Flawless escrita por wendy


Capítulo 3
2. Hanna 2.0




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Mona Vanderwaal parou o Hummer de seus pais, mas manteve o motor ligado. Ela jogou o celular em sua enorme bolsa cor de conhaque Lauren Merkin e deu um sorriso malicioso para sua amiga Hanna.

— Tentei ligar para você.

Cautelosa, Hanna permaneceu na calçada.

— Por que você está aqui?

— Do que você está falando?

— Bem, eu não pedi para você me dar uma carona. — Tremendo, Hanna apontou para seu Toyota Prius, no estacionamento. — Meu carro está logo ali. Alguém contou a você que eu estava aqui ou...?

Mona enrolou uma longa mecha de cabelo louro-claro em volta do dedo.

— Saí da igreja agora e estou indo para casa, sua maluca. Eu vi você e encostei. — Ela deu uma risadinha. — Você tomou o Valium da sua mãe? Parece um pouco confusa.

Hanna tirou um Camel Ultra Light do maço de cigarros que estava em sua bolsa Prada preta e o acendeu. Claro que ela parecia confusa. Sua antiga melhor amiga havia sido assassinada e, durante toda a semana, ela vinha recebendo mensagens de texto apavorantes de alguém chamado A. Em todos os instantes daquele dia — enquanto se arrumava para o funeral de Ali, comprava uma Coca Diet no Wawa, dirigia em direção à igreja de Rosewood — ela tivera certeza de que alguém a estava observando.

— Eu não vi você na igreja — murmurou.

Mona tirou os óculos de sol e mostrou os olhos azuis.

—Você olhou bem na minha direção. Eu acenei para você. Nada disso soa familiar?

Hanna deu de ombros.

— Eu... eu não me lembro.

— Bem, acho que você estava ocupada com suas velhas amigas — respondeu Mona, ressentida.

Hanna se arrepiou. Suas antigas amigas eram um assunto delicado entre elas: um milhão de anos atrás, Mona era uma das meninas de quem Ali, Hanna e as outras tiravam sarro. Ela havia se tornado o alvo preferido delas depois que Jenna se acidentara.

— Desculpe. A igreja estava lotada.

— Não é como se eu estivesse me escondendo. — Mona pareceu magoada. — Eu estava sentada atrás de Sean.

Hanna respirou fundo. Sean.

Sean Ackard agora era seu ex-namorado; o relacionamento deles havia implodido na festa de volta às aulas de Noel Kahn, na noite da última sexta-feira. Hanna havia decidido que aquela sexta-feira seria a noite em que perderia a virgindade, mas, quando ela começou a se insinuar para Sean, ele a empurrou e lhe passou um sermão sobre respeitar o próprio corpo. Para se vingar, Hanna levou a BMW dos Ackard para dar um passeio com ela e Mona, e a arrebentou, batendo contra um poste, na frente de uma loja de material de construção.

Mona pisou no acelerador com seu peep-toe de salto alto, ressuscitando o motor de um bilhão de cilindros do carro.

— Então, escute. Temos uma emergência... nós ainda não temos companhia.

— Para o quê? — Hanna piscou.

Mona ergueu uma das sobrancelhas louras perfeitamente feitas.

— Alô-ô, Hanna!? Para a Foxy! É neste fim de semana! Agora que você chutou Sean, precisa convidar alguém legal.

Hanna olhou para os pequenos dentes-de-leão que cresciam nas fendas da calçada. Foxy era o baile de caridade anual, organizado pela Liga de Caça à Raposa de Rosewood — era daí que vinha o nome do baile. Uma doação de 250 dólares para alguma instituição de caridade garantia um jantar, dança, uma chance de ter sua fotografia publicada no Philadelphia Inquirer e no glam-R5.com — o blog de colunismo social da região — e era uma grande desculpa para usar uma roupa linda, beber e dar uns amassos no namorado de outra pessoa. Hanna havia pagado por seu lugar em julho, pensando que iria com Sean.

— Eu nem sei se vou — murmurou, tristonha.

— Claro que você vai. — Mona revirou os olhos e suspirou. — Olha, liga para mim quando reverterem sua lobotomia. — Dito isso, ela ligou o carro e saiu, cantando pneus.

Hanna andou devagarinho até o seu Prius, Suas antigas haviam ido embora, e seu carro prateado parecia solitário no estacionamento vazio. Uma sensação desconfortável tomava conta dela. Mona era sua melhor amiga, mas havia toneladas de coisas que Hanna não estava contando a ela no momento. Como as mensagens de A. Ou sobre como fora presa no sábado de manhã por roubar o carro do senhor Ackard. Ou sobre como Sean é que dera um chute nela, e não o contrário. Sean era tão diplomático que dissera aos amigos apenas que eles "haviam de-cidido conhecer outras pessoas". Hanna achou que poderia mudar um bocadinho a história em seu benefício e, assim, ninguém descobriria a verdade.

