Série WHO I AM? - Short Fic Peeta escrita por Serena Bin


Capítulo 2
Episódio 2 - Recaída


Notas iniciais do capítulo

Olá meus amores! Como vocês estão?
Olha eu sei que se passou muito tempo depois da ultima postagem, mas eu estava ocupadíssima e quase não tinha tempo para dedicar a fic, então dei uma paradinha. Mas agora, Who Im está de volta e a todo vapor!
Espero que vocês gostem desse capítulo que está verdadeiramente enooooooorme, mas isso talvez seja uma recompensa a vocês por ainda acompanharem a fic.
É isso, Boa Leitura.
:)



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Como uma formiga. É assim que me sinto desde que passei a viver nesse estranho lugar subterrâneo. As coisas por aqui não são exatamente ruins, na verdade, aqui é bem melhor que a Capital. Pelo menos, eu não sinto mais náuseas nem dores de cabeça. Mas sinto falta do sol, e de sentir os pés na terra fofa da superfície.

As vezes, Keia Watherhouse, minha enfermeira particular, trás alguns maços de folhas verdes e cheirosas, que misturadas transformam-se em um chá quente que de alguma forma sempre acaba na minha xícara.

As pessoas são boas comigo. Recebo em meu quarto, cinco refeições por dia. Recentemente, ganhei um jogo de pincéis e tintas, juntamente com algumas telas novas. Eu não sei o por quê de estarem me tratando tão bem, já que afinal, eu tentei matar o Tordo deles, mas mesmo assim, é possível que eu esteja pela primeira vez em meses, realmente seguro.

Apesar de toda a atenção que me proporcionam, é como se eu estivesse sozinho aqui em baixo, porque não recebo muitas visitas. Na verdade, eu não recebo visita alguma. Ninguém aparece para falar comigo, exceto os médicos que, dia e noite analisam cada passo e gesto meu como se eu lhes fosse algum tipo de objeto de estudo. O que de certa forma eu sou, já que a Capital me transformou em uma mutação irreversível. Mas apesar de alguns momentos de instabilidade, tenho feito progressos segundo o Dr. Aurelius, o médico de cabeça que está cuidando de mim.

Para ele, melhorei tanto que ha algumas semanas , uma equipe de confeitaria esteve comigo e eu pude sentir o cheio suave e saboroso de uma cozinha. Colocar em prática uma hablidade culinária que eu nem sabia que tinha. Na ocasião, ele disse que era como se eu tivesse voltado a ser o mesmo Peeta de antes.

O mesmo Peeta de antes.

É uma sensação estraíssima não saber quem você foi. Não se lembrar de pessoas tão ligadas a você, nem mesmo recordar de coisas simples como o dia de seu próprio aniversário. Ter como única certeza, o seu presente conturbado e um futuro incerto.

As vezes, durante a noite, me pego imaginando o que eu era antes de me tornar isso. Tento recordar de rostos amigáveis, de minha vida de antes, de algumas das cenas que insistem em me visitar todas as noites em formato de pesadelos, mas falho porque não restou nada. Se é verdade o que dizem sobre minha situação, então a Capital roubou-me tudo. Todas as minhas verdadeiras lembranças. Das mais pequenas às grandiosas, deturpou-me até que nada restasse. Agora, sou apenas um rosto no meio da multidão.

Minhas mãos passeiam pelo tecido poroso de uma das telas. Sinto cada trama em contato com minha pele e é como se por alguns segundos eu pudesse ser transportado para uma outra dimensão. Um lugar distante e claro, onde minha mente finalmente encontra alívio de suas confusões. Então, tomado por alguma espécie de calmaria e bem estar, disparo contra a tela branca a primeira pincelada. É uma sensação extremamente prazerosa. Pintar, sentir o cheio da tinta a óleo ganhando vida pelos pincéis. Imediatamente as formas e cores surgem em minhas mãos: cinza, preto, verde, ocre, azuis. Todo um espectro de cores que formam uma imagem. Cenas que de alguma forma inundam minha mente, como por exemplo um dente de leão ou uma pérola. Coisas que não fazem o menor sentido para mim, todavia, minha mente de alguma forma sempre os buscam lá do fundo de minha inconsciência e trás a tona sem que eu perceba, mas dessa vez, no fim da pintura, há uma única coisa pintada. Algum par de olhos cinzentos, brilhantes e envolvidos por uma densa névoa branca, seguidos por lábios rosados e vivos.

