Entre Nós escrita por Aline Herondale


Capítulo 2
O Nascer e Morrer do Dia


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem.
p.s.: Para quem leu minha outra fic, e está lendo isso agora, quero avisar que ela ainda não está finalizada. Ainda tem um último capítulo, mas por ser o último estou com uma dificuldade monstruosa em finalizá-lo. Tentarei fazer o meu melhor até a quarta-feira. Obrigado pela paciência



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“O amor nunca foi cego. É o único sentimento capaz de avistar em nós a parte boa em meio a toda nossa quinquilharia. [...] Amor é o que fica quando tudo termina e ainda sim sem ser plural, se ainda haver em nós, é capaz de fazer tudo de novo renascer, ressurgir.”






— Bom dia, bom dia, bom dia! – A pequena Ange gritou, enquanto pulava ao lado da cama de sua mãe. Como era pequena demais, não tinha forças o suficiente para se pendurar na borda e subir na cama, nem mesmo quando Theo a empurrava pelos pés.

Corrine se encolheu entre as cobertas e soltou um suspiro alto. Estava exausta, principalmente porque no dia anterior havia trabalhado de modo dobrado, mas nem mesmo todo o cansaço do mundo faria com que ela negasse a presença dos seus pequenos, acordando-a pela manhã.

Era sábado e Graydon havia viajado para pescar com alguns amigos.

Uma benção.

Corrine subiu Ange e Theo na cama e os deixou enche-la de beijos e abraços. Depois deitou no meio dos dois para escutá-los contar a nova brincadeira inventada por Theo, e o que Ange havia escutado da conversa da vizinhança. Era revigorante ver como seus filhos não tinham traços algum dos péssimos modos que Graydon poderia deixar de herança – como violência, falta de paciência e xingamentos. Muito diferente disso, os gêmeos respeitavam enquanto um estava falando, esperando sua vez de falar, nunca se batiam ou empurravam, nem mesmo por brincadeira, e Theo e Ange só diziam palavras doces e de forma calma.

Após vinte minutos de muita conversa o estômago de Theo e Ange roncaram alto, ao mesmo tempo, fazendo o três rirem e se levantarem para irem à cozinha. Corrine arrumou a mesa e vestiu seu avental.

— O que vocês vão querer de café da manhã?

— Não mamãe, é o que a senhora vai querer! – Ange respondeu assustada. – Hoje é o seu dia de escolher!

— É mamãe. – Theo concordou, sorrindo alegremente.

Corrine soltou um risinho e colocou seu indicador no queixo, fazendo uma careta pensativa.

— Hm... O que eu poderia fazer? Talvez panquecas? – Ela olhou para seus pequenos que negaram com a cabeça. – Hm.. Melhor não... Talvez granola com ovos?

— Granola! Ovo! – Ange e Theo gritaram ao mesmo tempo, ambos levantando seus bracinhos e logo após se entreolharam surpresos.

— Eca, granola não. Quero ovo! – Theo exigiu e mostrou uma careta à irmã.

— Não. Quero granola. Mamãe... – Ange choramingou, ignorando o comentário do irmão e lhe fitando com seus redondos olhinhos azuis. Corrine riu da cena.

— Não precisam brigar, faço os dois.

Os gêmeos comemoraram em um uníssono e cada um se sentou no seu lugar de costume, lado a lado. Enquanto observavam sua mãe cozinhar habilmente, Ange encheu sua tigela com leite e serviu um pouco na xícara de plástico do irmão. Este agradeceu e lhe deu um beijo na bochecha, fazendo sua irmã sorrir em resposta.

Desde de sempre tratavam um ao outro da forma mais carinhosa possível, militarmente explicada pela mãe. “Violência é errado.”, Corrine repetia sempre que eles viam o pai fazer alguma atrocidade e ela reforçava em explicar que o pai não era alguém que eles deveriam ter como exemplo.

— Prontinho. – Corrine anunciou, se aproximando da mesa, carregando dois pratos brancos cheios de ovos. Colocou um na frente de Theo e o outro no lugar aonde se sentaria, abriu a geladeira, catou o saco de granola doce e o chocolate em pó. Colocou cuidadosamente a granola na vasilha de Ange e dissolveu o chocolate em pó na xícara de Theo. Antes de começarem a comer, os três deram as mãos e fizeram uma rápida prece para agradecer mais um dia e a comida da mesa.

