All Out War escrita por Filho de Kivi


Capítulo 56
The End


Notas iniciais do capítulo

QUE RUFEM OS TAMBORES, POIS O GRANDE MOMENTO CHEGOU! O ÚLTIMO EPISÓDIO, CAPÍTULO, OU SEJA LÁ COMO VOCÊ QUEIRA CHAMAR, DE ALL OUT WAR ACABA DE CHEGAR!

Hei!

Cara... Estou com um misto tão grande de sentimentos ao chegar ao fim desse projeto. Sério, é um sentimento bom de “dever cumprido”, ao mesmo tempo em que bate uma tristeza tão sincera... É realmente conflitante! Hehe...

Bom, mas vamos deixar as lágrimas para os comentários, pois agora o momento é de alegria e de gratidão! Gratidão a todos vocês que um dia comentaram, favoritaram, recomendaram ou simplesmente leram essa história! A todos que seguiram comigo durante esses quase dois anos de AOW, o meu sincero e gigantesco muito obrigado! Kiitos! Sei que algumas pessoas acabaram abandonando a história no meio do processo, enquanto que alguns fantasminhas nem sequer chegaram a comentar... Mas o meu agradecimento se estende a todos, a absolutamente todos!

Em especial quero agradecer a três pessoas que simbolizaram tudo o que foi All Out War...

Primeiramente a minha irmã A Megera, que apesar de nunca ter comentado formalmente, sempre me ajudou (inclusive em algumas revisões), e jamais deixou de me apoiar como escritor, em nenhum momento da minha vida! Muito obrigado, mana!

O segundo agradecimento é para Sami, que não deixou de comentar em nenhum dos capítulos (apesar de todos os atrasos e tudo mais hehe), e sempre me deu a maior força com os seus carinhos elogiosos acerca de minha escrita e roteiro! Kiitos! Muito obrigado, sua linda!

E é claro, o terceiro agradecimento especial não poderia deixar de ser direcionado a minha grande amiga, conselheira, mestre Jedi, Imperatriz da Oceania e Rainha das Infâmias... Menta! Ou como eu gosto de chamar também, Mentinha! Hehehe... Você esteve desde o princípio desse projeto me incentivando (inclusive antes mesmo dele ser postado), me dando primorosas dicas, valiosos puxões de orelha... Nem sei mais como agradecê-la, minha amiga! Você não imagina o quanto me sinto honrado para caralho em ter uma escritora tão foda dentre os meus leitores! Kiitos, nobre advogada! Dedico toda essa fic a sua fodaralhicidade como pessoa! Ainda reservei uma última homenagem a sua H.I. nesse último episódio... Espero que goste!

Bom, mas finalizando essa nota (que já está gigantesca hehe)...

‘The End’ é o maior dos capítulos dessa fic... Acredito que tenha mais de onze mil palavras, ou algo em torno disso. Assim como no penúltimo, não poderia diminuí-lo, nem retirar nada de seu interior... Mas isso não impedirá que se divirtam, se emocionem, e se despeçam dos personagens que acompanharam com tanto afinco durante esses dezesseis meses em que passamos juntos...

E pela última vez...

Boa leitura!



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Um novo começo viria a partir de agora.

...

[CINCO ANOS DEPOIS]

— Mavie?

Justin aproximara-se, puxando levemente a gola de seu casaco. Olhara de relance para o horizonte, acompanhando o olhar lânguido daquela que indagara. O rosto do rapaz tomado pela poeira que se erguia na estrada, era a prova cabal de que aquela viagem, além de muito longa, não os estava levando a lugar algum.

— O que foi? – Respondera a moça, sem mover os olhos um só milímetro, mostrando-se extremamente concentrada.

— Ainda falta muito? – A indagação do rapaz não saíra com muita precisão. O cenho preocupado e os orbes perdidos, indo de um lado a outro, como que tentando checar toda a gigantesca área em que se encontravam, além dos dedos batucando sobre uma das pernas, só enfatizavam o seu nervosismo.

Os últimos dias haviam sido duros demais, e um clima pesado recaíra sobre todos os membros do desgarrado grupo. Talvez Justin estivesse pensando que a parceira não saberia o que fazer, e isso significaria a desgraça total. Ela provavelmente ainda era o pilar que os mantinha sãos.

Os olhos brilhantes da jovem mulher, entre o oliva e o âmbar, fitaram Justin, como que o fuzilando. Levara um dos dedos à frente dos lábios, os dentes frontais proeminentes ficando evidenciados enquanto ela pedia silêncio, tentando se concentrar.

— Vocês estão ouvindo isso? – Seus olhos se arregalaram – Parece o som do oceano...

Mavie, apelido de Mavelle Guinness, era uma jovem irlandesa que acabara sendo obrigada a testemunhar o fim do mundo bem longe de sua terra natal. Os dias de ouro, quando os mortos ainda não haviam se erguido, praticamente não existiam mais em sua mente. Memórias tão difusas que pareciam fazer parte de uma vida passada.

Literalmente uma vida passada.

Os cabelos negros presos em um rabo de cavalo, e o rosto igualmente tomado pela poeira da viagem, as cicatrizes ainda latentes, físicas e emocionalmente... O pensamento sempre se focando no próximo objetivo, no próximo dia. Tendo de arranjar a cada minuto um novo motivo para viver.

Apenas sobreviver não era mais suficiente. Mavie estava cansada de correr por aí, de viver na estrada. Precisava, outra vez, encontrar um local seguro.

Se é que ainda poderia haver um local seguro nesse mundo abandonado por Deus.

— Devem ser pássaros! – Justin levara uma das mãos à altura da sobrancelha, fitando o horizonte da estrada por onde prosseguiam. Não parecia seguro do que dizia, apesar de se esforçar para transparecer que sabia do que estava falando – Tipo... Nós já vimos bandos assim antes, não é? – Ele olhara para a irlandesa, dando um leve tapa em seu ombro – Meio que... Yo. Essas espécies agora crescem sem controle. – Voltara a olhar para a estrada, não conseguia disfarçar sua preocupação – Acho melhor darmos no pé antes que escureça... Tipo, ainda dá para percorrermos alguns quilômetros antes de anoitecer! – Arqueara uma sobrancelha – Não é, Mavie?

Justin Hayes fora o último membro a se juntar ao grupo que há tempos atrás já fora composto por cento e vinte e cinco pessoas. O rapaz de roupas largas, utilizando um casaco amarelo pelo menos dois números maior, por sobre uma camisa surrada do AC/DC e um gorro negro na cabeça, tentava manter sua pinta de rapper, carregada consigo desde antes do mundo enlouquecer. Mas já fazia tanto tempo...

De pele branca, olhos pequenos e cabelos claros, o jovem coçara a nuca enquanto esperava por alguma resposta de Mavelle, nem que fosse um “cala a boca”, como muitas vezes já havia ocorrido. Aprendera a cuidar de si e a engolir o próprio medo, mas depois de tudo o que passara junto ao grupo que o acolhera como membro da família, Hayes não poderia deixar de se preocupar com a garota vinda da Irlanda. Principalmente por saber o peso que ela trazia nas costas.

Era fácil enlouquecer no novo mundo. Ele já havia visto isso antes, e não queria que se repetisse.

O trio de sobreviventes encontrava-se sobre um velho trailer. Sem combustível há muito, o veículo era puxado por cinco cavalos, em uma lenta viajem que os levaria por uma estrada de terra auxiliar a autoestrada principal, da qual preferiam sempre evitar. O grupo vagara a esmo desde que sua antiga casa fora totalmente devastada, destruída por um mal inominável. De lá só restaram as lembranças, isso e a dor incauta a todos os três.

Fora nesse lugar que a irlandesa se tornara a líder, além de conselheira da pequena sociedade utópica. E fora lá que tivera os seus sentimentos destroçados ao ver tanta gente morrer. Era praticamente impossível não se sentir culpada.

Mas Guinness era uma caçadora, e seus ouvidos sempre aguçados conseguiam perceber o perigo se aproximando a distância. Foram esses instintos que a mantiveram viva durante todo esse tempo. Mas esses mesmos instintos não conseguiram impedir a morte de vários de seus amigos. Tantos que ela nem mais conseguia contar...

Ela então erguera-se, ainda sorumbática, posicionando o arco e retirando uma flecha da fáretra que carregava nas costas.

— Nem sequer sabemos para onde estamos indo, camarada. Talvez demore um pouco para chegarmos . – Um barulho em meio à mata confirmara suas suspeitas. Um errante já em avançado estado de decomposição, praticamente um esqueleto andante, esticara os braços, aproximando-se lentamente do veículo onde ela se encontrava.

Preparara o seu arco, pronta para exterminá-lo. Justin, no mesmo momento, tomara em mãos uma lança rústica, a ponta moldada em ferro, uma das poucas lembranças do que tempo que ainda viviam em comunidade. Mas fora nesse exato momento que a terceira peça do grupo se mostrara presente.

Correndo rapidamente em direção ao pedaço de carne podre, uma mulher de corpo esbelto e agilidade ímpar, acertara o crânio decomposto da criatura como se rebatesse uma bola. O taco de baseball de alumínio fizera um grande estrago, fazendo voar sangue enegrecido e tecido epitelial por toda a parte. A mulher de ressecados cabelos loiros presos em marias- chiquinhas dera uma piscadela para os dois, recebendo um amplo sorriso de Justin em resposta, que comumente se espantava com a habilidade dela no trato com os frankies.