Eu busco lembrar-me desses olhos, mesmo porque eles não são totalmente estranhos para mim. Mesmo que eu não lembre a quem eles pertençam, sei de alguma forma que eu já os vi. Mas é cansativo lembrar e tentar sem sucesso reconstruir uma memória, de maneira que desisto de entende-los.

Estou sozinho em meu quarto, mas sei que do outro lado do vidro, uma equipe de médicos me observa atentamente. Passei a não me importar com eles tanto assim, de modo que quando dois guardas se apresentam para me observarem dentro do quarto, eu não reclamo.

No fim do dia, Dr. Aurelius vem me ver. Pontualmente às seis da tarde.

– Já está na hora do banquete ? - pergunto referindo-me ao meu jantar.

– Na verdade sim - ele responde.

Cuidadosamente lavo os pincéis em água e os guardo dentro de um pote de plástico, em seguida, ainda limpando minhas mãos encaro meu médico. Vejo sua figura baixa, gorda e calma olhando para mim, mas estranhamente não há bandeja alguma de comida em suas mãos.

– E onde está a comida? - pergunto desconfiado. Dr. Aurélius se encaminha até mim e coloca uma de suas mãos em meu ombro.

– Tome um banho, Peeta. Você vai jantar no refeitório esta noite.

As palavras de meu médico não causam um bom efeito em mim, porque eu tenho consciência de meu estado, e porque eu não tenho nenhum amigo aqui no treze. Todos a quem amo estão mortos, e porque eu não sou o tipo sociável, não mais. Sei que a qualquer momento, posso ter um rompante suicida.

– Pessoas? - replico - Eu não acho que essa seja uma boa idéia, doutor.

– Peeta, - o médico inicia - Qual o problema? Não se sente bem?

Bem.

Na verdade eu me sinto sim. As vozes que permeavam minha mente estão bem distantes ultimamente. Aliás, desde o meu encontro com Delly, tenho estado mais calmo. Mas é isso o que me deixa com tanto medo. Um falso diagnóstico de melhora, uma falsa reabilitação, um passo muito longo em direção ao mundo civilizado. Não quero frustrar-me, nem machucar ninguém. Além de que ainda não estou totalmente convencido de que Katniss Everdeen seja uma aliada.

Olho preocupado para o médico, tentando fazê-lo reconsiderar essa decisão de jantar fora do quarto, mas ele apenas diz:

– Vamos logo, Peeta. O jantar será servido às sete em ponto. Fique calmo, está tudo bem.

Logo após, sou novamente deixado sozinho em meu quarto. Encaro as telas cheias de tinta a minha frente, busco entre elas algum vestígio de melhora. Talvez meu médico tenha razão. Talvez eu esteja realmente ficando melhor, voltando a alguma essência normal. Entretanto, minha mente mesmo sem querer me alerta para uma possível recaída, de modo que forço-me a suplantar esses pensamentos.

–Vai ficar tudo bem, Peeta. - digo a mim mesmo enquanto me dirijo para a banheira - É só uma refeição. Você só tem que sentar em uma mesa vazia, comer seu cozido e voltar para o quarto. Não há nada de estranho nisso, certo?

Comer e voltar para o quarto. Esse é o meu plano. - penso.

Durante o banho, a espuma macia e branca do sabão toca minha pele cicatrizada a pouco tempo. O cheiro fraco de lavanda invade minhas narinas e a combinação com a água morna da banheira me causam uma sensação de bem estar. Algo que não era muito comum na Capital, porque embora eu esteja com minha mente conturbada, as memórias das noites pesarosas que vivenciei por lá, estão bem vívidas em mim, de modo que basta que eu olhe para uma das inúmeras marcas que tenho pelo corpo, para lembrar da dor que eu sentia a cada vez que o soro de teleguiada entrava em meu organismo.

Através da espuma, localizo em meu braço esquerdo uma dessas marcas e tateio calmamente a cicatriz avermelhada. Fecho os olhos e por um instante permaneço apenas com a escuridão em minha mente, mas pouco a pouco, como se fossem uma névoa, revivo o dia em que a pequena cicatriz fora forjada em meu braço. Relembro a dor de sentir as agulhas perfurando artérias grossas de meus pulsos. Revivo as inúmeras doses de veneno e os choques ministrados na noite em que descobri o plano de Berna e de Snow, de modo que me encolho dentro da banheira como se fosse uma criança buscando proteger-se de seu agressor.

