O Grande Palco da Vida escrita por Celso Innocente


Capítulo 34
Um triste adeus.


Notas iniciais do capítulo

Também estou triste.



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O médico, apesar de acostumado a tantos casos semelhantes onde a vida perde a batalha para a morte, apenas deixou rolar uma lágrima, acenando negativamente com a cabeça.

Meu amiguinho não tinha mais tempo, tombou sua cabecinha e suas dores cessaram de repente. Seu coraçãozinho partido parou de pulsar e ele estava morto. O relógio acusava sete horas da manhã, do dia vinte e nove de março de um mil novecentos e oitenta e três, Terça feira da Semana Santa Cristã.

Dona Odete, em seu desespero, começou a chorar; o senhor Pedro, não podendo se conter chorava também; Tony, devido seus seis inocentes aninhos de idade, só sabia compreender que tudo terminara; que o único irmãozinho, que lhe trazia muito orgulho devido sua fama, estava morto e jamais poderiam brincar ou viajar juntos e por isto, também desesperado chorava. Eu tentava me conter procurando ser forte, mas a realidade não deixava e para não prejudicar ainda mais a Tony, mesmo com lágrimas nos olhos, segurei em sua mãozinha e o levei para a sala de espera, onde ao chegar, encontrando nossos companheiros, apenas disse:

— Acabou tudo.

Pouco depois, por ordens médicas, o senhor Pedro e dona Odete também se retiraram de perto do filho, retornando à sala de espera. Marcos César se aproximou deles dizendo:

— Vamos pro carro. Vou levá-los pra casa.

— Não podemos — negou o senhor Pedro. — Temos que preparar tudo.

— Nós cuidaremos de tudo, senhor Pedro — comprometeu-se. —Vá pra casa com Tony, por favor.

— Não! — negou dona Odete. — Queremos ficar perto de meu filho.

Como é a velocidade do raio, também é hoje em dia a velocidade da imprensa. Poucos minutos após a morte de Regis, o Brasil inteiro e até o exterior, ficara sabendo o terrível acontecimento.

©©©

Às dez horas, já dentro de um caixão branco, o corpo de Regis fora colocado em um carro fúnebre e levado às dependências do ginásio do Ibirapuera aonde seria velado durante todo o dia.

Ao chegarmos ao ginásio, onde estivemos pela última vez em dez de Dezembro do ano anterior em grandioso show; Regis fora agora recepcionado por um público maior do que já havia comparecido em qualquer de seus shows. Desta feita, o público cantaria então, não para um ídolo, mas sim para um amiguinho que tinha tanto amor.

Um som, ao qual nem sei quem teria providenciado, estivera ligado nas dependências do ginásio, executando diversas músicas de todos seus discos; principalmente “A guerra dos Homens”, que falava de uma paz que surgira para acabar com todas as guerras.

Durante todo aquele dia o ginásio permaneceu lotado e a polícia esteve de prontidão, a fim de evitar qualquer conflito. Uma ambulância médica, também estivera de prontidão; a qual foi utilizada diversas vezes durante o dia, no transporte de pessoas que geralmente sentiam mal, devido ao conglomerado de pessoas e o calor.

Em São Paulo, Regis não tinha parentes, por isso quem morava em outras cidades e pretendessem prestar-lhe tal homenagem, foram aconselhados a seguirem para São João da Boa Vista, a duzentos e trinta quilômetros da capital, onde seu corpo seria levado naquela noite.

Muitos artistas do rádio e da televisão compareceram ao ginásio, a fim de prestarem sua derradeira homenagem àquele garotinho, que durante seus doze anos de vida, só procurou praticar o amor para com todos seus irmãos em Cristo.

A maioria das emissoras de televisão brasileira dedicou o dia, para transmitir ao vivo do ginásio, o maior velório público ocorrido nos últimos tempos; todas as emissoras de televisão do planeta abriam seus telejornais anunciando o trágico desfecho de sequestro cruel e o governo federal, através do Ministério da Educação e Cultura decretou luto oficial no Brasil por três dias.

As principais músicas executadas durante aquele dia no ginásio foram, além de A guerra dos homens, O último julgamento, Canarinho da cidade, Em tudo vejo amor, Vitrine, o olhar de Deus e Vida. Outras eram também executadas poucas vezes, mas também fazia parte daquele repertório; daquele último e triste show de “REGIS DE ASSIS MOURA”.

As vinte e uma horas daquele trágico dia, deveria ter iniciado em Penápolis, estado de São Paulo, um dos shows que Regis tanto esperava acontecer; pois lá é a cidade onde nasci e ele foi visitá-la apenas uma vez, quando fomos tirar fotos para seu segundo LP.

