar para casa com ele e não custava nada fazer esse favor.

— Tem certeza que vai entregar nas mãos dele? — foi a resposta dela ­— Se não fizer isso vai sobrar pra mim.

— Vou, pode deixar — peguei o crachá antes que ela achasse melhor não dá-lo — Obrigado.

A mãe de Vitor ligou quando estávamos quase no portão de saída. Nós só tivemos tempo de rir da minha cara de sono na foto do crachá e já estávamos em frente às catracas. Vitor passou primeiro e se despediu depressa enquanto corria na minha frente. Quando pisei do lado de fora olhei para os lados, procurando Daniel no meio das poucas pessoas que haviam ficado esperando para ir embora. Foi bom ter ficado em um sofá com Vitor ao invés de sair junto com aquele formigueiro de pessoas logo depois do sinal, no fim das contas.

Encontrei o moreno a alguns metros, despedindo-se de um garoto alto. Assim que o garoto se foi, ele procurou um banco e sentou-se, enquanto eu me aproximava. No momento em que parei a sua frente e entreguei o crachá sem falar nada, ele ergueu as sobrancelhas, parecendo admirado por eu ter feito o favor de pegar para ele.

­— Valeu, nanico — ele disse, guardando o objeto na mochila.

— O banco tá seco? — perguntei, sem fazer muita questão e responder seu “valeu” ou a sua ofensa à minha estatura; tinha chovido a noite toda, e eu não pensei que o tempo apagado de hoje pudesse ter ajudado a secar os bancos, assim como milagrosamente tinha acontecido com a grama, mas queria descansar minhas pernas depois de ter andando até a secretaria do outro lado do prédio.

Ele apenas assentiu e eu me sentei, largando a mochila ao lado da dele, no próprio banco.

— Você vai mesmo dar uma festa? – perguntei quebrando o silêncio.

— Por que não? — ele deu de ombros e olhou para mim — Algum problema?

— Nenhum – falei, quando na verdade queria dizer que sim, que eu via milhares de problemas nisso — quer dizer, só não quero que você gaste todo o dinheiro do cartão de crédito — olhei para ele, cruzei os braços e apoiei as costas no banco – Não quero levar bronca nem nada.

— Relaxe – Daniel sorriu —, sou do tipo irresponsável inteligente.

Ergui as sobrancelhas para ele, superficial, e bufei.

— Sabe — ele disse me olhando inteiro — esse uniforme ficou bem em você.

— Também gostei do jeito como ficou em você – admiti, respondendo naturalmente, enquanto levantava do banco ao ver o carro de Amora estacionando. Segui até o veículo sem olhar para trás, ainda não gostava de Daniel, mesmo que parecesse descomplicado gostar dele.


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