Flawless escrita por wendy


Capítulo 5
4. A Verdade está no vinho... ou, no caso de Aria, na cerveja




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Enquanto ia entrando apressadamente na casa avant-garde de linhas retas de sua família — que se destacava naquela rua típica de Rosewood, cheia de casas no estilo neoclássico vitoriano — Aria ouviu os pais falando baixinho na cozinha.

— Mas eu não entendo — dizia sua mãe, Elia (os pais de Aria preferiam que ela os chamasse por seus primeiros nomes). — Na semana passada você me disse que conseguiria ir ao jantar dos artistas. É importante. Acho que Jason pode comprar algumas obras que eu fiz em Reykjavík.

— Mas eu já estou atrasado na correção dos trabalhos — respondeu o pai dela, Byron. — Eu ainda não voltei ao ritmo das aulas.

Ella suspirou.

— Como é que eles já entregaram trabalhos, se você só deu aula dois dias?

— Eu lhes dei a primeira tarefa antes de o semestre começar. — Byron pareceu distraído. —Vou compensar você, prometo. E sobre o Otto's? Sábado à noite?

Aria entrou pelo vestíbulo. Sua família tinha acabado de voltar de uma estadia de dois anos em Reykavík, na Islândia, onde o pai dela tirara um período sabático de seu trabalho como professor em Hollis, uma faculdade de artes liberais, em Rosewood. Tinha sido uma pausa agradável para todos eles. Aria precisava dar um tempo após o desaparecimento de Ali; seu irmão, Mike, precisava adquirir alguma cultura e disciplina; e Elia e Byron, que haviam começado a passar dias sem se falar, pareciam ter se apaixonado de novo na Islândia. Mas, então, novamente no lar da família, todos eles estavam de volta aos seus hábitos disfuncionais. Aria foi até a cozinha. O pai havia saído e a mãe estava em pé, perto da bancada, com a cabeça apoiada nas mãos. Ela se animou quando viu Aria.

— Como você está, gatinha? — perguntou Ella, atenciosa, mexendo no cartão que fora dado como lembrança do serviço fúnebre de Ali.

— Estou bem — murmurou Aria.

—Você quer falar sobre isso?

Aria sacudiu a cabeça.

— Mais tarde, talvez.

Ela saiu apressada para a sala, sentindo-se esgotada e incapaz de se concentrar, como se tivesse bebido seis latas de Red Bull. E não era apenas por causa do funeral de Ali.

Na semana anterior, A a atormentara por causa de um de seus segredos mais sombrios: no sétimo ano, Aria pegara o pai aos beijos com uma de suas alunas, uma garota chamada Meredith. Byron pedira que Aria não contasse nada para a mãe, e Aria nunca havia contado, apesar da culpa que sentia por causa disso. Quando A ameaçou contar a Ella toda a verdade, Aria pensou que A fosse Alison. Ali estava com Aria no dia em que ela flagrou Byron e Meredith juntos, e Aria nunca contara isso para mais ninguém.

Naquele momento, Aria sabia que A não podia ser Alison, mas a ameaça de A ainda a rondava, com a promessa de arruinar a família dela. Ela sabia que devia contar a Ella antes que A o fizesse — mas não conseguia se obrigar a fazer isso.

Aria foi até a varanda de trás, passando a mão pelo cabelo preto. Um facho de luz esbranquiçada passou zunindo. Era seu irmão, Mike, correndo pelo quintal com sua rede de lacrosse.

— Ei! — chamou ela, tendo uma ideia. Como Mike não respondeu, ela foi até lá fora, no gramado, e se plantou na frente dele. —Vou dar um pulo no centro. Quer vir?

Mike fez uma careta.

— O centro está cheio de hippies sujos. Além do mais, estou treinando.

