Eu Odeio A Comida Mas Eu Gosto De Você escrita por ohhoney


Capítulo 11
Céu


Notas iniciais do capítulo

Desculpa, gente, foi necessário.



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Diz a lenda que um dia o Rei acordou e todos os seus pertences tinham sumidos - talheres de prata, quadros, relógios, cálices de ouro, pelos, tapetes, tecidos valiosos, cerâmica, cristais, tudo. Tudo tinha sido saqueado e nenhum (absolutamente nenhum) guarda tinha visto ou ouvido alguma coisa.

Foi nesse dia que a dupla de ladrões mais famosa do Reino ganhou o apoio do público e começou a ser caçada pelas florestas que rodeavam as vilas.

Mas os saques não paravam. Apesar de terem as cabeças mais valiosas das redondezas, isso não os impediu de continuar roubando dos mais ricos para dar aos pobres. Afinal, eles mesmos vinham da província mais carente do Reino, e sabiam que enquanto o Rei banhava-se em banquetes fartos, a maior parte da população mal tinha o que comer.

Foi isso que motivou Kasamatsu e Kise - a famosa dupla de ladrões - a começarem a roubar as propriedades abastardas dos nobres. Desse jeito, viraram os heróis do povo e os inimigos do Reino.

Os dois moravam em um tronco de árvore oco logo na nascente do rio, de onde conseguiam escalar as árvores e seguir carruagens pelo alto, só esperando o momento certo de atacar. Sabiam que estavam sendo caçados pelos guardas reais, mas, honestamente, isso não os preocupava.

Kasamatsu era o melhor arqueiro do Reino, e ninguém conseguia manejar uma espada melhor que Kise. Os dois, além disso, eram incrivelmente rápidos e se camuflavam com facilidade. Aqueles guardas cagões não os assustavam nem um pouco.

Em um dia no final da primavera, alguns boatos correram pela vila de que um amigo do Rei vinha visitar o castelo, e que traria consigo vários presentes e comida para o enorme banquete que seria feito. Os boatos diziam que as carruagens viriam por aquela estrada velha perto do penhasco.

"Vai ser a oportunidade perfeita, Kise. As árvores são grandes e os galhos aguentam nosso peso sem problema. Vai ser tão fácil quanto roubar o castelo do Rei."

"Tô louco pra comer salame. E quem sabe quanto ouro podemos conseguir vendendo todas aquelas coisas? Vamos, senpai, vamos acabar com aqueles nobres de merda."

Então, na noite anterior, eles foram até a velha estrada e armaram todas as armadilhas e prepararam tudo para o grande evento. Seria engraçadíssimo ver o convidado especial do Rei chegando ao castelo só de ceroulas.

"Kise, por que tá tão nervoso?"

Os dois já tinham voltado para casa e agora estavam no quarto improvisado. Kise estava sentado na beirada da cama e parecia sério.

"Kise?"

O rapaz mais velho sobe na cama do outro e cutuca suas costas.

"Desculpe, senpai. Só estava pensando."

"Kise, relaxa." Kasamatsu apoia a cabeça no ombro do outro e continua, "O Kise Ryouta que eu conheço nunca me desapontou antes. Então eu tenho certeza de que você fará um ótimo trabalho amanhã quando estivermos roubando aquele ricasso de merda."

As bochechas de Kise ficam quentes, e ele, constrangido. O garoto escapa dos braços de Kasamatsu e esconde seu rosto no colo do outro.

"Ei!" Kasamatsu fica com o rosto vermelho também.

"Ahh..." Kise vira e olha Kasamatsu, sorrindo alegremente. "Acho que é por isso que você é a minha pessoa favorita no mundo. Você nunca falha em me animar, Kasamatsu-senpai!"

O garoto mais velho abaixa e pressiona a boca contra a do mais novo, afagando seu cabelo. Quando ele levanta, o olhar dourado de Kise está arregalado.

"S-SENPAI! ISSO NÃO VALE! QUE INJUSTIÇA! SENPAI SEU IDIOTA"

"A-A-A vida é injusta, seu babaca!"

Kise esconde o rosto de novo e fecha os olhos de vergonha. Kasamatsu encara a vela fraca na pequena cômoda.

"Ei, senpai."

"Quê?"

"Posso... Posso dormir com você hoje?"

Kasamatsu dá um soco no topo da cabeça de Kise.

"Ai!"

"C-Claro que pode. E precisa perguntar?!"

Kise sorri e levanta, pegando seu travesseiro (de penas de ganso, roubado diretamente do castelo do Rei) e deitando na cama com Kasamatsu. O outro rapaz deita de barriga pra cima, e Kise deita sobre ele, colocando as cobertas em cima dos dois e assoprando a vela. O quarto ficou no escuro. As estrelas lá fora apareciam por entre os buracos da madeira.

