O filho do pirata escrita por Eduardo Marais


Capítulo 9
Capítulo Nove




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– Eu conheço um atalho e economizaremos tempo, já que é uma coisa que você não tem.

– Prefiro seguir o caminho do mapa, Marlene.

– Não! Vamos usar meu atalho e encurtaremos dois dias. Além do mais, conseguiremos nos aproximar do mar. – ela relincha e sacode a crina. Começa a mudar seu trajeto e é seguida pelo homem. – Você poderá pescar e deixar de comer essas carnes secas.

Estava entardecendo, quando os caminhantes encontram uma pequenina clareira em meio às arvores altas e algumas ondulações rochosas. Era o local perfeito para pernoitarem.

– Vamos acender uma fogueira e descansar. Pode descansar um pouco enquanto busco madeiras.

– Não. Irei com você e aproveitarei para comer algumas frutas e folhas. Este lugar está tão mudado, quase não o reconheci.

Andreas congela-se e não dá um passo sequer. Volta-se para Marlene.

– Você conhece mesmo este atalho ou está me levando de volta ao rancho?

– E quanto a você? Vai mesmo me ajudar ou está apenas explorando minha capacidade de carregá-lo e correr mais rápido que suas pernas podem?

O moreno levanta o queixo e a olha de maneira desafiadora.

– Estamos no mesmo barco e com pouco suprimento. Temos de confiar um no outro.

– Certo, Capitão Ganchinho! Vamos procurar lenha e água doce!

Caminhando em silêncio, cada qual se concentra em seus afazeres. Andreas juntava madeira para a fogueira em um canto escolhido e depois iria encher seus odres com água fresca. Estava ouvindo o som de quedas d’água. Já imagina um longo banho naquelas águas frias, mas revigorantes.

Mas o som das águas não encobre outro som agudo. Parecia um assobio, mas era grave demais para ser isso. Andreas para sua tarefa e mostra-se atento, encontrando Marlene estática como se fosse uma estátua, com uma de suas patas erguidas, como se tivesse interrompido um passo.

– Ouviu isso?

– Estou ouvindo há algum tempo, porém agora está mais intenso. – ela fala movendo as orelhas longas e pontudas. – O som assemelha-se ao som da voz humana!

– Consegue identificar de onde vem exatamente?

Marlene caminha lentamente e depara-se com uma piscina natural, recebendo as águas de uma queda não muito alta. Atrás da queda, conseguem ver a entrada de uma caverna.

– O som vem dali!

– Alguma fera ferida? – Andreas retira a mochila e trata de tirar o casaco longo. – Vou entrar na água e verificar. Pode ser um animal precisando de ajuda. Vamos aproveitar a claridade que ainda resta.

Marlene emite um relincho semelhante a uma risada.

– Pode ser um animal precisando de ajuda ou pode ser o seu futuro jantar.

Ao entrar nas águas, a frialdade do ambiente provoca um gemido alto do humano. Marlene fica à beira da piscina admirando aquela criatura tão valente e paradoxalmente tão frágil. E o acha ainda mais bonito!

Andreas percebe que pode caminhar tranquilamente ali dentro. Não era tão fundo. Aproxima-se da queda d’água e ouve o som tornar-se ainda mais nítido. Havia a possibilidade de passar pelo lado da queda, sem ter de atravessá-la e molhar-se por inteiro. E ele faz isso.

Entrando pela abertura da caverna, Andreas deixa-se levar pela imensa curiosidade que comandava sua razão. Desde menino, sempre permitia que sua impulsividade dominasse suas atitudes, mesmo que acabassem de maneira desastrosas. Mas sempre conseguia sanar sua curiosidade e naquele momento não seria diferente.

Lá dentro, ele vasculha o ambiente com os olhos e segue a origem do som. Era o som de um choro e para aumentar seu desespero, percebe que é o choro de uma criança. E uma criança com fortes pulmões! Observando um pouco mais o ambiente, descobre que a criança está presa num buraco no chão. O pequeno havia caído ali dentro.

Cerca de uma hora depois, Andreas atravessa a piscina carregando nos braços a criança embrulhada com sua camisa. Traz um belo sorriso em seus lábios e uma sensação de dever cumprido. Marlene ainda estava em pé na beira da piscina, esperando o desfecho da história.

– O menino estava preso num buraco dentro da caverna!

– Menino? Menino grande este! Parece-se com um anão!

– É um menino forte! – Andreas sai da piscina e acomoda o pequeno no chão. O menino parecia mais calmo. Desembrulha o pequeno e sorri.