– Já passou, Peeta - relembro a mim mesmo - Você está seguro agora. Está seguro aqui no treze!

Mergulho na água morna e submerso, consigo a calma a qual tanto prezo.

O banho transcorre normalmente depois disso. Visto-me com um uniforme cinza, uma espécie de macacão feito de algum tecido grosso. Imagino que eu não possa ir a um local público vestindo uma camisola de hospital. Não iriam querer chamar tanta atenção assim, porque apesar de irreconhecível, eu preciso parecer uma pessoa normal. Quando finalmente estou pronto, dois guardas aparecem como de costume, só que ao invés de uma camisa de força, eles portam apenas um par de algemas.

– São normas de segurança. - um deles diz, enquanto o outro prende as algemas feitas de material resistente e as tranca com um código.

Normas de segurança. Com certeza são. Não me oponho, porque afinal, eu reconheço que preciso ser controlado, principalmente quando existem tantas pessoas a minha volta. Sei que se necessário, as algemas emitiram um sinal paralisante que me colocará de volta nos eixos. É necessário, e eu preciso disso.

– O jantar deve durar cerca de uma hora - explica um dos guardas - Estaremos com você todo o tempo. O trajeto até o refeitório será feito em silêncio e de cabeça baixa, compreende?

– Sim, senhor. - respondo baixo.

Quando a porta do quarto se abre e revela o som e o vento do corredor de acesso as escadas, é como se eu entrasse em um novo mundo desconhecido. Existem tantos quartos e tantos túneis que chego a me perguntar como isso tudo não desabou com os recentes bombardeios da Capital.

Eu quero olhar tudo a minha volta, porém me mantenho firme com a cabeça baixa, tendo como vista apenas os meus sapatos. Posso ouvir algumas conversas, fofocas e murmúrios envolvendo o meu nome. Coisas como: "traidor" ou "namoradinho do Tordo" são constantes. Embora eu não entenda, sei que tive algum tipo de história minimamente romântica com a líder rebelde do 13. Todavia, não faço questão alguma de rememorar essa parte de meu passado, porque Katniss Everdeen não foi um dos melhores capítulos em minha vida. Minha decisão em mantê-la longe é para meu próprio bem.

Chegamos a entrada do elevador de acesso ao refeitório que fica à sete andares acima. O trajeto de quase quatro minutos é feito em total silêncio. Tudo o que se ouve é o som próprio do elevador se movendo pelos tuneis do distrito treze.

A medida em que nos aproximamos do andar desejado, um temor frio me acomete, e quando as portas do elevador finalmente se abrem sou paralisado por um medo maior do que qualquer coisa que já senti antes. É preciso que um dos guardas me mova para fora do pequeno compartimento.

– Tudo bem, Peeta. São só pessoas inofensivas. - digo a mim mesmo enquanto caminho a passos lentos rumo a entrada da sala de jantar - Não vão me machucar. Estou seguro. Só tenho que encontrar uma mesa vazia, comer e voltar ao quarto.

Respiro fundo e como uma criança que se solta dos pais no primeiro dia de escola, dou os primeiros passos sozinhos. É estranho estar em um lugar tão repleto de pessoas novamente, porque até então todas as pessoas que eu conhecia do treze, eram os médicos e enfermeiros do hospital. Mas agora é diferente, são centenas de pessoas vestidas com o mesmo macacão cinza que o meu, e todos possuem uma espécie de tatuagem com algum tipo de orientação marcadas em seus antebraços. Sei que sou o único dentre tantas pessoas que não possui tatuagem alguma.

– Vamos espera-lo ali. - um dos guardas diz apontando para um canto do refeitório. - Qualquer problema, entraremos em ação.

Os dois homens então atravessam a enorme fila de pessoas em frente ao balcão do buffet, e se acomodam ao lado de um hidrante.

Agora estou sozinho. Não tão sozinho, mas sem nenhum guarda atras de mim. Repasso então a lista que fiz em minha mente para esse jantar: entrar na fila da comida; aguardar pacientemente; servir-me; procurar uma mesa vazia e isolada; comer; descartar os pratos e talheres e finalmente voltar ao quarto. Minha lista segue sem problemas, até a parte em que preciso encontrar um local para sentar.

