Azul para Carmesin escrita por Medusa


Capítulo 3
Lake of Fire




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Suspirei sentindo a calma com que a brisa soprava meu cabelo. Estava sentada na calçada de casa, pensando em como contar à mamãe que há duas semanas havia largado mais um curso. Suspirei outra vez, tentando lembrar da voz de Marcelo quando me dizia “vai ficar tudo bem” Droga, já havia uma ano? Um ano e dois meses. Aquilo estava ficando cada dia pior. Antes, eu estaria tão preocupada, ele acalmaria mamãe, e diria que eu só precisava ter paciência, era tão mais fácil com ele...

Encarei o livro que tinha em mãos, mas era como se as palavras não ficassem gravadas quando as lia. Mordi A barra de cereal me forçando a mastigar enquanto repassava pela quinta vez no dia as palavras que diria a minha mãe, depois da terceira possível carreira abandonada. Suspirei e peguei minha câmera absorta pela cor do céu naquele fim de tarde sobreposta pelo verde das árvores que amenizavam o aspecto do concreto que me cercava, tirei uma foto do céu pensando que aquilo me tranquilizaria, mas nem assim minha mente se aquietou. Então disparei cliques distraídos por todo o canto.

– Seu cabelo está mais azul agora – Reconheci de imediato a voz da garota e por mais que eu amasse Laura como se fosse minha própria irmã, sua presença Só piorava meu dia. Ela tinha cerca de sete anos, o cabelo castanho claro e ondulado, os olhos verdes iluminados e pele dourada.

Vendo-a me encarar com os olhos estreitos e cílios pesados era como olhar de volta para Rafael, e aquilo doía terrivelmente. Eu o amei, mesmo. E ver sua irmã devia fazer-me lembrar de sua presença, e de todas as coisas boas, mas eu só conseguia lembrar que não o tinha mais, e aquilo era insuportável.

– Está sim – Me obriguei a sorrir para a menina de pé à minha frente – O escureci. E onde está sua mãe? – Aquilo havia soado indelicado, mas eu realmente não me importei.

– Visitando minha tia – Laura apontou para uma casa, depois da esquina, do outro lado da rua. Ela sorriu e sentou ao meu lado e passou os dedos sobre o livro que eu devia estar lendo.

Suspirei vencida, sorri para a garotinha e começamos a ler juntas, ela parecia cansada, triste e confusa. Cinco minutos depois eu estava totalmente acostumada à situação.

Sorri para ela quando lemos a mesma frase juntas. Ela ficou séria de repente e olhou para o meu colar. Era um cordão simples, o pingente era a peça de um quebra-cabeça feito de aço polido. Havia sido a última coisa que ganhei de Rafael. Ela voltou a me olhar nos olhos e, os seus, se tornaram tão tristes que tive de desviar o olhar.

– Eu sinto falta do meu irmão – Ela disse num tom que não me deixava ter coragem o suficiente para encará-la. Como poderia confortá-la se nem eu conseguia me sentir em paz quanto àquilo? Senti as lágrimas queimarem meus olhos, e lutei para não derrubá-las, eu devia ser a parte forte daquilo, ou não?

– Eu também sinto falta do seu irmão, e do meu também...

– Ei Atrasada – Olhei para cima e vi Lucas nos encarando do volta, pestanejei, mas como? Eu nem lembrava que já havia o visto. Ele estava sorrindo, mas sua feição parecia bastante preocupada, encarou-me durante apenas alguns instantes, mas acho que percebeu que eu estava prestes a chorar, então simplesmente se agachou e olhou para Laura repousando os braços em suas próprias pernas.

– Você é muito bonita, sabia? Como se chama? – Perguntou com os olhos cerrados. Ela abriu um sorriso.

– Você é amigo da Mel? – Perguntou

– Vocês nunca respondem, não é mesmo? – Ele riu, mas então levantou as sobrancelhas para mim. Tentei não olhar de volta, enquanto mantinha a cabeça baixa para disfarçar as lágrimas que haviam escorrido.

– Meu nome é Laura – Ela disse – E você também não respondeu. Se é amigo da Mel.

“Sim” Ele disse ao mesmo tempo que eu disse “Não” enquanto secava as lágrimas com as costas da mão, então nós três rimos. Aquilo me surpreendeu, há quanto tempo eu não ria?

