Entre Nós escrita por Aline Herondale


Capítulo 3
Primeiro Suspiro


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem.



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“De tudo, ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento”




— O que? Porque mamãe está no hospital?! O que aconteceu?! – Ambos gritaram em uníssono. Ange e Theo acreditavam que retornariam para casa naquela tarde, afinal, estavam já dormindo na casa da Dona Eva à dois dias. Adoravam a senhora idosa que lhes dava aulas sobre flores silvestres e deliciosos lanches no meio da tarde, mas queriam tornar a dormir na cama deles.

Primeiramente Dona Eva ficou apenas os encarando, tristonha e com os olhos marejados. Como explicar algo tão complicado para duas inocentes crianças?

— Ela...se machucou. E precisou ir para o hospital mas ainda não pode receber visitas. Vocês vão precisar esperar até amanhã, crianças. – Tentou.

— Não! Eu quero ver a mamãe agora! Mamãe! Cadê nossa mamãe?! – Ange exigiu aos berros enquanto sua visão ficava turva pela quantidade de água que começava a acumular nos seus delicados olhinhos azuis.

Theo apertava os lábios e os punhos para não chorar, mas ainda assim algumas lágrimas escaparam do seu controle.

— Não pode minha querida...não pode. Só Deus sabe como também quero ver como sua mãe está mas...não podemos... – Dona Eva não agüentou e se permitiu chorar em frente aos pequenos. Mesmo eles não sabendo o real motivo pelo qual levou Corrine à ser internada, apenas mencionar que ela estava num hospital era motivo suficiente para que os apavorasse. Mas Dona Eva não. Ela sabia que tudo aquilo era culpa de Graydon. Corrine não tinha nem o direito de comemorar o próprio aniversário? A mera lembrança a fazia bufar de raiva. Logo daria um jeito nisso, não permitiria – não dessa vez – que Graydon ficasse ileso da situação, mas ainda estava abalada demais para dar queixa. Precisava acalmar as crianças, visitar sua amiga e depois encontrar tempo para ir até a delegacia.

Sua maior certeza era a de que conseguiria, e que dessa vez, nada, nem mesmo as súplicas de Corrine, a impediriam.

Corrine sabia que Graydon a castigaria por ter chegado em casa e encontrado toda aquela gente transitando pela casa, e ela, comemorando o dia do seu nascimento. Era um homem rabugento que detestava visita e todas as pessoas da vizinhança. Nada poderia deixá-lo com mais raiva do que encontrar exatamente isso, após se ausentar por apenas algumas horas. E Corrine tinha conhecimento desse detalhe, motivo pelo qual pediu que Dona Eva cuidasse das crianças pois não gostaria que os pequeninos ouvissem seus gritos de dor e dos tapas.

Como resistir? Graydon ainda tinha o corpo atlético e forte, e ela não tinha coragem suficiente para fugir e/ou denunciá-lo. Só restava aguardar o inevitável. E foi o que aconteceu. Mas, por conta da gravidez, Corrine estava mais sensível do que o normal e precisou ser levada ao hospital – ironicamente pelo próprio marido.

Dona Eva não queria saber que tipo de desculpa ele havia inventado quando entregou a esposa aos cuidados médicos, mas se encarregaria de garantir que sua amiga se recuperasse da melhor maneira, e que, a partir daí cuidaria melhor dela e das suas duas crias gêmeas.





— A Senhora Heavenlly só pode receber visitas de parentes. – A enfermeira informou.

— Mas eles são os filhos dela. E como quer que eles vão sozinhos até o quarto? – Dona Eva perguntou indignada, e diante da verdade a enfermeira ficou sem graça.

Atropelando um pouco as palavras a mulher, trajando branco dos pés a cabeça, levou-os até o quarto de Corrine, e fechou a porta ao sair.

— Mamãe! Mamãe! – Os gêmeos gritaram assim que viram sua mãe deitada na maca. Correram em sua direção e apoiaram suas mãozinhas na borda da cama.

— Shh, crianças. Sua mãe está dormindo. Ela precisa descansar, por isso vamos falar baixinho para não acordá-la, tudo bem? – Dona Eva pediu, colocando o indicador na frente dos lábios.

— Baixinho assim, vovó? – Ange sussurrou de modo meigo, arregalando seus olhinhos azuis.

Dona Eva sorriu, concordando.

— Sim, isso mesmo minha pequena.

— Porque ela está com tanto fios, vovó? – Theo perguntou baixinho, enrugando o semblante para toda a aparelhagem hospitalar que ele desconhecia.

— Para ela sarar mais rápido.

— Ah, ta... – Responderam em uníssono e nenhum dos dois fez mais objeções, algo que Dona Eva agradeceu mentalmente. Ela só queria ficar ao lado da sua amiga até esta melhorar o suficiente para retornar para casa.

Seus braços estavam inteiramente enfaixados – do ombro até os pulsos – e seu pescoço. Mas mesmo assim uma ponta do hematoma extremamente roxo aparecia, indo até a orelha de Corrine.

Dona Eva inspirou profundamente várias vezes.





