Inocente Mulher escrita por Dream


Capítulo 4
A Verdade


Notas iniciais do capítulo

"Mais triste que perder alguém que a gente ama? Só se a gente perdesse a memória"
— Adriana Falcão



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A fotografia foi a primeira coisa vista por Raul ao voltar para a sala de estar.

Porque, tendo recebido a instrução de Emma de que deveria sentar-se, ele caminhou até uma das poltronas agrupadas em torno da pequena lareira a gás. Foi a primeira vez que olhou naquela direção, para a parede e a mesinha redonda que ficava contra ela. A mesa estava entupida com fotografias, todas em molduras de diferentes formas e tamanhos, algumas de madeira, algumas de prata polida, algumas antigas, como a fotografia da avó de Emma, e algumas obviamente muito recentes.

Foi uma dessas que chamou sua atenção. E o que viu o fez sentir como se uma faca estivesse fincada em seu coração, deixando escapar toda a dor e a perda que ele estivera lutando para conter desde que foi convocado de uma reunião de negócios pelo pior telefonema que recebera em sua vida. — Lorena... Lori...

O nome escapou de seus lábios em um sussurro, a dor de pronunciá-lo queimando a alma.

Seus olhos embaçaram tanto que, por um momento, ele pensou que houvesse se enganado, e que a pessoa na fotografia não fosse quem ele pensava. Mas piscar depressa não ajudou em nada a suavizar sua angústia. Na verdade, só a piorou, porque clareou sua visão, deixando agonizantemente claro que ele não havia se enganado.

O rosto belo de Lori sorria para ele por trás do vidro. O sorriso estava largo, os olhos castanhos cintilando, os cabelos negros ondulando ao sabor de uma brisa. Parecia absolutamente feliz, absolutamente maravilhosa.

Absolutamente viva.

Ele apertou com tanta força a moldura que sentiu medo que a madeira de pinho estilhaçasse sob a pressão de seus dedos.

Isso estava errado... Completamente errado. Lori era jovem. Jovem demais. Ela era jovem demais. Com o coração afundando no peito, Raul ajustou o tempo verbal de seus pensamentos, tal como fizera tantas vezes nas últimas 24 horas. Tal como teria de fazer ainda pelo resto de sua vida — pelo menos até se acostumar a isso.

E ele não queria se acostumar a isso. Jamais!

Como poderia sua irmã — sua preciosa irmã caçula, a irmã que foi posta tão cuidadosamente em seus braços quando tinha menos de um dia de vida, e que se mudara para seu coração naquele mesmo instante — estar morta enquanto ele ainda estava ali? Aquilo se contrapunha a todas as leis da natureza, considerando que ele já desfrutara de dez anos a mais que ela. Era absolutamente incompreensível que aos 21 anos de idade sua vida já estivesse terminada, acabada.

Raul não tinha condições de pensar nisso. Não podia pensar nisso. Seu cérebro atordoado e ferido não podia aceitar essa terrível verdade.

A fotografia estava quase invisível por trás da névoa ardente em seus olhos. Quis levar a mão ao rosto para enxugar as lágrimas, mas, por algum motivo, não conseguiu soltar a fotografia que estava segurando. Não podia soltá-la...

— Raul...

A voz era baixa, feminina, gentil... Como os dedos macios que tocavam sua mão, com muita suavidade, muito cuidado.

— Raul...

Ele precisou fazer um esforço imenso para desviar o olhar da fotografia, e, mesmo quando fez isso, seus olhos não focaram. Assim, quando se virou para Emma, seu rosto ainda estava borrado, a expressão indistinta.

— Por que você tem uma fotografia de Lori? Por que há uma fotografia da minha irmã no seu apartamento?

— Lori me deu essa fotografia. — A voz de Emma estava estranhamente distorcida. Ou talvez parecesse assim porque ele estivesse com dificuldade de se concentrar. — Ela me deu no meu aniversário.

Claro. Sua irmã adorava Emma e ficou esfuziante com a possibilidade de tê-la como cunhada. Lori ficou devastada quando ele lhe contou que os dois não iriam se casar. Na verdade, contar isso a Lori foi uma das coisas mais difíceis que Raul fez em sua vida. Jamais perdoara Emma por destruir os sonhos de sua irmã junto com os seus.

