A Cor Púrpura De Teus Cabelos escrita por Letícia


Capítulo 76
Mau Presságio




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NARRAÇÃO DE LOLA

  Eu estava mascando meu chiclete sabor menta e enrolando uma mecha de cabelo nos dedos quando fui surpreendida com o que ouvi de Miranda.
  Estávamos na aula de português e era o último tempo antes do intervalo, então a sala tinha aquela atmosfera de inquietude e todos estavam afoitos com a entrega das provas. Eu sinceramente não esperava que gabaritasse a prova. Afinal, olhem para mim; até outro dia eu era chamada na direção por ter notas super baixas e não prestar atenção nas aulas, mas graças à Miranda eu pude melhorar em português. Nas outras matérias eu também melhorei. É claro, eu não cheguei a tirar um 9 em química ou em matemática, mas para quem era muito ruim nessas matérias, tirar um 7,5 ou 8 já era de bom tamanho, não acha?
   Quando Miranda levantou da cadeira e pediu para que todos os alunos fizessem silêncio eu estourei minha última bolha de chiclete e prestei atenção no que ela dizia.
   - Alunos, em geral eu gostei do resultado que todos tiveram. Relaxem pois a nota mais baixa foi 6,8. Mas um aluno se destacou e quase gabaritou a prova tirando 9,9.
    O Felipe, o nerd da turma, se aprumou em seu lugar e ajeitou os óculos pois todos na sala e até ele mesmo já estávamos acostumados com  as vitórias disciplinares dele. Ele era muito inteligente, mas tinha uma matéria que ele não se dava tão bem e precisava se esforçar e era educação física. E não o culpo, afinal o garoto não tinha um corpo atlético e muito menos jeito para o esporte. Ele tinha dois pés esquerdos e um par de olhos com miopia cobertos por um par de óculos de fundo de garrafa que sempre se encontrava no chão ou caindo da face quando ele tentava jogar algo. Não sei porquê o tonto não usava pares de lentes de contato. Vai ver, fazia parte do visual dele ou algo do tipo. 
   - Quem tirou a maior nota da turma foi...
    A professora Miranda quis fazer suspense e alguns alunos gritaram o nome de Felipe e eu continue mascando meu chiclete mas quase engoli ele quando a ouvi dizer meu nome.
  - Eu? Isso é impossível.
   A turma inteira olhou para a minha cara. Eu estava vermelha de vergonha. Nem no primeiro ano do fundamental eu consegui tirar a maior nota da turma. Aquilo era surreal.
— Você mesma, Lola. Venha pegar a sua prova. Olhe com seus próprios olhos.
   Levantei e fui em direção a mesa de Miranda e fiquei boquiaberta pois eu realmente tinha tirado a melhor nota da turma. Puxa, meu pai ficaria muito feliz, poderia até esquecer sobre o que ocorreu no jantar na noite passada.
   - Parabéns, Lola! - disse Miranda.
   Eu queria abraça-lá na frente de todo mundo mas me contive. Apenas dei o meu mais largo sorriso para ela e percebi que ela também estava radiante.
   Quando voltei para a minha mesa, percebi que alguns alunos também ficaram surpresos mas felizes, outros indiferentes e poucos como Felipe e Anna ficaram aborrecidos. No fundo eu sabia que eles estavam é com inveja e saber disso só me deixou mais feliz ainda em ter tirado uma boa nota.
   - Caramba, Lola. Você arrasou! - disse Erick.
    Não dei assunto para ele pois ainda estava aborrecida com o que tinha ocorrido na festa de aniversário de Sofia. Só dei um sorriso sem graça e mal olhei para o rosto dele. Um menino de aparelho que estava sentado em minha frente, pediu para ver a minha prova e eu deixei ele ver. Em seguida, Miranda chamou Felipe e o entregou a prova dele.
   - Tirei 9,8? Isso é um absurdo. Eu estudei muito para isso! 
  - Querido, esta nota é maravilhosa. Parabéns pelo esforço.
— Maravilhosa? Essa é a nota mais baixa que tirei nesse ano, acredita nisso? Estou decepcionado comigo mesmo!
   Miranda balançou a cabeça e chamou os alunos por ordem alfabética, com isso, Anna veio até a mesa da professora.
— Tem certeza que essa é a pior nota? Se esqueceu do fiasco que você é em educação física, quatro olhos? - disse a loira.
  Felipe ''rosnou'' de raiva feito um cão e voltou para o seu lugar e deu aquele riso cheio de maldade que ela sempre dá.
— Anna, se eu fosse você cuidaria mais da sua nota e deixaria os outros em paz porque a nota mais baixa foi a sua.
   Eu não me contive e comecei a rir dela. Isso era para ela aprender a ser má.
   Anna fez cara feia e voltou ao seu lugar.
   Então Miranda entregou todas as provas o sinal tocou anunciando o fim de mais uma aula.

