As palavras ecoaram na mente de Chihiro como se um gongo finalmente tivesse sido tocado e a acordasse, olhou para Harumi e a menina que ali estava não era mais a mesma. Os cabelos de Harumi antes dourados agora tomavam uma tonalidade branca, como se lhe roubassem o brilho, os olhos que eram do mesmo tom esverdeado dos de Haku também deixaram de ter brilho e continham apenas opacidade. Não haviam lágrimas em seus olhos, apenas tristeza estampada tanto neles quanto em sua face, agora fazia sentido para as duas, um feitiço fora jogado em cima de Harumi para que ela e Haku não se recordassem um do outro, mas o seu nome, que não fora citado até então, era a chave das memórias da feiticeira. Faltava agora, encontrar as de Haku.

— Ele partiu quando tinha 12 anos – Harumi falou chamando a atenção de Chihiro, a garota sempre quis entender a sua história, mas tinha medo de perguntar ou mesmo de descobrir, agora tudo tinha mudado – Nossa família trabalhava na cidade onde estivemos e lá a tradição diz que o filho mais velho deve ser versado em magia, ao que o mais novo seria treinado para alguma outra função.

Chihiro suspirou e se ajoelhou na frente dela para ouvir melhor a história.

— Haku amava magia, mas nossos pais não queriam que ele quebrasse a tradição, então ele fugiu – Com este comentário Chihiro se recordou de quando Haku se machucou, ao roubar o selo de Zeniba, Kamaji lhe dissera que Haku viera do nada, sem história, sem nome, parecia nervoso apenas, e quando fechou o contrato de Yubaba seu passado fora perdido, então ela era o passado dele – Meus pais morreram há alguns anos, impedindo uma guerra no outro mundo, aquele que entrasse pela primeira a direita, ou algo assim, então eu procurei por Kohaku durante anos e até hoje, para agora entender o feitiço ao qual eu estava submetida...

— Não conseguia vê-lo – Chihiro concluiu e Harumi apenas balançou a cabeça confirmando isso.

— Nunca pude entender para onde ele tinha ido, mas era por isso – Ela continuou – E agora que sei onde ele está, não sei como salvá-lo...

— Vamos conseguir – Chihiro falou, o foco de Harumi finalmente ficou na menina, Haku a havia salvado mais de uma vez e agora era vez dela de retribuir.

— Você o conhece? - Harumi perguntou, fazendo com que ela se lembrasse que a feiticeira não sabia da história dela.

— Ele salvou minha vida quando vim para cá da primeira vez - Respondeu, Harumi a observava atenciosa - E afinal, eu...

Chihiro olhou para o céu um instante, queria Haku ao seu lado, e não desistiria disso agora.

— Eu o amo – Ela falou com propriedade surpreendendo a si mesma e a Harumi – Sempre amei, nunca entendi por quê, mas eu o amo demais e não vou deixá-lo.

Harumi sorriu e se aproximou.

— Vamos – Ela falou, sem nem comentar o que Chihiro falara – Temos que sair daqui.

— Não conseguimos nem ver o chão – Chihiro comentou.

— Temos que tentar – Harumi respondeu esperançosa, parecia estar mais calma, mas nada retornara ao normal em sua aparência – Afaste-se

Ela o fez e ficou esperando, atentamente, a reação da feiticeira, esta fechou os olhos e se concentrou, suas mãos se prostraram em frente ao seu peito e foram formando devagar um grande círculo em volta a seu corpo, enquanto ela declama algumas palavras e ao terminar o contorno que faziam retornando a posição inicial e assim que o fizeram uma onda saiu delas, como uma forte rajada de vento que atravessou a garota e partiu na imensidão, afastando as nuvens que as impediam de ver o chão.

Enquanto as nuvens saíam dali Chihiro sentiu um alívio, pensava que era a saída delas, mas se enganou e só percebeu isso quando olhou para o vão formado pelo feitiço, as sombras tinham as encontrado e começaram a aparecer para atacá-las.

— HARUMI! – Chihiro gritou tirando a concentração da feiticeira, quando ela olhou se desesperou tal qual a menina.

— Chihiro!

— Eu? – Ambas estavam trêmulas.

— Sobe nas minhas costas...

