All Out War escrita por Filho de Kivi


Capítulo 54
All Out War – Part Eight: Because You Left


Notas iniciais do capítulo

Hei!

E então, sentiram a minha falta? Parece até que eu demoro a postar de propósito, não é mesmo? Hehe... Bom, mas aqui estou, retornando do mundo dos mortos mais uma vez para trazer aos sobreviventes o antepenúltimo capítulo de All Out War! Espero que estejam animados com o final da fic...

Dedico esse capítulo em especial a minha amiga Menta (mais um, não é nobre advogada? Hehe), que está sempre pegando no meu pé (no melhor dos sentidos) e me dando preciosos puxões de orelha! Obrigado por todas as dicas e todo o incentivo, além é claro de sua grande amizade! Se não fosse por você, não sei se esse projeto teria chegado tão longe... Kiitos!

Estejam preparados, pois esse capítulo exigirá bastante do emocional de vocês! Teremos mortes importantes, cenas impactantes e ação do começo ao fim!

Teremos um grande número de POVs, um pouco mais curtos para que o capítulo se torne mais dinâmico, mas todos igualmente importantes. Começaremos com Hanso e seguiremos com Aaron, Goodwin, Rosita, Eloise, Glenn, Andrea, Leah e Dwight... Ufa! Hehehe...

Acho que vocês irão curtir... Bom, já foram avisados.

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/602031/chapter/54

Hanso não conseguira alcançar o seu rifle de assalto. Precisara correr após o início dos ataques, seguindo Eloise, que acabara se separando dele após contornarem um dos trailers. Apenas com o seu inseparável machado, colocara-se detrás de uma das mesas utilizadas no almoço coletivo, torcendo para que tudo estivesse bem com a sua Imperatriz.

Vira de longe a resposta dos snipers posicionados por Rick, e assistira também ao breve recuo dos milicianos, seguido de nova investida, dessa vez a pé. Vira Negan sinalizando para que os Salvadores se espalhassem, silenciosa e sorrateiramente, ganhando terreno aos poucos, enquanto que a maioria dos homens da Aliança havia procurado abrigo na Barrington House.

Esconder-se em um só lugar, principalmente quando esse esconderijo era de conhecimento do inimigo, não parecia ser uma estratégia muito inteligente. Mas talvez por conta do despreparo, esse tenha sido o primeiro lugar que viera a cabeça dos soldados durante o tiroteio.

Permanecera então em silêncio. Olhara para os lados e vira que havia uma chance de correr em direção a um barraco mais próximo. Lá, além de segurança, teria uma visão muito mais ampla e menos exposta de todo o campo de batalha. Ali onde estava, o corpo grande encolhido atrás de uma mesa de madeira, acabaria se tornando um alvo facilmente.

Erguera-se então, visando um pique rápido até a porta do casebre. Mas descuidado, não conseguira dar nem um passo.

— Fique aí mesmo onde está, velhote! – Ouvira o engatilhar de uma pistola próxima a sua nuca. Mantivera-se frio, imóvel – Vira de frente pra mim! – Ordenara o sujeito – Eu não mato ninguém pelas costas!

Hanso girara nos calcanhares, lançando o cabo do machado contra o queixo do Salvador, desequilibrando-o. Dando dois passos para trás, o miliciano posicionara a arma novamente, deixando-a pronta para o disparo. Mas antes que pudesse apertar o gatilho, recebera uma machadada no peito, a lâmina fincando-se no meio do seu osso esterno.

O austríaco puxara a ferramenta, golpeando em seguida o seu crânio, partindo-o de cima para baixo.

Ao mesmo tempo em que realizara o derradeiro golpe, outros três Salvadores aproximaram-se, atacando o lenhador de imediato, furiosamente.

O primeiro, que segurava uma faca de caça, tentara acertar o pescoço de Hanso, mas fora impedido quando, com uma das mãos, o protetor do Garden lhe segurara o braço, torcendo-o. Com a outra mão livre, golpeara o sujeito na cintura, abrindo um grande rombo na lateral do corpo do soldado de Negan.

Hanso aproveitara-se do movimento para utilizar o corpo do Salvador como escudo, assim que o segundo miliciano lhe impetrara um forte golpe com um bastão de baseball. O taco de alumínio acertara em cheio a cabeça de seu companheiro, que fora largado de lado pelo lenhador, utilizando novamente o machado só que agora para derrubar o segundo, após mais um potente golpe, dessa vez um pouco abaixo do peitoral.

O terceiro conseguira ser mais rápido. Aproveitara-se da distração que os dois, agora homens mortos, haviam trazido para o velho austríaco. Com uma peixeira na mão direita, o Salvador correra em disparada, conseguindo após desviar da machada impetrada por Hanso, cravá-la contra o peito do lenhador, surpreendendo-o. Fora tão profundo que apenas o cabo ficara de fora. Olhando nos olhos dele, o miliciano abrira um sorriso, certo de que havia conseguido finalmente derrubá-lo.

Hanso sentira o tranco, sentira a dor do golpe recebido e deixara o machado cair de sua mão. Olhara para o local atingido, no lado esquerdo, exatamente na direção de seu coração. Sentira um gosto amargo na boca, o sangue já tomando conta de seus lábios, o corpo já entrando em colapso. Fitara então os olhos de seu algoz, que extasiado, seguia o mirando, como se sentisse prazer com o que acabara de fazer.

O lenhador lembrara-se então de sua filha, de sua Meg. Pensara em todo o sofrimento que ela possivelmente passara nas mãos de Negan e os Salvadores. Sofrimento que até mesmo poderia ter sido impetrado por aquele sujeito que agora estava diante de si, não havia como saber.

Em apenas poucos segundos, relembrara-se de todos os momentos felizes que tivera ao lado da família. De todas as realizações, os sucessos, as boas lembranças que ainda habitavam sua cabeça. E em todas elas, Meg estava.

Não podia então, depois de tudo o que havia passado, simplesmente deixar que acabasse daquela maneira.

Munindo-se de seu último estoque de energia, Hanso levara a mão direita de encontro ao pescoço do miliciano, que surpreendido, não conseguira escapar de sua pegada. A mão esquerda viera de encontro ao cabo da faca, puxando-a lentamente de seu próprio peito. A dor era tamanha que, ao mesmo tempo em que se mostrava insuportável, também sentia como se todo o seu corpo estivesse anestesiado.