— Podem comer. – Corrine disse e viu os gêmeos baterem palmas e sorrirem ao saborear a comida. Durante todo o café conversaram, fizeram brincadeiras e Theo inventou atividades para que gastassem a tarde inteira juntos.

Comeram, desarrumaram a mesa e enquanto Corrine lavava a louça Theo pegou Ange pela mão e a levou até o quarto que dividiam.

— Vamos entregar agora.

— Não, vamos mais tarde. Não tem graça agora.

— Tem sim. Vamos! – Theo insistiu e Ange cedeu, ansiosa para ver a reação da mãe.

Ele foi até o armário e tirou, do meio das suas roupas, uma caixa quadrada, com o embrulho amassado. Ambos seguraram um lado do objeto e, juntos, começaram a caminhar em direção à cozinha. Incrivelmente seus passos estavam em total sincronia, sem qualquer esforço de nenhuma das partes.

Retornaram à cozinha e gritaram um “parabéns” que quase fez com que Corrine derrubasse a xícara que enxugava. Quando ela se virou e entendeu do que se tratava a caixa que seus pequenos seguravam sorriu abertamente e deixou a louça de lado para abraçar fortemente os gêmeos.

— Obrigado meus amores. Mamãe ama muito vocês dois! – Ela agradeceu, a ponto de chorar, fungando o nariz.

— Nós também te amamos mamãe. Te amo mamãe. – Eles responderam e insistiram para que ela abrisse a caixa mal embrulhada.

Mesmo com o laço torto e partes faltando papel Corrine achou aquele o presente mais bonito que ela já havia ganhado em toda sua vida e abriu com cuidado o embrulho. Lá dentro, enrolado em vários papeis coloridos, havia um colar feito de náilon preto preso à uma bola de vidro. Quando Corrine levantou o colar e observou mais de perto o enfeito percebeu ter um broto de flor dentro do vidro.

— Oh. – Ela se assustou.

— É a sua frô preferida. – Ange anunciou, olhando para o objeto preso ao cordão. – Lembra?

Corrine não entendeu a explicação da filha mas alguns segundos depois uma lembrança distante lhe veio em mente. Era um domingo e na volta para casa, após a missa, ela os levou à um campo florido que havia perto da igreja e ela encontrou um broto de girassol, que milagrosamente, estava florescendo ali. Explicou que adorava o amarelo das suas folhas, como aquele tipo de flor se mexiam pra seguir o sol e que era a sua preferida.

— Como conseguiram esse presente? – Corrine perguntou num misto de surpresa com espanto. Ela estava realmente curiosa para saber a resposta dos seus pequenos mas eles apenas se entreolharam e soltaram risinhos. Por fim não revelaram e ela também não insistiu mais. Colocou o colar em volta do pescoço e nunca mais o tirou.







Gastaram a manhã inteira ajudando Corrine a limpar a casa e a bater os tapetes no quintal. Depois os gêmeos foram assistir televisão enquanto Corrine se encaminhava para a cozinha, a fim de começar o almoço mas antes que tivesse a oportunidade a campainha tocou. Ange e Theo correram para a porta e abriram-na, curiosos.

— Olá. – Uma senhora idosa da vizinhança sorriu ao ver os pequeninos de enormes olhinhos azuis. Ambos abriram a boca em alegria.

— Vovó Eva! – Comemoraram e abraçaram a senhora, que os recebeu de braços abertos.

— Oh, olá Dona Eva. – Corrine apareceu na porta ainda segurando o pano de louça. A senhora se soltou das crianças e estendeu a caixa que equilibrava numa das mãos.

— Para você minha querida. Meus parabéns. – Ela desejou à Corrine, que ficou realmente surpresa com aquilo. Corrine nunca pensou que alguém, além da sua própria família, se lembraria do dia do seu aniversário.

Convidou a senhora para almoçar com ela e os gêmeos e todos entraram na casa. Corrine levou a caixa até a cozinha e a depositou sobre a mesa em que havia tido o café da manhã. Tanto ela quanto os gêmeos estavam eufóricos e curiosos para saber o conteúdo que havia dentro. E quando abriram a caixa ficara encantados.

— Uau...

— Mamãe! – Ange exclamou, contente.