Ange e Theo normalmente exigiam uma atenção extra da Dona Eva, mas, em especial naquela tarde haviam se ocupado numa conversa em que somente ambos tinham conhecimento – coisa de gêmeos – dando espaço para que Dona Eva atendesse, sem interrupção, todos os clientes que chegavam na sua floricultura.

Não era algo muito rentável mas com o dinheiro que ganhava vivia bem. Colhidas do seu próprio jardim, toda manhã, Dona Eva disponibilizara uma parte da sua garagem para vender as flores que cresciam em abundância no fundo da sua casa. Surpreendentemente muitas pessoas passavam por lá todos os dias, muitas vezes a mesma freguesia, e compravam vários arranjos e buquês.

Talvez fosse o fato do preço ser mais acessível, ou talvez por muitas das flores vendidas ali serem raras, mas Dona Eva era feliz com o comércio que havia conseguido fazer para se sustentar por conta própria.

Enquanto enrolada alguns talos de Aguapé numa fita roxa, procurou, com os olhos, pelos gêmeos e encontrou-os sentados no meio dos Dentes-de-Leão que havia em frente à sua casa. Ange estava linda no seu vestido amarelo e Theo num conjunto azul claro. Pareciam duas pinturas de tão belos e delicados.

Dona Eva sorriu para a cena e tornou a atender outras duas senhoras que se aproximaram do lugar.

— Será que ela vai demorar pra’ ficar boa? – Ange perguntou distraidamente, enrolando seus dedinhos na grama.

— Não sei...Mas já estou com saudades. – Theo disse.

— Eu também. – Sua gêmea concordou. Ange pegou um Dente-de-Leão e o assoprou, observando os pequenos grãos subirem com o vento. – E porque o papai não aparece mais? Será que ele viajou de novo?

— A vovó disse que parece que ele foi pescar.

Ange arregalou os olhos para o irmão.

— E a mamãe?! Quem vai cuidar dela?! Esse papai é doido mesmo... – Ela balançou a cabeça negativamente, fechando a cara.

— Tem a vovó. – Theo a lembrou.

— Mas e nós? Quem vai cuidar de nós? A vovó precisa cuidar da mamãe, não da gente. – Ange concluiu, começando a ficar preocupada.

— Eu vou cuidar de você, mana. – Theo falou franzindo o semblante, como se fosse uma ofensa Ange não se lembrar daquilo. – Já sou grandão, já posso fazer isso. A vovó vai cuidar da mamãe e eu de você.

— Então também já sou grande. Não preciso que cuidem de mim. – A pequena disse, cruzando os braços.

— Mas a mamãe disse pra’ eu sempre cuidar de você...

— Mas já sou grande também! Não quero que cuide de mim. – Ange se irritou, não gostava de ser tratada diferente. Oras, porque ela ainda precisava de cuidados, como se fosse um bebê, quando seu irmão que era gêmeo não precisava mais? Não admitiria isso.

— Tá, ta bom... – Theo cedeu, sabendo que não conseguiria fazer sua irmã mudar de ideia. – Então promete que nunca vai se machucar?

Ange o fitou por alguns segundos antes de responder.

— Então, primeiro, promete que sempre vai estar comigo. Ai vai poder me lembrar disso. – Concluiu dando de ombros.

Theo sorriu e concordou com a cabeça. Cada um levantou o dedo mindinho de uma das mãos e, num ato de compromisso, enrolaram-nos.

— Toma, fiz pra você. – Theo disse e levantou o arranjo que vinha trabalhando desde o momento que se sentaram ali. Com o talo das flores ele havia feito uma coroa de flores, meio pequena demais e torta, mas ainda assim linda.

Distraída, como sempre, a pequena Ange não notou no que o seu irmão fazia com todas aquelas flores mas adorou o resultado e abriu a boca, surpresa com o presente. Abaixou a cabeça para que Theo colocasse a coroa nela. A menina ficou encantada, imaginando como estaria se parecendo exatamente como uma princesa e pulou sobre o irmão, num abraço de urso. Ambos gritaram e riram alto.

No primeiro momento Dona Eva se assustou, mas relaxou quando viu que eram apenas os pequeninos em mais de uma de suas brincadeiras. Porém ao continuar assistindo a cena levou um pequeno susto com o que viu.

Ange havia se jogado sobre Theo e estava agarrada ao pescoço dele. Ambos riam muito e ela parecia muito feliz com algo. De início não havia nada de muito diferente mas quando a pequena levantou o rosto para fitar o do irmão, lhe deu um selinho direto nos lábios.

Dona Eva estranhou.

Então Theo correspondeu e Dona Eva precisou parar o que estava fazendo.

E depois Ange lhe deu outros dois, sem hesitação alguma. Theo sorria normalmente enquanto dizia algo que fazia com que ela o abraçasse mais.

O que havia demais ali? Realmente, nada. Mas não foi isso o que o sexto sentido de Dona Eva acusou. Algo estava demais ali, mesmo que a senhora não soubesse dizer o quê. Desde quando abraçar e beijar um irmão era errado? Ora, nunca. Então porque estranhara o ato? Dona Eva não sabia explicar, mas também não conseguia deixar de sentir que havia algo ali...

