O filho do pirata escrita por Eduardo Marais


Capítulo 8
Capítulo Oito




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Nos dias que se passam, o frio começa a mostrar-se intenso, avisando que o inverno daquele ano não seria ameno. Andreas continua sua jornada. Tinha pressa e não poderia vacilar ou teria de acreditar nas ameaças de Agnese.

E foi no início daquela manhã, coberta por neblina, que o rancho é avistado. Andreas gargalha. Teria de ser liso e rápido como a um lagarto para entrar, efetuar o roubo e sair sem ser percebido pelos soldados pagos. Mas antes, deveria observar o terreno e estudar as defesas.

E é exatamente o que faz. Utiliza-se de um dia inteiro para entender a movimentação e percebe que os tais soldados eram homens coxos ou mutilados, oriundos de alguma batalha. Todos sobreviventes que haviam recebido a oportunidade de um trabalho, casa e comida. Tinham fama de terem sido exímios espadachins, mas Andreas não estava com vontade de saber se era verdade ou lenda.

Desliza pelos fossos e mistura-se às águas. Teria de ser tão forte quanto qualquer habitante daquela escuridão molhada e orava para não se encontrar com nenhum deles. E seguindo seus instintos de ladrão, ainda latentes em suas veias, o homem consegue atingir o andar logo acima dos fossos.

Misturado às sombras criadas pela pouca escuridão da casa feita em pedras, Andreas vasculha silenciosamente o interior no imóvel na esperança de encontrar vagens fora das plantações. Com a habilidade dos gatunos, o homem encontra o quarto grande de armazenamento das colheitas. Era um quarto sem móveis, mas com inúmeros nichos nas paredes para a acomodação dos frascos fechados com tampas de couro. Após abrir um deles, observa que no interior deles adormecia algumas vagens. Precisaria apenas de uma delas e sem hesitar, a apanha, devolvendo o frasco ao seu nicho.

Sorridente e confiante, Andreas guarda a vagem em um compartimento protegido no interior de seu casaco e volta-se para a saída do cômodo. Porém, fica congelado ao deparar-se com dois dos soldados olhando-o com expressão pouco amigável.

Minutos depois do encontro, Andreas está correndo pelo labirinto em que havia se transformado aquela casa. Em cada curva, aparecia um dos soldados, obrigando-o a lutar mais e mais, usando seus conhecimentos no manuseio de uma espada.

Os soldados eram de fato homens limitados e por isso criaram um revezamento entre eles, para que nenhum fosse ferido ou se cansasse mais do que o necessário. Ao contrário de Andreas que conseguia sentir dor e cansaço em todos os músculos de seu corpo. Não poderia desistir ou provocaria sua caçada como se fosse um animal.

Quando consegue escapar mais uma vez, Andreas larga-se no chão contra uma coluna imensa e cilíndrica, buscando oxigênio para seus pulmões. Ofegante e cansado, luta procurando forças, sobretudo quando ouve o som de saltos de botas. Duas pessoas se aproximavam de seu esconderijo. Porém algo chama sua atenção: o som dos saltos estava sincronizado.

Rapidamente, ajeita a luva e firma a espada na mão, levantando-se e saindo de trás da coluna. Empunha a espada e exibe um sorriso ferino. E que viessem os soldados!

– Hummm! Você é a coisa mais linda que meus olhos já viram desde que vim para esta casa!

Andreas está estático. Nada se move em seu corpo.

– Convivo rodeada por esses homens feios e mal humorados. E hoje fui presenteada com a visão do paraíso! O que quer em minha casa?

– Eu...eu...ah...bem....

– O que foi? Nunca se encontrou com um equino falante? – o animal se senta no chão, assumindo uma posição singular e assemelhando-se a um cachorro gigante.

– Desculpe-me...mas...eu...

A égua emite um relincho risonho e prolongado.

– Os soldados do meu patrão estão espalhados por todo o labirinto e em breve estarão aqui. Não creio que você tenha tanto tempo para perder com essa gagueira.

Vimbuscarumavagemdefeijãoparaabriroportal! – Andreas fala tão rápido que tudo se transforma numa única palavra.

A égua torna a relinchar. Não se mostrava calma.

– Quer abrir um portal? E para quê?

– P-para encontrar o meu pai!

– Humm! E que papai é esse que vale o risco que você está correndo aqui? Ouça! Os soldados estão se aproximando!

Andreas desce os olhos à meia visão e fortalece o braço empunhando a espada.

– Você é lindo, mesmo!

– Eu já percorri vários reinos, perdi meu amigo, fui vendido como escravo, porque tenho de encontrar o meu pai! Preciso dele para atender a um pedido de minha mãe! E vou morrer tentando!

– Quem é o seu pai? Algum sultão de um reino desconhecido? Algum mágico poderoso?

– Meu pai é o Capitão Gancho!

A égua relincha e fica em pé. Bate os cascos dianteiros no assoalho de pedra.