Gritara assim que a última parte da faca deixara o rombo em seu peito, o sangue escorrendo como uma cachoeira. O soldado do Santuário arregalara os olhos ao perceber o que estava acontecendo, provavelmente não conseguia acreditar no que sua visão lhe mostrava.

Hanso levara a faca em direção ao pescoço do sujeito, cortando lentamente sua jugular. O sangue o banhara, a pressão arterial expulsando o líquido intravenoso em forma de fortes jatos. O austríaco jogara o corpo do bandido, deixando que tombasse ao lado dos outros três que executara com as próprias mãos.

Vamos pai, chegou a hora.

Abrira um largo sorriso ao ver a filha outra vez, ao escutar sua doce voz. Sabia que estaria melhor longe de todo aquele mundo caótico. Não haveria, certamente, inferno pior do que o que se encontrava.

Dobrara os joelhos, perdendo as forças. Sentira sua energia se esvaindo, paulatinamente. Fora então deitando no solo, como se recostasse o corpo em uma cama confortável, como se estivesse apenas se preparando para dormir.

Olhara para o céu, escurecido, enegrecido. A visão começara a ficar turva, desfocada, se fechando como um televisor antigo ao ser desligado. Não havia mais dor alguma em seu corpo. Apenas uma plenitude da qual nunca havia experimentado. E após fechar os olhos, entregando-se em definitivo, ainda tivera forças para sussurrar suas últimas palavras.

— Estou indo, Meg...

 

*****

 

Cuidado... Cuidado...

As palavras se repetiam dentro da cabeça de Aaron, enquanto o recrutador se movimentava silenciosamente dentro do trailer em que se abrigara. Sabia que não estava sozinho ali dentro, mas também sabia que havia uma chance, mesmo que pequena, de que sua presença ainda não tivesse sido notada pelos invasores.

Cada passo era dado com o máximo de cautela, cada movimento valia mais alguns segundos de vida. Retirara da bainha uma faca, cuidadosamente, esforçando-se para que a lâmina ao sair não produzisse nenhum som. Agachara-se atrás de uma cama, aproveitaria a escuridão para tentar pegar os seus inimigos desprotegidos.

Ouvira passos, tão furtivos quanto os deles, aproximando-se do cômodo que ocupava. Abaixara-se ainda mais, encolhendo-se em um espaço minúsculo, tentando esconder todas as partes de seu corpo que poderiam estar visíveis. Erguera a faca à altura do rosto, cerrara os olhos, concentrando-se ao máximo. Os batimentos estavam acelerados, descompassados.

Depois de semanas vivenciando todos os horrores daquela guerra, Aaron sentira medo pela primeira vez. Andava tão desnorteado, tão afetado pela perda de Eric que sentira o seu interior congelando aos poucos, privando-lhe até mesmo do sentimento de luto. Nutrira um ódio tão grande por seus inimigos, alimentando-se desses sentimentos, que se esquecera de todo o resto. Esvaziara-se.

Só agora percebera a real gravidade de tudo o que estava vivenciando, e só agora se dera ao luxo de pensar em si mesmo. E se não houvesse nada a mais? E se não houvesse um lugar para ir? Aquele seria realmente o fim de tudo?

Queria poder ver Eric mais uma vez, abraçá-lo, senti-lo... Mas ali, presenciando a morte de perto, vendo claramente o risco de perder a sua vida, Aaron não conseguia mais ter a certeza de que no final tudo ficaria bem, ou que tudo daria certo. Era impossível ter essa certeza, intangível até.

Inspirara profundamente, sentindo o ar renovado enchendo-lhe os pulmões. O oxigênio que chegava ao cérebro poderia ajudar a clarear sua mente, e também a acalmar o seu coração. Com a faca firmemente segura pela mão direita, prensada contra a palma, o recrutador ouvira quando os passos, ecoando cada vez mais altos, alcançaram a porta do cômodo que ocupara. A porta se abrira lentamente. Uma silhueta se achegara, estacionando há dois metros de distância.

Aaron cerrara os olhos, permitindo-lhe raciocinar por meros três segundos. Por mais clichê que pudesse parecer, conseguira naquele pouco tempo, refletir sobre toda a sua trajetória, todas as suas escolhas, todas as suas dores, todos os seus sucessos e fracassos. Todas as suas alegrias e conquistas.

Toda a sua vida.

Não podia terminar ali, não daquela forma. Viver era a melhor maneira de respeitar a imagem de Eric, do homem que tanto amou. Viver por ele, não apenas para se vingar dos que lhe tiraram a vida, mas também para honrar sua imagem, honrar a história que tiveram juntos. Seguir em frente, mesmo que sozinho, era o que seu amado gostaria que fizesse.

Saltara como um peixe faminto assim o faria para fora d’água. Com a faca em punho, deixara o seu esconderijo, atacando o invasor com toda a sua força, sua ira, sua vontade de viver.

KPOW!

Caíra por cima do sujeito, golpeando-o diversas vezes no abdome até que o mesmo finalmente perdesse as forças, largando a pistola que mantinha em uma das mãos. Matando o invasor que tentara lhe tirar a vida, lhe impedir de continuar. Tocara então o rosto sem vida do Salvador, fechando-lhe os olhos. Nunca havia visto aquele homem na vida, não conhecia sua história nem o seu passado, e muito menos sabia se, assim como ele, o combatente também buscava uma razão para viver. Dada à situação, era muito provável.

Matara-o por estarem de lados opostos. Isso bastava.

Erguera-se, caminhando até a porta, tentando atestar se mais algum miliciano não havia sido atraído pela luta entre os dois. Os móveis revirados pelo embate poderiam ter feito barulho o bastante para chamar a atenção.

Um, dois, três, quatro...

Sentira as pernas bambearem no quinto passo.

Fora ao solo, primordialmente de joelhos, e em seguida, quando todo o corpo começara a ser tomado por uma fraqueza inexplicável, tombara de frente, o rosto tocando o piso, as mãos não encontrando reflexo o bastante para diminuir o impacto.

Conseguira então virar de lado, tocando a barriga, apenas alguns centímetros abaixo do processo xifoide. O sangue que por lá saía, já começava a formar uma pequena poça ao redor de seu corpo, fluindo como água em uma ribanceira.

A adrenalina fora tanta que não percebera que ao lançar-se contra o inimigo, acabara recebendo um tiro de encontro. Um disparo que iria lhe tirar a vida em menos de um minuto.