— Rebecca! – Exclamara Mavie, ainda incomodada com algo – Suba no trailer... Agora!

Rebecca Ray modificara suas expressões após as palavras de Guinness. Os grandes olhos marcantes arregalaram-se ao perceber o motivo de tamanha preocupação da irlandesa. A mulher loira só tivera tempo de se lançar sobre um dos cavalos, dando uma pirueta e se apoiando em uma das janelas do trailer. Conseguira ser rápida o bastante para salvar a si própria...

Ray parecera ter treinado a vida inteira para viver na versão 2.0 do mundo. Artista circense, a bela moça desenvolvera habilidades impressionantes, que em diversas situações ajudaram a salvar sua vida. E naquele momento, se não fosse todos os anos de prática em tecido acrobático, Rebecca teria facilmente se tornado o jantar da enorme horda que se achegara tão rápido quanto o vento.

— Eu deveria ter percebido... Estava calmo demais.

O comentário de Mavie praticamente se perdera em meio ao som gutural uníssono que agora se espalhava por todos os lados. Os grunhidos de mais de duas centenas de frankies, ressoavam como uma orquestra infernal, trazendo morte e destruição por onde passavam. Nunca havia se deparado com um bando tão grande assim, e ainda sem reação, não conseguira – e nem poderia – fazer nada para impedir que fossem cercados.

— Me deem cobertura! – Justin tomara as rédeas em mãos – Vou tentar nos tirar daqui.

Hayes instigara os cavalos para que acelerassem, em uma parca tentativa de avançar pela estrada. Rapidamente, Mavie começara a disparar algumas flechas, tentando impedir que os animais fossem acuados pelos mortos vivos.

— Mas que porra é essa? – Exclamara Rebecca. Estava dispneica, portava o taco de baseball em posição de ataque – Como não percebemos a aproximação deles? De onde vieram tantos assim?

Guinness disparara mais duas vezes, mas interrompera os movimentos assim que percebera a inutilidade de seu ataque. O trailer balançara de um lado a outro quando dois dos cavalos começaram a ser devorados, e os demais, assustados, saltavam, tentando fugir da morte certa. As mãos pútridas dos cadáveres já começavam a bater na lataria do velho trailer, pressionando-o de modo que o veículo passara a sacudir perigosamente.

Mavie tentara se equilibrar, enquanto que Justin rapidamente largara as rédeas, já sabendo o que ocorreria. Rebecca agachara-se, segurando na estrutura metálica, tentando manter-se sobre a lata velha o máximo que conseguisse. Mas a pressão dos mortos era muito grande, e a quantidade deles, partindo do bosque em direção ao trio era gigantesca. Todos ali sabiam o que iria ocorrer, sabiam o que o destino estava lhe reservando.

Esse mundo não perdoa ninguém. Pensara Mavelle. Lembrara-se de todos que perdera, de todas as vidas que se esvaíram em seus braços. De todas as esperanças cortadas.

Talvez tivesse mesmo chegado a hora.

O veículo tombara para o lado direito, levando os três ao solo simultaneamente. Mavie rolara pelo barro, sentindo um forte impacto nas costelas. Por muito pouco não fora esmagada pelo peso do trailer. Olhara para os lados e não vira mais ninguém. Na verdade, não vira mais ninguém vivo. Ao seu redor havia pelo menos cinco errantes, todos com os braços esticados, puxando-a pelo casaco, tentando alcançar sua pele.

Erguera-se rapidamente, retirando a faca da cintura e cravando-a na cabeça do primeiro. O segundo, que já a puxava pelo pescoço, recebera uma cotovelada, indo ao solo vide a fraqueza de seus ossos podres. Os outros dois avançaram com igual fome. Mavelle refutara os ataques com chutes e empurrões, pois sabia que não poderia perder tempo exterminando-os. A única vantagem que tinha sobre os monstros era a velocidade, então teria de usar isso ao seu favor.

Um grupo grande se concentrava aproveitando-se das carnes e tripas dos cavalos abatidos, e exatamente ao lado deles, a irlandesa enxergara um clarão. Correra em disparada, apenas pensando em avançar o máximo que conseguisse, provavelmente correndo até que suas pernas não aguentassem mais. Havia perdido o seu arco no processo, e sua faquinha não daria conta daquele colosso de monstros.

Traçara uma linha reta e correra por sua vida. Todavia, acabara sendo interceptada no meio do trajeto. Eles eram muitos, e em bando eram sempre muito mais perigosos. Por mais rápida que fosse, a irlandesa era apenas uma... Uma contra mais de duzentos predadores.

Fora puxada por um dos braços, conseguindo livrar-se da pegada. Por muito pouco as unhas não lhe causaram um ferimento, o que seria o fim dos dias para ela. Outros dois lhe pegaram pelas costas, puxando suas roupas, as bocas abertas, já prontas para as dentadas fatais. Esticara os braços, tentando se defender, tentando manter-se viva.

Não tivera forças. Acabara caindo, acabara sucumbindo a uma força maior do que os seus instintos de sobrevivência.

THCOFF!

TCHOMP!

WRAKK!

WRAKK!

Um amontoado de cabeças decepadas e tripas caíram sobre o seu corpo. Todas as criaturas que estavam prontas para devorá-las foram exterminadas pela potência da lâmina de uma espada. O raio prata passara a frente de seus olhos, tão rápido que Mavie mal conseguira perceber o que estava acontecendo. A respiração falha e os batimentos acelerados foram se restabelecendo, e só então ela conseguira ter total percepção do que havia acabado de ocorrer.

Um homem de longos cabelos castanhos e barba igualmente comprida, trajava uma típica proteção de futebol americano, utilizada como se fosse uma armadura, enquanto montava um cavalo. Com uma espada curva na mão, ele exterminava habilmente os frankies, não se deixando encurralar de maneira alguma. Salvara a vida de Mavie com extrema facilidade, e olhando para ela, ainda assustada e sentada sobre o solo barrento, dissera com as feições sérias.

— De pé, madame! Agora!

Erguera sua arma branca, golpeando mais três criaturas que tentavam se aproximar da irlandesa.

— Tente abrir caminho e corra para oeste! – Exclamara – Estamos levando eles para o outro lado!

A cobertura dada pelo estranho cavaleiro dera espaço para que Mavie, que não pensara duas vezes após as palavras proferidas, corresse rapidamente em direção ao local indicado. Apesar da adrenalina que percorria por suas veias, a sobrevivente não deixara de notar o “estamos levando”, o que a preocupara levemente. Não conseguira entender plenamente o teor da fala, mas de fato aquelas palavras haviam lhe chamado à atenção.

De qualquer forma a distração parecera surtir efeito, já que estranhamente a horda começara a se deslocar para o lado oposto de onde Mavelle fugia, tendo apenas alguns poucos desgarrados em seu caminho. Exterminara-os com sua faca, conseguindo, após muito correr, esconder-se atrás de uma árvore.

Estava exausta.

— Mavie?

Reconhecera a voz que chamara por seu nome, e após virar o rosto em um rápido movimento, vira Rebecca e Justin há três metros de distância, também utilizando as árvores para se esconder da gigantesca horda.

Estavam vivos.

Sentira um alívio monstruoso em seu peito.

— O barbudo também trouxe vocês para cá? – Indagara a irlandesa.

Com o taco de baseball manchado de sangue apoiado em um dos ombros, Rebecca Ray se prostrara a responder.

— Acho melhor olhar para lá, queridinha!

Guinness acompanhara com os olhos o local indicado por Ray, topando com algo que com certeza não sairia de sua memória. Cinco cavaleiros movimentavam-se livremente entre os errantes, comunicando-se a partir de sinais, enquanto literalmente guiavam a quantidade colossal de frankies para o outro lado da estrada. Pareciam ter total controle do que estavam fazendo, o que denotava que não era a primeira vez que lidavam com um bando grande como aquele. O que para Mavelle, soara ao mesmo tempo como sublime e assustador.

— Eu achei uma trilha em meio a essas árvores... Yo, tipo... Devemos segui-la ou o quê? – Justin coçara a nuca, sua testa estava tomada de suor, e pelo visto havia perdido sua lança.

— É melhor irmos logo... – Dissera Rebecca – Aqueles idiotas trouxeram os bichos até nós. Não parecem ser nada confiáveis! – Apontara com o taco – Já vimos muita gente morrer por excesso de confiança, Mavie! Não podemos arriscar outra vez...

A líder a interrompera.

— Não... – Meneara a cabeça – Todos nós morremos no dia em que os mortos começaram a andar, Becky... Estamos apenas tomando tempo emprestado. – A loira nada dissera. A irlandesa então seguira – Aquelas pessoas coordenaram um movimento sincronizado para arrebanhar uma horda gigante de frankies... – Ela abrira os braços – Eles provavelmente devem ter um lugar que vale a pena proteger. Não era o que estávamos procurando?

O silêncio se mantivera por alguns segundos após a colocação de Guinness, sendo cortado apenas por um som oriundo do grupo estranho, que ainda parecia lidar com os bichos na estrada.

BWAAAH!

BWAAAH!

BWAAAH!

