Vínculo. escrita por Isadora Nardes


Capítulo 6
Caminhonetes, boquetes e música.


Notas iniciais do capítulo

Como eu imaginei o Otávio: http://33.media.tumblr.com/136b22f1435605f48aa2677e0fa785c7/tumblr_ncc45bbITc1rwd3mro1_500.jpg
Como eu imaginei o Douglas: : http://chrisboalsartists.s3.amazonaws.com/gxl_525f030b-61ac-47de-8860-77420aa613db.jpg



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Ethan acordou com solavancos.

Abriu os olhos, que pareciam pesados demais. Ele moveu a cabeça. Estava escuro, e ele só via formas na escuridão. Tudo parecia bem distante. Ouvia vozes e coisas que não faziam sentido.

–- Acho que ele tá acordando – ouviu uma voz de garota dizer.

–- Sei lá – ouviu outra. – Tim, seu vagabundo, vamos logo, o Patrick tá esperando!

–- Quem diabos é Patrick? – oura voz interveio. – Mais um da lista dos caras que você chupou?

–- É meu meio irmão.

–- A Katrina chupou o meio irmão dela! – outra voz gritou.

Risadas e mais risadas. Ethan começou a ver com mais clareza. Luzes verdes, vermelhas, brancas e amarelas dançavam dentro do ambiente. Era pequeno. Ele pôde sentir que estava sentado, com as pernas dobradas e os braços esticados, um para cada lado.

Começou a distinguir o ambiente. Tinha seis janelas pequenas, três de cada lado, todas fechadas. Virando a cabeça pra cima, viu dois bancos de carro e um perfil conhecido; com cabelos pretos cortados quase rentes a cabeça, um sorriso aberto, corpo magro e olhos faiscantes. Ethan voltou seu olhar para o outro lado do cômodo. Uma enorme porta, com trancas de metal. Ethan olhou para seu lado direito, onde Clarisse mexia em sua mão e apertava seus dedos. Ao lado dela, Katrina tinha a face iluminada pela luz branca do celular. Ao lado de Katrina, Wandy enrolava a ponta de seu cabelo louro nos dedos.

Olhando para a esquerda, viu Jacqueline de olhos fechados, com a cabeça encostada no banco do carro. Ao lado dela, alguém que Ethan não reconheceu: era um garoto de cabelos castanho-escuros, olhos verde-escuros, e brincava com uma pulseira de Jacqueline; ele tinha um nariz pontudo, uma boca desenhada, sobrancelhas finas e compridas, levemente abaixadas no fim.

Do lado dele, outro garoto: louro, tão louro que Ethan quase foi cegado pela lourisse; sobrancelhas louras, cabelos louros, cílios louros. Se Ethan fosse apostar, diria que todos os pelos do corpo dele eram louros. Os olhos eram de um azul cinzento, opaco, mas brilhante. Ele estava com as costas encostadas na parede da caminhonete, como todo mundo, e estava com os joelhos dobrados por cima dos tornozelos de Ethan. Era magro, com o rosto comprido, os lábios rachados e o nariz arrebitado. A testa era grande, os cabelos estavam despenteados e jogados pra trás das orelhas – que eram enormes. Ele vestia uma blusa branca de gola, e por cima uma manga comprida marrom de lã. Os cotovelos estavam apoiados nos joelhos, e ele segurava um cigarro entre os dedos.

Ethan se mexeu, e foi saudado por risadas.

–- Resolveu acordar, ein, pegador? – provocou Timothy.

–- Que porra é essa...? – Ethan perguntou, esfregando os olhos e se sentando.

–- Kat revelou pra nós as coisas sujas que você fez com ela no chalé da Clarnoiada – Wandy disse, animada. Ethan piscou.

–- “Clarnoiada”?

–- É meu novo apelido – Clarisse disse, sorrindo. Puxou do bolso do moletom um pacote com compridos. – Ah, eu consegui as pílulas!

–- Como?

–- Tive que chupar o Ayr.

–- Você não é a única que chupa as pessoas – Jacqueline disse, lançando um olhar para Katrina, que se limitou a rir, sem tirar os olhos do celular.

–- É verdade – Clarisse disse, olhando para Katrina. – Ela chupou seu meio-irmão.

–- Meu? – Ethan coçou o couro cabeludo.

–- Você tem um meio-irmão?

–- Não.

–- Ótimo – Katrina disse. – Então, eu não chupei ninguém, assunto resolvido.

Ethan deu uma risadinha. Seria possível que ela tivesse se esquecido de quatro meses atrás?

–- E vocês, quem são? – Ethan fez um sinal com a cabeça para os dois garotos ao lado de Jacqueline.