Naquela hora, seu corpo saíra pela última vez do ginásio do Ibirapuera e também, pela última vez, fora colocado em seu ônibus, onde, com o mesmo motorista, a mesma equipe de espetáculos e os pais e irmão do pequeno, escoltado por duas viaturas e duas motocicletas da Polícia Militar Rodoviária e seguidos por dezenas de carros, seguimos para a cidade onde ele nascera.

Por todo o trajeto da Rodovia dos Bandeirantes, Dom Pedro Primeiro e Ademar de Barros Filho, onde passava aquela triste comitiva, milhares de pessoas, sabendo com antecedência, aguardavam para também lhe prestar uma derradeira homenagem.

Já passava da zero horas de quarta-feira, quando a comitiva, recepcionada por uma multidão de cinco mil pessoas, chegava à entrada da cidade, seguindo até o Ginásio de Integração Comunitária no centro da cidade, aonde aquele caixão branco fora desembarcado e colocado para velório.

Aquela multidão de pessoas, que permaneciam no hospital, antes e após a morte; a multidão de todo o dia no ginásio do Ibirapuera; a multidão, que deixando seus afazeres, seguiram em passeata de São Paulo à São João; a multidão que nos recebeu naquela terra. Tudo aquilo me deixava muito emocionado e me fazia compreender o quanto aquele garotinho puro era amado em nosso Brasil, em nosso mundo. E eu estava ao lado dele durante todo o tempo, sem nunca ter percebido aquilo. Só ali, preferi então compreender que toda aquela multidão, não eram simplesmente fãs de Regis, mas sim, como ele sempre dizia: ‘ERAM SEUS AMIGOS’.

A noite passou lentamente e não foi suficiente para esvaziar as dependências do ginásio. Os parentes do pequeno precisavam ser escoltados pela polícia, para se aproximarem do caixão. O senhor Pedro e dona Odete permaneciam o tempo todo sentados em cadeiras improvisadas ao lado do caixão. Tony, muito cansado, permanecia dormindo no ônibus, acompanhado por outros membros da equipe, que também resolveram dormir. Eu andava de um lado a outro, como barata tonta, tentando aceitar que infelizmente tudo aquilo era real.

Às oito horas da manhã, recebemos a visita da família do pequeno pregador do Rio Grande do Sul, onde o povo compreendeu que Michael precisava chegar até Regis e então, em gesto de amor abriu passagem. O pequeno cantor evangélico, na simplicidade de seus oito anos de idade, acompanhado por seus pais e irmãos, chorou muito ao ver e saber, que aquele amiguinho partira para sempre.

Dennis de Poços de Caldas, Raul e Ricardo de Ferraz de Vasconcellos e muitos outros, também não puderam deixar de comparecer, para aquela última homenagem.

A família de Luis Henrique, de Fátima do Sul, apesar de longa viagem, chegaram às dez horas e pediram para que a polícia hasteasse no alto do ginásio, acima do caixão, uma faixa que eles mandaram confeccionar com a frase que copiaram da televisão, com as últimas palavras de Regis: “NÃO TENHO FÃS, SÓ AMIGOS; MILHÕES DE AMIGOS. MAS INFELIZMENTE NÃO PUDE CONHECER A TODOS”.

Às dezesseis horas, todos nós, família, inclusive Tony, parentes, amigos próximos e equipe de shows, nos aproximamos para a última olhada ao corpo de Regis. Ele parecia dormir sereno. Pressionei minha mão direita em seu peito enfaixado e dei um leve beijo em sua face pálida. Àquela hora não consegui continuar sendo forte, como tentava ser até então. Ao lembrar que jamais tornaria a vê-lo; que àquela hora era definitiva e ele estaria indo embora para sempre, comecei a chorar de tristeza e desespero. Então arrasado como toda sua família e sendo levado por Daniel, me retirei para o ônibus.

O caixão fora lacrado e colocado sobre uma viatura do corpo de bombeiros e então em passeata, cortando lentamente todo o centro, seguira para o cemitério municipal São João Batista, que fica próximo à entrada da cidade conhecida como “A CIDADE DOS CREPÚSCULOS MARAVILHOSOS”. E talvez, também para prestar uma grande homenagem a aquele pequeno anjo, o Sol nos agraciava, realmente mostrando toda sua infinita beleza, antes de se pôr no horizonte, naquela tarde muito triste.

Às dezessete horas, através de muitas lágrimas, muitas flores e a multidão cantando em uma só voz, o corpinho daquele anjinho fora sepultado em túmulo reservado pela família.

As emissoras de rádio, televisão, jornais e revistas do Brasil e até do exterior, cobriam esse acontecimento ao vivo, com muita tristeza e emoção.