Aria revirou os olhos. Mike estava tão obcecado em fazer parte da equipe de lacrosse de Rosewood Day que nem tinha se importado em tirar o terno cinza-chumbo que usara no funeral antes de começar seus exercícios. O irmão dela era a cara de Rosewood — usando o boné encardido de beisebol, viciado em PlayStation e economizando para comprar um Jeep Cherokee verde-exército assim que fizesse dezesseis anos. Infelizmente, não havia dúvida que eles tinham os mesmos genes — tanto Aria como seu irmão eram alto, tinham cabelo preto-azulado e feições angulares inesquecíveis.

— Bem, eu vou tomar um porre — informou ela a ele. — Você tem certeza de que quer treinar?

Mike estreitou os olhos azul-cinzentos para olhar para ela, processando a informação.

—Você não está me arrastando para algum sarau de poesia sem que eu saiba? Ela negou com a cabeça.

— Nós iremos ao mais sórdido boteco de faculdade que conseguirmos achar.

Mike deu de ombros e largou a rede de lacrosse. — Então vamos lá — respondeu ele.

Mike desabou em um dos reservados do bar.

— Este lugar é demais.

Eles estavam em Victory Brewery — que era mesmo o bar universitário mais sórdido que encontraram. De um lado, o bar era vizinho de um estúdio que colocava piercings e do outro, de uma loja chamada Hippie Gypsy, que vendia "sementes hidropônicas" — estranho, muito estranho. Havia uma mancha de vômito na calçada em frente ao bar, e um segurança que devia pesar uns cento e cinquenta quilos, meio cego, tinha sinalizado para eles entrarem direto. Estava muito envolvido na leitura de uma revista Dubs para reparar neles.

Lá dentro, o bar era escuro e imundo, com uma mesa de pingue-pongue em péssimo estado nos fundos. Esse lugar era bem parecido com o Snooker's, outro bar encardido, frequen-tado por universitários de Hollis, mas Aria havia jurado que nunca mais colocaria os pés lá. Ela havia conhecido um cara sexy chamado Ezra no Snooker's, duas semanas antes, mas aí ele acabou se revelando não ser bem um menino, e sim um professor de inglês — o professor de inglês dela. A enviou mensagens perturbadoras para Aria sobre Ezra e, quando Ezra, acidental-mente, viu o que A havia escrito, presumiu que Aria estivesse contando para toda a escola sobre eles. E assim acabou o romance de faculdade de Aria.

Uma garçonete de peitos enormes e usando tranças como as de Heidi, uma personagem de livros infantis, se aproximou da mesa deles e olhou para Mike cheia de suspeita.

—Você tem vinte e um anos?

— Ah, tenho. — Mike cruzou as mãos sobre a mesa. — Na verdade, eu tenho vinte e cinco anos.

— Nós vamos querer uma jarra de Amstel — interrompeu Aria, chutando Mike por debaixo da mesa.

— E — acrescentou Mike — eu quero uma dose de Jaeger.

Heidi Peitões parecia desconfortável, mas voltou com a jarra e a dose de licor. Mike bebeu o Jaeger num único gole e fez uma careta horrorizada, de garotinha. Ele bateu o copo com força na mesa de madeira e olhou para Aria.

— Acho que descobri por que você ficou tão maluca. —Mike tinha dito, na semana passada, que achava que Aria estava agindo de forma ainda mais maluquinha que o usual e jurara descobrir o porquê disso.

— Estou morrendo de curiosidade — disse Aria, seca.

Mike uniu os dedos como se desenhasse uma torre, uma atitude professoral que o pai deles sempre assumia.

—Acho que você está dançando em segredo na Turbulence. — Aria deu uma risada tão forte que a cerveja saiu pelo seu nariz. Turbulence era uma boate de striptease duas cidades adiante, perto de um aeroporto com uma só pista.

— Dois caras disseram ter visto uma garota por lá que era igualzinha a você — continuou Mike. —Você não precisa esconder isso de mim. Eu sou legal.

Aria deu um puxão discreto em seu sutiã de angorá. Ela havia feito um para ela mesma, e também para Ali e para suas velhas amigas no sexto ano, e havia usado o seu no memorial de Ali, como um tributo. Infelizmente, no sexto ano, Aria usava um número menor, e agora o tecido a apertava e dava uma coceira dos infernos.