Um berrante fora tocado por um dos cavaleiros. Não havia como saber se aquilo era um sinal, ou apenas mais uma parte da complexa estrutura da qual dispunham. Só o que os três puderam perceber, era que cada vez mais o bando ia se afastando, seguindo exatamente para o leste, como o barbudo havia dito a Mavie em seu breve encontro.

— Vamos fazer o quê, então? – Questionara Hayes, dando de ombros. – Perdemos os nossos cavalos, não temos como ir atrás deles!

— Não será necessário!

Uma voz rascante fizera com que os rostos virassem ao mesmo tempo, deparando-se com a fisionomia gasta e cansada do homem de longa barba e cabelos castanhos.

— Me deixem explicar a vocês como isso funciona... – O barbudo recolhera sua espada – Vocês são bem-vindos para voltar com a gente até nossa comunidade, mas para isso precisarão dispor de suas armas. É para nossa própria segurança, e não é negociável! Se não quiserem, tem total liberdade para recusarem, e então cada um segue para o seu lado...

Mavelle recolocara sua faquinha na bainha. Olhara rapidamente para os rostos de seus companheiros, tentando ler alguma reação.

— E o que esse lugar tem para nos oferecer? Por que estaríamos dispostos a ir para lá? – Indagara.

— Você verá quando chegar lá. – Respondera o cavaleiro – Farão parte de um grupo maior, isso é tudo que posso adiantar. Não direi nada que possa ser usado contra nós.

A irlandesa mantivera-se séria.

Ok... Justo. Mas só daremos nossas armas se nos derem algo de valor em troca. Confiança é uma via de mão dupla, camarada. Você arriscou sua vida para nos salvar, então merece uma dose de confiança... Mas pode ter feito isso para nos roubar, então não custa nada ser cuidadosa.

O barbudo abrira um sorriso.

— Tudo bem então... Acho que podemos pensar em algo. Temos bastante comida!

 

[...]

 

— Então... Quais as novas, Eugene?

O velho Ibrahim descera do cavalo, retirando parte da armadura que lhe protegia os ombros. Os cavaleiros haviam parado ao relento, afastados da horda que agora seguia exatamente para onde haviam planejado.

Com barba por fazer e os cabelos desgrenhados, já totalmente grisalhos, o islâmico caminhara em direção ao líder da missão, que observava alguns mapas sentado sobre uma pedra.

Eugene estava totalmente concentrado. Os cabelos crescidos presos em uma trança faziam agora parte do visual que adotara alguns anos após o fim da grande guerra.

— Boas... – Respondera, sem tirar os olhos dos papéis – A menos que haja uma inesperada reviravolta da noite para o dia, a manada deve passar a pelo menos uns quinze quilômetros do Reino. Acamparemos aqui até amanhã de manhã, apenas para termos certeza que eles não desviarão o curso... Apesar de tudo, quero me assegurar que eles não passarão perto do Garden também. Se tudo correr como imagino... Poderemos voltar para casa.

Ibrahim sorrira, esticando as costas cansadas pela longa cavalgada.

Alláhu Akbar! – Exclamara, erguendo as mãos aos céus.

O professor de ciências esboçara um sorriso após a exclamação de alívio do amigo muçulmano. Simultaneamente a interação, Rosita, Olga e Magna achegaram-se aos dois, prendendo os cavalos em estacas hermeticamente posicionadas. Ambas também utilizavam as proteções em forma de armadura.

— Cadê o Jesus? – Questionara Espinoza, arrumando o boné camuflado, com aquelas típicas cores utilizadas pelo exército, sobre os longos cabelos negros. Os três meses de gravidez já começavam a ficar evidenciadas nas mudanças corporais pelas quais estava passando. A todo o momento, Eugene a olhava com evidente preocupação nas íris.

— Deve estar falando com o trio novo... Sem saber, nós quase os matamos! Levamos a manada exatamente para a estrada onde eles estavam passando!

Quem falara fora Magna. Os cabelos castanhos outrora extremamente volumosos eram agora utilizados curtos, apenas um pouco abaixo dos ombros e presos em um pequeno rabo de cavalo. Com uma prótese de madeira sobre a perna amputada anos atrás, a batedora caminhava sem problemas, mancando bem pouco.

— Achei que o incidente com o Garden tivesse mudado os planos da Aliança. Pelo visto, ainda continuam recrutando como antes... – Dissera Olga, a última a se juntar ao grupo que agora conversava entre si.

— Já fazia um bom tempo que não encontrávamos alguém. – Exprimira Eugene – Depois do incidente, a Aliança parou de mandar pessoas embora... Talvez seja bom recebermos novos membros... Principalmente em Alexandria. – O cientista fizera uma breve pausa – Segurança em números, lembram-se?

A ucraniana não parecia tão confiante quanto o parceiro. Com as sobrancelhas arqueadas, mirara o trio novo, que ao longe, começava a caminhar ao lado de Jesus, dirigindo-se em direção ao acampamento recém-montado.

— As coisas mudaram, Eugene. E estão prestes a mudar ainda mais...

 

*****

 

Realmente muita coisa havia mudado.

Andrea acordara após quatro breves horas de sono. O que acabara sendo o recorde naquela semana tão cheia. O dia da feira estava se aproximando e os preparativos iam cada vez mais sugando todas as suas forças. Estava difícil não demonstrar cansaço em tantas reuniões, encontros e conselhos. Estava muito difícil ser Andrea nos últimos dias.

Abrira os olhos, erguendo o tronco lentamente até sentar-se na cama de casal. Espreguiçara-se, tentando acordar plenamente, esticando os músculos na tentativa de criar a corajem definitiva para saltar da cama. As mãos tocaram o lado esquerdo do colchão. O lado vazio do colchão.

Levantara-se, coçando os olhos e se dirigindo até o banheiro. Molhara o rosto antes mesmo de se olhar no espelho, para só depois deparar-se com a própria silhueta. Estava realmente cansada, desgastada. As bolsas de líquido abaixo dos olhos haviam aumentado de tamanho, e o rosto juvenil da sardenta já começava a tomar outros contornos. Já havia passado dos trinta, mas dada as circunstâncias, aparentava uma idade maior do que a real.

O corpo, pelo menos, ainda respondia a todas as ordens dadas pelo cérebro, e apesar do ritmo de sua vida ter diminuído bastante nos últimos tempos, a sniper ainda seguia em forma. Tanto física quanto mentalmente.

Vestira-se e descera as escadas, dirigindo-se até a cozinha. Antes mesmo de chegar até lá, ouvira uma esperada voz, vinda do cômodo, chamando por ela.

— Mãe... O pão acabou!

Carl Grimes se dirigira até a loira, abraçando-a e recebendo um afago de volta. Andrea não deixava de se surpreender com o crescimento do garoto que, agora com dezessete anos, praticamente em nada lembrava a criança que conhecera quando ainda faziam parte do comboio liderado por Shane.

O rapaz estava alto e forte, os cabelos ondulados compridos, que em muito lembravam os do pai, eram usados em um rabo de cavalo. No rosto, uns óculos com uma lente negra do lado direito, era utilizada para esconder a enorme cicatriz oriunda do tiro que recebera na face. Do outro lado a lente era vazada, facilitando sua visão.

— Achei que você já sabia... Acabou tem uns dias, inclusive. – Andrea erguera a cesta de pães vazia, onde apenas havia algumas migalhas – Vou passar no moinho hoje. Peço a Paula para trazer alguns essa tarde, tudo bem?

O garoto meneara a cabeça positivamente.

— Mãe? – Grimes permanecera na mesma posição, hesitante como se tomasse coragem para falar algo. – Acho que precisamos conversar.

Andrea o olhara. Sabia o que ele estava querendo dizer, mas ainda não havia tomado uma decisão definitiva. Envolvia tantas coisas importantes que até mesmo pensar sobre isso não era nada agradável.

— E vamos. – Dissera a loira – Mas não agora... Preciso sair, ver as coisas da feira... Prometo que à noite falaremos sobre isso!

O rapaz coçara a cabeça.

Ok... À noite conversamos então. – Não parecia muito satisfeito, mas no momento era tudo o que Andrea poderia lhe dar – Eu vou comer alguma coisa e depois sair... Ver o papai. Não quer ir comigo? – O olhar da sardenta fugira dos de Carl – Mãe... Já faz dois anos...

Andrea engolira a seco. Sabia que hora ou outra precisaria encarar... Mas ainda era tão doloroso. Seu coração parecia se quebrar todas as vezes que pensava nele, que falava o seu nome... Ainda não estava pronta.

— Desculpe, Carl... Mas eu...

O jovem Grimes abrira um meio sorriso, mostrando-se extremamente compreensivo.

— Tudo bem. Eu entendo... E ele vai entender também. – Tocara uma de suas mãos de forma carinhosa – Agora vá fazer o seu trabalho. Nos vemos a noite!

A mulher deixara a casa, abrindo a porta e respirando o ar matinal de um novo dia.

Alexandria estava bem diferente do que quando havia aportado, trazida por Aaron e Eric. A comunidade crescera absurdamente, e após ser reconstruída ao final da guerra, fora também reconfigurada, reavivada por assim dizer. Tendo o seu território ampliado, a zona segura ganhara dois galinheiros com uma considerável produção de ovos, chiqueiros compostos por porcos de diferentes raças, um estábulo para o trato dos cavalos utilizados pelos cavaleiros, e para o transporte em geral, além de dois pomares com diversas árvores frutíferas.

