Peeta

—Peeta?- Ouço Katniss me chamar e olho para ela - eu… quero dormir, tudo bem se você vigiar sozinho?

—Está tudo bem, daqui a pouco é o turno do Finnick, aguento sozinho - falo dando um pequeno sorriso a ela. Depois da nossa conversa (que foi a umas duas horas!) não trocamos uma palavra sequer, consigo ver seus olhos pesados, ela está exausta. Ela se deita na areia e em poucos minutos já está dormindo. Ela não deixa de ser bonita nem nas condições em que estamos.

Na edição anterior dos Jogos, eu não tinha nada para me lamentar, nem minha própria vida, nem quando achei que fosse ser morto por Cato ou pela febre e infecção, em nenhum momento me lamentei pela situação em que estava, mas agora é diferente. Não que eu esteja com medo, é simplesmente insuportável lembrar das coisas que jamais vou poder fazer, como meu casamento praticamente arranjado com Katniss. Se ela sair viva daqui, vou perder tudo que envolve nossos filhos, eles nem vão saber quem eu sou, fui, o Peeta de verdade, e não o garoto de ouro da capital que é só sorrisos e piadas.

Quando eu morrer, a Katniss vai sofrer, somos alguma coisa um para o outro, mas ela vai superar, com a ajuda de Gale, todos vão superar a minha morte. Gale, aí um caso complicado, talvez ele e a Katniss se casem um dia, formem uma família. Um mês atrás a visão de um futuro assim para Katniss, casada com Gale e com uma família, me deixou furioso, mas agora parece uma alternativa boa, eu a amo, e só quero que ela seja feliz, mesmo que seja com o Gale. Percebi isso a um mês, quando fiz o maior papel de babaca que alguém poderia fazer .

Flash back

Um mês antes da arena

— Você ainda está aqui? Já está tarde- a voz de Prim surge de repente e tiro as mãos do rosto .

— Eu.. Perdi a hora, desculpe Prim , já estou indo .

Ela sai da porta e se senta na cadeira, bem na minha frente.

— O que você esta pensando? Pode conversar comigo se quiser. Talvez eu seja a única pessoa disposta a ouvir você no meio disso tudo - encaro ela com uma expressão de dúvida, ela só tem 12 anos, mas tudo que já passou me diz que pode me entender de alguma forma, e ela está certa na parte de que ela talvez seja a única disposta a me ouvir no meio disso tudo, mas ela é só um criança.

Demoro um pouco, mas começo a falar.

— Já faz 4 dias… 4 dias que descobrimos que vamos voltar para a arena e a Katniss ainda está em péssimo estado, ver ela assim está acabando comigo. Eu já estou conformado, só que tem uma coisa que está me incomodando - ela continua me olhando, esperando a continuação - é os bebês.

— Eles vão ficar bem, a Katniss vai voltar .

— É justamente isso. Se a Katniss voltar, eu não vou está aqui para participar. Eu sempre… quis uma família, desde criança, quando eu apanhava sem ter feito nada, eu jurava que quando tivesse filhos eu seria um bom pai, tentaria ser o melhor. Desde que descobri que seria pai eu repito isso para mim mesmo todos os dias, eu seria um bom pai e que tentaria ser o melhor, é agora eu tenho que simplesmente engolir que não vou ter a chance nem de conhecê-los! Eles não vão saber quem eu sou, quem eu sou de verdade, não uma peça nos joguinhos da Capital, não vou poder ser pai, não poderei dizer nada a eles.

— Eles saberão sim, quem você é de verdade, todos nós estamos aqui para mostrar a eles, até mesmo o Gale! Ele tá começando a se conformar. E outra coisa, você pode deixar uma carta dizendo tudo que sente agora é o que quer que eles saibam. E mais uma coisa, você pode mostrar.

—mostrar?

— Sim, você pode pintar. Sabe, tem várias opções, telas, papel e também tem a que eu acho melhor, parede. Esse quarto em que estamos provavelmente - ela olha ao redor - vai ser deles, e você pode pintar alguma coisa, eles verão um lado seu, o lado pintor, doce e amável.

Ela tem razão, eu posso fazer isso, ela é uma boa conselheira.

— Você sabe das coisas, e você tem razão! Eu posso fazer isso e vou começar amanhã mesmo. Quando precisar de uma palavra amiga já sei com quem falar. Obrigado Prim - em resposta ela apenas da um sorriso e se levanta da cadeira, mas para antes de sair do quarto e diz

— Você pode dormir aqui se quiser, minha mãe e Katniss não vão se importar, fique a vontade.

Resolvo dormir aqui mesmo. O despertador do meu relógio de pulso toca às 5:45 da manhã, não me lembro quando coloquei essa porcaria para despertar. A casa da Katniss está silenciosa, exceto pelo gato, todos estão dormindo, eu poderia voltar a dormir, mas já está na hora de ir embora, não vou abusar da hospitalidade.

