Enquanto nós esperamos escrita por Tia Lety


Capítulo 2
Capítulo 02- Josh


Notas iniciais do capítulo

Oiê pessoas!

Tia Lety



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Josh se encostou na parede. Uma mulher entrou na sala e sorriu para todos. Ela tinha cabelos longos e ruivos, óculos meia-lua e um jaleco. Ela sentou numa cadeira e começou:

—Olá para todos... Eu sou Jass, a psicóloga e terapeuta de vocês. Eu acho que, a melhor maneira de afogar os sentimentos, é desabafando. E eu estou aqui, para ajudar vocês. Vamos nos apresentar? Quem é você mocinha?— ela perguntou
para mim

—Meu... Nome é Emma Carter.

—Quer falar Emma?— perguntou Jass

Levantei-me e respirei, olhando para todos os lados. Todos olhavam para mim. Pela primeira vez, eu não me senti deslocada, não senti como se eu fosse um
incomodo, ou alguém mais frágil. Sentia que ali era o meu lugar, que todos tinham o mesmo problema que o meu.

—Eu tenho 16 anos e descobri que tenho leucemia aos 10 anos. Controlei a minha vida inteira a doença, mas agora voltou com força total.

—Melhoras Emma.— falaram todos acompanhados por Jass

— E você Josh Vegga? Quer falar alguma coisa?

—Hm...— ele ficou em silêncio por um momento— Passo.

Todos contaram suas histórias de vida. Conheci pessoas novas, que tinham
problemas bem maiores que o meu. Conheci Zoe, a garotinha de oito anos que tem câncer no fígado. Conheci Philipe, o homem que tem aids. Enfim, eu conheci muita gente que tem problemas piores que o meu, que foram abandonados pela família, ou sabiam o dia que iriam partir. Jass falou que todas as mulheres iriam ter um dia de beleza, e que se olhariam no espelho e diriam: "como eu estou bonita". Não é o meu caso. Irei fazer quimioterapia amanhã, e meu cabelo vai cair. Não era um dia de eu dizer: "como eu sou gostosa".

Fui para o quarto e deitei. Tentei imaginar um mundo melhor para mim, mas eu não conseguia me ver sem a maldita leucemia.
Josh estava de joelhos na maca ao lado, chamando o gatinho para dentro da sala.
Ele parecia amar gatos, e percebi que ele saia as vezes do hospital e comprava
ração para gatos. Particularmente, acho isso muito fofo. Josh estava de gorro e
coçava o queixo barbudo, percebendo que eu o observava. Ele puxou dois
bichanos, filhotinhos. Eu observava ele, tentando entendê-lo. Josh tirou uma
mamadeira e deu aos gatinhos. Pareciam conhecê-lo como mãe, ficaram quietos
e nem se assustaram. Eu sorri, olhando os gatinhos tomarem leite, e Josh fez o
mesmo para mim, sorriu.

—Gosta de gatos também Emma Carter?— perguntou

—Eu amo animais, mas não tenho nenhum.

—E então... O que você faz da vida?

—Eu tenho passado muito mal por conta da leucemia e...— fui interrompida

—Eu perguntei da sua vida, e não da sua doença.— disse Josh, sério

—Ah... Eu não tenho uma boa história de vida. Não é aquele conto de fadas que eu sonho em ter.

—Sou todo ouvidos.—disse ele sorrindo

Não era uma coisa muito agradável, eu me sentia completamente insegura, como se aquilo fosse um teste. Mas é lógico que não demonstrei e apenas contei tudo da minha vida para Josh. Eu não demonstro nem metade do que eu sinto, e
acabo sofrendo um pouco por isso. Ele ouviu tudo em silêncio e não demonstrou
nenhuma reação, apenas ficou olhando para mim, como se eu fosse alguém que
ele admirasse muito. Eu me sentia bem e segura perto dele, perto de uma pessoa
que "conheci" a horas atrás. Josh sorriu quando terminei de falar de mim.

—E você? Quem é Josh Vegga?

—Minha história de vida é um livro triste.— confessou ele

—Sou todo ouvidos.— falei sorrindo

Josh sorriu. Ele disse que nunca conheceu seus pais, sempre soube que era
órfão. Ele apareceu na porta de um orfanato, ele consegue se lembrar do
perfume que sua mãe usava. E assim, Josh passou a morar no orfanato. Um casal
adorável adotou Josh quando ele tinha sete anos, mas quando ele completou doze, o casal teve um filho e o devolveu para o orfanato. Josh se sentiu um objeto, como se uma pessoa não o quisesse mais e devolvesse para loja onde o pegou. Ele nunca mais foi adotado. Ficou até os 16 anos no orfanato, quando descobriu a herança de seus pais. Ele se manteve vivo com o dinheiro, mas fez muita besteira nesse tempo, e não preferiu citá-los para mim, disse que tinha vergonha. Josh apenas me disse que fumou até não aguentar mais. Ele viveu pelo cigarro, até descobrir o câncer de pulmão, que só veio à tona no final de seus 16 anos. Josh veio para o hospital e ficou internado por muito tempo e isso até hoje. Ele completou 17 anos esse ano, na solidão. A família o abandonou, não tinha ninguém.