O refeitório é grande porém está tão lotado que uma mesa vazia e isolada é artigo de luxo. Corro meus olhos pelos vários setores da sala até que encontro bem lá no fundo do recinto uma única mesa solitária. Estou me dirigindo a ela com passos rápidos quando sou surpreendido por uma outra mesa cheia bem no meio do caminho. Uma onde seis pessoas comem alegremente. Onde há apenas um lugar vago. Uma mesa a qual está repleta de olhos atentos que dirigem a mim, olhares atentamentos, um deles, com especial espanto. Ali, cinzas, frios e mortais. Ela. O Tordo. Katniss Everdeen.

Não a vejo desde nossa última conversa na noite em que Finnick Odair se casou. Ela parece estranhamente igual àquela noite, a mesma expressão desdenhosa e irônica está presente em seu rosto hoje também. Talvez seja um espanto ver novamente a pessoa que tentou matá-la, e que planeja todas as noites, novas formas de dar cabo a sua inútil vida. Todavia, não é fácil para mim também estar cara a cara com ela, de maneira que apenas a breve visão de seu rosto já me causa tremores nas mãos. É como se ela, Katniss Everdeen, fosse de alguma forma o estopim que desencadeia dores terríveis em mim. Se não estivesse medicado, eu certamente seria capaz de enfiar uma faca em sua garganta, aqui e agora. Felizmente para mim e para ela, meus dois guardas novamente já estão a postos atras de mim, preparados para uma eventual emergência. Entretanto, eu não quero problemas, então paro em frente a mesa apenas na intensão de desviá-la, mas é tarde, porque no segundo seguinte uma voz eufórica e rouca se dirige a mim.

– Peeta! - Delly, que conheço desde pequeno e que talvez seja a única pessoa confiável que sobrou do distrito 12, abre um enorme sorriso ao me ver - Que legal ver você andando por aí.

Olho para a moça loira com os cabelos presos em uma trança comum sentada a minha frente. Em seguida, outra pessoa se dirige a mim. É a mulher careca e cheia de hematomas que esteve presa comigo na Capital. Ela está sentada a minha direita e parecia estar em uma conversa razoável com outros membros da mesa. Certamente, ela tem um estômago forte para se manter na presença daquela que fora a responsável por todo o seu sofrimento.

– Qual é a dessas pulseirinhas bacacas? - Johanna Mason pergunta tocando de leve minhas algemas.

– Ainda não estou totalmente confiável - respondo olhando firmemente para Katniss que desvia o olhar - Não posso nem me sentar aqui sem a permissão de deles. - digo indicando os dois guardas com um movimento de cabeça.

Já estou me distanciando da mesa quando Johanna Mason me impede. Ela diz que posso ficar para o jantar já que somos amigos. Uma mentira, porque não somos próximos, apenas sofremos juntos na Capital. Não possuo amigos nem família, mas me parece errado negar o afeto de Johanna, porque afinal de contas ela também é sozinha no mundo, e porque mesmo que seja uma louca traidora, ainda sim lhe tenho empatia. Então, apoiado pelos guardas, me sento no espaço vazio entre Johanna e Delly.

– A cela de Peeta ficava ao lado da minha na Capital. Estamos acostumados com os gritos um do outro. - diz Johanna em tom de piada, mas ninguém está achando a menor graça, porque exceto eu, Johanna e a esposa de Finnick Odair ,ninguém mais presente nessa mesa sabe o quanto é possível sofrer na Capital.

Annie Cresta, entra em um estado estranho após as declarações de Johanna. Finnick tenta acalmá-la, mas a garota parece não compreender nada mais do mundo real, apenas pressiona as mãos contra os ouvidos na tentativa de abafar algum som que a incomoda, ou quem sabe alguma voz que sussurra em sua mente. Eu, diferentemente de qualquer outra pessoa a compreendo bem nesse ponto. E enquanto olhares de pena ou escândalo são lançados à jovem, Johanna tenta se isentar do comentário, dizendo que foram ordens de seu médico para não reprimir nenhum pensamento.

Ninguém diz uma só palavra. A mesa que outrora era dotada de risos e pessoas contentes, agora está uma balburdia com Annie gritando, Johanna discutindo com Delly, e eu olhando fixamente para ela.

É notável sua falta de caráter, porque Katniss Everdeen não é capaz de encarar-me com um mínimo de decência. Tudo o que ela faz é manter-se cabisbaixa para tentar vincular a si própria uma imagem de vítima do "namorado homicida".