*******

     Lola mastigava seu pacote de batatas Ruffles enquanto ouvia música em seu celular quando foi surpreendida com alguém puxando seus fones de ouvido.
  - Que merda é essa? - reclamou a menina olhando para cima, pois estava sentada no chão.
   Anna acenava com a mão enquanto balançava os fios do fone de ouvido bem em cima de Lola.
  A menina dos cabelos cor de púrpura ficou com tanta raiva que suas bochechas ficaram da mesma cor que seu cabelo.
  - Sua vaca, o que você quer? Me devolve isso.
  Anna sorrio em deboche.
  - Calma, fofa. Isso é vocabulário adequado para a queridinha da professora usar? - ela fez beicinho.
— O que você quer? - Lola levantou do chão e limpou a calça jeans pois estava com farelo do biscoito.
 - Só queria dar o parabéns para a mais nova aluna exemplar da classe.
  Lola revirou os olhos e cruzou os braços.
— Sabe o que é mais engraçado? É o fato de você ter tirado a maior nota na matéria da professora que você tanto ama.
— Eu tenho aula de reforço com ela e estudei muito para essa prova, mas o que você tem a ver com isso?
— A questão é...Até quando você vai esconder que tem um caso com a professora Miranda?
  Lola arregalou os olhos.
— O que você está falando, menina?
— Eu sei do que você gosta, Lola...
  Anna se aproximou da menina e sussurrou em seu ouvido, dizendo:
— E posso lhe dizer que gosto da mesma coisa que você.
  Lola se afastou de Anna.
— Não diga besteiras, Anna! Já disse que o quê houve naquele dia em sua casa foi um erro. Um grande erro!
— Um erro? Erro é o que você está fazendo com uma mulher que tem idade para ser a sua mãe! Isso é pedofilia, sabia? Isso é nojento!
   Naquele instante, Dolores não pensou duas vezes e levantou uma das mãos, deu impulso no ar e quando a palma de seu mão encostou na face de Anna pode-se ouvir um estalo.
  Anna arregalou os olhos e colocou a mão na bochecha onde Lola havia lhe batido.
— Isso é para você aprender a não dizer besteiras!
 - Você vai se arrepender disso profundamente, garota. E vai aprender a não mexer com uma Mazzochi. O que é seu tá guardado!
    Lola ficou surpresa por Anna ter ido embora e não ter revidado o tapa ou até mesmo ter feito queixa com o diretor que era o pai dela.
  - O que foi isso? - Sofia perguntou boquiaberta.
 - Sofia, você viu tudo? - Lola mexeu na nuca e no cabelo.
— Vi de longe mas não ouvi o que disseram mas, minha nossa! Por quê você bateu nela? Bem, na verdade, quem não bateria em Anna. - Sofia disse brincando e soltou uma risada.
  Lola balançou a cabeça e prendeu um sorriso.
— Mas sério, oque ela fez?
— Nada... 
  Lola sentou no chão novamente e pegou o fone de ouvido que estava jogado no chão.
— Se aquilo era nada imagina se fosse alguma coisa. Me diz logo, Lola, o que houve? Estou preocupada.
— Ela veio me perturbar porque eu tirei a maior nota de português da sala e disse muita besteira e eu não aguentei e dei um tapa na cara dela. E quer saber? Não me arrependo. Daria outro se precisasse.
— Não, espera! É muita informação. Você disse que tirou a maior nota da turma? Caramba! Estou presenciando um milagre aqui, pessoal. Não sei de qual igreja ou religião você se converteu mas eu quero entrar nessa.
   Lola riu com o que Sofia disse.
— É sério, sabe quanto eu tenho que tirar na última prova do ano para não ficar de recuperação em matemática? Acho que nem milagre iria me ajudar! Mas, falando sério agora, parabéns!
