Os Guardiões do Véu escrita por Moonchan


Capítulo 23
Eu preferia a Netflix


Notas iniciais do capítulo

https://www.youtube.com/watch?v=VxqEw_YUJz0



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I've never been shy but I've kept my head down
Knowing about enough to get by this old ghost town

This Old Ghost Town- The Fratellis

Pela primeira vez na vida eu sentia como se me encaixasse em um lugar. Eu não tinha medo do que veria – na verdade sim, mas não era bem isso o que eu queria dizer –  e nem me achava louca: eu estava tão leve.

Não fazia nem três meses que eu estava ali e, ao contrário do que eu esperava do fundo do meu coração, eu não tinha nenhum dom para essa coisa de caçadora: o sedentarismo havia fincado as suas garras com bastante vontade na minha alma. O que só tornava a missão de Will, Havena e Ethan ainda mais difícil, já que além de lutar, eles deveriam me ensinar a ter condicionamento físico; eu não sábia o que me deixava mais dolorida no final do dia. E ainda tinha as aulas com Micaela três vezes por semana, onde eu aprendia a controlar meu elemento e nisso eu era realmente boa... Exceto pela parte do controle.

Micaela me fez jurar não contar a ninguém além dos 4 (Have, Eth, Will e Michi) sobre poder controlar o fogo. Havena me explicou que, supostamente, apenas sangues-puros podiam controlar os quatro elementos principais – fogo, água, ar e terra – e isso poderia alertar alguém do que eu era. Também soube que minha falta de controle sob o fogo era causada pela barreira que Daphine fora forçada a derrubar, a mesma que havia feito meus poderes não despertarem mais cedo.

Nesse período eu também tentei falar com o meu pai, mas como sempre ele  não tinha atendido; talvez estivesse em algum lugar da África. A verdade é que eu já não tinha certeza sobre quem meu pai era e o que ele dizia. Então foi com muito gosto que dispensei a Sra. B, a psiquiatra da família, dizendo que havia sido aprovada no colégio e aqui tínhamos nossos próprios psiquiatras. Ela apenas me deu parabéns e disse que mandaria minha ficha para cá.

Mas, das coisas da minha antiga vida que eu tive que me afastar, nada foi tão difícil quanto me despedir da minha melhor amiga: Annabelle, a infantil, irritante, manipuladora e melhor amiga desde sempre. Ela me desejou parabéns com lágrimas nos olhos enquanto me ajudava a pegar as coisas do apartamento e me pediu para não esquecer dela. Como se isso fosse possível!

Por falar em amigas, me sentia mal por ter pensado coisas tão ruins de Havena, já que ela se revelou uma grande amiga – o que era bem útil depois de ter perdido uma – e, de alguma forma, eu já a adorava, mesmo ela tentando me matar na sala de treinos. Na verdade eu adorava a todos : Havena, Will e Ethan. Will era ainda mais estranho do que demonstrou na primeira vez que nos conhecemos; Have o chamava de Chapeleiro Maluco e eu concordava com ela: ele era tão bipolar quanto o personagem. Me sentia estúpida por pensar que Havena tinha algo com Ethan, quando era óbvio que ela e Will se amavam. Eu perguntei a Havena por quê ela estava com Nathan se amava Will, mas ela apenas respondeu que era “muito complicado”.

Quanto a Ethan, ele se tornou meu melhor amigo: sentia que podia falar sobre tudo com ele, por mais precoce que fosse, eu confiava nele com cada pedaço da minha mente. Sabia que ele faria qualquer coisa para me proteger – por mais que eu achasse irritante ser a donzela indefesa –,  ele agia como um grande irmão mais velho perto de mim.

O que me lembra: as coisas nunca são boas demais, não é? Enquanto ele me via como uma irmã caçula, o meu belo – e nada raso – precipício só aumentava. E havia uma parte pior na situação: Yan sabia. Talvez você não se lembre de Yan – eu  gostaria de não lembrar –, mas ele é a segunda alma na cabeça de Ethan. Uma segunda alma que me odiava profundamente, sentindo prazer em me irritar, provocar e algumas vezes chegar bem perto de molestar. E claro que sabia sobre a minha enorme queda por Ethan.

Em verdade, todos pareciam saber menos o próprio Ethan, o que não poderia me fazer ficar mais agradecida; eu não queria perder a sua amizade.

E, finalmente, Michi. Eu o via tão pouco, apenas nas refeições, às vezes a noite quando podíamos interagir com os outros estudantes e em algumas horas nos finais de semana; essa era a única parte  negativa da minha nova vida. Depois das três primeiras semanas, Micaela enviou-o para o dormitório masculino, partindo meu coração. Mas ele estava feliz, havia feito amigos novos e até parecia apaixonado quando falava da sua parceira nos treinos. Michi era mil vezes melhor na coisa de caçador que eu e como ele estava feliz, eu também estava.

É incrível como a vida de alguém muda tanto em dois meses e meio.

                                       ***** 

Sábado à noite e o meu plano era aproveitar fazendo uma bela maratona de Arquivo X. Tinha tudo preparado: um pijama fofo e confortável, a pipoca, uma pilha de cobertores, uma sala de recreação vazia, um sofá confortável e, claro, uma teve enorme conectada a netflix.

Nada poderia ser melhor, exceto talvez conseguir mexer as pernas sem que uma dor insuportável me atingisse.