Mas se ela contasse a Mona qualquer dessas coisas, isso mostraria que sua vida estava saindo do controle. Hanna e Mona haviam se reinventado juntas, e a regra era que, por serem, juntas, as musas da escola, tinham de ser perfeitas. Isso significava que deveriam permanecer magricelas, comprar os jeans skinny Paige antes de qualquer outra pessoa e nunca perder o controle. Qualquer fenda em suas armaduras poderia mandá-las de volta ao mundo das perdedoras fora de moda, e elas não queriam voltar para lá. Nunca. Por isso, Hanna tinha que fingir que nada horroroso acontecera na semana anterior, mesmo que, sem dúvida, tivesse acontecido.

Hanna nunca passara pela experiência de saber que algum conhecido seu tivesse morrido; muito menos assassinado. E o fato de essa pessoa ser Ali — somado aos recados de A — tornava a situação toda ainda mais assustadora. Se alguém sabia mesmo sobre A Coisa com Jenna... e se contasse... e se esse alguém ainda por cima tivesse algo a ver com a morte de Ali, a vida de Hanna estava, definitivamente, fora de controle.

Hanna entrou com o carro na garagem de tijolos estilo georgiano de sua casa com vista para o monte Kale. Quando viu seu reflexo no espelho retrovisor do carro, ficou horrorizada ao constatar que sua pele estava manchada e oleosa, e seus poros estavam enormes. Ela se inclinou na direção do espelho e, então, de repente... sua pele estava perfeita. Hanna respirou fundo e de forma irregular algumas vezes, antes de sair do carro. Nos últimos dias, tivera um monte de alucinações como essa.

Tremendo, entrou quieta em casa e foi até a cozinha. Quando chegou nas portas-balcão de vidro, ficou paralisada.

A mãe de Hanna estava sentada à mesa da cozinha, com um prato de queijo e biscoitos na sua frente. Seu cabelo ruivo-escuro estava preso em um coque elaborado e seu relógio Chopard, incrustado de diamantes, cintilava à luz do sol da tarde. Seus fones de ouvido sem fio, da Motorola, estavam em suas orelhas.

E ao lado dela... estava o pai de Hanna.

— Nós estávamos esperando por você — informou o pai.

Hanna deu um passo para trás. O cabelo dele estava mais grisalho e ele usava óculos de aro redondo, mas, fora isso, estava exatamente igual: alto, olhos enrugados, camiseta polo azul.

Sua voz ainda era a mesma, profunda e calma, como a de um locutor de rádio. Fazia quatro anos que Hanna não o via ou falava com ele.

— O que você está fazendo aqui? — falou ela sem pensar.

— Eu estava na Filadélfia a trabalho — explicou o sr. Marin, sua voz desafinando de nervosismo ao pronunciar a palavra trabalho. Ele ergueu sua caneca de café com a figura de um doberman. Era a caneca que ele usava quando morava com elas; Hanna se perguntou se ele havia procurado por ela no armário. — Sua mãe me ligou para contar sobre Alison. Meus pêsames, Hanna.

— Ah, tá. — Hanna pareceu distraída. Ela estava perplexa.

— Você precisa conversar sobre algum assunto? — A mãe mordiscou um pedaço de cheddar.

Hanna balançou a cabeça, aturdida. A relação da sra. Marin com Hanna era mais como chefe/estagiária do que como mãe/filha. Ashley Marin havia lutado para abrir seu caminho no mundo dos executivos de publicidade na agência McManus & Tate da Filadélfia e tratava a todos como se não passassem de mais um empregado. Hanna não conseguia lembrar qual havia sido a última vez que a mãe lhe fizera uma pergunta gentil. Provavelmente nunca.

— Hum... então... está tudo bem. Obrigada assim mesmo — respondeu ela, um pouco arrogante.

Será que eles podiam mesmo culpá-la por ser um pouco amarga? Depois do divórcio, seu pai se mudara para Annapolis, começara um relacionamento com uma mulher chamada Isabel, herdando uma linda quase-enteada, Kate. O pai tornara sua nova casa tão pouco acolhedora para ela que Hanna o visitara apenas uma vez. Seu pai não tentava ligar para ela, mandar e-mails, nada, havia anos. Ele nem sequer mandava presentes de aniversário — só cheques.

O pai suspirou.

— Esta, provavelmente, não é a melhor forma de discutir as coisas.

Hanna olhou para ele.

— Discutir as coisas.

O sr. Marin limpou a garganta.