Sempre em expansão, era comum ver os homens da construção passando com vigas e tábuas de madeira para todos os lados, principalmente com a aproximação da grande feira. É claro que o incidente com o Garden sacudira um pouco as estruturas da Aliança, mas aparentemente o fato não havia trazido reais efeitos para a vida da população crescente. Tudo parecia fluir exatamente como o planejado.

A loira era cumprimentada a todo o momento durante sua caminhada. Os tempos em que lutara com o rifle em mãos, e que matara o grande inimigo de toda a rede de comunidades, jamais saíra da cabeça daquelas pessoas, que imediatamente tomaram a sardenta e Rick Grimes como verdadeiros heróis. A lenda em torno das histórias contadas pelos mais velhos passara aos mais novos, o que gerara um respeito imediato e perene.

— Bom, Siddiq... – Após caminhar alguns metros, estacionara em frente a um enorme esqueleto de madeira, um hotel com mais de vinte quartos ainda em construção, bem no centro da comunidade – Para ser honesta, eu esperava um pouco mais de progresso!

Com o cenho fechado, a loira colocara as mãos na cintura, enquanto inspecionava a obra que já durava alguns meses. Havia investido bastante material humano naquela construção, e tinha esperanças de que ela pudesse ficar pronta a tempo da grande feira. Mas pelo que pudera ver, seus planos acabariam frustrados.

Um corpulento homem com barba espartana e cabelos encaracolados, estacionara a frente da loira. Com uma enorme viga sobre os ombros, carregada com facilidade apesar de todo o peso, o sujeito que fora chamado atenção, tentara se justificar.

— Desculpe, Andrea... Rosita saiu para cuidar da manada e levou metade dos meus homens! – Ele apontara para o horizonte – Eugene sempre diz que precisa de alguns peões para cuidar da retaguarda, enquanto que os seis fazem o que tem que fazer... Mas não se preocupe! Vamos compensar o serviço... Tenho certeza que ficará pronto a tempo da feira!

A loira também queria acreditar nas palavras de Siddiq, afinal, esse seria um evento para reunir todas as comunidades membros da Aliança. E também uma grande oportunidade para rever velhos amigos...

 

*****

 

Levara a xícara de café de encontro aos lábios, sentindo primordialmente o aroma lhe preencher as narinas, para em seguida suas papilas gustativas identificarem todos os sabores oriundos do quente líquido recém-feito. Aquela sensação era muito prazerosa... Todo o ambiente era muito prazeroso. Já fazia seis meses que a vida corria de forma totalmente natural, sem nenhum evento estranho que pudesse tirar o seu sono ou tranquilidade.

Aquela era a parte boa da liderança. Quando tudo dava certo e as vidas seguiam o seu curso normal, Glenn Rhee tinha total certeza de que estava fazendo um bom trabalho. Um trabalho que já durava cinco anos e que agora já fazia parte do que ele era. Não havia como separá-lo mais de seu cargo, de suas responsabilidades. E isso já havia deixado de ser um peso estafante há muito tempo.

Estava sentado na cozinha de sua casa, preparando-se para mais um dia de trabalho. Mais um dia de inspeções, de reuniões e de afazeres que envolviam o seu cargo de chefia no Hill Top. Se pudesse eleger algo de ruim em ser um dos mandatários da Aliança, poderia dizer que o reconhecimento não era algo confortável para Glenn. Jamais tivera o perfil popular, mas após o fim da guerra, fora inevitável não ser aclamado por todos que de alguma forma tiveram suas vidas salvas por ele.

Deixara até o bigode crescer na tentativa de mudar o visual, mas não parecera funcionar muito. Todos os dias era cumprimentado por uma infinidade de pessoas, o que acima de tudo demonstrava o respeito que elas sentiam, mas que não deixava de ser algo desconfortável para o asiático.

TLINK! TLINK!

A sinetinha que tocara indicava que alguém havia acabado de abrir a porta principal. Rhee girara o corpo, já imaginando saber quem havia adentrado àquela hora da manhã. Estava justamente esperando por ela, já que não sairia antes de vê-la.

— Achei que chegaria mais cedo... – Comentara o asiático, sem mudar suas feições serenas.

— Acabei dormindo até mais tarde... Foi mal, pai.

Uma garota de longos cabelos loiros e um belo corpo no ápice do desenvolvimento parara a frente de Glenn. Com os seus dezesseis anos recém-completos, Sophia demonstrava cada vez mais que seria uma belíssima mulher, o que de certo modo preocupava o pai coruja, que ainda tentava encará-la com ar de seriedade. Ainda via nela a mesma menininha de anos atrás, sua garotinha, o seu anjinho...

Ao lado dela A’ishah, cinco anos mais velha e igualmente bela, parecia tentar segurar o riso preso ante a cena típica de pai controlador e filha adolescente. Utilizando um hijab de tecido colorido, a filha de Ibrahim parecia consternada enquanto Sophia e Glenn trocavam olhares, como se ambos tentassem ler um a mente do outro.

— Isso não tem nada a ver com aquele tal de Brandon, tem?

A islâmica não conseguira segurar o riso após a última indagação, virando o rosto para o lado oposto. Rhee, que tentara manter a postura, acabara abrindo um sorriso também, admitindo que toda a cena fora de fato cinquenta por cento constrangedora e cinquenta por cento hilária.

— Pai! – Sophia meneara a cabeça, visivelmente envergonhada – Eu e Brandon somos só amigos...

— A’ishah... – Dissera Glenn, cruzando os braços e esperando a manifestação da amiga de sua filha.

— Não tenho nada a declarar, senhor Rhee... – Respondera, ainda rindo – Mas posso afirmar que Sophia passou a noite lá em casa sim. Como o meu pai saiu para cuidar da manada e o Ahmed está treinando com os sentinelas, pedi que Sophia me fizesse companhia...

O asiático notara uma breve hesitação na voz da muçulmana. Lembrara-se então que o amigo Ibrahim passara a ficar longos tempos fora do Alto do Morro após ter se separado de Jackie, quando a médica se voluntariara a ir morar no Santuário. Estava claro que ele ainda não havia se recuperado do baque.

— E só estamos passando aqui para comer alguma coisa e depois sairemos de novo! – Exclamara Sophia, indo em direção ao pai e lhe agraciando com um abraço de bom dia – Vamos à mesquita para a Salát Addohr e depois passaremos a tarde junto aos arqueiros. Ben me disse que eles farão uma grande caçada na próxima semana!

Era a segunda vez que ela tocava nesse assunto.

— Sim... Benjamin também me disse. – Ele dera um beijo no topo da cabeça da filha – Mas eu ainda não disse se vou permitir ou não que você vá com eles. – A garota entortara levemente a boca, preparando-se para rebater as palavras de Rhee, que prosseguira sem deixá-la falar – Eu sei que A’ishah já foi a duas dessas caçadas, e sim, eu confio muito nela. Mas só deixarei que você vá, quando tiver certeza que estará pronta... Ainda tem um tempinho até a feira, me deixe pensar mais um pouco...

Ok, japa. – Respondera a jovem, bagunçando os volumosos cabelos de Glenn. – Fizera então uma breve pausa, parecendo lembrar-se de algo – Ah... O Doutor Carson disse que precisava falar com o senhor... Não sei do que se trata, mas ele parecia bastante nervoso.

O mandatário então deixara a casa, despedindo-se da filha e de A’ishah, que por lá permaneceram. O tempo estava fechado pelas bandas do Alto do Morro, e a grande chuva da noite anterior ainda fazia com que o solo estivesse enlameado. Subira a pequena elevação, encaminhando-se a Barrington House.

Mas nem precisara alcançar o casarão colonial para que encontrasse com Randolph Carson, o mais velho dos dois irmãos médicos. Vide a velocidade de seus passos, e a conversa dos dois no dia anterior, Glenn Rhee já sabia do que se tratava. E conseguia entender toda a urgência com a qual o obstetra tentava resolver a questão.

— Eu já estava indo até você...

Nervosamente, Carson nem deixara que Glenn seguisse falando.

— Eu sei que conversamos ontem, mas não consigo parar de pensar nisso, senhor Rhee... – O médico gesticulava amplamente com as mãos – Eu falei que essa divisão poderia ser perigosa, mas ninguém me ouviu. Agora temos um real problema nas mãos e...

— Calma. – Glenn esticara uma das mãos espalmadas, fazendo com que Randolph parasse de falar – Nós crescemos bastante nos últimos anos, Carson... Olha só para tudo isso... – O asiático abrira os braços, indicando o gigantesco cenário ao redor dos dois. O Hill Top seguia sendo a maior comunidade dentre todas que faziam parte da Aliança, e além da população ter crescido, a estrutura também se desenvolvera bastante. A produção de alimentos aumentara consideravelmente, assim como a feitura de ferramentas e bens de consumo.

— Tínhamos o corpo médico praticamente todo concentrado aqui. Eu sei que temos a maior das populações, mas após o Plano Wales, precisávamos suprir as outras comunidades. Jackie está muito bem no Santuário, Alves no Reino e você aqui... Alexandria teve sorte de encontrar o Dexter, que também passou a implantar o plano por lá... Não podíamos deixar o Garden sem um médico. Por isso que o seu irmão...

