Beyond Kingdoms: The Lemniscus Crystals escrita por Lhama Medieval


Capítulo 14
POV Amber - Capítulo Dois "The Divine Perversion"


Notas iniciais do capítulo

Capítulo escrito por Gabi o/

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Os Ciclos da Lua (meses) são dados na seguinte sequência:
— Parval
— Ra
— Tempar
— Mohdir
— Dekin
— Raiho
— Boltar
— Myckpar
— Sly
— Lhone
— Terug
— Phanor
Cada semana tem a duração de uma fase da Lua (Nova, Crescente, Cheia e Minguante).



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◊ Oitocentas e cinquenta e duas estações após a ascensão da Família Torgu. Lua Nova do ciclo Phanor.

Calian, deixando a cabeça tombar para trás, respira aquele ar invernal, sugando-o com a voracidade de quem seria capaz de deixar toda Agália sufocada. Sente a textura áspera do tronco atrás de sua cabeça enquanto solta o ar aquecido vagarosamente, observando-o subir em uma fumaça rodopiante.

A mulher não faz ideia de quem é a responsabilidade de regular aquela estação desgraçada, de esterilidade e fome, mas quem quer que seja, havia dado uma trégua. A neve havia deixado seu tom arisco e petulante de lado, caindo escassamente e dançando nas correntes de ar gelado com suavidade. Não se incomoda verdadeiramente com o frio, o que os humanos têm que os deixam tão sensíveis à temperatura não a atinge, só tem o prazer de reclamar, bufando toda vez que sacode os cabelos selvagens e negros para afastar os flocos brancos que ali se engraçam.

Observa tudo do alto, empoleirada num galho nu de diâmetro considerável, deixando a perna pender vacilante no nada. Não desvia os olhos da criança-de-âmbar, que se move incansavelmente pela clareira, rodeando, trôpega, um corpo azulado estirado ali como um felino eriçado.

— Gosto dos olhos dela — Calian fala alto o suficiente para ser ouvida pela criança e por seu companheiro, aquele político apático, porém não se surpreende quando nenhum dos dois volta seus olhos para cima, em sua direção. Ser ouvida, ou até vista, não é sua maior preocupação, já que não compartilham o mesmo plano dimensional.

— Você poderá tê-los em breve. — responde uma voz masculina um tanto entediada, que tem como sua fonte Asch, o irmão deformado. Asch está sentado em um galho à esquerda, somente alguns centímetros abaixo do de Calian, remexendo-se desconfortavelmente em seu lugar. A mulher estala a língua, cruzando os braços no peito:

—Tenho a impressão que Bront gostaria de tê-los mais do que qualquer um de nós. — diz; Asch emite um grunhido gotejante em um sinal de aquiescência, refletindo a acidez contida no comentário de maneira não verbal. Calian relança um olhar em sua direção no momento em que o irmão inclina-se para frente, fitando a menina alguns metros abaixo como uma ave de rapina. De maneira visivelmente mecânica, o robusto homem leva sua mão pesada ao rosto, afastando o fio de saliva que flui de sua deformidade.

Calian imagina-se como a única a ver a beleza onde muitos só conseguem retirar repulsa e terror. Lembra-se como, em vez de séculos, houvessem passado somente alguns poucos dias depois do nascimento daquele curioso homem. Não há a menor possibilidade da imagem daquele deus formado erguendo-se dos Ossos fugisse de sua mente ancestral. Recorda-se com clareza das expressões nos rostos dos outros dois irmãos, fitando-o com os mesmos prováveis pensamentos.

— Ele não é lindo? — perguntou a ninguém em especial na época, abrindo os braços e envolvendo o homem feito, que na hora tremia. O homem aninhou-se em seu abraço e encostou a lateral de seu rosto deformado no da irmã, e assim permaneceram por longos instantes.