Fora inevitável permitir que as lágrimas começassem a escorrer por seus olhos. Preso a uma incerteza de futuro, Aaron não sabia em quê focaria sua mente naqueles poucos últimos segundos. Estava sozinho, estava com frio, e pouco a pouco tudo começava a ficar muito escuro. A vista embaçada já não conseguia captar a parca iluminação que adentrava o cômodo.

Sentira-se abandonado, desamparado. Sentira-se desesperado.

Com muito medo, o recrutador partira sozinho. Apenas torcendo para que aquele não fosse realmente o fim.

 

*****

 

O que fazemos em vida... Ecoa pela eternidade...

Hey... Olha para mim! – James tocara o rosto assustado de Susie, agarrada a Jacob em seus braços – Fica aqui dentro! Eu não vou deixar que eles subam! O combate todo está acontecendo lá fora, e o avanço da nossa linha de frente não vai deixar que eles cheguem até aqui. – A mulher parecia dispersa, agoniada – Eu sei que você perdeu totalmente a confiança em mim, mas acredite... Eu não vou deixar que nada aconteça com vocês!

Nem esperara pela resposta, trancara a porta do quarto, descendo as escadas em direção à sala principal do casebre de dois andares, posicionado a oeste dos portões do Hill Top, próximo a maior das três estufas da comunidade.

Antes de partir rumo à luta armada, James Goodwin fizera questão de levar Susie e seu filho, que no início dos ataques encontravam-se no jardim, assim como todos os outros, a um lugar seguro, longe dos violentos conflitos que agora se espalhavam por toda a extensão do Alto do Morro.

Estava armado e preparado, sabia exatamente o que fazer.

Com o rifle de caça pronto para o disparo, olhara discretamente por uma das janelas, na tentativa de se certificar de que o perímetro estava realmente livre de ameaças. O som dos disparos mais longínquos ecoava por toda a parte. Sentia-se como em um filme da Segunda Guerra, com a diferença de que toda a sensação, toda a tensão e todo o horror eram reais. Podia atestar aquilo na pele.

Vira um grupo de homens espalhando-se ao redor da residência, talvez cinco sujeitos. O líder deles, um mal encarado de pele negra reluzente e dreads, sinalizava para que os demais fizessem silêncio, na tentativa de realizar um ataque surpresa. Dois deles foram pelos fundos, enquanto que mais dois posicionaram-se a frente da porta principal.

Ao lado dela havia uma velha mesa de carvalho, empoeirada, hermeticamente localizada em um ponto ideal para o plano que acabara de assaltar a mente do astuto Goodwin. Agachara-se, posicionando o cano do rifle sobre a mesa, tão furtivamente que não emitira nenhum som que o denunciasse. Olhara na direção dos fundos, mirara, e depois apenas aguardara.

Assim que a porta fora arrombada e os dois milicianos adentraram, o caçador os recepcionara com dois certeiros disparos no meio da testa, gastando apenas duas balas para exterminar os dois sujeitos. Assim que ouviram os tiros, os dois que aguardavam do lado de fora, invadiram pela porta principal, derrubando-a com um poderoso chute.

Apenas voltando o cano de sua arma para o lado oposto, e mantendo-se tão calmo quanto um combatente experiente, o engenheiro Goodwin atirara mais duas vezes, com igual precisão, não dando a mínima chance para qualquer tipo de reação. Os dois corpos caíram quase que simultaneamente, um por cima do outro, manchando de sangue e massa encefálica o velho carpete da cabana.

Respirara profundamente, olhando mais uma vez para a janela, esperando que o último homem, o único que não tentara adentrar o lugar, pudesse responder de alguma maneira. Olhara pelo visor de sua arma, tentando captar a presença de um possível atirador camuflado no quintal ou próximo a estufa. Nada.

Seguira então até os fundos, cuidadosamente, dando cada passo como se o inimigo pudesse surgir de qualquer lugar. Olhara para o lado de fora mais uma vez, e novamente nada vira. Tiros distantes seguiam sendo disparados, mas nas proximidades nada era ouvido.

Ficara mais tranquilo.

O que não durara nem cinco segundos completos.

PKOW!

Ouvira o tiro sendo disparado do segundo andar. Novamente não pensara, apenas agira. Movendo as pernas com a maior velocidade que o seu corpo lhe permitia, James Goodwin subira as escadas velozmente, abrindo a porta do quarto em que deixara Susie e Jacob. Avançara cômodo adentro de supetão, e só então vira que...

Não havia nem como descrever com palavras o que ele vira. Apenas conseguia sentir. Sentira algo que nunca havia vivenciado anteriormente. Uma evisceração interna tão brutal, que todo o seu interior parecia ter sido arrancado de si.

Levantara o cano do seu rifle e atirara contra a cabeça do quinto Salvador, que estava de pé, próximo a janela. Estranhamente o homem também parecia atônito, espantado com o próprio ato. Talvez tivesse agido por puro reflexo, mas isso em nada diminuiria a dor – se é que a palavra dor conseguia representar o maremoto que assolava o coração do caçador naquele instante – que Goodwin estava sentindo.

O homem tombara, sangrando pela jugular rasgada após o impacto do disparo a queima roupa. Em pouco tempo, o sangue sujo do hostil se misturaria com o rubro sangue que já se espalhava pelo solo do quarto no segundo andar da velha cabana próxima a estufa.

James caíra então de joelhos, jogando sua arma para longe, deixando as mãos livres para que pudesse afagar aqueles cabelos uma última vez. Erguera o corpinho sem vida de Jacob, os olhinhos fechados, a expressão de dor fixa em sua face. Durara segundos, mas o bastante para que sentisse a vida lhe ser arrancada. Morrera nos braços da mãe, que até os últimos instantes tentara protegê-lo.

Susie sangrava no peito. O buraco aberto pelo projétil que primordialmente atingira sua criança antes de lhe perfurar o coração sangrava abundantemente. Tinha uma faca nas mãos, provavelmente utilizada para se defender do Salvador que a atacara. Só queria viver, ou melhor, só queria que o seu filho vivesse. Que crescesse, que visse uma Alexandria em desenvolvimento, um Hill Top livre, o Garden estabilizado, o Reino totalmente funcional... Queria que Jacob pudesse sentir o mundo.

Queria tanto quanto James Goodwin.

