Colorful escrita por Isabelle


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

"Ela entrou e eu estava ali
Ou será que fui eu que ali entrei
Sem sequer pedir a menor licença?
Ela de batom caqui
Com os olhos olhava o quê?
Eu não sei
Olhos de águas vindas
De outros oceanos"
—Skank



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A paisagem daquela noite continuava calma e impassiva. Meus músculos doíam de ficar na mesma posição, enquanto meus olhos passavam lentamente pela miséria de carros que transitavam naquela rua naquele horário. Eram mais ou menos uma da manhã e as luzes brilhavam fracamente, enquanto a minha viatura estava ao lado esquerdo da rua próximo a sete prédios um ao lado do outro, todos muito altos. Todos eles tinham colorações meio velhas e apagadas. Mas com detalhes bem destacados quando se tratava das flores em sacadas, ou a recepção que se podia ver de onde eu estava.

Os carros passavam lentamente pela rua, e alguns até faziam alguns comprimentos para mim. Pessoa que eu estava cansada de ver passando naquela rua. Pessoa que na maioria das vezes tinham a vida presa a coisas fúteis, ou trabalhavam para ajudar outras pessoas. Esse segundo caso era algo mais difícil.

Soltei um suspiro abafado que acabou se condensando ao vidro do carro, e abri a porta com força, com uma necessidade insana de esticar as pernas. Minha coluna toda doía, junto a meus olhos que se fechavam toda hora e ameaçavam de me fazer cair no sono de novo, e levar mais uma advertência.

Uma semana atrás, eu estava fazendo novamente ronda naquela noite na exata mesma rua. Todos os carros passavam e faziam a mesma coisa, e eu não me lembro de pegar no sono. Só me lembro que deveria ter dado infração para dois carros, e continuar acordado para manter meu serviço. Fora minha primeira advertência. E eu deveria fazer de tudo para não ganhar outra.

Fazia somente dois anos que estava em Uberlândia, e havia começado fazer faculdade de direito, para mais para frente me tornar perito criminal. Não tinha sido minha primeira escolha, queria muito ter feito algo relacionado a psicologia, ou algo assim, mas meus pais tinham sido um pouco irritantes com isso tudo. Agora precisava manter esse emprego por um certo tempo, até ser promovido ou acabar a faculdade e já estar bem mais evoluído na carreira. Precisava me focar. E não levar outra advertência.

O vento frio uivava pelos meus ouvidos e a rua toda parecia calma demais. Naquele exato momento não havia nenhum carro, uma das luzes começavam a falhar, e o ar parecia ficar mais pesado. Aquilo tinha ficado um tanto sinistro para ser real.

Meus olhos se locomoveram para todas as direções, e apanhei uma lanterna que estava no banco ao lado do meu, para eu ter maior noção. Não estava com medo para ser sincero. Estava preocupado, e eu tinha toda razão para estar.

Peguei a lanterna e me atrevi a olhar para cima tentando alcançar a parte mais altas dos prédios. Precisei ir para o outro lado da rua, e lá estava ela.

Os cabelos voavam de um lado para o outro em relação ao vento. Seus olhos estavam totalmente focados no céu, e sua boca estava fechada em uma expressão séria. Ela usava uma camisola bem grande, que também esvoaçava ao vento. Ela parecia estar com dezenas de lágrimas aos olhos, mas não podia ter certeza, porque estava muito longe para ver.

Ela estava prestes a se jogar.

Ela tirou os pés da beirada e começou a subir uma plataforma ainda mais alta que ficava em cima do prédio. Ela não tinha um pingo de medo, apenas continuava ficando suas mãos naquelas barras de ferro que deveriam estar realmente geladas.

Corri para o carro e peguei o alto-falante. Não sabia o que falaria. Meu Deus, eu deveria salvar aquela menina e não fazia nem ideia do que fazer. Meu coração estava totalmente desesperado.

Coloquei a boca próxima ao alto falante, mas ela se sentou em uma das barras e enfiou a cabeça entre as mãos. Então em uma atitude mais lógica, acabei entrando no prédio e começando a subir as escadas de emergência.

Subi até chegar a ela, e a vi sentada observando a imensidão. Seus cabelos eram pretos, não pretos castanhos, aquele preto com tons claros de marrom. Não, eles eram pretos. Pretos como o céu a noite. Como a escuridão, e se eu não estivesse enganado seus olhos brilhavam tanto por conta das lágrimas, que ela poderia ser considerada mais bonita que aquele céu noturno vazio de estrelas.

Coloquei as mãos no bolso do uniforme e tentei me aproximar de um jeito casual. Ela começara a descer as escadas, e voltar para a beirada do prédio. Minhas mãos começaram a suar, e minha garganta a ficar mais seca, então fiz o que qualquer pessoa, uma pessoa normal, não um guarda que tinha feito um curso, gritaria. Em minha defesa nunca haviam me ensinado como reagir a uma pessoa que esta prestes a se matar.