O ar é munido de um cheiro rançoso, ferroso e agridoce, que a afasta de seu estado de estupor, e traz consigo a lembrança não mais bem-vinda de Bront, o irmão que havia há tempos irrompido do Sangue. Bront sempre carregou consigo a imagem da sabedoria, da cabeça no lugar, de ideias e pensamentos relevantes, dando-lhe a artilharia que julgava necessária para encarar os três irmãos caçulas com o nariz sempre apontado para os céus, onde ele achava-se o mais digno de estar. Lembra-se, desgostosa, de vê-lo empertigar-se diante de todos aqueles conflitos familiares, algo que acontecia entre os quatro com uma frequência adoentada. O Irmão do Sangue havia se exilado de seu circulo de irmãos há exatos quatorze invernos, uma data impossível de ser desmemoriada por qualquer um deles.

O choque que Calian sofreu após ter chegado à conclusão de que realmente não sabia mais por onde andava o irmão, de perceber que não mais o sentia, esfriava seu âmago até os dias de hoje. O homem com sua saída havia levado uma parte importante do Corpo que os quatro compõem, e naquele momento de puro desamparo, os outros três foram capazes de sentir que o poder que lhes foi dado não pulsava mais com a mesma intensidade.

E agora, ali está ela, vigiando de perto o motivo para tantas desgraças na vida que Calian um dia havia achado confortável:

Amber

Não consegue colocar em palavras o tamanho de seu desejo por tocar aquela menina, de fazê-la contorcer-se de dor, subjugando-a a seus prazeres inescrupulosos. Se ao menos soubesse onde Bront está, poderia, com sua presença, reunir a força necessária para derrubar as barreiras que separam um plano do outro, podendo então estar fisicamente no mesmo ambiente que o da menina, deixando de contentar-se somente com um roçar de mentes.

O único alívio que tira uma pequena fração do peso de seus ombros é o pensamento que, se eles não possuem a força necessária para ataca-la, Bront nunca teria a força para protegê-la. Calian, Corba e Asch talvez tivessem perdido seu irmão, mas Bront havia perdido os três.

Calian esmorece quando volta o olhar para a menina, que anda a esmo pela periferia da clareira, inquieta. Normalmente seu sofrimento, pelo motivo que fosse, apresenta-se como bálsamo à mulher, mas agora só desperta um sentimento de impaciência. Enervada por sua falta de ação, a mulher chega a suspirar quando Amber ergue uma mão no ar em um gesto sinalizador voltado ao homem morto-vivo, que, pela primeira vez em horas, move-se, colocando-se de pé. Ele evita olhar diretamente para a menina, pregando os olhos educadamente na neve clara próxima aos seus pequenos pés. Aquele Lorde de Nergia certamente deveria ser um dos maiores fracassos de Calian.

É uma época nebulosa para as mulheres, não há dúvidas. Residem, em todos os homens, sentimentos que foram aparados pela sociedade em que vivem, criando a contínua tensão entre os instintos primitivos, aquilo que os tornam quem são, e suas exigências culturais, que os obrigam a esconder tais pensamentos, coagindo-os a regular diariamente suas ações de maneira colérica. Porém, fogo em mata seca espalha-se em uma velocidade assustadora, e onde há tamanho atrito, há em qualquer momento, uma faísca. Tudo para esses vorazes humanos pode ser o estopim, — o ambiente, mulheres, o anonimato... e até mesmo Calian, uma deusa carnalizada que conhece como ninguém as perversões humanas. Foram-lhe dadas as habilidades de derrubar qualquer empecilho que impeça um homem de ser homem, e achou de extrema conveniência a secreta atração daquele Lorde por garotas mais jovens, muito mais jovens. Com influência sua, o tal Lorde arrancou a criança dos invólucros braços de Kaan, e despojou de sua inocência, profanando a garota, que na época havia visto a neve começar cair somente pela sétima vez, até sua alma. Porém, nem mesmo as manipuladoras ações de Calian resistiram ao que a menina fez ao homem, durante todo um ciclo, naquela esquecida caverna. Havia adentrado ali com sua índole ainda voraz, irritadiça e peçonhenta; xingava e contorcia-se, mas nada disso ultrapassou a primeira fase da lua, já que sua alma havia decidido abandonar aquele corpo tão castigado logo nos primeiros dias.

