Dez horas escrita por Yokichan


Capítulo 1
10 horas




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Annie estava indo vê-lo.

Depois de seis anos se perguntando se deveria afinal amá-lo ou esquecê-lo para sempre — como se houvesse opção —, ela estava finalmente indo até ele. Estava há nove horas naquele maldito ônibus quase vazio, sabendo que ainda teria muitas outras pela frente e que aquilo parecia uma loucura idiota, indo para Ohio encontrar um cara que ela conhecera na internet e que destruíra qualquer sonho estúpido que ela pudesse ter na vida.

Porque ele era tudo do que ela precisava.

E aquilo de sonhos não passava de besteira.

Mas Annie nem sempre fora assim tão fria consigo mesma. No começo, quando tudo ainda parecia tão simples e perfeito, quando não havia nem mágoa, nem dor, ela era como um doce derretendo sob o calor do sol. A vida se resumia a passar o mais rápido possível pela escola e a conversar com ele o tempo todo. Nada mais. E como a garotinha tola que ela era aos dezesseis anos, sonhava com o beijo que nunca tinham dado e com o príncipe encantado que ele jamais poderia ser. Mas, droga, ele era tão diferente dos outros garotos e lhe dizia coisas tão inimagináveis...

Ela pensava que ele era Deus.

Seu nome era Heron.

Quando o ônibus passou por Salina, no Kansas, já estava escurecendo. Annie encolheu as pernas para cima do banco e continuou olhando pela janela, para o mesmo descampado de sempre, para o mesmo nada. A última luz avermelhada do dia caía em cheio no vidro ao seu lado e ela podia ver nele as manchas de pó e sujeira. Podia ver seu rosto refletido, o rosto da mulher de quase vinte e três anos que ela havia se tornado.

O celular agora estava sem sinal e ela se perguntou se ele havia lhe mandado algo. Sua última mensagem tinha sido há meia hora, pra dizer que tinha chegado do trabalho e que lá em Lancaster estava fazendo um calor dos infernos. Annie releu cada palavra dele. Então ela o imaginou saindo do carro, estacionado ao lado da casa, e subindo os três degraus da varanda. Imaginou a madeira estalando debaixo dos sapatos dele. Imaginou-o entrando em casa, jogando as chaves do carro sobre uma mesinha, tirando a camisa enquanto andava até o banheiro. Imaginou a água fria caindo sobre seu cabelo escuro.

Annie lembrou de como Heron havia pedido que ela fosse até ele, lembrou de como sua voz ao telefone às quatro da madrugada tinha parecido cansada, cansada de tudo. Ela talvez ainda estivesse meio dormido, mas lembra-se exatamente de como ele disse aquilo — “eu quero você aqui, então pegue o primeiro ônibus amanhã e venha passar uns dias comigo”.

E, bem, ela foi.


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