— Por isso o meu irmão foi mandado para lá, eu sei! – Randolph seguia nervoso – Mas não vamos fingir que não sabíamos que uma hora ou outra aquela maluca ia acabar fazendo merda! Incidente... Meu irmão agora está preso lá no meio daquele bando de loucos, e com a rede...

Rhee novamente pedira calma.

— Eloise não é burra, muito pelo contrário! Ela jamais faria algo com o seu irmão. E o incidente não significa que o Garden rompeu com a Aliança... Pelo menos é o que eu acredito – Suspirara – Eu irei até lá amanhã. Saio com uma comitiva e devo chegar em um dia... Preciso conversar com a Imperatriz antes da feira. E, hey... – Ele tocara o ombro do médico, como que o tranquilizando – Vamos resolver isso... Vamos resolver.

Pelo visto os dias de calmaria estavam prestes a acabar.

 

*****

 

— Por violar direitos individuais dentro da comunidade, por incitar a violência, causando um caos quase incontrolável... E por tentar tirar a vida de duas pessoas, deixando uma delas gravemente ferida... Eu o condeno a morte pela forca!

A Imperatriz apenas olhara de esguelha para Patricia, que já sabia o que fazer.

— Deixe cair!

Peck exclamara ao carrasco, que abrira o alçapão, fazendo com o que o prisioneiro caísse, ficando preso à corda pelo pescoço. Lutando por ar, o condenado esperneava, tentando inutilmente se livrar das amarras que lhe prendiam as mãos e os pés. Não demorara muito para que os seus movimentos diminuíssem, até que se encontrasse totalmente sem vida. O corpo morto pendulara algumas vezes, a forte cena sendo assistida de perto por dezenas de moradores, que se reuniam na praça principal do Garden. Todos quietos, não pronunciavam uma só palavra, não esboçavam nenhuma reação.

Aquela era a segunda execução em menos de três meses, isso é claro, ao excluir-se o incidente. Um número alto demais para não trazer consequências à comunidade. Consequências que recaiam totalmente sobre Eloise McIntyre.

A Imperatriz não mudara muito desde o famigerado acordo firmado com a Aliança, e talvez por conta disso, tudo tenha se desenhado para a atual situação em que se encontrava. As grandes mudanças haviam sido fisicamente, já que a antiga careca sempre cultivada dera lugar ao retorno dos longos fios loiros de seus cabelos. Mais velha, mais experiente e muito mais sagaz, a mandatária do Garden sabia exatamente o que estava fazendo, e diferentemente do que muitos pensavam, o mundo não havia enlouquecido-a.

O mundo é que há muito estava louco. Tudo o que fizera fora se adaptar a essa loucura.

Nos primeiros anos a rede fora bastante benéfica para o Jardim que, sendo a comunidade mais afastada das demais, aproveitara-se tanto da troca de manufaturas quanto da lei das estradas livres. Mas com o tempo todo esse benefício se tornara bastante relativo, e a Imperatriz começara a perceber as reais intenções da Aliança, e os reais interesses dessa rede firmada. Interesses que não pareciam condizer com que Eloise queria para a sua comunidade.

Talvez estivesse mesmo na hora de romper com a Aliança. O acordo de irmãos de guerra não parecia valer mais.

Pouco a pouco as pessoas começaram a se dispersar, ainda cabisbaixas, receosas pela atual situação em que se encontrava o Garden. Em silêncio, os moradores voltavam as suas funções, fossem nos tratos aos animais, nas rondas, ou nas plantações, tanto internas quanto externas. O Jardim se tornara o maior produtor de vegetais, expandindo sua produção lagoa acima. Um rico sistema de irrigação ajudava no processo, que até o incidente era a grande fonte dos escambos intra rede.

Patricia Peck sinalizara para que o carrasco retirasse o corpo sem vida da corda. O condenado seria cremado, sem honras. A viúva de Lawrence assumira o posto de segundo no comando após a morte de Hanso, ainda no tempo da grande guerra. Assim como ele, atendia aos pedidos de Eloise sem pestanejar, e principalmente sem perguntar os porquês.

Ainda perdida em meio aos devaneios, a mulher da prótese engenhada mal notara a aproximação de sua imediata que, segurando uma prancheta nas mãos, parecia abarrotada de afazeres. Ainda assim parara ao seu lado, os seus olhos entregavam que ela tinha algo a falar.

— Senhora... – Os orbes marcantes de McIntyre focaram-se em Patricia. Seu olhar era realmente intimidador, Peck baixara levemente as íris, evitando o contado direto. Não queria que parecesse um confronto – Steve me passou o relatório dos feijões de lima. A praga irá diminuir em sessenta por cento nossa produção, mas ainda assim sairemos com saldo positivo... Já os tomates estão de vento em popa. Eu mesma irei dar uma olhada agora, mas as notícias que me deram foram bastante animadoras...

— Senhora Peck... – Eloise mantivera o mesmo tom de voz – Não ignore o que acabou de acontecer aqui. Eu sei que você não gosta do que tivemos que fazer, mas ainda assim tem feito o seu trabalho com primazia. Lhe darei a liberdade para falar o que realmente está querendo me dizer.

A mulher negra respirara profundamente. Não dava para tentar esconder nada da Imperatriz, ela sempre conseguia ler como ninguém as pessoas.

— A volta das execuções não tem sido algo que as pessoas têm encarado com facilidade... Elas já estavam acostumadas com as leis do acordo com a Aliança, mas depois do... – Patricia hesitara, não querendo tocar naquele assunto – Tivemos dois enforcamentos, e todos estão com medo. Com o fim do acordo com a rede, todos estão achando que poderemos ficar isolados, e estando isolados, o medo de ficar sem comida e sem proteção acaba aumentando consideravelmente...

Todos. – Dissera Eloise – Você se inclui nesse todos? – Peck nada dissera – Acho que eu já dei provas suficientes de que consigo lidar com os problemas da comunidade que eu ajudei a fundar, e que ajudei a manter de pé após tantas atribulações... Ou será que chegou a hora da minha liderança ser contestada? Essa hora chegou, senhora Peck? Estaríamos melhor com outra pessoa no comando?

A mulher fitara o chão imediatamente.

— É claro que não, senhora! A senhora é nossa Imperatriz, e jamais teríamos chegado aonde chegamos se não fosse por sua sábia liderança!

Eloise seguira firme e séria.

— Pois bem... – Tocara o queixo de sua imediata, fazendo com que voltasse a encará-la – Não ficaremos isolados, porque não estamos sozinhos. Não somos os únicos a perceber que a Aliança trabalha em prol de interesses próprios. Recebi ontem o recado de um velho amigo, o que me deu esperanças de que um novo tempo se aproxima...

— Me mantenha informada a cerca da nossa produção alimentícia. – Seguira – Estávamos nos preparando para a feira, mas vide o que ocorrera, acredito que seremos cortados da lista de convidados. Isso significa que o que temos é mais do que suficiente para nos manter bem supridos por um bom tempo. Além disso, pretendo sair para uma reunião comercial em alguns dias. Farei um discurso essa tarde. Deixarei todos cientes dos novos rumos que nossa comunidade tomará!

Patricia apenas meneara a cabeça, saindo em silêncio para seguir com sua rotina de trabalho. Enquanto isso, Eloise voltara a discutir com os próprios pensamentos, remoendo, revirando e remexendo a cabeça de todas as formas possíveis. Estava realmente cada vez mais claro que um novo tempo se aproximava.

O que Imperatriz queria era agora de grande interesse para um importante parceiro comercial. O parceiro mais leal e antigo da comunidade localizada em meio ao bosque.

 

*****

 

— Mas ele falou alguma coisa?

Leah Fisher seguira escovando sua égua na baia, enquanto que uma curiosa Julia Alves seguia questionando sobre a noite anterior. As duas riam enquanto batiam papo, aproveitando o intervalo que Fisher tivera após mais uma ronda na estrada adjacente. Como tudo seguia quieto no consultório, a médica do Reino pudera se juntar à amiga.

Com os cabelos presos em um coque improvisado, a garota de vinte anos ainda estava com sua armadura de sentinela sobre os ombros, assim como as luvas e as botas. Sabia que a folga não duraria muito e que logo precisaria sair outra vez. Com sempre, Leah queria estar sempre pronta.

— Bom... Ele disse um monte de coisas, quem quase não disse nada fui eu. Tipo... Deve ser meio intimidador para ele o fato de eu já ter um filho e tudo mais... Fora que ele sabe que eu sempre me relacionei com caras mais velhos, então pode ser que ele esteja meio receoso também. – Suspirara – O fato é que eu ainda não sei o que pensar. Sabe como é, estamos indo devagar com essas coisas...

Alves apoiara-se na estrutura de madeira, em uma das colunas que formava a baia onde Speedway, a égua da sentinela se encontrava descansando.

— Ele dever ter se intimidado com o fato de você ser Leah Fisher, isso sim! – Troçara, sorrindo para a loira – Não deve estar acostumado com uma mulher tão decidida e independente como você, e isso provavelmente o assustou. – A mulher de jaleco branco batucara brevemente na madeira – Mas então, depois da troca de turno, tem algo em mente? Acha que ele vai te procurar essa noite?

A jovem dera de ombros.