— Obrigada! Mas as aulas que estou tendo com Miranda me ajudaram muito. Aulas particulares.
—  Não sabia disso. Ela deve ser uma boa professora mesmo, é pena a minha turma ter aula com a chata e mandona da Carmen. Aquela mulher é o próprio anti-Cristo! 
  Lola riu novamente e viu Sofia pegar um cigarro e do bolso e ascender com um isqueiro.
— Aceita um?
— Não. Valeu. Desde quando você fuma?
  Antes de responder, Sofia deu uma baforada e olhou para os lados para ver se algum inspetor estava por perto.
— Amiga, isso aqui é nada em comparação as outras coisas que tomo. - ela disse rindo.
— Sofia, cuidado com isso! Você está... usando drogas? - Lola sussurrou.
— Alôoou! Para que sussurrar? Eu estou usando e não traficando! E outra, é só de vez em quando. Não se preocupa não. Sério.
— Mas porquê fazer isso? E para a sua informação, usar droga é o mesmo que aliciar o tráfico, afinal você está comprando.
— Ai, Lola, de sermão já basta do meu pai.
— Ele sabe que você usa essas coisas?
— Claro que não mas vive pegando no meu pai com as minhas saídas às festas. Ele é um chato! E minha mãe e ele vivem brigando. Estão para se separar e eu não aguento isso. Toda noite eles brigam. É sério, usar isso aqui - ela balançou o cigarro acesso no ar deixando cair cinzas - é o que me mantém sã!
 Lola balançou a cabeça em desaprovação.  Mesmo sendo festeira e rebelde, Lola nunca havia usado o pretexto de não ter sua mãe ao lado, por exemplo, para usar esse drogas. Ela poderia até não ser o exemplo de uma ''garota perfeita'' mas nunca havia posto um cigarro na boca e se orgulhava disso. Afinal, não era qualquer um que aguentava a barra estando ''sóbria'' , de cara limpa.
— Eu sei como deve ser difícil isso tudo. Eu ainda não me acostumei com a ausência de minha mãe e com a nova família do meu pai, mas não acho que seja um pretexto para usar esses negócios. Pense em você primeiro, Sofi. Isso faz mal e vicia. Leva a pessoa pro fundo do poço.
— Olha, por um momento eu pensei que estava assistindo ao canal de TV evangélico com esse discurso e francamente, essas palavras não caíram bem saindo da boca de uma menina com cabelo roxo usando coturnos pretos e delineador pela manhã.
— É sério, eu estou falando isso para o seu bem...
— Eu sei, amiga e agradeço pela preocupação mas não sei se você lembra mas já fiz 18 anos e cuido muito bem de mim mesma.
 Sofia colocou o braço sob os ombros de Lola em afeto. Lola sorriu mas no fundo estava incomodada em saber que sua amiga usava drogas e tinha problemas em casa pois ela queria ajudá-la de alguma forma.
 - Mas, mudando de assunto, me conta como está sendo essa vida de ter uma nova família? Quero dizer, você e seu pai já eram um família mas com Michele e o bebê, vocês formarão uma nova.
— Olha, estava indo tudo muito bem, até o último encontro que tivemos. Um jantar muito desastroso. Meu pai está bravo até agora comigo sendo que eu não fui a única que sujei os outros com comida.
— Como assim? Que jantar foi esse? Me conta tudo.
   Então Lola contou tudo para a amiga, menos a parte em que Miranda estava presente é claro, e escondeu o fato de que Henrique era primo de sua madrasta. Ela achou que já bastava ter Anna sabendo do amor secreto que ela tinha pela Miranda. 


