A última coisa que eu precisava era do primeiro turno de vigia. Mas ele foi dado a mim. Acordada, cansada e com uma dor absurda nos pés devido à caminhada, eu espero o tempo passar. Katniss está na árvore acima de mim, às vezes eu penso que ela vai cair, mas isso nunca realmente acontece. Ouço o som das folhas ao vento, e tento tolamente manter os meus olhos abertos. Todos estão deitados no chão à minha volta, em torno da árvore. Eu fiz questão de ficar mais longe da Clove, ela está com uma faca na mão e o casaco servindo de travesseiro. Marvel move o braço em direção à uma de suas lanças. Se eu tivesse um pouco mais de energia, me afastaria, mas não quero sair dessa posição por preguiça. Cato parece o mais tranquilo, mas ele emite sons à noite que me fazem arrepiar. Todo esse vazio escuro na minha frente não me agrada. E você achou que a arena seria agradável, Glimmer?, penso. Ás vezes eu tenho que me lembrar do lugar em que estou.

Minhas pálpebras parecem pesar como moedas, e eu finalmente começo a ceder. Fecho os olhos, mas continuo acordada. Caio para a frente, quase dormindo. Então vou para o lado de Cato e deito ao seu lado. O braço dele serve como travesseiro, e ouvindo o ruído das nossas respirações, eu adormeço.

Pode ter passado dez minutos, ou uma semana, mas eu não tenho muita noção do tempo aqui. Não abro os olhos, mas acordo. O som de zumbidos baixos é audível daqui, deve ser de algum lugar acima de mim. Levo uns cinco segundos para entender que é um zumbido de algum animal, provavelmente um bestante. E se vem de cima... Katniss...

Tarde demais. Um ninho de vespas cai no chão bem ao meu lado, e eu demoro bastante para me levantar. Sei que são teleguiadas, aprendi isso no Centro de Treinamento e nos anos que vi os Jogos Vorazes. O veneno é letal e causa alucinações. Pode até matar. Então eu dou um berro estridente, que é provocado pela dor. Sinto pontadas violentas em todas as partes do meu corpo, e me impulsiono para a direção em que os outros estão indo. Logo dou outros gritos, a minha cabeça lateja e eu chamo por Cato, mas ele não vem. Ele não volta para me ajudar. Começo a tentar espantar as vespas, ainda avançando, mas acabo caindo no chão. Vários desses insetinhos raivosos já foram atrás dos outros, e uma boa porção me picou. A dor é tanta que eu não tenho forças mais para gritar. Consigo me levantar e dar alguns passos, mas caio novamente. Dessa fez para sempre.

Um líquido verde sai da minha mão que está com o arco. Estou horrível, com o dobro do tamanho, e ainda há teleguiadas à minha volta, picando dolorosamente. Eu tiro um ferrão, mas são tantos que é totalmente inútil. Grito mais uma vez, e tudo fica silencioso. Olho para o lado. Não consigo ver o lago. Não consigo ver os outros. Vamos, Glimmer, é só uma corridinha até a água!, tento transmitir a mensagem para o meu cérebro, mas ele não obedece. O veneno é nojento e repugnante. Ainda está doendo, muito mais do que antes. Começo a tremer e ter pequenos espasmos de horror. Mas pelo menos não terá mais vespas, elas se foram. No entanto, não tenho chance alguma, e nem vou ter. Relaxo a cabeça. Acho que a minha hora chegou.

Tento fechar os olhos, mas não consigo. Simplesmente não dá. As árvores começam a ficar mais grossas e mais altas, e parecem mudar de cor. Elas ficam entre o laranja e o amarelo, e depois uma delas gira em torno do próprio eixo. Ela vai trocando de forma até parecer uma pessoa. Então se transforma na minha irmã.

– Ah, Glimmer. Eu sabia que não ia conseguir. Pode até ser loira e alta, com curvinhas, mas não passa de uma biscate do Distrito 1!

Eu queria dizer que ela também é loira, também é alta, também ter curvinhas, também é biscate e também é do Distrito 1, mas não tenho forças. Inclusive isso deve ser uma alucinação. A minha irmã gosta de mim, pelo menos é o que pareceu para mim por todos esses anos. Ela infla e fica com o rosto todo inchado. Há um buraco perto da sua orelha, e olhando para ela percebo que deve estar igual a mim agora. A cara desfigurada. Não quero saber como deve estar a minha família. Talvez eles estejam chorando, organizando uma cerimônia de óbito digna do Distrito 1, ou, o que é mais provável, furiosos comigo por eu ter morrido e humilhado eles na frente de todos. A minha derrota vai ser uma vergonha para sempre na minha família. Eu perdi. Será que um dia vou poder me desculpar por isso?

Vejo aquela garota do 12 pular da árvore. A coxa dela parece um churrasquinho, resultado do incêndio de ontem. Eu riria se pudesse. A chaminha conseguiu escapar dessa vez, mas depois terá uma morte muito agoniante e horrível. Estou torcendo para o Marvel ter a chance de matá-la, e depois de vencer. Pelo menos o nosso distrito vai finalmente ter um vencedor, depois de dois anos sem ganhar.

A chaminha começa a correr, mas depois volta. Ela pega a minha mão por algum motivo. O arco! Seguro-o com mais força, mas eu estou com a mão machucada e isso dói. Ela pega uma pedra e quebra três dedos meus. Então rouba o arco de mim. Eu estou querendo dar um soco na face dela e depois mais uns dez para depois matá-la. A chaminha me vira, fazendo o líquido verde escorrer pelo meu ombro, e então consegue recuperar a aljava com as flechas. Não!

Estou com tanta raiva dela que consigo me mexer um pouco, mas então quebro o braço no processo. Acredito que os ossos tenham se corroído com o veneno, ou algo assim. Quero gritar, quero segurar o osso com firmeza para ele não doer, mas é impossível. Estou morrendo lentamente, e com muita dor. Meus aliados finalmente estão voltando, mas Katniss corre. Ela conseguiu fugir! E ainda com o meu arco! Mas a hora dela ainda vai chegar. E eu finalmente vou estar feliz.