— Você ainda mantinha contato com ela?

— Sim.

— Sabia por que ela estava na Inglaterra? Ela veio ver você?

— Sim — repetiu Emma, um imenso pesar na voz. — Raul... — começou Emma. Porém, subitamente o terrível pensamento de que ela talvez não soubesse toda a verdade o fez interromper suas palavras.

— Você sabe que... Lori... Você sabe que ela...?

Quando ele respirou fundo para reunir forças e empregar o odioso verbo morrer, dizer "Lori morreu", Emma se aproximou dele.

— Não, por favor, não! — Aqueles dedos suaves tocaram seu rosto, cobriram sua boca para que ele se calasse, para conter a terrível verdade. E ela estava muito, muito próxima, o perfume de seu corpo cercando-o, o calor de sua pele contra a dele. — Você não precisa — sussurrou. — Eu sei. No hospital... Eu soube...

— Você sabe?

O alívio foi tão intenso que foi quase selvagem. Ela sabia e, é claro, compreendia. Ela própria passou recentemente por uma tragédia terrível. De todas as pessoas, ela era a que mais podia entender. Ele tinha alguém com quem compartilhar a escuridão.

— Eu sei.

E, desta vez, ela se inclinou ainda mais para a frente para deixar que sua fronte repousasse carinhosamente contra a dele.

Não houve mais palavras, assim como não tinha havido palavras quando Raul a abraçara no hospital. Naquele momento, ele invejara suas lágrimas, e ainda se sentia assim. Seus olhos ardiam, mas estavam secos. A libertação que ela desfrutara ainda escapava a Raul.

Gracias...

Ele não tinha certeza de pelo que a estava agradecendo. Por sua compreensão, por seu toque, por sua proximidade ou meramente por seu silêncio. Silêncio que significava que ele não precisava falar ou mesmo pensar.

Apenas por este momento ele podia simplesmente descansar, coisa que foi incapaz de fazer desde que recebeu a notícia da tragédia. Por enquanto, o silêncio era o bastante.

Contudo, mesmo durante aquele momento, ele compreendeu que havia alguma coisa errada naquele silêncio. Alguma coisa que fazia dele não o gentil silêncio de conforto, de compartilhamento. Era o silêncio entre duas pessoas feridas que sofreram a mesma terrível perda. Emma recuou lentamente.

— Emma...

A voz de Raul soou rouca, como se fizesse dias desde a última vez que a usara.

— Não... — disse Emma, finalmente, e foi quase um gemido de desespero. — Não, não me agradeça. Ainda não. Não antes que eu tenha lhe contado tudo.

— Tudo?

Emma sentiu seu coração afundar quando sentiu a forma como a voz de Raul havia mudado, reavendo o tom desconfiado. Ela desejou poder voltar apenas alguns minutos no tempo — voltar para o momento em que estivem tão perto dele.

Quando ele se sentira grato por ela estar ali.

— O que está acontecendo? O que você está evitando me dizer? Foi para isso que você me chamou para tomar um café? Para esconder de propósito alguma coisa de mim?

— Eu sinto muito — falou, quase num sussurro. Agora que o momento chegou, a voz de Emma ameaçava falhar, e seu coração batia tão forte que mal conseguia escutar o que ela própria dizia. — Eu vou lhe contar. Preciso explicar. A respeito de quando eu o encontrei no hospital... Por que eu estava lá...

— Seu irmão — acrescentou Raul.

— Sim, mas há mais do isso. Muito mais. E... Desculpe-me...

Emma havia conseguido atrair completamente sua atenção, olhos negros estreitos, e aquele olhar ardente fixado em seu rosto. Ele deve ter visto o brilho de lágrimas em seus olhos, a forma como estava tendo de piscar para contê-las.

— Desculpá-la pelo quê? — perguntou com lentidão ameaçadora. —Emma... Conte-me.

— Desculpe-me. Quando eu disse que sabia, a respeito de Lori... Que eu soube no hospital... Isso não foi exatamente verdade.