************

 - Então, concluindo sobre colocação pronominal, na próclise é antes e ênclise, depois já na mesóclise é meio.
— Bom, até que não é difícil mas os nomes são complicados para gravar - declarou Lola.
— Não precisa gravar, vai estar na prova, só precisa entender. Com o tempo e com os exercícios, você aprende fácil.
— Você vai me passar alguns hoje?
— Por hoje a nossa aula já foi concluída. Estamos adiantadas até e não quero que fica além do que ainda estou dando para a sua turma. E parabéns pela nota que teve.
— Obrigada, mas você sabe que tudo foi graças à você! 
— Que isso! Sem seu esforço, não teria conseguido.
 Miranda colocou a mão em cima da mão de Lola e sem querer, a menina derrubou o suco de maracujá que estava na mesa junto com os cadernos e livros. Toda vez que Lola sentia a pele de Miranda sob a sua, ficava entorpecida de emoção e por desastre derrubou o copo. É claro que elas já estavam familiarizadas com a presença uma da outra naquele ponto, mas o toque de Miranda foi algo que pegou Lola de surpresa.
— Me desculpa! Sou um desastre! - Lola tirou rapidamente os cadernos de perto do rastro do líquido amarelo que molhou a toalha de mesa azul.
— Que nada, eu também sou desastrada, deixa que eu limpo. 
    Miranda foi para a cozinha pegar um pano para secar tudo. Lola recolheu seu material na mesa e guardou na mochila e pegou um caderno pequeno de anotações de Miranda e resolveu guardar no pequeno armário que havia na sala. Era um armário de madeira rústica com três gavetas. Ficava no fim da sala. Lola sabia que a professora guardava este caderno ali pois já tinha a visto colocando algo lá depois de acabarem a aula.  O puxador das gavetas era antigo e Lola tocou nos puxadores admirando-os. Ela não sabia em qual gaveta, exatamente, ela guardava o caderno, então foi abrindo de uma em uma. A primeira tinha papelada e documentos e alguns fios que Lola achou que pertenciam à algum aparelho eletrônico. A segunda gaveta, continha uma caixa verde-água bem antiga com desenhos de rosas pintadas ao lado. A garota não conteve a curiosidade e resolveu abri-la. Quando abriu a caixa misteriosa, viu que era tipo um porta-joia e um relógio de bolso antigo de prata estava guardado dentro dela. Lola resolveu ir além e tocar no relógio pois ela era fascinada por objetos de outras décadas. Depois de examinar o relógio (que quando o abriam uma foto de Henrique mais novo era exibida de um dos lados e do outro os ponteiros que não funcionavam mais e algarismos romanos marcando o tempo) e quando colocou-o de volta em seu lugar, percebeu que tinha algo estranho na caixa. Continha um fundo falso. Ela queria saber o que mais estava guardado dentro daquela caixa. Forçando para abrir, algo a fez perder o fôlego, pois nunca tinha visto aquilo em sua vida. Não na vida real, apenas em filmes e afins. Era uma arma. Prateada e reluzia contra a luz. Lola ficou boquiaberta e resolveu tocá-la. Estava fria devido o metal e estava um pouco pesada e Lola achou que estava carregada mas até mesmo sua curiosidade tinha limite. Ficou assustada quando Miranda voltou da cozinha com um pano molhado e um desinfetante na mão junto com um rodo para limpar a mesa e o chão que estavam sujos.
— O que é isto? - perguntou a professora.
— Desculpa, eu fui guardar seu caderno e ...
— Lola, largue isso já! 
 Miranda foi correndo de encontro à Lola  e largou tudo o que segurava no chão. O coração de Lola batia acelerado.
— Porquê você tem uma arma em casa? - perguntou a menina.
 Miranda guardou a arma no local onde estava antes escondida e pegou o caderno na mão de Lola e o guardou na última gaveta.
— Nunca mais mexa aqui, ouviu?
  Lola arregalou os olhos e foi andando em direção ao sofá. Miranda a seguiu.
— Me desculpa... Sei que fui intrometida e...
— A arma é de Henrique. Na verdade, era do avó dele que era policial. Não sei porquê ele guarda esse troço até hoje. Odeio essa coisa. 
— Você sabe que ela está carregada, não é? - disse a menina apreensiva.
— Ainda tem balas naquele negócio? Olha, sabemos que ilegal ter isto em casa mas Henrique não quer se desfazer desse troço. Já insisti mas não adianta. Pedi para que ele guardasse bem escondido mas jamais pensaria que alguém encontraria...
— Me perdoe, não fiz por mal.
— Tudo bem, mas me prometa que não vai mais mexer naquela gaveta, ok? Aquilo é perigoso!
   Lola sentiu um calafrio percorrer sua espinha.
— Não vou mexer em mais nada dos outros a partir de hoje. Prometo! Já encontrei coisas que era melhor não ter encontrado.
 Lola se referiu ao episódio em que achou as fotos de seu pai em uma viagem escondida com Michele.
— Só de me lembrar que tenho uma arma em casa me causa arrepios...
 Lola assentiu e concordou.
— Bom, vou limpar o suco antes que grude e fique difícil de sair.
— Eu te ajudo!
   Lola e Miranda foram limpar a bagunça e o suco derramado. Mal sabia que o frio que sentiu na espinha era como um pressentimento ruim do futuro.


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