Uma enorme e deliciosa torta ocupada todo o interior da caixa, enfeitada com morangos e raspas de chocolate. O cheiro de açúcar inundou a cozinha, aguçando o paladar dos presentes, mas Corrine foi taxativa e disse que só comeriam após o almoço.

Dona Eva ajudou-a a preparar o almoço enquanto os gêmeos assistiam televisão. Quando pronto todos fizeram um pequeno agradecimento antes de comer. E como sempre Theo fez birra para comer salada enquanto Ange mal encostava na carne mas após mais algumas explicações e pequenas ameaças ambos comeram tudo do prato.

— O bolo, o bolo, o bolo! – Ange pediu quando Corrine recolheu seu prato da mesa.

— Calma, Ange. Dona Eva e eu ainda vamos limpar tudo, e só então vamos servir a sobremesa. Vocês não estão esquecendo de nada não? – Ela perguntou, levantando uma sobrancelha para a filha, que fechou a expressão.

E mesmo fazendo bico, Theo e Ange escovaram os dentes e sentaram no sofá, esperando pacientemente pela mãe chamá-los para comer a torta. Dez, quinze, vinte, trinta minutos se passaram e, sem perceber, eles adormeceram abraçados.

Quando Dona Eva foi até a sala para chamá-los para cortar o bolo, encontrou a cena e desistiu do ato. Retornou para a cozinha silenciosamente.

— Adormeceram. – Anunciou para Corrine, que colocava os pratos de sobremesa sobre a mesa.

Corrine soltou um misto de suspiro com riso e abriu um sorriso.

— Eles sempre dormem depois do almoço. Nunca conseguem permanecer acordados. – Ela pegou a torta, posta cuidadosamente na geladeira, e depositou sobre o centro da mesa. – Bom, vamos comer?

Dona Eva sorriu e serviu ambas.

— Parabéns minha filha. – A senhora desejou. Corrine não era de fato filha de Dona Eva mas sempre tivera esse costume de chamar por “filha” ou “filho” aqueles por quem tinha um carinho maior, mesmo sem nenhum vínculo sanguíneo.

Corrine sorriu e experimentou a torta, elogiando-a. Estava uma delícia.

— Aonde está Graydon? – Dona Eva quis saber e Corrine ficou enjoada com o simples escutar do nome do seu marido. Ela abaixou a cabeça, se concentrando no pedaço de torta que tinha no prato.

— Foi pescar...em algum lugar. – Ela ocupou a boca com mais uma garfada da torta.

— E ele lhe deu os parabéns?

A mãe dos pequeninos gêmeos adormecidos tomou um pequeno susto ao escutar a pergunta, mas não levantou a cabeça e quando terminou de comer respondeu.

— Não...

Silêncio.

Porque? Porque Dona Eva estava sendo tão cruel com ela? Corrine não conseguia entender. Hoje era o dia do seu aniversário, o dia em que ela nascera. E estava sendo maravilhoso até a senhora idosa começar a lhe fazer perguntas indesejáveis, das quais ela mesma, mesmo sabendo a resposta, não gostava de pensar sobre.

— Ele, ao menos, lhe deixou algum presente? – Dona Eva perguntou após alguns segundos de silêncio.

Corrine não agüentou.

— Porque está me perguntando isso? Pra quê essas perguntas se você já sabe a resposta de todas elas? Não, Graydon não me deixou nada, se quer um bilhete. A senhora sabe como meu marido é. Então, por favor, pare de ficar fazendo perguntas indiscretas e indesejáveis. Eu só quero comemorar meu aniversário em paz, com meus dois filhos. – Quando terminou estava a ponto de chorar. Corrine tapou a boca com uma das mãos e olhou para o outro lado, através da janela.

Dona Eva se manteve em silêncio até terminar todo o bolo que havia servido para si. Tornou a olhar para a mulher e suspirou fundo antes de começar.

— Então porque não o deixa?

Como se fosse uma ofensa, Corrine a fitou perplexa.

— E ir para onde Dona Eva? O abrigo da cidade? – Perguntou, se esquecendo, momentaneamente, da boa educação mas a senhora não se mostrou ofendida.

— Venha morar comigo, Corrine, como já ofereci. As portas da minha casa sempre estarão abertas para lhe receber com as crianças.

A mulher balançou a cabeça de modo negativo com os olhos marejados.

— Não é tão simples assim, Dona Eva.

— Como não? – A senhora insistiu, olhando fixamente para a mulher.

