Enfim era o último tempo de aula. Minha paciência estava atingindo o limite, fazendo com que Kitty olhasse em minha direção com censura naqueles imensos olhos cor de chocolate quente, um pouco mais escuros que os meus. Torci a cara; era uma imensa e total perda de tempo, pra mim pelo menos, ficar ali sentada, naquela sala cheia de gente que só queria saber da vida alheia, enquanto a noite não chegava.
Se eu pudesse passar o tempo mais rápido...

Parecia que os ponteiros do relógio estavam numa corrida para ver qual era o mais lento, e pior, eu parecia estar assistindo essa corrida na função passo-a-passo do DVD. Soltei um muxuxo inauditível, mas minha amiga escutou, é claro, ela sempre escutava, e riu da minha impaciência.
Que bom que pra ela eu sirvo como distração. – pensei, torcendo minha caneta nova entre as mãos. Um leve cheiro de plástico queimado me deixou alerta. O murmúrio baixo de Kitty foi ouvido apenas por mim:

-Controle-se!

Fácil de falar, difícil de fazer. Olhei a caneta queimada com um pouco de culpa, a temperatura dela estava voltando ao normal, mas ficara inutilizada. A terceira de hoje.

Sorte que eu tinha um monte; meus pais iriam estranhar se eu começasse a pedir canetas todos os dias. Meus pais. Meu coração já não doía tanto ao pensar neles. Eu escolhi isso, eu escolhi essa vida pra mim. Eu escolhi meu futuro.
As pessoas - volta e meia - olhavam para mim achando que minha preocupação era apenas por causa da apresentação daquela noite.

Ah se eu tivesse tanta sorte...

Após uma eternidade, ouvi o sinal avisando que a aula terminava. Coloquei minha mochila nas costas (nem me preocupara em tirar um livro pra fingir que estava prestando atenção na aula... era inútil mesmo). O olhar de Kitty agora era especulativo.
-Estou bem. – Menti.

-Mentira.

-É mesmo. – Concordei. – Estou louca para que a noite chegue logo. Todos os meus problemas vão estourar na minha cara de uma vez; então estou muito entusiasmada. – Minha voz era claramente cínica. – Mas não se preocupe, não tenciono matar ninguém. – “Que não mereça.” Adicionei mentalmente.

- O ar estará seco mais tarde.

Ótimo. Isso exigiria ainda mais de mim. Já era difícil não incinerar meio mundo numa sala com dois ar-condicionados mantendo uma amena temperatura de dezoito graus Celsius, imagine um local com cerca de quarenta graus, com meu temperamento, meus problemas vindo à tona, e o ar seco.

Talvez naquela noite eu matasse mesmo alguém.

-Avisei aos seus pais que a escola iria precisar de nos a tarde toda e que eu vou à sua casa buscar suas roupas. – Kitty falou enquanto descíamos as escadas.
-Fácil assim? – Eu duvidei.

-Claro, eles me adoram. – Ela retrucou, sorrindo. – Eu sei disso. Uma leve brisa de verão me contou. E não quero que nada demais aconteça a eles.

-Imagino que sim.

Aquela menina magrinha era incrivelmente irritante para o tamanho dela.