– Menino que nada! Isso é um filhote de ogro, seu estúpido! Você está de posse de um filhote de ogro!!

Andreas emudece e perde o sorriso. Olha para a queda d’água e volta seus olhos para o pequeno rechonchudo. Depois encarar Marlene.

– O que ele estava fazendo naquele buraco?

– Ogros não gostam de água! Então eu tenho a sábia dedução de que ele foi posto lá, como isca para um otário com complexo de salvador! – ela grita.

– Pois eu tenho a sábia dedução de que você nos trouxe para um reduto de ogros, quando decidiu cortar caminho! Por isso achou o ambiente mudado!

– Eu apenas queria encurtar a sua jornada, seu pequeno comedor de carne!

– Imagino que tenha conseguido, porque agora seremos a carne do jantar dos ogros! Onde eu estava com a cabeça ao seguir os conselhos de um cavalo falante?

– O único cavalo falante aqui é o senhor, Capitão Ganchinho! Eu sou uma égua falante!

– Égua ou cavalo, pouco importa quando se está rodando num espeto, em cima de uma fogueira para ser o banquete de ogros!

O pequeno ogro segura a mão de Andreas e a aperta com cuidado. Chama a atenção para si e recebe um olhar assustado como resposta.

– Você me tirou da caverna.

– E a coisinha feia fala! – Marlene relincha. – Temos um ogrinho que já fala!

– Você também fala! Qual é o espanto? – Andreas retruca sem pensar na resposta.

Novamente o menino aperta a mão do homem.

– Eu quero a minha mamãe.

– Mas eu não faço a mínima questão de conhecer a digníssima!

– Shhhh! – Andreas repreende Marlene e volta-se para o menino, ajeitando a camisa em torno dele. – Vamos acender uma fogueira para aquecer a todos nós, depois vou procurar algo para que você coma. Lamento, mas terá de comer peixe, caso eu ainda consiga pegar algum. Por que você estava na caverna? Ogros não gostam de água!

O menino tosse e sorri com seus poucos dentes que tinha.

– Minha mãe me mandou embora, porque meu pai é um humano e eu vim procurar meu pai.

Marlene relincha idêntica a uma gargalhada humana.

– Ah! Não me diga que seu pai é o Capitão Gancho? Porque se for, Andreas está atrás dele! Veja que lindo: vocês são irmãos!

O menino estreita as sobrancelhas e inclina a cabeça para o lado.

– Por que não tenta pegar algumas madeiras e levar para o acampamento? – rosna Andreas.

– Porque teria de ocupar minha boca e não poderia participar dessa conversa tão interessante!

Alguns minutos depois, o trio retorna para a clareira. O pequeno ogro vinha caminhando de mãos dadas com Andreas, enquanto Marlene vinha à frente com os tocos de madeira presos em sua cela. Continuava intrometendo-se na conversa dos dois, com comentários desdenhosos e sarcásticos.

– Você é um homem? – pergunta o ogrinho sorrindo. Mas logo desmancha o sorriso ao ver Marlene parada e Andreas congelado. Ambos olhando para frente e encarando uma figura grande, feiosa e musculosa.

– Há menos de cinco minutos... eu era. – responde Andreas sentindo o ímpeto de correr o mais rápido que pudesse.

– Humano, você tem um menino ogro! – voz rouca e grave da figura ecoa pela pequena clareira. – O que fez aos pais dele?

Lento e muito cuidadoso, Andreas empunha sua espada e vai empurrando o pequeno ogro para trás de seu corpo.

– Eu o encontrei numa caverna, dentro de um buraco. Ele está com fome, frio e iremos devolvê-lo à mãe dele!

– Iremos? – sussurra Marlene.

– Entra no território demarcado para o que restou dos ogros, rapta uma criança ogro e ainda quer convencer alguém com sua história, humano?

Andreas protege o pequeno ainda mais. Levanta o queixo em demonstração de desafio e falta de medo. Uma mentira!

– Você não ouviu o que eu disse? Não raptamos o menino. Não seriamos imprudentes para invadirmos o seu território demarcado e cometer tal crime!

– Não viu a demarcação que os outros humanos fizeram? Ou veio em busca de um motivo para provocar nossa ira? Irados, iríamos invadir as aldeias e os humanos matariam o que resta dos ogros!

Um sorriso malicioso emoldura o rosto de Andreas. Aponta a espada para a ogra:

– Ou esse era o seu plano: raptar o menino e escondê-lo no buraco, criando um motivo para que os ogros ficassem irados e invadissem a próxima aldeia! Sabe que os aldeões não estão preparados para novas batalhas, porque também tiveram muitas baixas!