Se o olhar de Raul tivesse sido mais intenso, teria queimado Emma.

— E qual é a verdade?

— É que... Bem, eu soube no hospital, mas porque eu estava lá por causa de Chris.

— Seu irmão? — Raul franziu a testa, claramente com dificuldade de acompanhar o que ela dizia. E ela não podia culpá-lo por isso. — Você estava no hospital por causa do seu irmão...

— E por causa de Lori... — De algum modo, ela conseguiu falar. — Eles foram trazidos para cá juntos.

Raul virou abruptamente a cabeça, como se estivesse reagindo a um tapa brutal. Confusão, descrença e suspeita cruzaram seu rosto em uma sucessão rápida.

Mãos ásperas pousaram em seus ombros, segurando-a com força.

— Mas Lori sofreu um acidente de carro. Morreu instantaneamente. E seu irmão estava doente.

— Não... — A palavra foi pronunciada tão baixo que ele não a teria entendido se ela não houvesse, juntamente, feito que não com a cabeça. — Você presumiu isso. Eu permiti que você presumisse isso. Porque eu não tive coragem de lhe dizer na hora. Eu estava ali esperando por você, para lhe contar. Mas...

— Para me contar o quê? Madre de Dios, Emma, para me contar o quê?

— Que Chris e Lori morreram no mesmo acidente. — Pronto: ela havia dito. Ela enfim havia dito. — Estavam no mesmo carro. O acidente matou os dois.

Por um breve e terrível momento, Emma julgou que ele não ouvira e temeu precisar repetir tudo.

— Eu não entendo — disse Raul, finalmente. Que diabos minha irmã e seu irmão estavam fazendo juntos em um carro? Você não disse que ela tinha vindo ver você?

As mãos que seguravam Emma soltaram-na tão repentinamente que ela tropeçou para trás, abrindo um espaço entre eles. Fitando o rosto de Raul, Emma ficou chocada com o quanto estava pálido.

— Não acha que ficaríamos mais confortáveis se nos sentássemos...?

Emma não conseguiu terminar a frase, Raul subitamente deu dois passos até ela, rejeitando a sugestão com um violento meneio de cabeça, os olhos escurecidos por uma mistura terrível de dor e raiva.

— Não quero me sentar e, com certeza, não quero me sentir confortável. Eu quero saber...

— Estavam saindo juntos — disse Emma. Chris e Lori eram um casal. Os dois se conheceram quando ela veio me visitar e... Eram loucos um pelo outro.

— Ela nunca me disse nada.

— Claro que não disse. Ela sabia como você iria reagir. Você não ia querer que sua irmã namorasse meu irmão, admita. Você teria odiado isso.

A expressão perigosa que relampejou no rosto de Raul confirmou que Emma estava certa, antes mesmo que ele reconhecesse isso.

— Eu sei... — começou Emma, mas foi bruscamente interrompida por Raul.

— Então, saberá como me sinto sobre o fato de ela ter vindo visitá-la. Eu disse a ela para não entrar em contato com você. Para nunca mais vê-la outra vez. Você partiu o coração de minha irmã quando foi embora.

O coração da irmã dele, percebeu Emma amargamente. Não o dele... Não o de Raul. Mas ela duvidava de que Raul tivesse um coração para ser partido. Pelo menos no que dizia respeito a ela. Mas o caso de Lori, sua irmã, foi completamente diferente.

— E ela estava namorando seu irmão. Se eu tivesse sabido...

— Você não teria conseguido impedi-la, Raul. Ela era uma mulher adulta.

— Tinha 21 anos!

— Idade suficiente para saber o que fazer com a própria vida. E com o próprio coração!

Emma tinha 21 anos ao conhecê-lo. Naquela época, ela tivera certeza absoluta sobre o que fazer com seu coração: dá-lo a aquele homem. Mas, então, a realidade arrancou os óculos cor-de-rosa da frente de seus olhos.

— O coração dela... — Com uma risada de escárnio, Raul fez pouco da alegação. — Ela não o amava. Não podia amá-lo.

— E por que não?