A deusa observa o Lorde coxear pela clareira timidamente, aproximando-se do homem morto. Entrega-se ao trabalho sem demora, despindo o corpo até o mesmo encontrar-se completamente desnudado. Ali, mesmo na escuridão da noite, é possível ver as manchas escuras em contraste com o corpo pálido, coágulos de sangue sob a pele. Calian não deixa de rir perante as inúmeras demonstrações de fraqueza vindas daquela garota — sua hemocinese é atrofiada, tornando a manipulação do sangue de outros seres que tem o coração ainda pulsante praticamente impossível, a ação sempre deixa consequências severas em seu próprio corpo... Amber nunca conseguiria ter feito o que fez se o Inverno não tivesse dado o golpe inicial no infeliz.

Sem que a jovem lhe diga mais nada, o Lorde já começa a tomar a segunda providência, arrastando o homem morto pela neve macia até posicioná-lo ao lado das raízes de uma graúda árvore. Iça-o, com uma corda já gasta pelo uso, pelo tornozelo com o auxilio de um galho, usando o próprio corpo como contrapeso. O cadáver pende de cabaça para baixo no ar, somente sustentado pela corda fina, pendulando algumas vezes antes de aquietar-se. A criança sai de seu estado de estupor adoentado, dirigindo-se, cambaleante, a pequena fogueira antes de voltar-se na direção do Lorde. Calian assiste quando a menina tira de cima do fogo uma tigela que borbulha com um líquido moscado, jogando seu conteúdo quente na neve, produzindo, assim, um chiado baixo que se mescla com outros ruídos da floresta, quase silenciosa em seu período noturno.

Posicionando a tigela imediatamente abaixo do corpo, que oscila de acordo com a brisa, a menina usa a espada de honraria de Kaan, há muito cega, para separar a cabeça do restante do homem. O sangue, freado pela temperatura baixa, demora a fluir para o ar livre; no começo gotejando escassamente até passar a descer para a tigela em um fio contínuo. Mal espera a o líquido encher todo o recipiente antes de leva-lo a altura dos lábios, cheirando-o como um animal esfaimado.

Quase não sente o sabor do fluido espesso antes da tigela desabar de suas mãos, manchando a neve com o sangue que mostra-se negro a pouca luz. Amber tropeça vacilante, afastando-se da poça em um estado de afobação irracional, ganindo enquanto entrelaça seus pés um no outro, tentando manter o equilíbrio. Suas mãos avançam para o rosto, esfregando-o com a intensidade contida na loucura, enquanto produz sons estrangulados, perambulando a esmo pela clareira. Ambos, Calian e Asch, trocam olhares antes de descerem vagarosamente pela árvore, sem desviar os olhos da menina que agora se encontra jogada na neve, convulsionando em espasmos violentos enquanto rasga a própria garganta com seus gritos contínuos. Mesmo em um plano tão distante, Calian é capaz de sentir o cheiro familiar de carne carbonizada — A menina queima sem nenhum fogo visível, guiando a deusa para uma única explicação aceitável.

Lemniscus Gätth...

O Cistal Lemniscus.

Não demora até que a criança perca a capacidade de gritar, emitindo somente alguns silvos enquanto seu peito sobe e desce de maneira árdua. Calian observa quando a garota se contorce sem animo na neve, que derrete a sua volta, soluçando enquanto as últimas bolhas irrompem da carne exposta pela pele derretida.

— Isso torna tudo mais complicado. — diz a mulher, sem preocupar-se em virar na direção de seu irmão, enquanto ajoelha-se ao lado da menina. Acaricia onde deveria estar seu cabelo cor de âmbar em um gesto que roça o significado de "maternal", desejando poder sentir a textura de seu crânio.

Por uma fração de segundo, seus olhos, dos quais Calian supõe terem cozinhado nas orbitas, voltam-se para ela.

Impossível.

— O que tem nessa menina que não seja complicado? — rebate o irmão, que respira fundo o ar que agora se encontra quente, chutando um pouco de neve no ato. — Ainda temos que avisar Corba.

A mulher assente e levanta-se em um salto, entrelaçando seus dedos nos de Asch. Sem olhar para trás, ambos deixam a clareira, penetrando a floresta densa e desaparecendo por entre as árvores.


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Notas finais do capítulo

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