Marlene relincha e se sacode com força, derrubando a madeira de sua cela. Observa a ogra erguer sua clava e Andreas retesar-se.

– Caso contrário, você não surgiria tão rápido, sendo que o garoto estava quase congelado naquela caverna!

A ogra gargalha e estende a mão.

– Entregue o menino. Vou levá-lo para a mãe dele.

Andreas percebe o ogrinho encostar-se ainda mais em suas pernas e proteger-se ali. Recorda-se com muita saudade de sua garrucha. Iria resolver aquela situação com facilidade. Jamais entregaria o pequeno, pois conhecia o mau hábito das ogras ao comerem os filhotes das outras ogras.

– O menino irá conosco e você irá ficar exatamente onde está.

A ogra gargalha e urra tão forte como se fosse um trovão, tomando conta dos céus e da clareira iluminada pela lua poderosa. Ela avança na direção do homem e surpreende-se ao vê-lo correr em sua direção, empunhando a espada. Ele urra também.

Enquanto isso, Marlene corre para o menino e o empurra com o focinho, para um canto mais afastado. Retorna galopando com velocidade para evitar que sua passagem para o reino onde estava o Sombrio, não fosse tirada de suas patas.

E os três lutam. Entretanto, a luta é bruscamente interrompida pelo som estrondoso de vários outros urros. Os combatentes levam sua atenção para o mesmo lugar e deparam-se com um grupo com cinco ogros adultos.

Andreas estende a espada na direção deles e grita:

– Não toquem no bebê! – estende a mão e vê o pequeno correr para se abrigar ali. – Matarei a todos vocês!

Marlene empina poderosa e movimenta as patas dianteiras numa alusão ao ataque.

– Esse menino é um ogro! – grita um dos ogros adultos.

– Mas é claro que é! Tem cabeça de ogro, pernas de ogros, dentes de ogro, então ele é um ogro! – diz Marlene emitindo uma risada quase humana.

– Eu estava impedindo que os humanos raptassem o menino! – rosna a ogra.

– Eu tirei o menino de um buraco dentro de uma caverna, atrás da queda d’água! Ele estava preso lá! Iríamos devolvê-lo à mãe! – grita Andreas protegendo o pequeno e empunhando com ferocidade a sua espada.

Um dos ogros adianta-se ao grupo e exibe sua liderança. Bate no peito e exibe várias cicatrizes. Aponta a clava para o homem. Não vê reação de fuga.

– Esse bebê é o filho de uma fêmea de outro grupo. É o menino híbrido, filho de um humano macho com uma fêmea de nossa espécie. Por que o defende tanto se a própria aldeia expulsou a criatura?

– A guerra acabou faz tempo e os humanos continuam vindo aqui? Ele é um bebê! – comenta Marlene. – Vocês estão permitindo que os humanos cruzem com suas fêmeas em troca de alimento ou o quê?

– Jamais permitiríamos tamanha calamidade! Não sabemos quando houve o encontro, mas houve. A aldeia dela expulsou o menino e desde então, ele anda vagando pela reserva. – o ogro leva seus olhos escuros para a ogra musculosa. – O bebê não pode ser tocado ou criado por nenhum de nós. Por que o queria? Alimento?

Ela inspira profundamente. E não responde. O ogro volta-se para Andreas.

– Está defendendo demais essa aberração. É seu filho, homem? – os outros ogros urram com muita raia, beirando o ódio.

– Não. Eu disse a verdade. Além do mais, nunca estive com uma fêmea. – Andreas cala-se repentinamente e observa o ogro aproximar-se dele. A criatura o cheira repetidas vezes.

– E nem estará com fêmea alguma. Alguém o bloqueou para outros toques. – o ogro se afasta, mas olha por cima do ombro. Aponta a clava para a ogra. – Deixe-os em paz, agora! E quanto ao humano: saia de nossa reserva, mas terá de deixar o menino.

– Ele morrerá de fome ou será devorado por alguma fera!

– O menino já sobreviveu a doze luas cheias. Saberá viver na reserva. – emite um urro e afasta-se, sendo seguido pelos outros ogros. – Agora saiam!

Tudo fica em silêncio pela clareira. Mas Marlene cala a boca do silêncio.

– Muito bem, senhor defensor dos pobres ogrinhos desprotegidos. Vai voltar para sua casa levando um filhote de ogro com sangue humano? Ou irá apresentar o netinho ogro ao seu pai?

– Ora, cale a boca!


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