Nah... Nem que me procurasse. Essa noite eu e o little red vamos jantar com os padrinhos dele. Lizzy me convidou e eu não poderia recusar, é claro. – Ela seguira escovando o animal, que tratava com extremo cuidado – Depois desses três últimos dias tão malucos, eles devem estar gritando por algum tipo de normalidade. Então eu vou lá dar uma força a eles... Fora que o Daryl adora aqueles dois.

Julia sorrira e vira o rosto de Leah se iluminar ao falar de seu filho. E para a surpresa das duas, o pequeno que acabara de ser lembrado, adentrara o estábulo, como que adivinhando que o seu nome havia acabado de ser pronunciado.

Correra desembestado ao ver a mãe, que ampliara ainda mais o sorriso, abraçando-o assim que o alcançara. Julia apenas observara a interação, fazendo um cafuné na cabeça da criança enquanto se agarrava a cintura de Fisher.

— Oi tia Julia! – Dissera o pequeno Daryl Fisher, um garotinho ruivo de cinco anos e cabelos ondulados. A pele alva realçava o tom claro de seus olhos. O menino parecia ser uma clara mistura da jovialidade e destreza de Leah com a engenhosidade e polidez do pai.

— Oi, meu bem! – Respondera Alves sorridente – Cadê o meu beijo, hein? – Envergonhado, o menino dera um beijo no rosto da médica, que olhara para a mãe de Daryl – Vou voltar ao consultório agora, qualquer coisa me procura depois.

Fisher respondera com um aceno de cabeça, observando a médica deixar o estábulo.

Ok, little red, agora me diz, o que está fazendo fora da escola à uma hora dessas? – Fisher arqueara uma sobrancelha, já conhecendo o gênio do menino, que me muito lembrava a si mesma nessa idade.

— A senhorita Carpenter não estava se sentindo muito bem, então disse que não teríamos aula hoje, daí eu vim atrás da senhora para saber se posso dar uma volta na Speedway!

Fisher permanecera em silêncio por alguns segundos, olhando seriamente para o menino. Com o tempo a expressão sorumbática fora abandonando a sua face, sendo substituída por um generoso e sincero sorriso. O pequeno Daryl era a luz de sua vida, e ver o crescimento do menino, que um dia fora apenas um feijãozinho em seu ventre, era de certo modo acompanhar o seu próprio crescimento.

— Quer ser um sentinela como a mamãe, é isso?

O garotinho erguera as mãos, gesticulando.

— Eu quero ser um caçador! Quero usar arco e flecha, andar a cavalo e caçar um montão de animais no mato!

Leah gargalhara brevemente, bagunçando os cabelos vermelhos do menino.

Ok, caçador! Talvez depois eu leve você comigo na Speed. – Fisher passara uma das mãos na crina da égua – Mas não agora. – Enfatizara – E outra coisa, essa noite nós dois vamos jantar na casa dos seus padrinhos, tudo bem?

Daryl balançara a cabeça de forma positiva.

— Já que a senhora Carpenter liberou você da escola, acho que pode me ajudar a terminar de dar um banho nessa menina aqui. Se quer mesmo se tornar um caçador e montar cavalos por aí, vai precisar aprender a cuidar dos animais também. Toma... – Entregara um escovão nas mãos do menino, que parecia maravilhado com tudo ali – É só seguir a mamãe...

Leah e Daryl seguiram cuidando dos cavalos no estábulo do Reino. A comunidade que Fisher escolhera para ter sua criança se tornara verdadeiramente um lar. E apesar dos pormenores, a jovem mãe não se imaginava deixando esse lar em hipótese alguma. Se havia algum lugar em que confiava que seu pequeno cresceria e se desenvolveria em segurança, esse lugar era o Kingdom.

 

*****

 

Lizzy Penn adentrara sua casa com duas cestas repletas de mantimentos. Mal conseguira fechar a porta, precisando utilizar os pés para concluir a tarefa. Colocara as duas cestas sobre o balcão da cozinha, começando lentamente a retirar os produtos de seu interior. Algumas frutas, verduras, duas peças de carne, além de chocolate em pó, pareciam ser os itens de maior valia do escambo.

Olhara para o lado direito e vira uma silhueta recostada próxima à escada, olhando para ela simpaticamente.

— Oi amor... Achei que não estaria em casa. – Ela sorrira, voltando a dar atenção para os produtos, que iam sendo lentamente organizados por ela – Falei com Leah hoje cedo, e ela aceitou o nosso convite para o jantar essa noite. Achei que ela pudesse ter algo marcado com aquele ferreiro, mas pelo visto não foi algo que vingou.

Abriu um armário, começando a guardar alguns dos produtos.

— Será apenas nós dois, ela e o Darylzito. – Seu sorriso se ampliara – Já tem um tempo que não vemos aquele moleque, confesso que estava morrendo de saudades! Como sei que ele adora chocolate, trouxe um pouco para ver se consigo fazer um bolo. Nunca fui nenhuma mestre-cuca, mas acho que acerto um bolo simples... – Parecera lembrar-se de algo – Inclusive, agora que tudo mudou, seria legal se você desse uma olhada na tabela de preços... Essas poucas gramas de chocolate me custaram uma quantidade absurda de sal!

Ela seguira recolhendo os mantimentos.

— E por falar nisso... Confesso que foi bem estranho sair na rua depois de... Bom, você sabe. Eu mal sei se eu vou me acostumar com isso, que dirá as outras pessoas! – Penn exclamara, suspirando – Foi uma decisão tão abrupta e pegou tanta gente desprevenida... Eu sei que devemos estar prontos, mas... – Sentira uma mão lhe tocar o ombro. Relaxara imediatamente – Bom... Eu devo chamá-lo de majestade agora, amor?

— Não... – Dissera uma voz próxima ao seu ouvido – Para você segue sendo apenas James...

James Goodwin a abraçara por trás, beijando o seu cangote. Fazia apenas dois dias que havia assumido o trono do Reino, e tudo ainda era muito novo tanto para o casal, quanto para os demais moradores da comunidade. Apesar de ter recebido o cetro das mãos do próprio Ezekiel, eles sabiam que esse momento de transição não seria tão simples quanto poderia parecer.

Penn virara-se, dando um breve beijo em seu companheiro.

— Você falou com Ezekiel?

Goodwin meneara a cabeça.

— Ontem à noite, e longe de todos. Ele parece realmente ter tomado uma decisão definitiva. – James passar a ajudá-la com as provisões – Partirá com uma comitiva pequena até o porto, tomará um dos barcos, e bom... – Dera de ombros – Seguirá o seu próprio caminho.

— Tudo o que aconteceu com ele foi realmente muito triste. – Lamentara Lizzy.

— Depois que ele e Michonne terminaram, Ezekiel nunca mais foi o mesmo homem. Michonne partiu junto com os barqueiros e nunca mais foi vista... Eu entendo que ele esteja tentando se reencontrar, e talvez essa mudança de ares seja realmente boa para ele. – Dissera James – Ele é um sobrevivente, vai conseguir. Quem sabe até isso não faça com que ele se entenda com o passado.

Elizabeth tocara levemente o peito de seu marido.

— E como você está se sentindo, rei?

James tocara o rosto de Penn, suspirando enquanto preparava-se para expressar-se.

— Leve... Ezekiel confiou o seu Reino a mim, e não há como eu me sentir mais honrado! Não poderia recusar um pedido dele, não depois de tudo o que ele fez por mim. Eu pedi que ele continuasse, pedi que seguisse aqui conosco, mas... Aquela velha raposa já havia tomado sua decisão. Agora o poder está comigo, e sei que primeiramente vou precisar ganhar a confiança das pessoas, assim como Ezekiel o fez.

Elizabeth o mirara.

— E o que pretende fazer?

— Primeiramente... – James tombara a cabeça levemente – Jantar com a Leah e o meu afilhado... Deixarei as questões pertinentes à coroa para amanhã! – Arrumara uma mecha de cabelo de Penn – Eu enviei uma mensagem a Eloise, e aguardarei por sua resposta. O incidente mexeu com as estruturas da Aliança, e acho que podemos usar isso a nosso favor. Mas esse é um assunto para outra hora...

Lizzy dera um meio sorriso, beijando outra vez James. Não diria nada a ele, mas estava extremamente preocupada com o que poderia ocorrer agora que ele assumira o trono do Kingdom, principalmente ao ouvir o nome de Eloise em meio aos futuros planos de seu marido.

A Imperatriz era um barril de pólvora, e dependendo do acordo que firmasse com Goodwin... Um arrepio arrebatara sua nuca só de imaginar. Tinha medo de perder a felicidade construída durante os anos de calmaria após a grande guerra. A decisão tomada por Ezekiel parecera virar sua vida de cabeça para baixo, e dependendo do que ocorresse nos próximos dias...

Talvez Elizabeth Penn precisasse agir de alguma forma.

 

*****

 

Não foi nada fácil.

No princípio, a confiança precisara ser adquirida a duras penas, com provas reais de que ele era realmente merecedor do posto que havia conquistado. Para alguns, sempre fora visto como um traidor, enquanto que para outros, tornara-se o grande libertador, um verdadeiro divisor de águas entre duas eras totalmente distintas.