As sombras se aproximavam e Chihiro se pôs a correr, rapidamente Harumi se transformou, o vento e as escamas que saíram dela atrasaram as sombras, mas depois desse pequeno trabalho elas se apressaram, quando Chihiro já subia nas costas do dragão as sombras já estavam subindo no plano onde elas se encontravam.

— Harumi!!! – Rapidamente Harumi forçou as patas e no momento que elas tinham certeza que as sombras tinham tocado e as pego ela decolou apressada sem caminho.

— Não temos para onde ir – Chihiro falou, sabia que a feiticeira não a respondia, então olhou para trás e desejou não ter feito, as sombras as seguiram, mesmo que em voo – Não são sombras! Não são sombras! Não são sombras!!!

Harumi olhou para trás, seus olhos em uma mistura de fúria, medo e desespero. Tentou aumentar a velocidade, mas uma sombra segurou seu rabo, um urro saiu de sua boca e sentiram-se caindo. As escamas se soltaram da garota e ela segurou Chihiro com força em seus braços, sem saber que atitude deveria tomar, olhou para baixo e viu que não havia esperança.

As sombras soltaram um barulho alto e claro, de dor, não eram sombras, eram criaturas e elas podiam sentir dor, Harumi elevou a cabeça e mesmo na queda tentou, com o vento batendo em seus olhos observar o que tinha atingido aqueles monstros, nada tinha visto, mas sentiu. Um braço contornando seu corpo e o de Chihiro, eram braços humanos e masculinos, mas a identidade só lhe ficou clara quando sentiu o queixo dele tocar seu ombro, apertou o rosto contra o cabelo de Chihiro e sentiu-se sendo puxada para cima e depois de alguns minutos caindo no chão com Chihiro ao seu lado e Hiroyuki, seu salvador embaixo delas.

Ele tossiu algumas vezes e Chihiro voltou a respirar arfante, Harumi apenas se sentou e olhou cuidadosa para a garota, checando que ela estava bem. Quando teve essa confirmação voltou-se para Hiroyuki e começou a chamá-lo com pequenos tapas sobre o rosto.

— Hiro – Ela falava – Hiro! Hiroyuki! Acorde!

— Não consegue se virar sem mim, não é? – Ele falou com os olhos ainda fechados e formando um sorriso debochado nos lábios.

Harumi deu um soco, não muito fraco no peito dele, surpreendendo a Chihiro e fazendo com que ele soltasse uma exclamação de dor e depois uma gargalhada alta.

— Eu fiquei preocupada! Seu imbecil! – Ela gritou – Como nos encontrou?! E que ideia idiota foi essa de se meter no meio dos sombras?

— Ei! – Ele falou, parecia um pouco mais bravo, mas ele mantinha uma expressão divertida e calma, como se não tivesse medo ou raiva do que pudesse vir – Eu salvei vocês devia estar grata, ainda mais depois de ter ido ao meu restaurante e nem sequer ter ficado lá para eu ter certeza que você estava bem.

— Você não tem nada a ver com isso – Retrucou Harumi – Eu tinha que achar Kohaku, você sabia disso e não concordava, do que adiantava te ver?

— Não me venha com essa e...

— Chega!! – Atrapalhou Chihiro – Agora já acabou, vocês podem se resolver.

Os dois feiticeiros ficaram olhando diretamente para a menina, que quase nunca levantava a voz, e depois se entreolharam.

— Fico feliz que esteja bem – Disseram em uníssono.

— Quem é ela? – Perguntou Hiroyuki.

— Chihiro, a garota que me salvou.

— Fico muito grato – Ele falou na direção dela, Chihiro retribuiu com um sorriso sem graça.

Hiroyuki era alto, bem mais que ela ou que Harumi, ele tinha cabelos arroxeados e os olhos no mesmo tom, vestia uma roupa elegante verde com adereços pretos, mas estava rasgada e com um pouco de sangue, Harumi também notara e já o questionava sobre aquilo.

— Zeniba quer vê-la – Hiro falou enquanto Harumi cuidava de seus ferimentos.

— A mim? – Harumi perguntou sem olha-lo.

— As duas – Ele respondeu fazendo-a levantar a cabeça e encará-lo.

Ela ficou o observando alguns instantes e depois seu olhar foi para Chihiro.

— Você conhece Zeniba? – Ela perguntou e Chihiro fechou os olhos sabendo que teria que contar toda a verdade e agora que sabia a verdade sobre ela, não se negaria a fazê-lo.