O bom e que só moramos a 3 casas um do outro. Chego na minha casa, mas antes de entrar, vejo Gale entrando na vila . Ele está com a sua habitual camisa azul claro ( às vezes parece que ele só tem essa camisa) e um casaco de couro marrom, ele não percebe que estou observando e entra na casa de Katniss .

Eu me sento na entrada da minha casa, e por algum motivo estúpido fico imaginando o que ele está fazendo lá dentro, não que seja da minha conta o que ele faz ou o que deixa de fazer, mas nesse caso, se trata da Katniss. Ele sai por volta das 6:20, mas não sai sozinho, Katniss está junto e ainda está de pijama, uma calça de moletom e uma blusa de algodão com mangas, não que eu fiquei reparando no que ela veste ou deixa de vestir.

— Eu não quero ir Gale! - consigo ouvir ela falar .

— Vamos lá Catnip! Vai ser divertido, quanto tempo não fazemos isso?! Vamos voltar logo, eu prometo e você precisa sair dessa casa! Daqui a pouco cria raízes na cama, aí sim vai fazer todo sentido você se chamar Katniss! - ele termina dando risadas, eu achei que ele só tivesse uma expressão e essa piada sobre o nome dela foi sem graça, mas por algum motivo ela sorriu, ela não ri das minhas piadas!

Eles começam a andar para fora da vila e fico entre entre dois dilemas, A: entrar em casa, tomar banho e fazer meus pães e B: seguir eles. Não sou um cara muito curioso, mas se tratando da Katniss eu sou, uma vez quando tinha 14 anos segui ela até a floresta, eu só queria saber onde ela sempre depois da aula, e acabei levando uma surra por ter chegado mais tarde em casa. Meu irmão sempre me disse que mulheres nos levam a decisões erradas, e eu concordo com eles, pois me levanto e começo a andar atrás deles, tentando ser silencioso .

Eles chegam até a cerca do Distrito, e passam por baixo dela, ele é muito corajoso depois da surra que levou dos pacificadores, e de bônus levei chutes e pontapés. Espero eles se afastarem um pouco e passo por baixo da cerca, eles está de mãos dadas e isso está me incomodando, eles andam mais um pouco até que chegam a um lago, eu apenas observo, escondido atrás de uma árvore bem grande, até agora eles não fizeram nada de mais, conversaram sobre os irmãos mais novos do Gale.

Gale entra na água.

— Entra vai, a água está boa, você vai gostar - ela está sentada na margem, demora um pouco mais entra. Que droga, eles dois mergulhando e conversando não me agrada muito, ela parece um pouco feliz, sorrindo para ele. Eles ficam pelo menos 15 minutos dentro da água até que saem e ficam sentados na margem, conversando sobre algo que não consigo ouvir.

Então, Gale começa a se aproximar muito dela, e ela não recua, isso é péssimo, ele não move mais o corpo, mas move a cabeça , até ficar bem perto e… Ele a beija.

Sinto meus músculos ficarem rígidos. Ela não recua, continua beijando ele. Apenas me viro e refaço o caminho de volta para a cerca, tentando esquecer eles juntos. Uma das maiores burrices que eu já fiz foi ter seguido eles, poderia ter ficado em casa e não precisaria lidar com… Com isso, mas eu já devia esperar algo assim .

Finalmente chego em minha casa. Normalmente faria meus pães, mas eu só quero dormir, então nem me dou o trabalho de subir até o quarto, apenas tiro os sapatos e me jogo no sofá.

Acordo com o som do meu maldito relógio, retiro ele do pulso e o jogo para o outro lado da sala. Ainda são 11 horas, marquei com Haymitch às 12 treinamento, elaboração de estratégias e a principalmente o que vou falar na entrevista. Não me resta muito a fazer a não ser ficar sentado no sofá assistindo um programa da Capital até que finalmente dá o horário.

Saio da minha casa com a cabeça baixa, olhando para o chão, tudo que me vem na cabeça e relacionado a esta manhã, achei que ela não estivesse interessada em nenhum de nós dois, mas parece que não é bem assim. Nem ao menos percebo que tem outra pessoa em meu caminho até esbarrar nela. É Katniss .

Não paro para falar com ela, continuo andando, não quero falar com ela.

—Peeta? Está tudo bem com você?.

Paro de andar. Ao ouvir a voz dela sinto uma sessão de raiva invadir meu peito, raiva e impaciência. Respiro fundo e me viro.

— Estou indo para casa do Haymitch, precisamos treinar. - respondo alterando o assunto.

— Perguntei se está tudo bem, e não se está indo para casa do haymitch. Responde minha pergunta.

A insistência dela me deixa com raiva.

—Está tudo bem sim! É com você deve esta bem pra caramba também , já que está recebendo todo apoio do Gale, talvez mais do que deveria!

