Fome...

Não me alimento a pouco mais de uma semana, isto é estranho, eu era capaz de suportar mais de três semanas sem sentir fome, o que não é tão comum nos ghouls, como posso sentir fome depois de nada mais que uma semana?

Pensamentos inúteis, logo deixarão de existir, está na hora da caçada e tenho de ser mais cauteloso que o normal, aquele tal de David alertou-me sobre este "silencioso" que agora patrulha a área onde vivo, normalmente não me assustaria em saber que viria um pequeno reforço de guardas para cá, mas não me alegra saber que também há alguém conhecido por uma alcunha, nunca é bom, e caso ele seja assim tão especial tenho certeza de que deve portar uma "partisan".

Partisans são realmente um saco, desde que esses tão chamados alquimistas descobriram por acaso uma "poção" que consegue amolecer nossas garras essas armas surgiram, felizmente elas são limitadas a partir do momento que apenas garras do tipo armadura servem para serem moldadas, sua dureza e forma física não flexível permite que ela tome a forma de uma arma, e assim como as garras de um ghoul elas possuem suas desvantagens, não são versáteis como o tipo cauda, nem flexíveis como o tipo lança, mas infelizmente possuem vantagem contra o tipo asa, o mesmo que o meu, o que torna minha vida um pouco mais difícil.

Nada demais, apenas mais um na contagem de corpos caso entre em meu caminho...

Estranho, um pensamento assim nunca me incomodou tanto antes...

Eu estou com fome...

– Por que não consigo parar de pensar nisso? - perguntei a mim mesmo sentado no telhado da igreja, um local no qual me sinto realmente à vontade, lá possuo uma ampla visão da cidade, a brisa é boa e ninguém me incomoda lá, seria realmente uma pena se alguém descobrisse...

Ao olhar para baixo vi que uma figura trajando cinza e com a cabeça enfaixada olhava diretamente para mim, senti-me desconfortável, alguém descobriu meu pequeno lugar especial, e alguém irá morrer. Sem hesitar saltei do topo da catedral em sua direção, liberei minha garra, duas asas negras com manchas rubras surgiram de minhas costas à medida que sentia um pequeno formigamento em meus olhos, sinal de que eles estavam tornando-se negros com pupilas vermelhas, o modo de caça de um ghoul, dei um rasante em sua direção e estava preparado para matar.

"Matar, caso eu o mate terei alimento, sim, isso é bom, muito alimento, não sobrarão nem os ossos!", pensei enquanto abria um sinistro sorriso, espere, não posso ceder minha concentração assim em batalha!

No último segundo apoiei meu pé na parede de uma casa e saltei para o telhado da casa vizinha, por pura sorte eu havia percebido que ele havia sacado sua partisan, era estranha, já havia ouvido falar deste tipo de arma mas nunca havia visto, uma espada oriental, fina, porém ágil, corta apenas de um dos lados, mas é tão letal quanto qualquer espada. Este homem possuía um instinto assassino como eu nunca havia visto antes, seus olhos não exprimiam emoção, ele sacou sua espada pronto para me matar como se eu não fosse mais que um galho atrapalhando seu caminho em uma floresta...

Por que me incomodo tanto com isso? Eu ja fui assim, não sou mais? o Que há comigo...

Fome...

Sem pensar pulei do telhado e tentei chutá-lo, porém ele desviou para o lado e tentou me cortar, neste momento utilizei minha garra para cobrir a lateral do meu corpo e parar o ataque, chutando-o para longe logo em seguida.

– Bem durão você ein? Aguentou alguns movimentos meus, diria que bem mais que a maioria dos outros que matei. - Disse enquanto estalava os dedos - Mas não se preocupe, ja enfrentei piores! - E sem hesitar corri em sua direção atirando espinhos de minha garra.

"Merda", pensei,"esse cara parece forte, preciso acabar logo com isso, minha garra não é boa para lutas de longa duração!"