Após o demorado sepultamento, centenas de pessoas ainda continuavam no cemitério; inclusive a imprensa e nós familiares. Eu me sentara na guia de sarjeta, próximo ao túmulo praticamente lacrado, ao lado do senhor Pedro, dona Odete e Tony.

— A gente não vai embora não? —perguntou Jardel.

— Não! — neguei chorando. — Queremos ficar aqui!

Mas não podíamos ficar. E assim, por volta das dezoito horas e trinta minutos resolvemos seguir para o ônibus e dali, a família Moura seguiu à casa de parentes e nós, os demais, seguimos para o hotel, previamente reservado no centro da cidade.

Naquela noite, enquanto a música “A guerra dos homens” era executada por Regis, em reprise de um dos mais famosos programas da televisão brasileira, no programa jornalístico daquela noite, o apresentador lamentou:

“Infelizmente Regis a guerra continua e o homem não aceitou seu apelo de paz. Mas acreditamos que esta sua música continuará sendo um protesto, contra sua morte e de tantos outros inocentes”.

Se para o mundo inteiro, aquela tragédia era motivo de lágrimas e luto; para nós, principalmente para mim e mais ainda para o senhor Pedro e dona Odete e muito mais para Tony, era como se um pedaço de nós, de nossos corações, houvesse partido juntamente com ele.

Tudo aquilo parecia mentira; parecia que estávamos vivendo um pesadelo que insistia em não terminar; que por mais que tentássemos não conseguíamos acordar.

O pior, é que, como Regis, existem muitas crianças que são covardemente e monstruosamente assassinadas e abusadas sexualmente, inclusive por pessoas da própria família e que talvez nós nem tomamos conhecimento, porque ao contrário dele, não são crianças conhecidas, mas a gravidade do crime é a mesma e estas crianças são todas anjos inocentes.

Lembro-me de ter brigado com Regis apenas uma vez em um quarto de hotel, onde me arrependo até hoje por ter me descontrolado e acabado por desferir um tapa em seu rostinho. Durante todo o tempo que convivi com ele, dá pra contar nos dedos de uma só mão, as vezes que lhe foi chamada à atenção por seus pais. Depois do incidente com o circo, jamais tornou a apanhar dos pais e nunca brigou com o irmãozinho caçula, que o tinha como herói.

Regis de Assis era o primogênito da família Moura; nasceu em São João da Boa Vista, estado de São Paulo, em vinte de Abril de um mil novecentos e setenta e um e após doze anos de orgulho à família e a milhões de amigos, deixou sua vida na Terra, em vinte e nove de Março de um mil novecentos e oitenta e três, quando seu terceiro long play, com uma música que pedia paz na terra, começava a ser divulgado.

De menino pobre do interior, se transformou em um dos mais ricos e conhecidos meninos brasileiro e era muito feliz, só lamentando uma coisa: a grande desigualdade social no mundo, onde poucos têm muito e muitos não têm nada e pais e filhos, seres humanos, morrem de frio, fome e falta de cuidados médicos.

Esta pequena biografia teve o intuito de narrar um pouquinho da vida deste garoto, porque se fosse contar tudo, as páginas passariam de mil.

©©©

Em dez de maio de mil novecentos e oitenta e cinco, sexta feira, iniciado as nove e findado as vinte e três horas, comigo presente, o magistrado, inclusive aceitando como parte de provas as fotografias feitas durante cativeiro, o tribunal do júri, formado por sete jurados, cinco homens e duas mulheres, entre empresários, estudantes e operários, condenou José Renato, por sequestro, cárcere privado (artigo 148, parágrafo primeiro), constrangimento ilegal (artigo 146, parágrafo primeiro), tortura e formação de quadrilha, a pena de dezoito anos de reclusão; Laura e Paulo, pelos mesmos crimes, com a agravante de abuso de vulnerável (artigo 217a) há vinte e quatro anos e a Luís Marcos, por sequestro, cárcere privado, tortura, formação de quadrilha e homicídio doloso (artigo121), ao menor Regis de Assis Moura, a vinte e nove anos de reclusão; todos em regime fechado.

ADEUS REGIS; PERDÃO PELAS PESSOAS QUE NÃO QUEREM ENTENDER O SEU APELO DE,

PAZ NA TERRA.

Seu grande admirador e amigo,

Willian Gustavo.

F I M

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Notas finais do capítulo

Também fiquei triste com esse final.
Como mencionei no início da estória, ela está sendo postada duas vezes aqui no Nyah!, portanto convido-o a continuar acompanhando a este drama na segunda versão, a partir do capítulo 34, clicando no link que deixei no final desta.
Conto com você.



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