Amora escrita por Loobs P


Capítulo 3
Capítulo 3 - O acontecimento




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/601817/chapter/3

O vôo destruiu minhas costas, de modo que preferi dormir no hotel do próprio aeroporto a fim de evitar caminhadas neste estado. Coincidentemente, meu novo amigo Erick também se hospedara lá, como ele dizia ser costumeiro. Tomamos um agradável café no restaurante italiano, e fiquei surpreso por não necessitar de suas traduções. Eu nunca havia deixado de estudar a língua, mesmo quando Amora se fora.

Mas, ainda em nosso idioma natal, contei mais um pouco da história de nós dois:

— Foi aos quinze. Estávamos à toa na sombra de uma mangueira no final da nossa rua.  Ela lia um livro enquanto eu arrancava folhas da grama e as picava, entediado. Amora gostava da minha companhia, mesmo que não interagíssemos diretamente.

“Observei o céu se fechar, mas não queria perturbá-la. Aliás, eu estava bem nervoso, mas mascarava com meu aparente tédio. Planejei contar a ela naquela tarde comum de nossas férias de janeiro sobre o que sentia.”

“Esse é o grande momento da vida de qualquer homem, não? Para mim, declarar-me era um grande desafio, até porque, conforme ensaiara, eu diria que estava apaixonado por ela em italiano.”

“Eu sentia algo diferente havia tempos. Em cada olhar no fundo dos meus olhos, cada sorriso que dava por minha causa, cada abraço que dávamos sempre que me via. Nunca soube explicar o que era aquela sensação deliciosa de queimar intensamente por dentro.”

“Tudo nela era amável. As sardas que tanto odiava, mas que eu amava; o tom de voz rouco e a risada dela, os melhores sons que já ouvira; os cabelos com cheiro de lavanda, sempre bem penteados e com sua cor radiante; o corpo magro, mas com cintura bem definida e quadris largos que não pude deixar de reparar sempre que usava um vestido mais justo; a personalidade mais doce e bondosa que eu já tive o prazer de conhecer, a alma dela emanava pureza. Mas, os olhos... eram elétricos, cheios de vida, que demonstravam toda a profundidade do seu ser.”

Não me senti no direito de deixar meu companheiro desconfortável com uma parte do relato, portanto, esta foi simplesmente em meus pensamentos.

Eu queria, mais do que tudo, poder beijá-la. Sabia que Amora nunca se interessara por algum garoto, ou ao menos não que eu tivesse tomado conhecimento. Eu sonhava em ser o primeiro a beijar seus lábios, e que ela fosse a primeira a beijar os meus também. Queria poder abraçá-la com todo o seu corpo encostando no meu, poder acariciar seus cabelos e beijar seu rosto. Eu já era o mundo pra ela, do mesmo modo que ela era para mim. Se eu não pudesse ter minha melhor amiga como namorada, mais ninguém me despertaria tamanho sentimento.

— Os pingos de chuva começaram a nos importunar. Amora fechou seu livro e disse para irmos andando. Xinguei mentalmente por meus últimos minutos com ela estarem escorrendo rapidamente como as gotas em seu rosto. Ela foi desviando das poças e se apoiando em mim quando perdia o equilíbrio. Cada toque era uma tortura, pois sabia que devia falar mais cedo ou mais tarde.

“A chuva apertou e fomos obrigados a esperar debaixo da marquise de uma cafeteria fechada. ‘Pois é agora, então’, pensei, no ápice do nervosismo e sentindo minhas vísceras de retorcerem.”

“Amora virou-se para mim, como que sentindo meu desconforto. Perguntou o que era e eu soltei de uma vez só. Lembro-me das palavras até hoje, ah... E como lembro. ‘Amora Tomielo, lo sono innamorato per te.’ E fechei os olhos, com medo da reação.”

“Então ela riu, disse que meu italiano tinha melhorado. Depois perguntou por que não havia dito antes e me chamou de bobo: ‘perché non ha parlato prima, tonto?’ E este foi o momento mais feliz da minha vida.”

“Éramos o casal perfeito por uns tempos, e minha mãe sempre a adorou, mas chegou o dia em que a família dela precisou saber. O pai de Amora era dono de uma fábrica de renome mundial, e, por conseguinte, possuía muito dinheiro. Eu só havia visitado sua casa raríssimas vezes, sempre muito bem recebido por Giordana e fuzilado com o olhar por seu marido — cujo nome nunca tomei conhecimento, Amora o odiava por bater na mãe."

“Foi pedido de minha amada que contássemos somente para dona Giordana e que o pai não ficasse sabendo até o casamento, quando não poderia mais intervir em nosso relacionamento. Não importava à mãe dela que eu não tivesse posses, contanto que amasse sua filha com toda a minha alma.”

“Assim, nosso namoro-noivado persistiu dos quinze aos vinte anos. Ela jamais havia dormido em minha casa, e muito menos eu na dela. Só nos encontrávamos em locais públicos ou na sala de minha casa. Os beijos não eram tão frequentes quanto eu gostaria, uma vez que nós não poderíamos chegar ao conhecimento do pai dela. Mas eu podia segurar sua mão, o que já me conectava a ela de certa forma. Não me importava de esperar mais um ano, contanto que a tivesse para mim.”

“É o que fiz, não? Espero há cinquenta anos.”

“Amora começara a coser seu vestido de casamento com a ajuda da mãe. Ela organizava uma pequena comemoração em minha casa para celebrar a união, bem como planejava mudar-se para junto de mim até termos dinheiro para comprar uma casinha melhor. Ela faria faculdade, e eu daria duro para conseguir entrar em uma também. Todos os meus sonhos estavam à beira de se realizar, quando aconteceu.”

“Agosto de 65. O pai dela procurava algo pela casa e encontrou o vestido de casamento. Um pequeno descuido de Amora, cansada por costurar até altas horas. Isso, só isso, e custou nossas vidas. Eles voltaram para a Itália no dia seguinte, e só Deus sabe o quanto minha noiva e sogra apanharam por acreditarem no amor.”

“Imagino que ela tenha se casado com alguém rico e bonito, mas que jamais a amará como eu. Meses depois, recebi uma foto, tirada no dia de seu aniversário de vinte e um anos, data do nosso planejado casamento.”

Poupei-o dos detalhes melancólicos de como reagi ao acontecido, e do modo deprimente como tenho vivido desde então. Mostrei a foto para Erick e ele esboçou uma expressão engraçada, achei que fosse chorar em meio ao sorriso que deu:

— Ela é linda, meu caro. E se quer ajuda para encontrá-la, sugiro uma lista telefônica. Aqui mesmo no aeroporto são vendidas, e acho quase impossível existir outra mulher em Florença chamada Amora. – ele piscou para mim e devolveu a foto. – Vá encontrá-la.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!