Quando Annie finalmente consegue se acalmar, um silêncio ensurdecedor invade a mesa. Todos com olhares baixos tentam terminar a refeição o mais depressa possível. Então, com sua inegável gentileza e paciência, Delly tenta novamente iniciar um diálogo amigável.

– Annie - diz Delly, esfuziante -, você sabia que foi o Peeta quem fez seu bolo de casamento? No nosso distrito, a família dele administrava a padaria, e ele era o confeiteiro.

Eu não sei até que ponto as palavras de Delly são reais, porque desde que voltei da Capital, me lembro de pouquíssimas coisas a respeito de meu passado. Mas a parte sobre eu saber fazer bolos é verdade.

– Obrigada, Peeta. Estava lindo. - Annie agradece timidamente, em seguida volta a aninhar-se nos braços de Finnick Odair.

– Foi um prazer, Annie - respondo sorrindo com delicadeza porque não me parece certo ser rude com ela, afinal, apesar de seu marido não valer o chão em que pisa e não a merecer em nenhum aspecto, Annie ainda sim, é genuinamente uma boa pessoa.

Finnick interrompe a conversa falando a respeito de alguma corrida que os dois pretendem participar. Antes de sair ele diz:

– Bom te ver, Peeta.

– Seja legal com ela, Finnick. Ou pode ser que eu tente tirá-la de você - repondo friamente enquanto tomo um gole de meu suco. Finnick entretanto, com uma leveza invejável responde:

– Ah, Peeta, não me obrigue a ficar arrependido por ter feito seu coração voltar a bater. - Em seguida, lança um olhar de preocupação para Katniss e deixa a mesa ligado a Annie por uma das mãos.

– Ele salvou a sua vida, Peeta. Mais de uma vez. - Delly diz com seriedade.

O tom reprobatório de Delly deveria me fazer sentir algum tipo de culpa pelo fato de ser tão ingrato à Finnick Odair, no entanto, sua repreensão faz apenas com que eu me lembre o quanto fui usado. O quanto fui e continuo sendo uma peça no imundo jogo do Tordo. Nenhuma ação para salvar a minha vida foi feita somente pelo fato de "salvar a minha vida". Tudo foi orquestrado da melhor maneira possível para que no fim, cada ato de bravura ou cada lágrima de desespero parecessem atos consolidados por compaixão ou amor. Mas que no fim das contas, por baixo dos panos, não passavam de encenações baratas de um charmoso pescador e de uma bestante sem escrúpulos, apoiados por meia dúzia de tributos igualmente miseráveis.

As lembranças da traição dela, me causam novamente o tremor compulsório seguido por uma raiva ardente que começa a esquentar meu rosto, de maneira que respondo já com impaciência:

– Por ela. - respondo indicando a cabeça na direção de Katniss Everdeen - Pela rebelião. Não por mim. Não devo nada a ele.

– Talvez não. - a voz do outro lado da mesa finalmente se levanta. - Mas Mags está morta e você está vivo. Isso deveria significar alguma coisa.

Katniss dirige-se a mim como se dispusesse de todas as verdades existentes no mundo, o que não me é estranho, afinal, somente alguém com tamanha falta de caráter sobreviveria no meio de tanta sujeira. Mas o que me admira, é que ela faz mensão a velha Mags do distrito 4 que supostamente deu sua vida pela minha. Uma senhora que apesar de compactuar com o plano rebelde, era de verdade um exemplo de bravura e altruísmo.

Reconheço na fala do Tordo a intensão de confundir-me. De fazer com que mais uma vez eu me sinta culpado, porém eu não vou morder sua isca. Não vou dar a ela o gosto de me ver entrar em colapso. Então, do fundo de minha mente, do lugar mais remoto, retiro algumas memórias e as atiro na cara do Tordo. Coisas que não fazem nenhum sentido para mim, mas que parecem não terem sido achadas pelas Capital.

Cenas íntimas de nós dois; noites de carícias e beijos no escuro de meu quarto; situações onde nossos corpos somente encontravam alívio estando aconchegados um no outro; gemidos e sussurros desejosos em inúmeras noites no trem. Todas essas lembranças chegam até mim por meio de muito esforço, porque é doloroso demais lembrar que Katniss possa ter ido tão baixo a ponto de seduzir-me apenas para se manter viva.

Minhas palavras causam um efeito enraivecedor nela. Posso imaginar o que a verdade causa na mente de uma pessoa tão mentirosa quanto ela.