Ele me olhava enquanto contava a história com um peso nos olhos. Quando
chegou ao fim, Josh ficou me olhando por um tempo. Senti minhas bochechas quentes e quebrei o silêncio terrível:

—Você passou por tudo isso, tem uma doença mortal... Não pensa em desistir?

—Desistir? Jamais. Não existe cedo ou tarde, as coisas acontecem, quando elas tem que acontecer. Se eu partir, irei com cabeça erguida.

O gatinho soltou um miado. Josh colocou eles para fora da sala pela janela.
Nossa... Eu passei a admirar uma pessoa que conheci a pouco tempo? A história dele é incrível, de como ele consegue manter o senso de humor, os sorrisos... Eu não conseguiria nem metade disso. Eu me lembrei do meu livro paradidático do meu colégio. Era a história de um rei que vivia sorrindo e queria que todos sorrissem também. No final, descobrem que o rei tinha uma máscara de sorriso, e que por debaixo dessa máscara, ele chorava. No final da trama, o rei não precisa mais da máscara, ele consegue sorrir por felicidade própria.

Josh também usa uma máscara de sorriso com lágrimas no rosto. Ninguém consegue ser feliz com momentos assim.

—Mas e você? Pensa em se curar da leucemia?— perguntou ele

—É difícil esperar por uma coisa que talvez nunca aconteça, mas é mais difícil
abrir mão quando é isso que você mais quer.— falei

Já estava escuro. Deitei minha cabeça no travesseiro e senti lágrimas correndo o meu rosto. Eu não quero morrer, mas outra parte de mim quer que tudo isso acabe logo, que eu não abra os olhos na manhã seguinte. Tenho tanta coisa para realizar nessa vida. Sou tão jovem, tão frágil e imatura.

Amanheceu rápido, eu não dormi e vi aquele céu maravilhoso num tom alaranjado. Josh dormia na maca ao lado. Eu admiro muito ele, e o vejo como exemplo. Bem cedo, a enfermeira me chama para ir para a sala de quimioterapia para começar o tratamento.

Entramos na sala de quimioterapia e aquele cheiro de hospital entrou nas minhas narinas. O médico tinha olhos verdes e grandes, pediu para eu deitar na
maca e relaxar.

—Você sabe o que é a quimioterapia?— perguntou o médico de olhos grandes

—Não exatamente.

—A quimioterapia é usada para destruir as células doentes, por isso temos que
fazer a cada mês, dependendo de como vai andando sua doença. Certo?

Assenti com a cabeça.

Depois do processo, a enfermeira me levava para o meu quarto de cadeira de
rodas. Passei pelo corredor da pediatria e pedi para a enfermeira parar. Olhei pela janela de vidro grande e vi várias crianças sorrindo brincando com brinquedos. Elas eram muito lindas. Mas havia uma, no canto da sala, encostada na janela observando cair gotas do céu. Parecia estar triste e solitária. Tinha um pano na cabeça. Pedi para enfermeira me deixar aqui.

Ela saiu, me deixando no corredor. Empurrei as rodas da cadeira de rodas até a porta da pediatria. Rodei o trinco e entrei. Todas as crianças olharam para mim. Fiquei completamente vermelha, até ouvir o trinco da porta rodar novamente. Era Josh. A garotinha da janela olhou para trás e gritou:

—Josh!

Ele abriu os braços fracos. A menina pulou em cima dele rindo. Josh encostou
na parede e segurou seu soro com um das mãos. Fico pensando se Josh está bem
mesmo, se ele ter um derrame e não avisar para ninguém, não vou ficar
surpresa.

—Você nunca mais veio aqui.— disse a menina

—Desculpa florzinha, eu tive muitos exames para fazer.

—E a operação Budi?— cochichou a menina, olhando para mim com
desconfiança

Josh colocou a menininha no chão e sorriu para mim. Ele olhou para menina e
se ajoelhou com esforço. Josh sorriu e disse para ela:

—Ju, essa é Emma, minha colega de quarto. Ela sabe da operação Budi.