– Laura – Ana Lúcia chamou do outro lado da rua – Temos que ir – Olhei para ela que apenas me direcionou um sorriso forçado, e eu soube que ela ainda sustentava a ideia de que “Seu filho não teria morrido se não houvesse me conhecido”

– Laura, rápido – Ela chamou outra vez, a menina se despediu sorrindo tanto de mim quanto de Lucas.

Ana Lúcia acenou curtamente antes de virar nos as costas. Aquele era, sem a menor dúvida, o segudo pior dia da minha vida.

Lucas olhou para mim, agora totalmente sério, suas sobrancelhas estavam franzidas, meus olhos foram para seu braço lembrando da tatuagem inacabada que vi da ultima vez mas estava usando uma blusa de mangas longas.

– Eu sinto muito – Ele disse me encarando, fechei os olhos sentindo as lágrimas escorrerem – O que quer que seja. Eu sinto muito, mesmo.

Parei de lutar com as lágrimas, sentindo-as quentes enquanto vertiam sem controle através dos meus olhos. Havia pelo menos um ano desde chorara na frente alguém. Na verdade, Um ano e dois meses. E as únicas duas pessoas que já haviam me visto chorar de verdade estavam mortas.

Eu não tinha reações àquilo, sem soluços ou tremore, como costumava ser nas pessoas que choram, era apenas um rio de lágrimas, que me fazia desejar não haver saído da cama pela manhã. Lucas suspirou, olhei para ele através da pálpebras molhadas, e de repente estava desesperada. Eu não sabia nada daquele cara, exceto seu nome, que ele ouvia minha banda favorita, tinha tatuagens e sabia cuidar de cachorros.

Minhas lágrimas aumentaram e comecei a me sentir histérica quando uma risada se formou no fundo da minha garganta.

– Minha vida está fodidamente acabada – Disse entre lágrimas – Eu... Eu...

– Ei – Lucas sussurrou – Não precisa se explicar. Não mesmo. – O encarei incrédula, o que ele queria comigo? Era a terceira vez que o via num espaço de nove meses, e ainda assim ele parecia entender algo que ninguém mais houvera visto. Ele estendeu a mão para secar minhas lágrimas, mas me encolhi assim que seus dedos tocaram minha pele. Ele suspirou. “Okay” sussurrou e então apenas sentou do meu lado.

– Já notou como o céu está bonito hoje? Mesmo escurecendo? – Meu olhar seguiu o seu, e a única reação que me ocorreu foi dar de ombros antes de lhe entregar minha câmera.

Continuei chorando por mais tempo do que podia contar e ele continuou sentado ao meu lado, sem dizer nada, ou me tocar, ou ao menos me encarar por muito tempo.

O céu já estava completamente escuro quando percebi que minhas lágrimas haviam secado. Os postes começavam a iluminar a rua gradualmente, e as pessoas começava a caminhar para lá e pra cá.

Olhei para ele do meu lado que me encarou de volta. Eu não conseguia acreditar que ele ainda estava lá. Nem sequer lembrava da sua presença e tão quieto que estava.

– Você está melhor? – Eu não me sentia melhor, mas sabia que estava, então apenas acenei.

– Por que fez isso? – Perguntei percebendo minha voz baixa e sem emoção

– Eu não fiz nada.

– Ficou do meu lado – Dessa vez foi ele quem desviou o olhar.

– Então você se chama Melissa? – Perguntou ainda sem me encarar

– Melanie – Respondi, então voltei a perguntar – Porquê?

– Você vai ficar bem Melanie? – Perguntou ao ficar de pé, e me encarou de cima.

– Porquê? – Insisti.

– Vai? – Suspirei, estava cansada, e discutir não iria adiantar em nada.

– Sim, eu vou ficar bem – Encolhi os ombros – Porquê? – Voltei a insistir.

– Porque parece tão quebrada quanto eu – Ele respondeu sem me encarar, então deu as costas e começou a se afastar, percebi um suspiro pelo movimento de seus ombros, e então ele passou uma mão pelo cabelo emaranhando os fios. Senti que devia dizer algo, ou agradecer, mas não consegui pensar em nada. Então apenas o observei se afastar lentamente até que houvesse sumido completamente e continuei olhando naquela direção mesmo depois de perde-lo de vista.

Algum tempo depois a voz da Minha mãe me despertou dos pensamentos que me distraíam.

– O que está fazendo aqui fora?

– Esperando – Suspirei aceitando o fato que, depois de tudo, teria de encarar meus problemas sozinha. E que talvez, fosse melhor assim.


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Notas finais do capítulo

Don't Cry ;'(



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