Recebera ajuda da Aliança nas questões que envolviam os conspiradores, e após um ano complicado, conseguiria finalmente se estabilizar. Quando as estradas foram limpas e a segurança se tornara um bem perene a todos, os olhares começaram lentamente a modificar-se. Aqueles que de forma alguma conseguiam aceitar as mudanças foram convidados a retirar-se, mas a maioria preferira engolir o próprio ego, reconhecendo que, gostando ou não, melhoras significativas haviam ocorrido.

Respeito é algo difícil de se conquistar, mas uma vez adquirido, é igualmente difícil de se perder. E por mais que estivesse cansado de tudo, Dwight havia adquirido por intermédio do seu trabalho o respeito dos moradores do novo Santuário. A comunidade progredira, fazendo parte de uma rede que não trabalhava de forma escrava, mas sim ajudava-se com o suor de seus esforços.

Por mais que os demais membros da rede ainda vissem os Salvadores como um perigo em potencial, Dwight sabia que a paz que perdurara pelos últimos cinco anos, só fora possível graças à morte de Negan. Em todas as visitas que fazia a Alexandria ou ao Hill Top, por exemplo, deparava-se sempre com dezenas de olhares enviesados, julgadores, até mesmo amedrontados.

Não eram bem-vindos, mas ao mesmo tempo eram tão importantes quanto todos os outros. Uma parte vital para que a engrenagem seguisse funcionando. De coletores exploradores passaram a produtores exportadores, uma guinada gigantesca. Mas isso não significava que o arqueiro estivesse feliz.

Na verdade, Dwight estava cansado de tudo.

Cansara do desgaste, cansara dos boatos de motim, cansara do peso da liderança. Para comandar homens tão duros quanto ele, precisara endurecer ainda mais. Precisara se afastar do que era por natureza. Principalmente após a separação ainda não resolvida com Sherry.

BLAM!

A porta do seu quarto fora aberta com ímpeto. Nem precisara olhar para saber quem havia acabado de adentrar. Na verdade, já estava esperando que ela aparecesse.

— Então é verdade mesmo? – Laura parecia nervosa. Dirigira-se a passos pesados até o homem da queimadura na face, que seguia de pé, ante a janela.

— Os boatos já estão rolando? – Dwight colocara as mãos nos bolsos do casaco, ainda observando a movimentação no pátio da comunidade. Os agricultores carregavam as caixas de hortaliças que seriam levadas ao Reinado.

Laura parara a dois metros do arqueiro.

— Não fuja da minha pergunta... Você vai mesmo nos deixar?

Não queria olhar para ela.

— Sim... Tão logo eu escolha alguém para me substituir. – Respondera de forma seca.

— Dwight... Por favor, pelo menos olhe para mim!

Inspirara fundo antes de se virar, mirando Laura que o encarava com os olhos semicerrados. Era uma mistura de raiva e tristeza típicas daqueles olhos negros. A mulher de curtos cabelos e diversas tatuagens parecia estar sempre esperando por algo dele, sempre esgueirando-se, como se a todo o momento quisesse dizer algo.

— É por conta dela, não é? – O mandatário dos Salvadores engolira a seco, sem nada dizer – Tudo gira em torno dela... Você não pode abrir mão de tudo isso por conta da Sherry! Não depois de todas as coisas boas que trouxe para nós! Você ainda se lembra dos primeiros meses após a guerra, não se lembra? Lembra de como tudo foi difícil?

— Se você não estivesse aqui para controlar tudo, provavelmente outro Negan teria surgido... Passamos por tudo aquilo, persistimos. Hoje temos o nosso próprio cultivo e teremos a feira em Alexandria... – Seus lábios tremeram levemente – Você não pode me abandonar por causa dela... Não depois de...

O arqueiro dera dois passos em direção à mulher.

— Tem alguma coisa que queira me falar, Laura? – Estava disposto a ter uma conversa definitiva. Não permitiria que ela fugisse outra vez.

— Eu... – Ela parecera hesitar, quase desistindo – Eu não quero que você vá. Não vou conseguir ficar aqui sem você, tá legal? – O enlaçara pelo pescoço, beijando-o. O líder do Santuário fora pego de surpresa, mas logo se vira envolto as carícias da mulher de personalidade forte. Após finalizado o beijo, os dois se olharam profundamente – Eu te amo, seu idiota!

Dwight fitara o solo brevemente. Não queria que aquilo tivesse ocorrido. Não queria ter dúvidas acerca de sua tomada de decisão.

— Laura...

As feições da mulher de curtos cabelos se modificaram no mesmo instante.

— Você ainda a ama, não é? – Não havia nada que pudesse dizer no momento – Tudo bem, eu...

Laura deixara o recinto, batendo a porta após transpassar o portal. Dwight passara as mãos no rosto, arrumando os cabelos para detrás das orelhas e suspirando profundamente. Sua cabeça se enchia cada vez mais de problemas. A liderança, Sherry, Laura... Sentia-se a ponto de explodir a qualquer momento. Só queria poder pegar um cavalo e partir para longe em uma passagem só de ida.

Lembrara-se que naquele dia, ainda teria pelo menos quatro reuniões nas quais deveria estar presente. Ossos do ofício que só lhe tiravam o ânimo.

Dirigira-se então até um velho armário, praticamente esquecido em um canto do quarto que ocupava. Retirara do bolso um molho de chaves e tomara em mãos uma pequena, que usara para abrir uma das portas do armário.

De lá retirara uma ferramenta que não via há muito tempo. Que há muito havia sido aposentada.

Segurando Lucille pelo cabo, Dwight erguera-a, viajando com os olhos por toda a estrutura do taco, por todo o arame farpado, ainda com sangue seco evidente. Com o símbolo de poder em mãos, a arma que um dia fora de Negan, o homem que mais odiou na terra, o motoqueiro só ampliou a certeza que nutria dentro de si de que estava na hora de deixar a liderança.

Em breve passaria Lucille a um novo portador.

 

*****

 

Carl Grimes puxara um pequeno banco dentro da cabana. Não havia como o cenário não ser familiar, e claro, lá dentro ele se sentia muito bem. Fazia constantes visitas, todas muito longas. Retirara então os óculos e sorrira.

— Bom, pai... A mamãe disse que vai pensar. Essa noite nós iremos conversar, mas estou esperançoso de que ela vá permitir sim. Tipo... O Brandon já trabalha com o Earl Sutton, e mora sozinho lá no Hill Top. Eu já provei diversas vezes que sei cuidar de mim mesmo, e acho que já está na hora de tocar minha própria vida... Eu sei que é difícil para vocês não me verem mais como uma criança. Mas a verdade é que eu cresci, e quero trabalhar, ter uma função, ser produtivo... O Earl Sutton é muito gente boa e ele já falou que vai me ensinar tudo sobre ferraria!

— É isso que eu quero para mim, entende? Quero ser um ferreiro, quero ter minha própria casa no Alto do Morro. O Glenn já deu o sinal verde, disse que por ele não haverá problema algum. Agora só falta a aprovação de vocês... Na verdade, só falta a aprovação da mamãe!

— Mas não é só isso... – O rapaz coçara a cabeça – Tem uma garota, chamada Anne, a filha dos Benz... Em resumo, estávamos eu, ela, a Julie e o Kevin, quando no meio de um daqueles jogos de “verdade ou consequência”, saca... Bom, ela acabou mostrando os peitos. Tipo, simplesmente levantou a blusa e mostrou para todos nós. Eu sei que é errado esse tipo de julgamento e tudo mais... Eu gosto dela, e admito que fiquei meio incomodado com a situação...

— Eu sei que ela não faz isso toda hora e nem sai mostrando os peitos para todo mundo, mas... Sei lá, pai... Acho que é normal, não é? Se sentir assim quando se gosta de alguém? Eu nunca senti algo desse tipo por ninguém, mas ao mesmo tempo eu nem sei dizer o que é...

O jovem Grimes que havia começado a rir, interrompera as risadas assim que recordara-se de algo importante que precisava dizer.

— Não... Ela não virá hoje. A mamãe ainda está muito sentida, e o senhor precisa admitir que tudo ainda é muito difícil para ela. Eu sei que já tem um tempo e tudo mais, mas ela realmente ficou quebrada... Droga, para mim também é difícil para caralho estar aqui! Só que me faz bem, pai... Sabe...

— Todos nós sentimos muito a sua falta...

Carl Grimes erguera-se do banquinho no interior da cabana, depositando as rosas que trouxera sobre a lápide do jazigo construído em madeira, onde muitos outros buquês já haviam sido depositados. Na verdade, todos os dias alguém ia até lá deixar algum tipo de agrado.

Ao sair da cabana, respirara profundamente, fechando a porta em seguida. No cemitério de Alexandria, aquele túmulo em especial ganhava enorme destaque. Não fora por menos, o jazigo construído para uma lenda, precisava ter sido feito com todo o carinho e cuidado.

O túmulo do homem que fizera o futuro ser possível.

O túmulo de Rick Grimes.

 

*****

 

Precisara controlar as lágrimas, precisara respirar fundo e mais do que tudo, precisara engolir a dor descomunal que avançara por seu peito. A morte de Rick Grimes havia acabado de ser decretada por Carson que, por mais que tivesse se esforçado ao máximo, não conseguira evitar que a facada impetrada por Negan tirasse a vida do líder da Aliança.