– Ahhh! Eu já vi o Capitão Gancho lutando! E por isso eu sabia que estava reconhecendo os seus olhos! Mas onde ele está? Por que não o encontramos mais? Por que o Barba Negra está com o Jolly Rogers?

Andreas faz um sinal imperativo com a mão.

– Pare de fazer tantas perguntas! Apenas diga-me o que lhe fizeram para ser um animal falante! Seja rápida ou serei morto e não poderei ouvir sua história!

– Certo, Capitão Ganchinho! Eu era uma mulher que se fantasiava de homem para poder fugir aos comandos do pai e até para conseguir lutar numa batalha. Chefiei um batalhão na guerra contra os ogros e saímos vitoriosos, mas fui transformada nisso, quando minha mãe descobriu tudo! Como não tinha para onde ir, vim parar aqui e faço a proteção dos feijões!

– Linda história! O que pretende fazer, agora? Irá lutar comigo? – o braço de Andreas treme e ele é sobressaltado com uma forte pancada na porta. – Tudo o que desejo é uma das vagens! Aqui tem milhares delas e nem em mil vidas serão utilizadas! Por favor, deixe-me ir!

A égua começa a andar de um lado ao outro pelo cômodo e às vezes leva seus olhos bonitos para a porta.

– Nenhum outro ladrão chegou tão longe! Isso é interessante! – ela caminha ainda. Depois para e olha para o homem. - Tenho uma proposta.

Andreas a olha com desespero e aquele olhar atinge em cheio o coração da criatura. Como aquele humano era bonito!

– Onde está seu pai? O reino onde ele está tem magia?

– Eu creio que sim! O Sombrio e a Rainha Má estão lá! Certamente há magia sim!

– O Sombrio? – a égua bate rapidamente os cascos traseiros no chão. Olha a porta agredida. – Será que o Sombrio ou a Rainha Má poderiam acabar com o meu pesadelo?

– Claro que sim! Agora, tire-me daqui e eu a levarei comigo!

Pouco mais de uma hora depois, homem e animal estão cavalgando pela floresta em direção à liberdade. A criatura mostra-se radiante, histérica e consegue derrubar seu cavaleiro por diversas vezes durante a cavalgada.

Tendo enchido seus odres com água fresca do rio, Andreas acomoda-se num canto próximo a uma árvore e apanha sua mochila com carne e frutas secas. Precisava alimentar-se antes de prosseguir viagem.

A égua apenas corre de um lado ao outro, feliz pela possibilidade de retornar ao seu estado humano. Salta obstáculos, rola pelo chão, molha-se na parte rasa do rio, arranca capim verde apenas para jogá-lo para o alto, corre atrás dos pássaros que tentavam pousar e emite os mais divertidos sons. Depois de muitas demonstrações de histeria, ela se senta ao lado do homem, como se fosse um cachorro imenso.

– Será que um dos feijões será suficiente para pagar por minha transformação? – ela olha para o lado e depara-se com Andreas adormecido pelo cansaço e pela tensão. Estranha a maneira como ele confiava nela. Tão frágil, tão lindo e adormecido ao lado de uma criatura desconhecida. Ela poderia denunciar a sua localização, mas ele sabia que isso não seria feito.

Quando Andreas desperta tem a sensação de que está sendo beijado. Uma ótima sensação até ser transformada na certeza de que não eram beijos. Eram lambidas! Praticamente ele se põe em pé num salto ornamental.

– Você estava lambendo meu rosto!

– Eu sou um animal, menino! Você teve sorte, porque eu poderia tê-lo acordado fazendo xixi em seu rosto!

– Pensando por este prisma: então, obrigado! Agora que já demonstrou suas habilidades, temos de continuar nosso caminho!

A égua começa a caminhar ao lado do homem, emitindo sons animados como se estivesse rindo.

– Não sei o seu nome, Capitão Ganchinho!

– Sou Andreas Verbenas e o seu?

– Sou Marlene. Mas não me recordo do sobrenome. Estou a tanto tempo neste corpo que nem sei se conseguiria ser uma dama novamente.

– Você me disse que era uma guerreira e não uma dama.

Marlene relincha.

– Mas você é um cavalheiro e irá me transformar numa dama. Irei dançar na corte, usar vestidos lindos e perder a minha ferradura...o meu sapatinho na escada para um príncipe encontrar.

– Isso já aconteceu um dia, em algum vilarejo. Não é original! Há quanto tempo está naquele rancho?

– O tempo suficiente para começar a gostar de feno e aprender a fazer cocô em pé. – Marlene para e obriga Andreas a parar também para olhá-la. – De onde você veio?

– Passei por muitos reinos. – ele estende a mão e toca-lhe a crina longa. – Precisamos ser rápidos porque tenho de retornar até a primeira semana do inverno ou serei caçado por mercadores de escravos.

Marlene balança a cabeçorra e recomeça a caminhar.


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