— Bem, sua mãe me ligou também por outra razão. — Ele baixou os olhos. — O carro.

Hanna franziu a testa. Carro? Que carro? Ah.

—Já é ruim o suficiente que você tenha roubado o carro do sr. Ackard — continuou o pai. — Mas... abandonar o local do acidente?

Hanna olhou para a mãe.

— Pensei que isso tivesse sido resolvido.

— Nada está resolvido. — A sra. Marin a encarou.

Tá, até parece, Hanna queria dizer.

Quando os policiais a soltaram, no sábado, sua mãe lhe dissera, de modo misterioso, que "estava dando um jeito nas coisas" e que Hanna não precisava se preocupar. O mistério foi resolvido quando ela pegou sua mãe com um jovem policial, Darren Wilden, dando uns amassos na cozinha da casa delas, na noite seguinte.

— Estou falando sério — disse a sra. Marin, e Hanna interrompeu seu sorriso malicioso. —A polícia concordou em arquivar o caso, sim, mas isso não muda tudo o que está acontecendo com você, Hanna. Primeiro, você roubou na Tiffany, e agora isso. Não sei o que fazer. Então, liguei para o seu pai.

Hanna encarou o prato de queijo, muito desconcertada para olhar para qualquer um dos dois nos olhos. A mãe também havia contado ao pai que ela fora pega por roubar na Tiffany?

O sr. Marin limpou a garganta.

— Apesar de o caso estar encerrado para a polícia, o sr. Ackard quer continuar com o assunto de forma privada, sem levá-lo a um tribunal.

Hanna mordeu a boca por dentro.

— O seguro não paga por essas coisas?

— Não é bem isso — respondeu o pai. — O sr. Ackard fez uma proposta à sua mãe.

— O pai de Sean é cirurgião plástico — explicou a mãe dela —, mas a menina dos olhos dele é uma clínica de reabilitação para vítimas de queimaduras. Ele quer que você se apresente lá amanhã, às três e meia da tarde.

Hanna franziu o cenho.

— Por que nós não podemos só dar o dinheiro a ele?

O pequeno telefone LG da sra. Marin começou a tocar.

— Eu acho que isso vai ser uma boa lição para você fazer algum bem para a comunidade. Entender o que você fez.

— Mas eu entendo! — Hanna Marin não queria sacrificar seu tempo livre em uma clínica para pessoas queimadas. Se ela tinha que fazer trabalho voluntário, por que não podia ser em algum lugar mais chique? Tipo na ONU, com Nicole e Angelina?

— Já está tudo resolvido — disse a sra. Marin, bruscamente. Depois, gritou ao telefone: — Carson? Você fez os ensaios?

Hanna se sentou, as unhas cravadas nos pulsos. Na verdade, ela queria ir lá para cima tirar o vestido do funeral — ele estava fazendo suas coxas parecerem enormes ou era só seu reflexo nas portas da varanda? —, refazer a maquiagem, perder uns dois quilos e tomar um gole de vodca. Depois, poderia voltar e se apresentar outra vez.

Quando deu uma olhada para o pai, ele lhe deu um sorrisinho. O coração de Hanna deu um salto. Seus lábios se abriram como se ele fosse falar, mas então o celular dele também tocou. Ele ergueu um dos dedos, fazendo sinal para Hanna esperar.

— Kate? — atendeu ele.

O coração de Hanna encolheu. Kate. A linda e perfeita quase enteada.

O pai dela encaixou o telefone embaixo do queixo.

— Ei! Como foi a corrida? — Ele fez uma pausa e depois sorriu, radiante. — Menos de dezoito segundos? Isso é incrível!

Hanna pegou um pedação de cheddar do prato. Quando estivera em Annapolis, Kate nem sequer olhara para ela. Ela e Ali, que acompanhara Hanna para dar apoio moral, logo haviam se tornado as melhores amigas do mundo, excluindo Hanna completamente. Aquilo fizera Hanna devorar qualquer lanchinho num raio de um quilômetro e meio — tudo isso aconteceu no tempo em que ela era gorducha e feia, e comia sem parar. Quando ela se contorceu com as mãos na barriga de tanta dor, o pai apertara seu dedo do pé e perguntara "Minha porquinha não está se sentindo bem?" na frente de todo mundo. Depois disso, Hanna buscara refúgio no banheiro e enfiara uma escova de dentes na garganta.

O naco de cheddar pairava, indeciso, na frente da boca de Hanna. Respirando fundo, ela o embrulhou em um guardanapo e jogou tudo no lixo. Todas aquelas coisas aconteceram há muito tempo... quando ela era uma Hanna bem diferente. Só Ali sabia sobre aquilo e Hanna enterrara esse segredo bem fundo.


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