O caçador, ainda com o filho morto nos braços, tocara a mão da mulher, também sem vida. Sem nada o que falar, nada que pudesse sequer se aproximar do horror que agora precisava encarar, que ainda precisava ser digerido, Goodwin só pudera fazer uma coisa, além de refletir os diversos porquês de isso estar acontecendo com ele.

Chorara como nunca antes.

Chorara sua alma.

 

*****

 

PKOW! BLAM!

BLAM! PKOW!

PKOW! BLAM!

Fora por pouco. A última zunira bem próxima ao rosto de Espinoza. Se não fosse por Ezekiel, que a puxara de volta a trincheira no último instante, a latina não estaria mais ali para ver o prosseguimento do combate.

Você consegue... Você consegue...

Cerrara os olhos, respirando profundamente. Tentava de alguma maneira acalmar os ânimos, o que era praticamente impossível. Estava escondida em uma cova, protegida apenas por uma mesa, virada estrategicamente com o intuito de protegê-los do ataque feroz impetrado por Negan. O buraco fora cavado por ordem de Rick, que começava a preparar o terreno para o combate iminente quando o inimigo aportara. Não haviam tido tempo para pôr em prática todos os módulos de defesa.

Agora ela estava ali, no meio de um conflito armado, o coração disparado, saltando pelo peito. A garganta seca, arranhada, os lábios ressecados, as pupilas dilatadas, as mão trêmulas. Nunca havia se sentido daquela maneira. Nunca havia sentido tanto medo quanto naquele momento. Estava entre extremos, dançando sobre uma corda bamba, lutando desesperadamente para não cair.

Carregava uma P380 na mão direita. Mas não tinha coragem de sair de onde estava. Sentia a areia remexida pelo impacto dos disparos lhe sujar a nuca, os projéteis passando cada vez mais perto. O mandatário do Reino, com uma metralhadora carregada até os dentes, gingava de um lado a outro, respondendo contra os hostis, lutando bravamente pela causa da Aliança. Lutando pela vida de todos ali.

Se ela sabia o quão importante era para o seu povo vencer aquela guerra, por que então não conseguia se mexer? Por que não conseguia lutar bravamente como o rei Ezekiel? Por que não conseguia sequer parar de tremer?

Sentira-se uma completa inútil. Vencida pelo medo, não conseguia sequer lutar pela própria vida. Lembrara-se então imediatamente de Abraham, de Eugene... Perdera os seus dois pilares, os seus dois parceiros, que de maneiras distintas a fizeram chegar até aquele momento. Será que não valia a pena lutar por eles? Será que não valia a pena morrer por eles?

Começara a contar mentalmente.

Um...

Puxara o tambor de seu revólver. Estava totalmente carregado.

Dois...

Puxara o cão, deixando-a pronta para o disparo.

Três...

Erguera a arma a altura do rosto. As pernas bambas começavam pouco a pouco a recobrar o equilíbrio.

Quatro...

Abrira os olhos, deparando-se com a tarde que caía. A luminosidade estava cada vez mais baixa, e pouco a pouco suas pupilas começaram a se adaptar. Sentira-se mais atenta, as mãos mais firmes, a respiração seguindo o compasso de seus batimentos, agora mais controlados.

Cinco.

Todo o medo havia se esvaído. Estava pronta.

Girara o corpo, erguendo o pescoço e observando o grupo inimigo que atentava contra sua vida. Mirara da maneira que melhor conseguira e disparara três vezes. Acertara um dos homens, mas não conseguira atestar se o tiro fora fatal. Os outros dois acabaram ricocheteando.

Ao mirar o rosto de Ezekiel, Espinoza recebera um honesto sorriso do homem de dreads que, incentivado por ela, intentara mais uma rajada contra os Salvadores.

ZWITCH!

Uma flecha voara por cima da cabeça dos dois, atingindo em cheio um dos milicianos que atirava contra a dupla. Outras duas partiram logo em seguida, encontrando êxito em seus alvos, fazendo com que mais dois tombassem. O reforço fora suficiente para fazer com que os demais, sem saber de onde vinha a resposta, fugissem, virando alvos fáceis para Rosita e Ezekiel, que os exterminaram com tiros pelas costas.

Aliviada pelo término da pequena peleja, mas ainda ciente de que a guerra estava longe de terminar, a latina recostara-se sobre a terra escavada, juntando um punhado na mão direita, sentindo o solo, sentindo-se viva enfim. Respirara desoprimida, retornando o olhar para a Barrington House, que estava a poucos metros de distância.

De uma das janelas vira Magna, com o arco de Yumiko em mãos.

Sorrira então amplamente.

 

*****

 

CHOMP! CHOMP!

Eloise cruzara o ar com sua lâmina, cortando o braço do primeiro Salvador que tentara atingi-la com um golpe de facão. Sangrando, o homem recuara dois passos, levando uma das mãos ao local da hemorragia. Instigada, a Imperatriz girara nos calcanhares, fazendo com que sua prótese engenhada atingisse a jugular do sujeito, rasgando-a certeira.

Ao seu lado Michonne também não se fizera de rogada. A katana descera de cima para baixo, atingindo o hostil que se encontrava em combate corpo a corpo com a samurai. Em um rasgo limpo, a mulher de dreads conseguira romper um ferimento mortal, estendendo-se da clavícula ao meio do torso do sujeito, que obviamente tombara sem vida.

O segundo adjacente tentara lhe atingir com um bastão de baseball. O taco de madeira passara a poucos centímetros do seu rosto, mas seu ágil reflexo conseguira fazer com que se livrasse do golpe. Tomando embalo no próprio movimento corporal, Michonne girara a espada, cortando o soldado inimigo ao meio, o sangue agora escorrendo pela lâmina da katana.

O terceiro ataque se dirigira a McIntyre. Uma mulher negra trajando um casaco de couro partira em disparada, portava nas mãos duas facas de caça e tinha um ódio mortal impregnado do olhar. Cruzara as armas brancas em um X, tentando atingir o abdome da Imperatriz, que não só se esquivara como também, após desferir uma potente cotovelada contra as costas da mulher, cravara com toda a força sua lâmina na coluna lombar da soldado, erguendo-a alguns centímetros no ar.

A seguidora de Negan cuspira sangue, gemendo enquanto tentava buscar ar. Eloise a puxara pelos cabelos, liberando-a de seu braço mecanizado. Deixara que caísse de joelhos, e quase como em um golpe de misericórdia, encerrara o sofrimento da inimiga ao perfurar sua testa, matando-a instantaneamente.