Enquanto ele defendia os espinhos avancei com velocidade e atirei dois espinhos em suas coxas, os quais não conseguiu defender, porém ele conseguiu atingir minha lateral com a espada, fazendo um corte relativamente grande, mas nada demais para um ghoul.

– Ei, o que é isso? Estou ouvindo muito barulho por aqui! Guardas, venham, ele pode ter encontrado um!

– Merda! - Deixei escapar - Certo, senhor "silencioso", não tenho muito tempo para gastar aqui contigo, então tudo acabará no próximo golpe!

Eu estou com muita fome.

Avancei com tudo o que tinha, sem perder a postura fria ele se preparou para meu ataque, disparei tantos espinhos em sua direção que minhas asas tornaram-se nada mais que faíscas, em compensação ele não foi capaz de desviar nem de defender-se de todos os espinhos, quando ele estava prestes a cair de joelhos decepei sua cabeça, e isso me fez vacilar.

Fiquei ali com aquela cabeça jorrando sangue em minhas mãos, segurando-a pelas faixas que a cobriam, fiquei ali observando aquele delicioso pedaço de carne em minhas mãos, aquele sangue ainda quente escorrendo no chão, não pude evitar de sorrir...

– Ei, ele está ali! Pera, mas que merd... - Sem parar para escutar e sem pensar, soltei a cabeça e comecei a correr, não estava com o máximo de minhas capacidades físicas então foi um pouco difícil despistá-los, acho que aquele corte machucou mais do que eu pensava...

Consegui fugir para dentro da floresta, mesmo machucado esses humanos não são páreo para mim, mas eu estava em meu limite, não aguentava nem mesmo mais um passo, a trilha de sangue poderia me denunciar, mas o ferimento logo sararia, tratei de estancar a ferida e subi nas árvores, estávamos em pleno outono e a noite era fria, não pensei em detalhes e adormeci no topo de uma árvore.

Eu acordei no dia seguinte, e sentia somente...

Fome...

Fome...

Estou faminto...

Preciso de comida...

Preciso de Carne...

PRECISO...

COMIDA...

Cheiro, humano? Não, humana, sim, jovem, carne macia, fome, preciso comer, guardas? Não, sem guardas, mais alguém? Não, sozinha, perfeito, eu estava morrendo de fome...

Corri, corri, estava sem forças, mas a fome era maior. Música? Alguém cantarolando? Será a minha presa? Não importa, É MINHA PRESA!

Ela virou-se para mim no momento em que saltei, estava sobre ela, comida, finalmente comida! Olhei bem para minha presa, estava prestes a matá-la, alimento é necessário para ghouls também. Por impulso devo ter deixado minha garra aparecer, meus olhos também mostravam-se como o de um predador desumano, eu salivava, finalmente, finalmen...

– E-eu sabia que te conhecia de algum lugar, mas não tinha certeza, seus olhos estão diferentes de alguns dias, mas são iguais a aqueles olhos que vi anos atrás, você é aquele garoto não é? - Disse a jovem, fazendo com que eu me despertasse do transe, ela não me olhava com nojo ou medo, não era pena, era um olhar de compaixão, um olhar que lembrou-me do passado.

Era um olhar que via além do que as pessoas comuns veriam desta minha forma. Por trás da aparência de humano, os outros humanos veriam um demônio, mas ela era diferente, ela era a mesma daquele dia, ela via através do demônio um ser vivo como outro qualquer, sofrendo pelas correntes que o destino impôs...

– E-eu me lembro de você, essa situação, eu também lembro-me dela - disse enquanto saía de cima dela, meus olhos começaram a lacrimejar enquanto ela olhava para mim com seus olhos lilás e um sorriso tenro - Por que? Por que eu não consigo atacar você Rose?

– Eu não sei senhor Jack - disse enquanto escorria uma lágrima de seu rosto - mas eu acho que o que define um monstro não é sua forma, mas sim seu coração, e em você eu não vejo um coração negro, eu vejo um coração suplicando por ajuda - disse com um sorriso - Exatamente como daquela vez...