— Você quer dizer que não acha que eu estou agindo de forma estranha porque: a) nós estamos de volta a Rosewood e eu odeio isso aqui; e b) minha antiga melhor amiga está morta?

Mike deu de ombros.

— Eu acho que você não gostava de verdade daquela garota.

Aria se virou. Tinha havido momentos nos quais ela realmente não gostava de Ali, isso era verdade. Em especial, quando Ali não a levava a sério, ou quando ela a infernizava, querendo saber detalhes sobre Byron e Meredith.

— Isso não é verdade — mentiu.

Mike colocou mais cerveja em seu copo.

— Não é muito estranho que ela estivesse, sei lá,jogada num buraco? E, tipo, coberta de concreto?

Aria estremeceu e fechou os olhos. Seu irmão não tinha tato algum.

— E aí, você acha que alguém a matou? — perguntou Mike.

Aria deu de ombros. Essa era a pergunta que a assombrava — uma pergunta que ninguém mais havia feito. No memorial de Ali, ninguém teve peito de dizer que ela havia sido assassinada, só que ela havia sido encontrada. Porém o que mais poderia ter acontecido, além de assassinato? Num minuto, Ali estava na festinha delas. No instante seguinte, tinha desapare-cido. Três anos depois, o corpo aparece em um buraco no quintal da casa dela.

Aria se perguntou se A e o assassino de Ali tinham alguma ligação — e se essa questão envolvia, de alguma forma, A Coisa com Jenna. Quando o acidente de Jenna aconteceu, Aria pensou ter visto alguém além de Ali ao pé da casa na árvore de Toby. Mais tarde, naquela noite, aquela visão manteve Aria acordada e ela decidiu que deveria perguntar a Ali sobre aquilo. Ela vira Ali e Spencer cochichando atrás da porta fechada do banheiro, mas, quando Aria pedira para entrar, Ali disse a ela para voltar a dormir. E, pela manhã, Toby confessou tudo.

— Eu aposto que o assassino é, tipo, alguém que vai sair do nada — disse Mike. — Como... alguém que você jamais adivinharia, nem em um milhão de anos.— Os olhos dele brilharam. — Que tal a sra. Craycroft?

A sra. Craycroft era a vizinha idosa deles, à direita. Uma vez, ela guardou cinco mil dólares em moedas dentro de jarras de Poland Spring e tentou trocá-las por dinheiro na Coinstar mais próxima. O canal de TV local fez uma matéria com ela e tudo. — Ah, tá, você resolveu o caso — disse Aria, inexpressivamente.

— Bem, alguém como ela. — Mike bateu com os nós de seus dedos na mesa. — Agora que eu sei o que está acontecendo com você, posso voltar minha atenção a Ali D.

— Mande bala. — Se a polícia não tinha habilidade suficiente para encontrar Ali em seu próprio quintal, Mike podia muito bem tentar dar uma ajudazinha para eles.

— Bem, acho que precisamos jogar um pouco de cerveja-pong — sugeriu Mike, e, antes que Aria pudesse responder, ele já havia reunido algumas bolas de pingue-pongue e um copo com capacidade de 500 ml. — Esse é o jogo preferido de Noel Kahn.

Aria sorriu de forma maliciosa. Noel Kahn era um dos meninos mais ricos da escola e o mais perfeito exemplo de garoto de Rosewood, o que, em suma, fazia dele um ídolo para Mike. E, ironia das ironias, parecia ter uma queda por Aria, que ela estava tentando ao máximo desencorajar.

— Deseje-me boa sorte. — Mike segurou a bola de pingue-pongue em posição de saque. Ele errou o copo e a bola rolou da mesa para o chão.

— Primeira bola fora — cantarolou Aria, com voz monótona, e o irmão envolveu seu copo de cerveja com as mãos e derramou todo o conteúdo garganta abaixo.