Os quatro corpos estavam no chão. As habilidosas mulheres haviam se livrado dos Salvadores que as cercaram na emboscada.

— Precisamos seguir. – Michonne chacoalhara sua espada, livrando-a do sangue de seus inimigos – Os tiros estão vindo da Barrington House... – A samurai mirara a grande casa colonial, local onde agora os conflitos se davam com maior intensidade – Devem estar precisando de reforços!

Eloise tombara levemente a cabeça ao olhar de forma mais atenta para um dos corpos. Ajoelhara-se, tocando o coldre que se encontrava na cintura da última mulher que exterminara. De lá, retirara uma pistola 9mm.

— Acho que o terreno ao redor das casas já está limpo. – Prosseguira Michonne, já começando a caminhar – Os Salvadores que se espalharam parecem ter recuado, acho que estão seguindo algum tipo de formação pré-determinada... O plano deve ser concentrar todas as forças para que a Barrington tombe. Eles devem saber que ela é nossa fortaleza!

Percebendo que estava sendo ignorada pela Imperatriz, Michonne estacionara, girando o pescoço e encarando a mulher que ainda observava a pistola da combatente morta.

— Eloise, precisamos ajudá-los!

A Imperatriz então finalmente a fitara.

— Ela estava com uma arma carregada... – A mulher de dreads franzira uma sobrancelha – Estava com uma 9mm totalmente carregada e ainda assim tentou me atacar com as duas facas. – A mandatária do Garden esticara a mão boa, juntando do solo uma das facas utilizadas pela hostil.

Olhara fixamente para a lâmina, erguendo-a e mostrando-a para a samurai.

— Tem sangue seco nela. – Atestara – Não tem como ser de nenhum dos nossos, está muito ressecado. É como se...

A Imperatriz percebera a gravidade da situação, interrompendo o próprio discurso. As duas mulheres se entreolharam, pareciam ter alcançado a mesma conclusão naquele momento.

— Temos que levar isso ao Doutor Carson. – Afirmara Michonne, as feições tomadas por uma preocupação urgente.

Eloise a fitara. Havia notado definitivamente que a espadachim estava pensando o mesmo que ela.

— Se for o que imaginamos... Não vai haver nada que ele possa fazer.

 

*****

 

— Me ajude a levá-lo para dentro, agora!

Glenn berrara enquanto tentava erguer Rick Grimes, que tombara após ser atingido por uma flecha da balestra de Dwight. Gemendo em dor, o policial tentava conter o amplo sangramento que pulsava de seu ferimento no lado direito do abdome.

Jesus disparava insanamente com sua metralhadora, descarregando a arma na direção que julgava estar o carrasco do amigo. Com os dentes trincados em ódio, o diplomata largara a arma no chão, retirando da cintura duas granadas, as mesmas cedidas pelo próprio Dwight após o grande ataque em Alexandria, e lançando-as de encontro ao suposto esconderijo do arqueiro.

K-BOOM!

K-BOOM!

As explosões fizeram o chão tremer.

Rhee, que já erguia o ferido amigo do solo, acabara caindo por cima dele após a avassaladora resposta de Paul Monroe. A cabeça girara, enquanto que os ouvidos fecharam-se no mesmo instante, captando apenas um zumbido perpétuo. Fora só aí que Carl se aproximara, o olho arregalado ao ver o pai machucado. Com a ajuda do jovem Grimes, o agora mandatário do Hill Top conseguira finalmente ajudar Rick, fazendo-o com que cruzasse com segurança a porta principal da mansão colonial.

CARSON! JACKIE! ALVES!

Glenn berrara pelos nomes dos médicos da Aliança. Estava praticamente surdo, o que fizera com que sua tonalidade se ampliasse ainda mais. Agoniado, Carl repetira os chamados, não demorando muito a encontrar respostas. O primeiro a chegar fora Carson, com as roupas manchadas de sangue, as luvas já calçadas nas mãos. Espantara-se igualmente ao ver a face de seu mais novo paciente.

— Deus... – Tocara de leve o local afetado, a flecha ainda cravada. Mirara Glenn com os mesmos olhos espantados, retornando as atenções totalmente a Rick Grimes logo em seguida – Jackie! – Gritara. A médica assistente já cruzava o corredor, alcançando o pequeno grupo que havia acabado de adentrar – Improvise um centro cirúrgico. Voltaremos todas as atenções para Rick agora... E chame a Doutora Alves, peça que largue tudo o que estiver fazendo!

A médica nada dissera, apenas meneara a cabeça e correra logo depois, buscando atender aos vários pedidos do competente médico. Carson saíra levando Rick, que parecia variar entre breves momentos de inconsciência. Carl lhe dava apoio, acompanhando todo o procedimento de perto. Os dois seguiram pelo corredor, dirigindo-se a sala que seria agora adaptada para se transformar em um centro cirúrgico.

Rhee deixara que seguissem, confiando a vida do amigo inteiramente no corpo médico da Aliança. Dispneico, enxugara o suor da testa, percebendo que o ato acabara manchando o seu rosto com sangue. O sangue de Rick. O sangue do símbolo de toda a revolução que estava em curso.

Limpara as mãos nas roupas sujas, empapadas. Abrira outra vez os olhos e vira uma grande movimentação do lado interno da Barrington House. Aqueles que não estavam trancados nos apartamentos corriam um lado a outro, fossem protegendo a propriedade, fossem ajudando no atendimento aos muitos feridos. Conseguia escutar os gritos, os choros, os chamados sem resposta. Nos olhos de cada uma daquelas pessoas, refletia não apenas um medo profundo, mas também uma desesperança intrínseca.

E se Rick Grimes morresse, tudo o que haviam intentado, tudo o que haviam pregado e planejado encontraria o seu fim. Ele era o filete que ainda os prendia a qualquer pensamento esperançoso. Fora ele que os fizera acreditar que podiam vencer Negan.

Até mesmo para Glenn era difícil imaginar a guerra encontrando um final digno sem o xerife no comando. Afinal de contas, muitos ali lutavam com ele e por ele. O policial era de fato o grande símbolo de toda aquela rebeldia.

— Estão recuando! Os malditos estão recuando! – Bradara Jesus, fazendo com que Glenn direcionasse o olhar a Paul, que mirava a movimentação hostil por uma das janelas – As granadas devem ter...