–- Otávio – disse o garoto de olhos verdes. – E você é o Ethan Escudo de Carvalho, né?

Ethan riu.

–- Cara, to procurando aqui onde eu te dei essa intimidade – Ethan provocou.

–- Ah – Otávio riu. – Cara, seus amigos não sabem guardar segredos.

–- Ah, é?

–- Sim. Essa aqui, ó – ele apontou para Katrina. – Contou tudo o que você fez há quatro meses. E ela – ele apontou para Clarisse. – Ah, ela falou muito sobre você.

–- Eu sei que vocês me amam – Ethan disse.

–- Vai se fuder – Jacqueline murmurou, sem abrir os olhos.

–- Inclusive você – rebateu Ethan. Olhou para o garoto louro. – E você?

–- Eu não te amo, pode ter certeza – o garoto louro disse. Todos riram. – Mas meu nome é Douglas.

–- Douglas – Ethan repetiu. – Que nome gay.

–- Eu sou gay – Douglas rebateu.

–- É?

–- Sou. Acha que eu vou esconder? Sou mesmo. Se reclamar, eu boto salto alto.

Todos voltaram a rir. Douglas apagou o toco de cigarro na porta da caminhonete. Ethan percebeu que ela era toda rabiscada por dentro. Se levantou desajeitadamente e foi sentar no banco ao lado do motorista.

–- Que porra você tá fazendo? – perguntou Timothy, quando Ethan começou a mexer nos CDs do porta-luvas.

–- Tom Vagabundo – Ethan disse, sem tirar os olhos dos CDs. – Eu to procurando um álbum decente para ouvir.

–- Cara, são meus CDs – Timothy protestou.

–- São meus, são nossos, são de todo mundo – Ethan abanou os CDs. – Vamos ouvir alguma coisa.

Timothy resmungou e voltou seu olhar para a rua. Ethan lia os títulos dos CDs e ficava cada vez mais indeciso. Mesmo sendo preguiçoso, idiota, reclamão e – como o próprio nome diz – vagabundo, Timothy tinha um ótimo gosto musical.

–- E esse, cara? – Ethan perguntou, abanando um CD com a capa branca.

–- É uma coletânea que eu fiz pra gente... Pra gente... Fazer alguma coisa – Timothy deu de ombros.

–- Transar? Fumar? Beber? Jogar? Comer?

–- Eu gosto de comer – Wandy gritou.

–- Cale a boca, Wan – Jacqueline murmurou.

–- Ela me chamou de Wan! – Wandy comemorou. Timothy ignorou-as, respondendo:

–- Um pouco de tudo. E mais um pouco.

Ethan sorriu e virou o CD. Atrás, as faixas estavam escritas com a tradicional letra de garrancho de Timothy.

1 - Arabella – Arctic Monkeys

2 - Oh Love – Green Day

3 - Take Me Out – Franz Ferdinand

4 - Flourescent Adolescent – Arctic Monkeys

5 - Two Fingers – Jake Bugg

6 - Yellow Flicker Beat - Lorde

7 - Wonderwall – Oasis

8 - Youth – Daughter

9 - Fiction – The XX

10 - R U Mine? – Arctic Monkeys

–- Cara – Ethan arqueou as sobrancelhas. – Eu não sabia que você curtia isso.

–- Tem outros dois CDs desses aí – Timothy acenou com a cabeça. – Só procurar.

–- Dois? – Ethan falou, com descrença evidente na voz.

–- Quem você acha que eu sou? – Timothy perguntou.

–- Você é o Tim Vagabundo, oras!

–- O Tim Vagabundo não pode ouvir música boa?

Ethan sorriu e voltou a vasculhar. De fato, havia dois CDs idênticos, com os mesmos garranchos.

1 - Riptide – Vance Joy

2 - Scare Away The Dark - Passenger

3 - Blame It On Me – George Ezra

4 - Weekend War – MGMT

5 - Serial Killer – Lana Del Rey

6 - Seen It All – Jake Bugg

7 - Playing God – Paramore

8 - Team – Lorde

9 - Wild Wolrd – Cat Sevens

10 - R U Mine? – Arctic Monkeys

Ainda havia um terceiro.

1 – Dancing Shoes – Arctic Monkeys

2 – Eletric Feel – MGMT

3 – Cassy O’ – George Ezra

–- Não tem mais? – Ethan perguntou.

–- Sei lá, eu só to precisando de novas músicas – Timothy disse.

–- Vamos ouvir, então.

Ethan pegou o primeiro CD, tirou o disco e colocou no aparelho.

–- Arabella's got some interstellar gatorskin boots... And a Helter Skelter 'round her little finger, and I ride it endlessly... She's got a Barbarella silver swimsuit, and when she needs to shelter from reality she takes a dip in my daydreams...