Mike tentou, pela segunda vez, jogar a bola de pingue-pongue no copo de Ária, mas errou de novo.

—Você é péssimo! — provocou Aria, a cerveja começando a fazer com que ela se sentisse meio tontinha.

— Como se você fosse melhor — retrucou Mike.

— Quer apostar?

Mike bufou.

— Se você não conseguir, tem que me colocar para dentro da Turbulence. Eu e Noel. Mas não enquanto você estiver trabalhando — acrescentou ele, depressa.

— Se você não conseguir, vai ter que ser meu escravo por uma semana. E durante a escola também.

— Fechado — concordou Mike. —Você não vai mesmo conseguir, então não importa. Ela empurrou o copo para o lado da mesa em que Mike estava e mirou. A bola fez uma curva desviando-se de uma das muitas irregularidades da mesa e aterrissou direitinho dentro do copo de vidro, sem sequer encostar nas laterais. — Ahá! — gritou Aria. —Você já era!

Mike estava aturdido.

— Foi só uma jogada de sorte.

— Não importa! — Aria riu, se divertindo. — Assim sendo... será que eu deveria fazer você rastejar de quatro atrás de mim pela escola? Ou vestir o faldur da mamãe? — Ela deu uma risadinha. O faldur de Ella era um chapéu pontudo, tradicional da Islândia, que fazia quem o usasse parecer um elfo maluco.

— Dane-se. — Mike tirou a bola de pingue-pongue do copo. Ela escorregou da mão dele e saiu quicando para longe.

— Eu pego — ofereceu-se Aria, sentindo-se agradavelmente bêbada. A bola tinha rolado até a frente do balcão e Aria inclinou-se até o chão para pegá-la. Um casal passou por ela e se espremeu em assentos difíceis de serem espionados, num canto escondido e discreto. Aria notou que a mulher tinha cabelos escuros e compridos e uma teia de aranha tatuada no pulso. Aquela tatuagem lhe era familiar. Muito familiar. E, quando ela sussurrou alguma coisa para o cara com quem estava, ele começou a tossir feito um louco. Aria endireitou o corpo.

Era o pai dela. Com Meredith.

Ela correu ao encontro do irmão.

— Temos que ir.

Mike virou os olhos.

— Mas eu acabei de pedir uma segunda dose de Jaeger.

— Deixe para lá. — Aria pegou o casaco. — Vamos embora. Agora.

Ela jogou quarenta dólares em cima da mesa e puxou Mike pelo braço até ele ficar em pé. Ele cambaleava um pouco, mas ela conseguiu empurrá-lo na direção da porta.

Infelizmente, Byron escolheu exatamente aquele momento para dar umas de suas risadas inconfundíveis, que Aria sempre disse que parecia o som de uma baleia morrendo. Mike ficou imóvel, também reconhecendo a risada. O rosto do pai deles estava de perfil e ele estava tocando a mão de Meredith do outro lado da mesa.

Aria viu que Mike reconheceu o pai. Ele juntou as sobrancelhas.

— Espera aí — guinchou ele, olhando confuso para Aria.

Ela queria que seu rosto aparentasse despreocupação, mas, em vez disso, sentiu os cantos de sua boca desabarem. Sabia que estava fazendo a mesma cara que Ella fazia quando tentava proteger Aria ou Mike das coisas que poderiam feri-los.

Mike estreitou os olhos para encará-la e, depois, olhou de volta para o pai e Meredith. Ele abriu a boca para dizer alguma coisa, depois a fechou e deu um passo na direção deles. Aria o alcançou para detê-lo — não queria que isso acontecesse justo naquele momento. Ela não queria que isso acontecesse nunca. Depois, Mike endureceu o queixo, deu as costas para o pai e arrancou para fora do Victory, esbarrando na garçonete que os atendera no caminho.

Aria saiu logo atrás dele. Parada na vaga junto ao meio-fio, ela cerrou os olhos por causa da claridade da tarde, olhando de um lado para o outro procurando por Mike. Mas o irmão havia ido embora.


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