A menina com o pano na cabeça sorriu para mim e estendeu a mão, em sinal de apresentação. Me curvei na cadeira de rodas e balancei a pequena mãozinha. Na
realidade, eu não sabia o que era "operação Budi". Chamei Josh para lhe perguntar uma coisa em segredo. Ele se curvou e eu perguntei baixo:

—A operação Budi é a dos gatinhos?

—Sim.— ele voltou para Ju— Está tudo bem com a operação.

—Ok.— Ju se voltou para mim— Emma, você já fez a quimioterapia?

—Acabei de fazer...

—Eu fiz essa semana também.— disse ela, batendo na cabeça

Senti um nó horrível na garganta. Ela não parecia tão abalada, até era mais
sorridente que eu. Todas as crianças em nossa volta, tinham a cabeça raspada lá.
Acho que ali era só sala de crianças de câncer e leucemia. O engraçado é que eu
me queixava tanto dos meus problemas, mas não aguentaria um segundo se quer
a vida de algum paciente desse hospital. Todos parecem bater minhas tristezas.
Uma criança de sete anos fazer quimioterapia?! Eu só fiz com dez, mas já tinha
um pouco de maturidade.

Josh sentou com ela em uma das cadeirinhas pequenas e coloridas. Ele observou ela desenhar uma garotinha parecida com ela, porém com um cabelo preto com tranças. Aquilo me matou. Segurei o choro o máximo que pude.

—Talvez um dia, eu possa ver meus cabelos assim de novo.— disse Ju

—Talvez não.— sorriu Josh— Você vai ter eles de novo assim.

Ju sorriu, esperançosa.

—Eu... Tenho que ir fazer a quimioterapia... Agora.— disse Josh, nervoso

Mordi o lábio. Senti a tensão que ele sentia. Ju sorriu, também um pouco
nervosa. Na mesma hora, lembrei que tinha que telefonar para minha mãe e
para o meu pai.

—Eu preciso ir para o quarto.—falei

—Eu te levo até lá.—Josh disse

Nos despedimos de Ju.

Josh foi me levando para o quarto de cadeira de rodas. Me levantei da cadeira com dificuldade e sentei na maca. Josh olhou para mim com seus olhos cinzentos, marejados. Ficamos nos olhando por um tempo.

Estava triste por ele, já que eu passei por isso também. Mesmo eu e Josh não nos conhecermos a muito pouco tempo, ele me entendia como ninguém. Até por quê Josh tinha os "mesmos" problemas que eu, exceto que ele tinha os problemas... 10x piores que os meus, mas não se abatia, e eu admiro muito isso.

Ele encarou a porta por um tempo. Fiquei com uma vontade incontrolável de abraçá-lo. Levantei da maca com esforço e o abracei por trás, envolvendo meus braços finos e fracos por seu corpo. Senti Josh chorar. Todo o meu corpo doía, quase não conseguia ficar em pé sem abraçá-lo. Ele se virou, sério, porém derramava lágrimas silenciosas. Josh me ajudou a ficar de pé ainda.

—Não importa o quão forte a pessoa é, no final, ela sempre precisa de um abraço.—falei

—Eu não aguento mais isso, não aguento a minha vida! Não aguento mais essa porcaria de doença! Isso não é viver! Isso é sobreviver!— disse ele, tentando esconder um futuro pranto

Limpei o rosto dele com o dedo. O cabelo caia nos seus olhos e os tirei de seu
rosto. Fiquei vermelha. Como eu sou idiota, estúpida! Emma, você acaba de conhecer o garoto e fica tocando nele?! Fiz um gesto de negação com a cabeça e tirei meus dedos do rosto de Josh como se tivesse acabado de me queimar.

—Desculpe se for muita ousadia minha fazer isso com você, já que eu o mal
conheço. Só achei que precisava...

—Emma, você não tem que se desculpar de nada. Só tentava me ajudar.

Ele pegou uma mecha de meus cabelos e colocou por trás da orelha. Josh me abraçou forte, como se eu fosse alguma figura materna ou amiga... Quem sabe até mais. Senti o cheiro dele, e era muito bom. Embriagante era a palavra certa. O trinco da porta girou e Josh me largou com suavidade. Era uma enfermeira. Ela entrou e chamou por Josh. Ele assentiu, e disse que já iria. Josh me deu um rápido beijo na bochecha e saiu da sala sem olhar mais para mim. Pousei minha mão no
canto do beijo e suspirei. Era como fogo no meu rosto, e eu gostava disso. Deitei
na maca e refleti. Com mil diabos... O que está acontecendo comigo?! Eu nunca
fiquei assim antes. Queria ele aqui comigo de novo...


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Notas finais do capítulo

Será o amor....? U.u

Tia Lety



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