Os olhos dela olharam para mim quando ouviram meu debochado “Pare”, ela passou os olhos verdes por mim, e soltou um suspiro, assustado. Ela se desequilibrou por alguns segundos, e estava prestes a cair naquela imensidão, mas consegui correr até ela e a apanhar.

Acabei a jogando um pouco longe, um pouco mais longe do que deveria, mas seus olhos estavam assustado. Ela me olhava como se alguma coisa houvesse de errado comigo, e sua expressão não era nenhum pouco de gratidão.

― Você tem algum problema mental? ― Ela gritou, e se levantou arrumando a camisola esbranquiçada que flutuava ao lado do seu corpo.

― Oh, me desculpe por acabar de salvar sua vida. ― Eu disse no mesmo tom de desagrado.

― Salvar a minha vida? Você quase fez com que eu caísse prédio abaixo. ― Ela gritou e revirou os olhos.

― Você ia se matar… ― Eu disse duvidoso.

― Me matar? ― Ela soltou uma risada abafada. ― Me desculpe, mas a única pessoa que quase matou alguém hoje foi você. Aliás obrigada, por estragar a minha noite.

Ela se virou com os cabelos pretos balançando e pegou sua bolsa, pronta para ir embora.

― Espere, me desculpe. ― Eu disse dando meio que de ombros. ― Não foi por querer, pensei que ia se jogar.

― Bem, você não é um guarda muito bom. ― Ela ergueu as sobrancelhas.

― Posso não ser um dos melhores, mas isso não justifica o que você estava fazendo aqui às uma da manhã? ― Eu indaguei.

― Ponha-se no seu lugar. ― Ela disse e começou a descer as escadas. ― Você é um guarda, não um detetive.

― Posso não ser um detetive, mas agora estou curioso. ― Eu a segui até embaixo, escutando seus pés descalços colidirem com as escadas.

Nós dois fomos até fora do hotel, e fiquei imaginando sem nem ao menos ela morava ali, o que diabos ela estaria fazendo naquele prédio um horário daquele, se não fosse para se matar.

― Estrelas.

― O céu não tem nenhuma estrela. ― Eu apontei para cima.

― E eu preciso de um carona. ― Ela me disse sutilmente.

― E eu preciso saber, pro trabalho, o que estava fazendo em cima de um prédio, que parece não ser sua casa, as uma da manhã.

― Estava observando o céu, senhor guarda. ― Ela sorriu de um jeito debochado ao dizer “guarda”. ― Agora pode me dar a carona?

― Não dou carona para total estranhas que estavam tentando se matar.

― Número um: Não estava tentando me matar. ― Ela fez um jogo com as sobrancelhas. ― Segundo, não me deixaria aqui, uma pobre menina indefesa na noite escura, não é, seu guarda?

― Indefesa? ― Cruzei os braços e encostei na viatura.

― Mais ou menos. ― Ela cruzou os braços também.

― Não sei não. ― Eu disse e dei de ombros, entrando no carro.

― Não vai me deixar aqui.

― Caminhar faz bem para os pulmões.

― Moro do outro lado da cidade. ― Ela bateu o pé.

― Para a circulação também, dizem que o coração aumenta e tudo mais. Faz bem pra saúde. ― Eu comecei a andar com o carro lentamente.

― Tudo bem, mas se eu for estuprada e sair viva, lembre-se que eu anotei a placa do seu carro, e vou te denunciar pro seu superior. ― Ela gritou e eu parei o carro.

― Você não pediu por favor, e geralmente eu gosto de educação. ― Eu dei um sorriso quando voltei de ré com o carro.

Ela me olhou brava e eu comecei lentamente a movimentar o carro.

― Um.

― Não vou pedir.

― Dois. ― Acelerei o caro.

― Desiste. ― Ela disse e virou o rosto.

― Tudo bem… ― Eu disse e comecei a seguir em frente com uma velocidade controlada.

Consegui ouvir ela soltar um suspiro abafado e correr atrás do carro. Fiz uma pausa brusca.

― Por favor, ó senhor guarda supremo, você me levaria até casa? ― Ela parou na janela. A luz batia naquela camisola branca e deixava o pano de uma matéria mais transparente. Um sorriso brotou no canto dos meus lábios, e eu abri a porta do carro para ela entrar.

― Bem-vinda a bordo, e boa viagem. ― Eu disse e acelerei o carro.

O cheiro dela inundou o carro. Um cheiro meio agridoce, enquanto nós dois saímos em disparada pelas ruas.


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem e.e



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