Andrea desde então ficara ao lado de Carl, que estava inconsolável. O garoto chegara a pedir para fazer o que ‘precisava ser feito’, mas a sardenta jamais permitiria. Ela própria não tivera forças então pedira discretamente para que Michonne o fizesse. A samurai também chorara bastante após a despedida do amigo.

Seus olhos estavam ardendo, e suas lágrimas desciam pelos lacrimais como as cataratas do Niágara. A garganta estava seca, os músculos totalmente sem força. Mas precisara dentro de si mesma, arrumar de alguma forma uma última reserva, um último resquício para fazer algo por demais importante. Algo que Rick faria se ainda estivesse ali.

Os corpos dos mortos já haviam sido retirados do campo de batalha. Os Salvadores haviam sido libertos, e os cadáveres dos inimigos tombados já queimavam em duas grandes labaredas. Os feridos eram tratados no interior da comunidade, que agora reunia combatentes e familiares, todos imensamente aliviados pelo fim da guerra. Enquanto isso, o corpo sem vida de Rick encontrava-se em dos quartos da Barrington House, apenas aguardando pelo momento do enterro.

Andrea sabia que precisaria tomar as responsabilidades. Só ela poderia girar a chave para iniciar tudo o que o seu amado planejara. Saíra então pela porta da frente, surpreendendo a todos com sua coragem e determinação. Não conseguira impedir que as lágrimas seguissem escorrendo, mas conseguira juntar forças para falar.

— A guerra acabou! – Todos os olhares se voltaram para a sardenta – Pagamos um preço muito caro, mas conseguimos... Rick Grimes morreu para que pudéssemos viver, e tudo terá que ser diferente! O Hill Top, Alexandria, Reino, Garden, Santuário... São apenas lugares! Todas as diferenças que tínhamos uns com os outros devem ser postas de lado a partir de agora! Lutamos juntos e agora viveremos juntos...

— Nós resistimos graças a nossa união, e é assim que devemos seguir de agora em diante! É claro que sempre haverá o “nós contra eles”, mas jamais devemos nos esquecer de que o ‘nós’ são os vivos e o ‘eles’ os mortos! – Sua voz chegara a falhar – O nosso maior inimigo está lá fora, vagando, tentando nos devorar ao menor sinal de fraqueza... É hora de nos unirmos contra eles, pois juntos sabemos que podemos fazer coisas incríveis!

— Temos a chance de reconstruir esse mundo... E mais, temos a chance de fazê-lo melhor! Foi exatamente por isso que travamos essa guerra, por acreditarmos nesse futuro... Chegou a hora de transformamos esse futuro em presente!

Mais e mais pessoas haviam se juntado para ouvir o discurso emocionado de Andrea. A morte do grande líder havia abalado a todos, mas aquelas palavras tão repletas de esperança, parecera de certo modo renová-los, reavivá-los.

A sardenta então, ainda com os olhos vermelhos e lacrimejantes, finalizara.

— Vocês lutaram por Rick Grimes... Agora peço que lutem por mim! Que lutem pela Aliança... Que lutem pelo legado de Rick!

Rick Grimes se tornara uma lenda, o grande símbolo da luta armada contra Negan, o grande símbolo da prosperidade alcançada pela rede. Aquele que semeara o futuro que seria cultivado.

O homem responsável por um novo começo.

 

*****

 

— Olá, eu sou Andrea! Sejam bem-vindos a Alexandria!

A bela mulher de cabelos loiros e sardas estendera a mão, cumprimentando Mavie, que se encontrava um passo à frente dos dois parceiros. O barbudo de nome Jesus, que prometera levá-los a líder da comunidade assim que chegassem, parecia ter realmente cumprido com o trato.

Ok... Bom, eu me chamo Mavelle.

A mandatária da impressionante comunidade seguira sorrindo.

— Acredito que Jesus já tenha lhe adiantado algumas informações a respeito do nosso lar, então nada mais justo do que eu saber um pouco mais sobre vocês. Apresente-me os seus amigos.

A irlandesa ainda estava sobressaltada, tomada por um misto de diferentes sentimentos. Feliz por ter encontrado um lugar grande e extremamente desenvolvido, ao mesmo tempo em que carregava a sensação de que não poderia confiar em ninguém ali dentro. Era como se estivesse em sonho bom, ao mesmo tempo em que sabia que ele não iria durar muito.

— Esse é Justin Hayes e essa é Rebecca Ray... – Apontara para os amigos, que cumprimentaram brevemente a mulher de nome Andrea, que respondera de forma educada.

— Bom, Mavelle... – A mandatária de Alexandria voltara a falar – Presumo que você seja a líder do trio, não é?

Guinness não soubera o que responder, ainda estava intimidada com toda a situação. É claro que sabia de toda a sua importância dentro do trio, mas depois de tantas perdas e desilusões, parara de considerar a si mesma como uma líder.

Antes que pudesse dizer algo, Justin respondera por ela.

— Ela é nossa líder, sim, senhora Andrea. Yo. Tipo... Se não fosse por ela, não estaríamos vivos até agora.

— Bom, eu acho que esse tipo de nomenclatura muito estranha, principalmente depois de tudo o que passamos... – Dissera Mavie – Você se considera a líder daqui?

A loira permanecera sorridente enquanto respondera.

— Fiquei desconfortável com o título logo de início, principalmente dadas às circunstâncias... Por isso eu entendo o seu desconforto. Mas depois eu acabei aceitando o posto e tudo o que veio junto dele. Então, sim, eu sou a líder de Alexandria!

A mandatária permanecera com a palavra.

— Jesus já deve ter esclarecido a vocês como as coisas funcionam por aqui. Ele acha as pessoas, vê se compensa convidá-las e depois as trás até mim. Eu confio nele, então por tabela, eu agora confio em vocês também. Ele já está com as suas armas, e daqui algumas semanas, vocês as terão de volta.

Depois de quase todo o tempo em silêncio, Rebecca resolvera se intrometer.

— Então isso significa que não confia totalmente na gente, não é sardenta?

O olhar de Andrea se movera em direção a Ray. Mavie tentava lê-la, mas a loira parecia extremamente segura de si em todas as palavras que proferia. Vide todo o desenvolvimento que vira no interior da comunidade, Guinness começara a imaginar todo o processo de desenvolvimento que aquelas pessoas haviam passado até chegarem ao estágio em que se encontravam. Talvez valesse a pena a tentativa. Era muito melhor do que voltar para a estrada.

— Não custa nada ser cuidadosa. – Rebatera Andrea – Temos crianças aqui, tenho certeza que entenderão nossa posição. De qualquer forma, esse quesito não é negociável. Se não quiserem aceitar, tem total liberdade para seguir o seu caminho.

Mavie abrira um sorriso.

— É claro que vamos ficar. Esse lugar é incrível!

As duas apertaram novamente as mãos.

— Excelente! – Exclamara a líder – Pedirei que Jesus os leve até Olívia, ela mostrará onde poderão morar, e também lhes dará roupas novas. Bom, como eu já havia dito antes... Sejam bem-vindos a Alexandria!

 

[...]

 

Estava sozinha em seu escritório outra vez. Os novos recém-chegados haviam acabado de se acomodar, e mais uma reunião terminara. Andrea agora olhava pela janela, observando toda a movimentação no lado de fora de Alexandria. Mais um dia que chegava ao fim, mais um dia em que a rede construída por Rick Grimes seguia de pé.

E não havia um só dia em que não se deitasse na cama sem sentir a falta do policial ao seu lado, acalentando-a, acariciando-a... Tornara-se extremamente forte nos últimos anos, em muito ainda impulsionada por tudo o que ele lhe ensinara. Por todo o legado que deixara.

Vivendo sempre um dia após o outro. Vendo o sol nascer e se pôr.

O nós não morremos jamais deixaria de fazer sentido. Aquele sentimento jamais morreria, assim como todas as lembranças, a representatividade...

E enquanto isso, a vida...

Bom, a vida seguiria para todos.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam?

Sempre que pensava em um final para All Out War, imaginava em minha cabeça a ideia de que não haveria um ponto final. Kirkmam criou os quadrinhos para nunca terem fim, para ser uma história que pudesse evoluir personagens a ponto de ir mostrando gerações de sobreviventes... Como essa fic precisava ter um fim, tentei passar a ideia a todo o momento nesse capítulo, de que a vida dos sobreviventes irá seguir. E algumas não estão nem um pouco um mar de rosas, convenhamos hehe...

Quero saber suas teorias a respeito das possíveis pontas soltas... O que acham que pode ter sido o incidente? Qual seria o futuro do Reino com James Goodwin no comando? Para quem Dwight passaria Lucille e a liderança do Santuário?

Acho que esse será o grande barato dessa fic... Imaginar que a vida deles prosseguirá faz com que a fic siga sempre viva...

Gente... Quero agradecê-los mais uma vez por tudo! Foram muitas atribulações, dores de cabeça e em diversos momentos eu realmente pensei em desistir de tudo... Mas chegamos ao fim juntos, e espero que sigam acompanhando o meu trabalho aqui dentro do Nyah!

E então... Estão dispostos a encarar mais uma aventura ao lado do Filho de Kivi?

Nos vemos nos comentários, e...

Bom, nos vemos por aí!

Beijos, abraços e apertos de mão a todos! Valeu!

Moi moi.



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