Durante o terceiro episódio, na parte em que um alien invade o apartamento da Agente Scully, eu estava deitada no escuro, os nervos a flor da pele, esperando o alien sair da tubulação, quando de repente vejo alguém se sentar do meu lado. O meu susto foi tão grande que eu me sentei tão rápido que quase caí do sofá. Olhei para o lado e lá estava Ethan rindo.

Quis bater nele, socá-lo até a morte, mas vi o famoso motivo para a minha queda, seu sorriso. Ver ele rir fazia com que a raiva fosse embora e eu só pensava em como o sorriso dele era lindo e como eu queria me atirar da janela.

            – Idiota! – disse corando enquanto tentava dar-lhe um chute.

Só tentei mesmo, porque ele segurou minha perna e riu mais ainda.

            – Boa noite, Ally.

Eu revirei os olhos tentando não fazer muito contato visual.

            – Eu achava que a entrada de garotos era proibida.

            – Só se você for pego.

            – Você já veio aqui antes? – perguntei, me arrependendo imediatamente.

            – Não – respondeu com um suspiro. – Mas já acordei aqui várias vezes.

            – Yan?

Ele acenou.

            – O que te traz aqui hoje?

            – Eu vim te buscar.

            – Não. Você não veio. – Me enrolei ainda mais no cobertor. 

            – Sim, eu vim.

            – E para que você supostamente veio me buscar?

            – Para treinar.

            – Muito obrigada – falei fazendo uma careta. – Mas já tenho planos. A noite será agitada.

            – Não é você quem vai treinar, lerda.

Eu ergui uma sobrancelha.

            – Havena acha que seria uma boa ideia você ver um treino entre Will e eu. Ela me pediu para te chamar, está lá te esperando.

Eu meio que odiei Havena – ao mesmo tempo que a amava – por me tirar do meu sofá confortável e dos meus planos de ver pelo menos uma temporada de Arquivo X naquele dia.

            – Vamos lá! Será divertido... E quando você voltar eu vou ficar com você vendo suas séries de humanos.

Ergui uma sobrancelha.

            – Ok, apenas tenha cuidado para não se viciar.

            – Não se preocupe com isso. Vá trocar de roupa, está frio lá fora. – Ele disse e eu acenei.

            – É seguro me esperar aí?

            – Sim, senhora. – Ele respondeu e eu me virei para ir ao quarto. – Ally?

            – Sim?

            – Bonito pijama. 

Ele olhava divertido para as minhas calças largas com vários pandinhas e a blusa com um rosto de panda feliz. Corei e andei o mais depressa que podia.

Tirei o meu pijama correndo sem ter certeza do que vestir. O meu reflexo no espelho parecia uma paleta com vários tons de roxo e azul e apesar de ainda parecer um palito, eu não era mais um palito flácido.

Pensei no que Havena diria sobre a roupa, Ethan já tinha me visto em estados piores, não é como se a roupa que eu vestisse fizesse alguma diferença. Acabei colocando uma calça jeans, um casaco quente e prendi meu cabelo em rabo firme, depois saí a encontro de Ethan, para achá-lo lendo a sinopse na Netflix

            – Bem vinda de volta, Ally – disse sorrindo. – Vamos?  

Evitei encarar abobada o seu sorriso presunçoso, mas falhei miseravelmente como toda garota otária de romances.

            – Tudo bem, mas como você pretende sair daqui?

            – Você confia em mim?

            – Sim?

            – Isso foi uma pergunta?

Eu suspirei.

            – Sim.

Ele sorriu.

            – Ótimo, vamos para o telhado.

Chorei por dentro enquanto íamos até a escada que levava ao terraço. Ao chegarmos ele foi direto até a ponta e olhou pra mim com aquele olhar de dúvida que derretia meu coração. Ele me estendeu a mão e falou:

            – Você disse que confiava em mim.

Eu suspirei, caminhei em direção a ele e segurei sua mão.

            – Nenhum comentário sarcástico?

Eu dei de ombros.

            – A coisa é que eu realmente confio em você, Eth.

Ele pareceu congelar por um instante, mas logo seus braços se fecharam na minha cintura.

            – Obrigado – murmurou e então deu uma passo para o lado.

Nós despencamos, mas estava tudo bem. Com ele eu já não sentia medo.

Quando pousamos no chão, já não estávamos no dormitório, era um lugar que eu nunca havia visto: Uma enorme clareira, e mais a frente eu poderia ver um penhasco, com toda a floresta de pinheiros que cercavam a escola.

— Parece o lugar perfeito para o sacrifício de uma pobre Blessed indefesa.

Ele revirou os olhos.

— Você não vai se machucar hoje, Ally. Agora vá para o banco das garotas, essa noite você só assiste.

— Você parece tão convencido dizendo isso.

Ele deu de ombros.

—Havena parece achar que vai ser educativo. Quem sou eu para discordar?   Fui em direção a Havena, que estava sentada em um lençol de piquenique xadrez, observando Will afiar sua foice e me sentei ao seu lado.

—Posso saber pra que você me tirou do nosso confortável sofá?

—Porque eu quero ver qual sera a sua reação aqui, vai me dizer muito sobre o tipo de guerreira que você pode vir a ser.

— O que você quer dizer?

—Eles vão começar.– Ela disse pondo fim ao assunto.

Eu não havia entendido o motivo do treino dos rapazes ser um acontecimento tão marcante  pra Havena, mas quando uma cobra gigante e feita de terra, saiu do chão, eu havia começado a entender.

 


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Notas finais do capítulo

E AI PESSOAL?
Estou perdoada pela demora?
Vocês gostaram?