Rhee não permitira que ele concluísse a linha de raciocínio.

— Eles não estão recuando. Já fizeram o que tinham que fazer. – O diplomata o encarara – Ferraram literalmente com o Rick, derrubaram os nossos portões... Temos problemas muito maiores agora. Provavelmente eles irão acampar nas redondezas, cuidar dos ferimentos e depois retornar ao ataque... Os Salvadores estão vencendo, Jesus.

Após enfatizar a última frase, o coreano dera as costas, dirigindo-se até a escadaria. Tentara livrar o rosto outra vez do sangue de Rick, tentando se recompor da melhor maneira possível. Estava moído, as costas doloridas, as pernas casadas, a cabeça doendo como se tivesse sido martelada mil vezes. Ultrapassava cada degrau como se saltasse um obstáculo de vinte metros.

Chegara ao segundo andar, caminhara pelo corredor deserto e silencioso, estacionara em frente à sétima porta. Batera três vezes.

— Sou eu... Voltei.

A porta fora destrancada e a maçaneta girada. Ahmed, o filho mais novo de Ibrahim a abrira, as feições tomadas pelo pavor que a guerra lhe trouxera. O menino olhara para além de Glenn, como se esperasse por mais alguém. O ex-entregador de pizzas adentrara o apartamento, puxando o garoto para o lado de dentro e cerrando a porta logo depois.

— O seu pai está bem. Ele está com Andrea, está ajudando a Aliança. Está seguro. – Timidamente o menino, visivelmente angustiado, meneara a cabeça de forma positiva – Sua irmã está ajudando a cuidar dos feridos. Ela também está bem.

Novamente o menino balançara a cabeça.

— Pai!

O coração de Glenn disparara ao ouvir aquela doce voz. Sophia correra em sua direção, o tomando em um apertado abraço. Rhee cerrara os olhos, sentindo todo o afago de sua filha encher o seu peito, renovando suas energias. Passara as mãos nos dourados cabelos da garota, que deixara algumas lágrimas escorrerem após o encontro.

— Fica aqui comigo, por favor! – Clamara a garota.

Os dedos de Rhee passearam pelo rosto da menina.

— Você vai precisar ser forte, meu bem. – A menina fizera a menção de se manifestar, mas Glenn suplantara com um leve toque do indicador em seus lábios – Eu vou ter que voltar lá para baixo, vou precisar ajudar mais uma vez... – Sophia começara a chorar silenciosamente – Mas eu prometo que ficarei bem, ok? Preciso que confie em mim.

Com o rosto corado, os olhos embaçados em lágrimas, Sophia respondera positivamente em um singelo gesto de cabeça.

— Vai dar tudo certo, meu anjinho!

Os dois se abraçaram outra vez, ainda mais fortemente.

Na certeza de todas as incertezas, Glenn sabia que independentemente do curso que a batalha tomasse, sua luta era muito maior do que a simples libertação da Aliança dos domínios de Negan. Sua luta era por Sophia, por sua filha... Por Maggie. E nada, nada, faria com que desistisse. Lutaria e morreria por elas se fosse necessário. Daria sua última gota de sangue.

 

*****

 

[ALGUMAS HORAS DEPOIS]

— Como ele está?

Andrea praticamente arrastara a doutora Alves para longe do leito improvisado onde Grimes se encontrava. Havia pelo menos vinte e três feridos, alguns em estado mais grave do que outros, mas todos espalhados no grande salão da Barrington House, a maioria em colchões sobre o chão.

Após a cirurgia de emergência realizada em um dos apartamentos, o xerife fora levado ao centro médico, por assim dizer, e inconsciente, recebia agora os cuidados de Carl, que não saíra de seu lado por um só instante. Precisando outra vez assumir as rédeas após o vácuo de poder deixado pelo companheiro, Andrea precisara engolir a própria dor e angústia para que tudo não degringolasse de uma vez.

Mas estava difícil manter-se firme. Sua mente não conseguia apagar a imagem de Rick sendo carregado às pressas, com uma flecha cravada no abdome. É claro que ele já havia sobrevivido a situações semelhantes, mas não havia como mensurar por quantas vezes mais a sorte seguiria ventando a favor do policial. E de todas as tragédias que a guerra poderia trazer, a morte de Grimes seria sem dúvidas a maior de todas.

A loira não queria sequer se imaginar sem ele. Não sabia se teria forças para se reconstruir caso o perdesse.

— Retiramos a flecha sem problemas. – Dissera Julia Alves, o rosto cansado, o jaleco sujo pelo sangue de seus pacientes – A hemorragia foi controlada, mas ele acabou desmaiando durante o procedimento. Ficará um tempo em repouso, mas acredito que se nada der errado ele estará recuperado em alguns dias. O pior já passou, Andrea.

A sardenta sentira-se muito mais aliviada. Erguera a cabeça, suspirando enquanto relaxava os ombros, livre do peso da dúvida que pairava sobre sua cabeça.

— Mas há uma coisa que preciso lhe relatar... – Retomara Julia. Andrea imediatamente voltara a franzir o cenho, abandonando toda a calmaria momentânea – Gabe e Lillyan foram atingidos por facas dos Salvadores, nada muito grave, apenas alguns cortes nas costas e braço. Mas estranhamente eles não apresentaram a recuperação que esperávamos após a realização dos procedimentos padrões.

Julia achegara-se um pouco mais, baixando o tom de voz e aproximando os lábios dos ouvidos da mandatária. Parecia querer contar-lhe um segredo, como se aquele assunto só precisasse dizer respeito das duas. Ela prosseguira em sussurros.

— Primeiramente achamos que se tratava de alguma reação inflamatória, talvez por conta de toda a correria, ou mesmo da estrutura nada ideal que estamos utilizando. Mas depois que a Imperatriz do Garden retornou, percebemos que se tratava de algo muito mais sério.

Andrea dava cada vez mais atenção à médica brasileira, queria logo compreender do que se tratava a confidencialidade de um assunto tão importante.

— Ela nos entregou um punhal utilizado pelos Salvadores, e relatou um estranho comportamento dos combatentes, que apesar de possuírem armas de fogo, preferiam se arriscar em embates corpo a corpo. No punhal em questão, havia sangue seco... Sangue de mordedores.

Seu coração disparara.

— Então quer dizer que...

Julia complementara.