Ethan deu um sorriso para Timothy. Olhou para trás, vendo os outros com sorrisos do mesmo tipo estampados no rosto. A música entrava em completa harmonia, mesmo que não tivesse nada a ver com eles.

Esperaram até a hora certa, e então cantaram:

–- My days end best when the sunset gets itself... Behind! That little lady sitting on the passenger... Side! It's much less picturesque without her catching... the light! The horizon tries, but it's just not as kind on the eyes...

As Arabella
Oh
As Arabella.

–- Just might've tapped into your mind and soul... You can't... be sure...

Eles deixaram a música tocar, e Ethan olhava para os carros e para as luzes. Tinha certeza que Marcela ia reclamar se ele chegasse tarde, mas... Bem, Marcela estava morta. E ela não ia voltar. Nunca mais.

Espantando lágrimas dos olhos, Ethan perguntou, para Timothy:

–- Onde estamos indo, mesmo?

–- Buscar Patrick – Timothy respondeu.

–- Quem é Patrick?

–- Meio-irmão da Kat.

–- Aquele que ela chupou – Wandy disse. Ethan se virou pra trás, rindo junto com os outros.

–- Clarnoiada – Ethan chamou. Clarisse levantou a cabeça. – Você disse que tem pílulas?

–- Tenho – ela respondeu, com um sorriso.

–- Me da uma?

–- Depois – Clarisse disse, guardando o pacote de plástico. – Eu to planejando uma coisa.

–- Rave?

–- Não. Uma coisa melhor.

–- Ah, a gente ia falar aquele negócio pra ele – Katrina lembrou.

–- A gente tem que ficar quieta sobre aquele negócio – Clarisse repreendeu.

–- Que negócio? – Ethan perguntou.

–- Nada. Esqueça.

–- Que negócio?

–- A gente passou na sua casa e fez suas malas – Wandy disse, rindo. Jacqueline jogou um casaco nela. – Que foi?

–- Pra quê isso? – Ethan perguntou.

–- A gente vai acampar um pouco, cara – Otávio disse. – Tipo, no Up The Floor.

Ethan ficou abismado. Parecia o nome de uma boate, mas, na verdade, era a parte mais alta da cidade, onde tinha uma visão espetacular das luzes. Ficava depois de um bosque de araucárias. As pessoas normalmente iam lá pra se drogar, mas fecharam o lugar depois que O Assassino do Bosque matou três pessoas lá.

–- Cara, como que a gente vai entrar? – Ethan perguntou.

–- O irmão da Katrina conhece um caminho alternativo – Timothy explicou.

–- Porra, Tim – Ethan reclamou. – Porra, Kat.

–- Eu só dei a ideia – Kat se defendeu.

Ethan virou-se pra frente. Depois perguntou:

–- Como vocês pegaram minhas coisas?

–- Com as mãos? – Douglas sugeriu. Todos riram, menos Ethan, que perguntou:

–- Minha mãe estava lá?

–- Não, cara – Timothy disse. – A gente pulou a janela.

–- Vocês o quê? – Ethan ficou abismado.

–- A gente pulou a janela. Mas relaxa, a gente pegou uma cópia da chave – Timothy tirou do bolso e entregou pra Ethan. – Cara, a gente vai só fazer uma festa, mano.

Ethan virou-se pra frente. A verdade é que estava realmente morrendo de vontade de passar uma noite fora de casa, com seus amigos. Algumas pessoas que ele mal conhecia, mas, ora, foda-se. Eles iam se drogar e transar juntos.

O mundo deve ser só uma enorme suruba, Ethan pensou. Ouviu a música mudar.

–- Oh love, oh love. won't you rain on me tonight? Oh life, oh life, please don't pass me by.

Ethan sorriu. Ouviu seus amigos cantando junto:

–- Don't stop, don't stop... Don't stop when the red lights flash... Oh ride, free ride, won't you take me close to you?

Sorrindo, ele disse pra si mesmo: “foda-se”. Afinal, poderia morrer a qualquer minuto, como Marcela. Era tudo frágil demais para ficar pensando muito nas consequências. Era melhor ficar doido, dar risada, cantar, berrar, acampar enquanto podia. Porque, quando ele fosse embora, aquilo não ia passar de algumas lembranças nas mentes dos outros. Ethan ia embora, e, para onde quer que fosse, sabia que não ia poder reviver tudo aquilo de novo.

Não ia ter a chance de acampar com um bando de retardados.

Nem de se drogar com esses retardados.

Nem de rir com esses retardados.

Nem de beber com esses retardados.

Nem de transar com esses retardados.

Nem de cantar com esses retardados.

E ele só ia ser uma memória na mente deles.


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