—Ei… o que você está falando? Eu só perguntei se estava tudo bem…

—Não se faça de idiota Katniss!- a essa altura estou cuspindo as palavras - eu vi você com o gale hoje na floresta, quanto apoio! Olha se eu soubesse que era aquilo que você queria eu teria tentando, mas bem, varia de pessoa e claro, eu sou só um ombro.

Nem eu nem Katniss percebemos que Gale estava ao lado dela.

— Do que vocês estão falando? - ele pergunta colocando uma de suas mãos no ombro de Katniss.

—Bom, eu já vou indo, seu namorado chegou e não quero atrapalhar nada que vocês queiram fazer - volto a andar, mas consigo ouvir Katniss cochichar para ele “ ele nos viu na floresta hoje de manhã”

—Achei que o tal romance entre você e ela era só na frente das câmeras! Não tem porque você ficar bravo! Ela pode e é livre para fazer o que quiser e com quem quiser!- Gale fala para mim.

Paro de andar e viro novamente para eles. Doou um sorriso relativamente sarcástico e digo

—E mesmo? Bom, eu não me lembro de nenhuma câmera presente no quarto, na noite em que ela dormiu comigo depois que voltamos dos Jogos.

Katniss cruza os braços e olha para o chão e consigo ver os músculos do rosto de Gale se movimentando de raiva, ignoro a voz que vem do meu subconsciente que diz para eu parar de falar e continuo falando.

—E sabe de uma coisa Katniss, isso me faz querer questionar você se eu sou realmente o pai…

—Você está agindo que nem um babaca ! Qual é o seu problema, Você acha que eu sou uma vadia que sai por aí dormindo com qualquer um? E sabe de mais coisa eu não queria está passando por essa droga de situação! EU NÃO QUERIA ESTÁ GRÁVIDA! ISSO NÃO FOI MINHA ESCOLHA! Desde o início eu só queria ficar viva e proteger minha irmã! Acha mesmo que eu queria está ligada à você!?

—Eu sempre fui o idiota iludido da porra da situação! E sobre você ser uma vadia, talvez seja mesmo! Já que existe 50% de chances de eu não ser o pai e sim ele! Que esse lance de gravidez seja só uma show para as câmeras que você inventou! A nossa relação e eu você é sobre as malditas câmeras! Eu posso muito bem está sendo enganado, já que você sabe me iludir muito bem!Nossa relação nunca passou de um teatro de merda, e, desculpe se duvido de suas mentiras agora, mas você se provou uma ótima atriz e uma grande mentirosa e sinceramente estou farto de todas as suas mentiras Katniss!

Antes que pudesse me defender, gale já estava em cima de mim.

— VOCÊ QUER QUE ELA TE AME CONQUISTADOR? MAS NÃO ROLA SE VOCÊ AGIR QUE NEM UMA CRIANÇA MIMADA! - Ele me dá um empurrão no peito . Ele prepara o pulso para me bater, mas é interrompido por um jato de licor, que também me atinge.

Haymitch surge e tira Gale de cima de mim. Ele fica entre nós dois.

—Que desperdício... Uma boa garrafa de licor desperdiçada com dois idiotas. Vem! - ele me pega pela gola da camisa, a entramos em sua casa. Ele me leva até o banheiro, liga a torneira da pia e coloca meu rosto debaixo da água.

—Agora, pensa nas merdas que você disse. Pensa, se aquela era mesmo você! Aquele não era você! O Peeta nunca diria aquelas coisas horríveis, você provavelmente magoou a Katniss.

Então, começo a perceber os meus atos. Tudo que disse, sobre eu não ser o pai dos bebês, sobre ela ser uma mentirosa, tudo que eu disse. Coisas horríveis, aquele não era eu, estava dominado pela raiva.

—Eu ouvi tudo Peeta… e sei que é complicado ver a Katniss com o Gale, mas tem 4 dias que ela só fica trancada no quarto! E o Gale conseguiu tirar ela, conseguiu fazer ela sorrir… você a ama mesmo Peeta?

— Mais que minha própria vida. Preciso...preciso pedir perdão - ainda sinto raiva mas ao mesmo tempo uma vontade intensa de chorar.

—Não agora, ela provavelmente não quer falar com você.

*****

Nunca vou me perdoar por dito aquelas coisas. Estava confuso e chateado, talvez a coisa que mais estou arrependido de ter dito, foi que eu poderia não ser o pai, os bebês, são praticamente a única família que tenho, e talvez a maior alegria que eu já tive foi senti-los se movimentando. Depois daquele dia, fiquei com tanta vergonha das coisas que disse que evitei Katniss, isso só deixou ela mais chateada, no fim das contas acho que ela me perdoou, mas eu não me perdoei ainda. Meu turno acaba mas mesmo assim não acordo Finnick, estou tendo problemas para dormir. amanhã vamos executar o plano e tenho o pressentimento de que vai dar muito errado.