— Se nossa teoria estiver correta, mesmo aqueles que foram feridos de leve, acabaram se contaminando por conta das armas biológicas de Negan... Se nossa teoria estiver correta, todos os feridos por armas brancas irão contrair a febre, e... – Apesar da hesitação, ela concluíra – Acho que já sabemos onde isso terminará.

Nós não morremos, Rick... Nós não morremos.

A frase mantra se repetira mais uma vez em sua cabeça, enquanto que os olhos, cheios de lágrimas, acabaram se fechando, esforçando-se para despertarem daquele pesadelo. Um nó lhe tomara conta da garganta, a impedindo de falar qualquer coisa que fosse. Sem chão, sem nem ao menos conseguir organizar o turbilhão de pensamentos e devaneios que agora lhe tomavam de assalto, Andrea apenas se afastara, deixando a médica sozinha enquanto seguira pelo corredor, afastando-se dos leitos dos doentes.

Não podia perder o seu Rick. Não podia perder o homem que tanto amava.

Apoiara-se em uma das janelas, afastada do burburinho de pessoas que passavam de um lado a outro, lotando a mansão colonial utilizada como abrigo. Da grande batalha daquela manhã e tarde, restara apenas as cicatrizes, ainda abertas, ainda jorrando sangue. Os tiros haviam cessado, os Salvadores batido em retirada, mas o saldo de tudo o que ocorrera não poderia ter sido pior.

Pela primeira vez em muito tempo, Andrea não sabia o que fazer.

A noite chegara e com ela os errantes que, atraídos por toda a confusão instaurada, invadiam gradativamente o gramado do Hill Top, escancarado por conta dos portões derrubados. Logo o lugar se tornaria um inferno, logo os moradores se veriam presos em uma caixa sem saída. Enquanto isso, Negan deveria estar rindo enquanto acampava, provavelmente próximo dali, provavelmente apenas esperando para dar o golpe de misericórdia.

Kal, Hanso, Aaron, Susie, Jacob... Todos mortos em um intervalo de poucas horas. Perdas que não se deram de forma solitária, já que junto deles, muitas outras vidas acabaram sendo destruídas. Quinze mortos no total. Mortos que agora se amontoavam em um cômodo, sem nem sequer poderem ser enterrados.

A guerra viera cobrar o seu preço com muitos juros.

Fora da vista de todos, Andrea chorara copiosamente.

 

*****

 

— Tem certeza que não era melhor esperarmos a manhã para fazermos isso?

CHOMP!

Leah cravara a faca que ganhara de Matti no crânio de um dos errantes, liberando-a logo em seguida para atingir mais um, dessa vez no meio da testa.

— Isso é justamente o que Negan quer que façamos! – Jesus aplicara uma rasteira no famintão que tentava agarrá-lo pelas costas. Agilmente, o diplomata chutara o rosto da criatura, pisoteando sua cabeça até restar apenas uma massa disforme – E eu também falei que você não precisava vir. Não está em condições de se arriscar tanto, menina!

CHOMP!

— Eu to legal, já disse! – Mais um facada mortal, dessa vez de baixo para cima, perfurando o queixo de uma errante de meia idade, já totalmente decomposta. O quarto a ser exterminado recebera um golpe entre os olhos, tombando sem vida assim que a arma de Fisher lhe fora retirada da face – Mas o que estava querendo dizer é que já está tarde, e estamos sem luminosidade nenhuma!

Monroe acertara outro com um chute rodado, derrubando-o ao chão. Pulara então sobre o rosto da criatura deformada, esmagando o seu crânio com o impacto do golpe.

— Os famintões continuarão vindo. Esses são só o começo. – Dissera, puxando uma pequena, porém afiadíssima faca do cinto de corda – O barulho que fizemos irá atrair todos que se encontram em um raio de quilômetros. – Ele apontara em direção aos portões tombados – Negan e seus homens estão acampando na floresta ao norte daqui. Eu consegui ver a luz da fogueira deles. Estão esperando... Estão fazendo o mesmo que fizemos no ataque ao Santuário.

Leah meneara a cabeça positivamente. Compreendera agora a urgência da missão de limpeza impetrada por Paul Monroe. Voltara-se então ao grupo de quinze monstros que se esgueiravam na direção dos dois. Apesar da falta de luz, os grunhidos que rompiam o silêncio da noite de certa forma os ajudavam a localizar os inimigos desmortos.

Ainda com a faca de Isaiah, Fisher irrompera contra o primeiro, sendo acompanhada de perto por Jesus, que em meio as suas típicas acrobacias, ia conseguindo exterminar rapidamente os errantes que tentavam avançar em direção a Barrington.

— Vamos abrir caminho até os portões... – Dissera Leah – Podemos usar os ônibus do Reinado como barricada. Eu vou pela direita e você pela esquerda, tudo bem?

O diplomata concordara sem pestanejar.

WROKK!

SVAASH!

Sangue e bílis voavam enquanto os dois iam abrindo caminho, rasgando cabeças e exterminando as criaturas mortas vivas. Jesus muitas vezes conseguia cuidar de dois ao mesmo tempo, uma habilidade invejável que embasbacava a jovem grávida. Cuidaram dos quinze com enorme facilidade, deixando apenas os cadáveres pútridos largados ao solo.

Leah olhara para o horizonte, recuperando o fôlego após o intenso combate. Sabia que provavelmente estava quebrando todas as recomendações de sua médica, mas após ver tantas pessoas conhecidas adentrando o QG da Aliança sem vida, e principalmente após se deparar com a imagem de Goodwin caminhando com o filho morto nos braços, percebera que precisava agir, precisava fazer algo se quisesse realmente ter algum tipo de futuro.

Os mortos seguiam adentrando, e aqueles que já se encontravam no interior do Hill Top, começavam a se espalhar pelas dependências da gigantesca comunidade, sumindo da vista dos dois exterminadores. O som gutural dos grunhidos dos mortos invadia os seus ouvidos, rachando sua cabeça de dentro para fora.

Tocara a barriga protuberante, tentando sentir sua criança, tentando afagá-la, tentando dizer a ela que tudo ficaria bem. Queria muito acreditar que tudo ficaria bem.

— Está tudo bem? Eu posso levar você de volta... – Jesus tocara o seu ombro, visivelmente preocupado.

A adolescente sorrira brevemente, retornando a dura realidade.

— Estou bem, só preciso de um pouco de ar. Acho que se...