Corrine sempre recebia e se despedia dos seus filhos dessa forma: num selinho delicado e, com o tempo, os gêmeos passaram a praticar o ato entre si. Além das chegadas e partidas eles também selavam os lábios em momentos de grande afeto, quando queria agradecer algo ou vez ou outra antes de dormirem. Tudo muito comum, então porque Dona Eva não conseguira deixar de estranhar?

Um novo cliente entrou na garagem, tirando sua atenção e tornando à se preocupar com as flores que vendia. Com uma maior freqüência, olhava de soslaio para os pequenos que tornaram a se sentar separadamente na grama e a conversar sobre alguma trivialidade. Estranhamente naquele dia não exigiram a atenção da senhora idosa, se virando com apenas a companhia de ambos.

Quase no final da tarde Ange deitou no colo do irmão, que se ocupou em lhe fazer infinitos carinhos na cabeça e espalhar beijos pelo seu rosto, até que a pequena cochilou. Dona Eva assistiu tudo de longe, e observou que as pessoas achavam a cena mais do que amável. Quando ela chamou pelos gêmeos, Theo acordou sua irmã da forma mais delicada que aprendera e voltaram para dentro de casa de mãos dadas. Estava na hora do banho.

— São seus filhos? – Uma mulher perguntou quando viu Dona Eva mandando-os para dentro de casa.

— Não. Meus netos. – Explicou, sorrindo.

— Ah sim. São umas gracinhas. Parecem se amar muito.. – Ela elogiou enquanto escolhia a cor do embrulho do buquê que havia encomendado.

Dona Eva apenas sorriu agradecendo.

Estava a ponto de fechar a floricultura quando uma das amigas de Corrine – que ela se recordou estar na festa de aniversário – apareceu para comprar vários buquês. Naquele dia, a moça comemorava o aniversário do seu filho mais novo e convidou Ange e Theo, assim como Dona Eva, para comparecerem na comemoração.

Dona Eva agradeceu e viu ali a oportunidade perfeita para fazer a última coisa que se sentia na obrigação de fazer.

Entrou na sua casa às pressas.

— Ange! Theo! – Procurou pelos gêmeos e os encontrou no quarto que dividiam, trocando de roupa. – Vocês foram convidados para o aniversário que vai ter hoje à noite da Senhora Dilleux. Se arrumem que os levarei daqui a pouco.

— Não gosto do Stuart, ele é chato... – Theo cruzou os braços e bufou. – Ele sempre me deixa fora das brincadeiras.

— É verdade, não gostamos dele. – Ange concordou.

— Mas porquê meu queridos? – Dona Eva quis saber.

— Ele só quer ficar no mesmo grupo que o seu e me colocar em outro. – Theo reclamou, fitando a irmã.

— É porque você finge que não escuta ele. – Ange observou.

— Oh meu bem, qual é o problema de você ficar num grupo diferente ao da sua irmã? – Dona Eva perguntou com delicadeza.

— Nós não gostamos. – Responderam em uníssono, dando-lhe um pequeno susto.

— Mas é normal, vai acontecer de, em alguns momentos, vocês precisarem fazer coisas separadas.

— Mas nós não gostamos. – Theo frisou e ela suspirou.

— Tudo bem. Da próxima vez que forem brincar com o Stuart, porque não tentam explicar isso à ele? Que tal?

Os gêmeos se entreolharam e concordaram com a cabeça.

— Ótimo, agora tomem um banho que os arrumarei para a festa. A vovó ainda precisa resolver um problema então vou deixar vocês na festa e às nove busco vocês, pode ser?

— Pode. – Responderam juntos.








— Eu gostaria mesmo mas não posso ficar. – Dona Eva explicou à mãe de Stuart, que recebeu os gêmeos com um enorme sorriso.

— É uma pena, mas não tem problema. Vou cuidar muito bem desses dois pequenos aqui. – Ela falou se referindo aos gêmeos de mãos dadas que estava ao seu lado.

— Obrigado. – Dona Eva agradeceu e se virou para ir embora.

Enquanto caminhava até o ponto de ônibus, pensou se teria tempo para fazer uma visita à Corrine. Ela havia recebido a notícia de que a mulher já teria acordado e que receberia alta amanhã de manhã. Ficou muito feliz – mesmo achando que ela estava retornando para casa cedo demais.

Ao passar pela frente da casa de Corrine, notou uma movimentação e virou o rosto rapidamente, para não se permitir imaginar quem ou o que acontecia ali dentro. Com certeza Graydon já havia retornado da suposta pescaria.

Não demorou muito e logo o ônibus que a levaria ao centro chegou e Dona Eva embarcou. Vinte minutos depois desceu no ponto em que desejava e mais sete minutos a pé, chegou ao estabelecimento desejado. Entrou e foi atendida pela recepcionista.

— Boa tarde, com o que posso ajudá-la?

— Eu gostaria de fazer uma denúncia. – Dona Eva respondeu com a maior convicção que tinha.


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Notas finais do capítulo

Eai, o que acharam?
XOXO



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