Desta vez, foi Emma quem deu um passo à frente, impelindo-a a aproximar-se do corpo poderoso de Raul.

— Por que ela não podia amar Chris? Por que é tão difícil acreditar nisso? Ou você simplesmente acha que nenhum membro da minha família é merecedor de amor? Só porque eu deixei você, nenhum Redfem pode ser amado? Não deixe sua própria amargura...

— Amargura!

Desta vez, a risada de Raul foi cinismo puro, tão cruel que a fez estremecer como se tivesse recebido um tapa no rosto.

— Não se iluda, querida! O que sinto não é amargura. A verdade é que eu não sinto nada... Absolutamente nada. Exceto talvez um vestígio de alívio por você ter recusado meu pedido de casamento. Eu odeio pensar em como seria minha vida agora se você tivesse aceitado meu pedido. Morte em vida, presumo.

— Então, nós dois devemos ficar gratos pelo casamento não ter acontecido! — Emma gritou as palavras, dando ênfase a cada sílaba.

— Mas você não pode culpar Chris por meu comportamento! Ele é... Ele era — corrigiu dolorosamente - uma pessoa muito diferente de mim. E adorava Lori. Jamais teria machucado Lorena... Embora...

Mais uma onda de lembranças desmoronou em sua cabeça, matando as palavras em sua língua, ressecando sua garganta.

— Embora? — repetiu Raul, com sarcasmo. —Embora o quê? Seu irmão jamais machucaria Lorena, embora...?

Ele deixou a frase por acabar, obviamente esperando que ela a completasse. Mas Emma não conseguiu encontrar as palavras, ou a força para usá-las.

— Diga-me.

Usou um tom que tinha nele todo o comando, toda a arrogância, das gerações de aristocratas que compunham a dinastia Marcín. Era a voz de um homem acostumado a ser obedecido e que não esperava nada menos. E, ao som de sua voz, Emma sentiu as pernas começarem a tremer, os joelhos ameaçando ceder sob ela.

— Raul, por favor — tentou dizer Emma, no entanto ele dispensou suas palavras com um gesto imperioso.

— Diga-me! — ordenou. — E diga-me a verdade. Toda ela. Eu saberei se você mentir.

Ela não tinha qualquer dúvida a respeito, admitiu Emma para si mesma. Não ousaria mentir para ele, temendo as consequências caso mentisse e Raul descobrisse. Sua habilidade de ler a verdade em seu rosto era quase psíquica. Mas como ela poderia lhe dizer...?

— Era ele quem estava dirigindo!

As palavras ecoaram seus pensamentos com tanta precisão que, por um terrível momento, ela julgou tê-los expressado em voz alta. Mas, então, para seu horror, compreendeu que era ainda pior.

Raul vira em sua expressão as palavras que ela não conseguira pronunciar, e agora as cuspiu em fúria selvagem, seus olhos frios como gelo, sua expressão contorcida em desgosto.

— Seu irmão estava dirigindo o carro que bateu, não estava? Não estava? — inquiriu novamente.

— Sim...

Foi apenas um sussurro, um filete de som.

Mas, ouvindo-o, Raul levantou os braços em um gesto que expressava a violência de seus pensamentos mais do que qualquer palavra seria capaz. Afastando-se dela, caminhou de um lado para o outro pela sala de estar, como um tigre feroz, poderoso demais para ficar enjaulado naquele apartamento.

— Raul... — ela tentou ignorá-lo.

— Chris jamais iria machucá-la — murmurou Raul, em tom baixo e perigoso. — Não, claro que não. Ele nunca tocou em um fio de sua cabeça... Ele apenas a matou!


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Notas finais do capítulo

Olá minha gente, sei que demorei a postar esse capítulo, mas é que eu estava com milhões de coisas para fazer no escritório, ainda mais que a mãe do meu chefe faleceu semana passada e ele não se se sente muito bem, por conta dessa notícia que abalou todo o escritório, então com isso sobrecarregou todo mundo, e ainda tinha a faculdade, então não tive muito tempo para entrar aqui, espero que gostem desse capítulo. Comentem e digam o que estão achando. Beijos.



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