— Ele vai levá-los! E depois me matar... – Ela admitiu, deixando com que as lágrimas rolassem livremente. – Ele me prometeu que faria isso. E...Eu tenho tanto medo.

E sempre fora assim. Desde o ano passado, quando Dona Eva havia se mudado para a casa amarela que ficava no final da rua, Corrine ponderava sobre a idéia de partir. Fora na fila do supermercado onde ambas se conheceram e se tornaram amigas. Dona Eva sempre cuidava dos gêmeos quando Corrine precisava passar a tarde toda trabalhando ou quando Graydon estava em casa e ela precisava sair. Dona Eva vinha sendo uma companheira e tanto para Corrine e com o tempo criaram fortes laços de amizades. E quando Dona Eva descobriu as atrocidades que Graydon fazia, insistiu para que Corrine largasse o marido. Mas a mulher não consegue. Principalmente por medo. Graydon é um homem rancoroso, forte e que conhece muita gente. Como Corrine conseguiria escapar dele? Tinha medo de que, se tentasse, ele a matasse. E como ficaria os gêmeos? Não, ela não permitiria que Graydon criasse seus bebês. Nunca.

E nem mesmo com Dona Eva oferecendo-lhe um abrigo a mulher não conseguia, pois só ela sabia com quais conseqüências teria que arcar. E ela tinha certeza de que não conseguiria – sofreria demais apenas por um luxo do qual poderia evitar.

Dona Eva, sem saber o que fazer, se levantou e foi de encontrou à Corrine para abraçá-la. Deixou com que ela chorasse o tempo que achasse necessário e depois recolheu os pratos e lavou a louça, acordou os gêmeos e serviu um pedaço para cada.

— Nossa mamãe está uma delícia! Delícia! – Ambos dissera enquanto devoraram seus respectivos pedaços.

— Cadê a mamãe? – Theo perguntou após algum tempo.

— Ela foi se deitar, estava muito cansada. – Dona Eva respondeu e as crianças compreenderam.

O restante do dia passou rápido, logo eram seis da tarde e Dona Eva se apressava em terminar todos os pratos que havia tido a iniciativa de preparar – assim como uma tímida reunião para a comemoração do aniversário de Corrine – antes que a aniversariante acordasse. Os gêmeos a haviam ajudado a tarde inteira e agora tomavam um banho, pois logo as poucas pessoas chegariam e eles precisavam recebê-las.

A primeira pessoa chegou as seis e dez, quando Dona Eva retirou a torta de batatas do forno. Logo depois chegou outra e outra e as sete da noite todos já haviam chegado. Corrine acordou por conta da movimentação da casa e quando chegou na sala foi surpreendida pela reunião das oito pessoas mais próximas à ela. Chorou e agradeceu incansavelmente Dona Eva – não achando ruim momento algum.

— Você tem que fazer um desejo antes de soprar as velas, mamãe! – Lembrou Ange, logo após o parabéns. Corrine concordou com a cabeça e pediu “ajuda” aos gêmeos, e juntos sopraram as velas.





Mais cedo do que Corrine previa Graydon chegou em casa quando todos ainda estavam lá, e ele não gostou nada. Espantosamente ele não fez escândalo algum, na verdade mostrou o seu melhor teatro. Abraçou-a, beijou-a e agradeceu a presença de todos – se permitindo ainda fazer brincadeiras sobre o presente que ele daria à Corrine mais tarde. Só ela sabia o presente que seria.

Aquela foi uma das noites em que os gêmeos foram dormir na casa da Dona Eva.






Deitados em camas separadas, eles conversavam em meio ao breu.

— Porque a gente tem que dormir aqui? – Ange perguntou fitando o escuro, sabendo que seu irmão estava acordado.

— Não sei... – Ele respondeu e o silêncio se instalou.

— Não consigo dormir. – A pequena Ange admitiu.

— Nem eu. – Theo falou.

Fez-se o barulho de cobertas sendo remexidas e depois a cama ao lado do loiro afundou. Sem precisar pedir, Theo afastou para lado, dando espaço à irmã. E como sempre faziam, ambos seguraram uma das mãos e suspiraram alto, à ponto de dormir.

— Boa noite mana. Eu te amo. – Theo desejou.

— Também te amo. – Ange respondeu da forma que sempre faziam todas as noites.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Por favor, comentem.
XOXO



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