– Quer dizer que vocês agora são um casal de verdade. Ou será que a coisa toda de amantes desafortunados ainda está em plena atividade? - pergunto irônico.

– Ainda estão arrastando essa história - Johanna responde.

"Voce ainda faz parte do jogo dela, Peeta" . Algo sussurra em minha mente, e sei que não é uma voz real, mas não posso evitar ouvi-la porque a voz cada vez mais preenche meus ouvidos, de modo que meus músculos se contraem numa tentativa frustrada de manter o controle. Posso sentir os primeiros choques emitidos pelas minhas algemas de contenção. Vejo também meus guardas cada vez mais próximos de mim. Nesse momento, eu verdadeiramente quero ir embora. Me enfiar dentro de meu quarto solitário e esmurrar as paredes, porque o ódio amargo e desolador está voltando, fazendo com que eu fique cada vez mais próximo de assassinar o Tordo.

A voz de Gale é quem interrompe meu acesso de fúria:

– Eu não teria acreditado se não tivesse visto como meus próprios olhos.

– O quê? - pergunto entorpecido.

– Você. - Gale responde.

– Dá para ser um pouco mais específico - retorno - O que em mim, exatamente?

– O fato de terem trocado você pela versão mutante de você mesmo - diz Johanna.

Após isso, Gale como se fosse o anjo da guarda de Katniss a conduz para fora da sala, antes porém, o Tordo lança um ultimo olhar em minha direção. Eu a encaro por pura maldade, porque quero que ela veja o que fez comigo. Quero culpá-la por eu ter me tornado isso, desejo estampar em sua testa a responsabilidade pela minha loucura.

Katniss Everdeen está parada na porta de saída ao lado de Gale. Está em um posição privilegiada para um ataque surpresa.

"Um golpe". A mesma voz de antes sussurra em minha cabeça novamente.

Ouço os comentários da estranha voz enquanto encaro as costas do Tordo.

"Ela vai matar voce na primeira oportunidade, faça-o antes"

Involuntariamente, minhas mãos alisam a pequena faca em cima da mesa.

"Um único golpe, e o Tordo cairá morto".

A faca é pequena e serrilhada, mas se eu puder encontrar um local vital, posso atingir o coração ou um de seus pulmões. Um frio cortante me invade ao passo que a voz se torna mais audível e autoritária em minha mente.

"Mate-a". Ouço.

Minha mão empunha a faca em posição de ataque e estou pronto para correr em direção a ela, mas então algo muito bizarro me impede de completar a ação.

Não posso explicar, mas a visão de Katniss morta por um segundo me atinge em cheio. Como se o fato de ela não poder mais respirar fosse também o motivo para eu não querer mais estar vivo. Porque afinal, eu posso matá-la aqui e agora, mas e depois o que será de mim? Vou recuperar de alguma forma a minha sanidade somente pelo fato de o Tordo estar morto?

– Eu não vou fazer isso. - resmungo para a voz que brada em minha mente, entretanto, a faca ainda permanece em minha mão. - Eu não vou fazer isso! - repito com veemência. - Você não manda em mim! Eu sou dono da minha mente! Eu controlo a minha vida!

Então, Katniss finalmente sai do refeitório. Eu não vejo, mas sei que estão todos olhando para mim no momento em que jogo a faca para longe. A essa altura, as algemas já iniciaram seu ciclo de contenção e disparam ondas de choque que começam a paralisar-me. Apenas tenho tempo de assistir aos guardas amparando-me e me retirando do local.

A minha mente está uma bagunça, porque as vozes a todo momento gritam ordens e me amedrontam dizendo que vou acordar morto, que Katniss vai envenenar-me, ao mesmo tempo que eu, por alguma força estranha não desejo vê-la morta. Duas faces de uma mesma pessoa. O que está acontecendo comigo? Eu a quero morta ou viva? Qual a minha essência? Quem sou eu, afinal?

A injeção de tranquilizante aparece antes das respostas, então caio num sono profundo ainda dentro dentro do elevador.


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Notas finais do capítulo

Obrigadíssima por ler.
Que tal dizer o que achou do capítulo? Quem sabe uma crítica construtiva?
Achou algum errinho de digitação? Avise-me.
O importante é vocês participarem. :)

—-
P.S: Vocês já conhecem a minha mais nova fic original?
Corre lá no meu perfil e leia O Leitor da Rua Klein, seria muito legal ver vocês por lá também.
Beijos.



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