Os dois congelaram enquanto assistiam a entrada de dois furgões em alta velocidade no interior da comunidade. Os veículos aceleraram e frearam bruscamente, os faróis altos ligados na direção dos dois combatentes solitários. Jesus puxara Leah por um dos braços, preparando-se para correrem do provável ataque dos Salvadores. Estavam expostos demais, se tornariam alvos fáceis.

Mas antes que realizassem os primeiros movimentos de retirada, uma conhecida voz berrara em suas direções.

NÃO ATIREM! SOU EU! SOU EU!

Eugene Porter mostrara-se a frente dos faróis, erguendo os braços e sinalizando expansivamente na direção de Monroe e Fisher. Só então os dois viram que ele estava acompanhado de um grupo de pessoas, formado não apenas pelas que faziam parte de sua fábrica de balas, mas também por dissidentes do próprio Santuário. Escravos libertos do tirano Negan.

Os dois sorriram quase que simultaneamente. Uma boa notícia era sempre uma boa notícia.

 

*****

 

[NA FLORESTA ADJACENTE, CERCA DE UMA MILHA DO HILL TOP]

A chama da fogueira trepidava, dançando ao ritmo do parco vento que rompia a copa das altas árvores do bosque em que os Salvadores se abrigavam. Os feridos eram tratados ali mesmo, sob a fraca luz do fogo acesso. Os demais, aqueles que haviam saído ilesos da contenta, saboreavam a ração trazida do Santuário, recuperando as forças naquele breve momento de descanso.

A madrugada estava gelada, calma, bastante silenciosa. Dwight já havia comido a carne em conserva de seu enlatado, apesar de não estar sentindo fome alguma. Tentava manter as aparências, manter o personagem que criara de pé, mas no fundo estava tão destruído que mal conseguia se concentrar no que Negan, sentado ao seu lado, bradava a plenos pulmões.

O líder parecia leve, satisfeito com o resultado de sua empreitada. Satisfeito principalmente com a flechada que o arqueiro atingira em Rick Grimes. Dwight de fato não estava esperando por aquilo, tivera que pensar rápido demais antes de agir. Contara em partes com a sorte, um fator muito tênue e quase incompreensível. Era melhor estar pronto da próxima vez, ou então tudo poderia ir definitivamente por água a baixo.

— Acha mesmo que é seguro acamparmos tão próximo deles? – Indagara o arqueiro, jogando uma pedrinha no meio da fogueira.

Negan soltara um muxoxo enquanto aquecia as mãos, estendendo-as sobre as chamas.

— Nós já não estamos fazendo isso, caralho? – Meneara a cabeça – Dwight, às vezes parece que você tem merda no lugar do cérebro! – Troçara – Pois bem, eu vou desenhar para que você possa entender!

Suas feições se modificaram. A testa franzira enquanto as sobrancelhas deram aos olhos um tom muito mais sombrio, ampliados pelas sombras produzidas pela iluminação das chamas. O líder, com a típica voz empostada, prosseguira com a linha de raciocínio.

— Essa gente está fodida, meu camarada. E eles já sabem disso. Já estão cientes da merda em que se encontram! Estão com um portão mais arrombado do que a vagina da minha finada avó, e testemunhando todos os feridos definhando até a morte! Enquanto isso nós estamos aqui, de boas para caralho, só assistindo de camarote. Fora que você acertou o grande líder deles! – Debochara – O incrível Rick-Filho-da-Puta-Grimes já era!

Dwight engolira a seco, desviando o olhar.

— Depois que aquele puto morrer, eles ficarão tão perdidos que provavelmente virão chorando até nós, implorando para que as coisas voltem a ser como eram antes! – O psicótico mandatário relaxara as costas – E então eu voltarei a ser o Salvador deles! Bastará que eles me deixem dar uma boa mijada no corpo daquele filho da puta! Simples assim.

O motoqueiro piscara algumas vezes, arregalando os olhos enquanto assistia ao monólogo doentio do líder dos Salvadores. Seguira calado, não queria dar nenhuma bandeira, não queria que ele notasse nenhuma mudança em seu comportamento.

— O que foi? – Indagara Negan, aparentemente incomodado com o olhar que recebera de seu braço direito – Não vejo problema nenhum em querer mijar no corpo frio e ensanguentado do Rick Grimes! Ele fodeu com tudo o que tínhamos, até mesmo nos pequenos detalhes! Seria até estranho se eu não quisesse mijar naquele fodido de merda!

Negan abrira um amplo sorriso.

— Queria estar lá agora para vê-lo suando sem parar... Os olhos se revirando dentro da cabeça. E o pequeno Carl chorando com aquele buraco na cara...

Os devaneios do sádico foram interrompidos pela aproximação de Lance, um homem de quase dois metros, um dos melhores atiradores do grupo.

— Senhor, os vigias trouxeram notícias. – Negan sinalizara para prosseguisse – Perdemos dezessete homens, mas acreditamos que as baixas deles também devem girar em torno desse número. E... – Fizera uma breve pausa, como que tomando coragem – Dois veículos foram vistos adentrando o Alto do Morro... Veículos vindos do Santuário, senhor. E um dos nossos vigias disse que viu Carson e suas esposas entre os fugitivos...

O mandatário cerrara os olhos, tomando um grande fôlego. Dwight já esperava por uma explosão de palavrões e ódio gratuito, mas diferentemente do que todos imaginavam, o chefe dos Salvadores reagira positivamente às más notícias.

— Quer saber? – Manifestara-se finalmente – Que se foda! Os pegaremos de volta quando vencermos essa merda de guerra!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Será que serei crucificado após esse capítulo? Hehe...

RIP Hanso, Aaron, Susie e Jacob... A guerra se estreitou de uma forma que as mortes de personagens importantes se tornou inevitável. E como eu sempre disse, AOW tinha por objetivo ser uma história que passasse aos leitores a ideia de que ninguém nesse universo estava realmente seguro... Mas é claro que não foi nada fácil escrever cenas tão viscerais quanto essas...

O próximo capítulo será o penúltimo. Teremos o confronto final, com o desfecho de toda essa Guerra Total! Preparem-se para mais um capítulo com muitas surpresas e reviravoltas!

Nos vemos nos comentários! Estou curioso para saber o que acharam, e quais são as suas teorias para o final dessa história... Abraços!

Moi moi.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "All Out War" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.