Olhos de Cobra escrita por Laura Salmon


Capítulo 3
Capítulo 3 - Karina




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As pessoas corriam de um lado para o outro, eufóricas e nervosas. Até parecia que a festa de aniversário da Bianca fosse algum evento importantíssimo que afetaria a ordem mundial. Apesar de que a honra de ter Detonautas cantando ao lado da Galera da Rinalta parecesse algo extraordinário, ainda assim seria só mais uma típica noite de jovens embriagados de amor, paixão e obviamente, bebidas clandestinas.

― Você está muito bonita, filha.

Ergui os olhos, esperando finalmente pela superprodução de Bianca, mas Gael estava falando comigo. Meu pai, aliás, eu tinha que lembrar que ele era meu pai. Apesar de toda aquela confusão e de todo aquele tempo que passei chamando-o pelo nome.

― Ah, pai. Não precisa ficar me elogiando de graça. Eu não vou pirar. Eu tô de boa.

― Eu tô falando sério, Karina. Para de ser tão durona. Aceita a verdade. Eu gostei do seu cabelo.

Que obviamente não é tão meu assim.

Quero dizer, era meu. Mas não o jeito como ele estava penteado de forma revirada e enigmática. Foi assim que Bianca o chamou quando deixei que ela me arrumasse. Combina com esses olhos esfumaçados, ela dissera, o que ajuda a fazer esse oceano azul que você chama de íris brilhar ainda mais.

Foda-se, foi o que eu pensei.

Terminei de amarrar meus coturnos. Eu ainda estava me sentindo incomodada com aquela calça jeans tão colada, tão alta. Ela cobria o meu umbigo. Karina no mundo do santropê, essa era a minha história naquela noite. Ao menos ela me deixara usar aquela regata preta. Preto era a minha cor favorita nos últimos tempos.

― Olha eu vou descer tá? Tenho que passar num lugar antes.

― Espera! ― Bianca gritou. ― Me diz antes como estou!

Estava parecendo uma boneca, como sempre. Não sei porque ela insistia em ficar me pedindo opiniões. Eu não podia simplesmente escolher um elogio adequado para aquele vestido de renda que eu não sabia se era laranja ou cor de rosa.

― Bem. Realça seus olhos. ― Praticamente havia dado a ela o mesmo elogio que ela me dera. ― Eu vejo vocês lá na Ribalta.

― Você não vai chamar a Nat, vai? ― Bianca deu alguns passos na minha direção. ― Eu sei que vocês são amigas...

― Não, Bi. ― Revirei os olhos. ― Tem alguém mais interessante pra me fazer companhia hoje. Vou buscá-lo.

― Ela disse buscá-lo? No masculino?

Ignorei o ataque de Gael e fechei a porta, descendo em alta velocidade. Havia muita, muita gente mesmo na rua. Inclusive o ônibus do Detonautas. Desviei dos olhares de Sol e Paulinha. Elas ainda me sorriam com pena. Atravessei a praça até encontrar a porta do QG fechada.

― Arrrgh, Cobra. Você será um cara morto. ― Sussurrei, batendo a testa no vidro. Peguei o celular. Desligado. ― Sim, você será um cara morto.

Dei outra batida com a cabeça no vidro. Pura raiva. Já ia me afastar e procurar um esconderijo quando notei um movimento no fundo da loja. A luz se ascendeu. Meu coração também.

Quando meus olhos se focaram, percebi que Cobra estava de toalha. Desviei os olhos, engolindo em seco. Ele abriu a porta.

― São sete e meia, Karina. Pensei que você tivesse dito às oito.

Entrei. Ele fechou a porta. Tentei contar quantos potes ele tinha ali naquelas prateleiras.

― Não estava conseguindo ficar em casa. Tá difícil.

― Eu sei. Senta aí. Vou vestir uma roupa.

Assenti, esperando que ele passasse. Dentro de mim havia um impulso impertinente que me obrigara a olhar para ele rapidamente, sumindo na escuridão, usando só uma toalha e volta de si. Apertei os olhos com força.

― O que é isso agora, Karina?

Talvez fosse o cheiro de sabonete ou o modo como o cabelo dele pingava. Era só um delírio, só isso. Pensar em coisas ruins talvez fosse ajudar. Sentei-me em uma das cadeiras, cruzeiro os braços e mentalizei toda a humilhação que eu havia passado. Mas nem isso me fazia arrancar o Cobra de toalha da minha lembrança mais recente.


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