"As estrelas estão bonitas hoje, né?" Kise suspira e ajeita-se no lugar.

Kasamatsu passa a mão no cabelo do outro, sentindo o cheiro de pinheiros que já fazia parte de Kise. Kasamatsu sorri para si mesmo.

"É... Demais."

.

.

"Meu bumbum já tá ficando dormente de ficar sentado aqui."

Kise e Kasamatsu estavam em cima das árvores fazia cerca de duas horas. O sol brilhava alto e não havia nenhuma nuvem no céu. Os dias estavam ficando mais quentes conforme o verão se aproximava, e a floresta estava cada dia mais viva e colorida.

A brisa morna chacoalhou os galhos das árvores, espalhando o cheiro dos pinheiros entre os rapazes no alto daquele cedro. Os passarinhos piavam alegremente. Pequenos insetos zumbiam ao redor de suas cabeças. No chão, um grupo de veados pastava na beirada da estrada de terra. Eles, no entanto, ergueram suas orelhas e pularam para longe.

Uma estranha calmaria tomou conta do lugar.

"Fique quieto. Acho que eles estão vindo."

A tensão no ar aumentou consideravelmente quando o trote de dezenas de cavalos ecoou nas árvores. Kasamatsu deu um aceno de cabeça para Kise, que sorriu e piscou um olho, lançando-se do galho de árvore direto para o chão, onde ficou caído com uma capa cinza esfarrapada cobrindo-o e suco de framboesa escorrendo do lado.

Kasamatsu riu consigo mesmo enquanto viu os cavalos pretos fazendo a curva. Ele posicionou-se atrás de algumas folhas e esperou.

"EIA!"

O cocheiro da primeira carruagem gritou ao ver o homem caído no chão, e os cavalos diminuíram a velocidade.

"O que está acontecendo aí?"

"Um homem, senhor! Parece morto ou ferido!"

"Tire ele do meio do caminho! Não podemos nos atrasar!"

O que parecia ser o chefe dos guardas deu um berro e alguns homens de vermelho desceram dos fundos da carruagem e foram até Kise.

"Parece morto." disse um deles, chutando a perna do rapaz.

"Vamos pôr ele na beira da-"

Em um milésimo de segundo, Kise sacou a espada e cortou as pernas dos guardas na altura dos joelhos. Ao mesmo tempo, Kasamatsu lançou uma flecha, que acertou a cabeça do cocheiro e o deixou preso contra a madeira da carruagem.

Kise, deixando os homens caídos no chão, cortou os arreios dos cavalos agitados, que correram para longe. O resto dos guardas saltaram da carruagem, já sacando as espadas. Kasamatsu ria enquanto tirava mais uma flecha da aljava e a alinhava com o arco, atingindo o homem que estava mais a frente. Ele cai no chão com a flecha atravessada no estômago.

"ARQUEIRO!!" o líder dos guardas grita, e todos correm para trás das árvores em busca de proteção. Kise confronta um dos maiores do grupo, mas corta-lhe o peito facilmente, chutando-o para o canto depois.

Mais uma dezena de guardas descem da segunda carruagem, alguns deles carregando arcos e flechas, olhando para o topo das árvores para tentar achar o arqueiro inimigo.

Kise arranca a perna de mais um guarda enquanto lida com três ao mesmo tempo. Kasamatsu pula da árvore na direção de uma pilha de folhas a poucos metros de distância de um homem que escondia-se atrás de uma árvore e ameaçava pular em Kise. Silenciosamente, Kasamatsu sacou suas adagas e, antes que o homem sequer percebesse, cortou-lhe a garganta e chutou o corpo para fora do caminho.

O rapaz mais velho pula no meio da luta e esfaqueia mais gente, desviando habilidosamente das espadas dos guardas. Kise rola pelo chão e arranca a mão de um deles, que grita de dor e toma um soco na cara, caindo desacordado nas moitas.

Uma flecha passa raspando na orelha de Kasamatsu, e ele ergue os olhos para ver pelo menos cinco arqueiros no topo das árvores.

"Querem jogar meu jogo e ganhar?" ele debocha, rolando para trás de Kise e sacando seu arco e mais algumas flechas. "Vocês são corajosos, hein!" ele mira em um que estava ajeitando a flecha, acertando-o no peito, fazendo-o cair de costas na terra. Os outros arqueiros tentaram fugir para galhos mais altos, mas todos eles, sem exceções, acabam com flechas no torso e mortos no chão.

Kise parece estar se divertindo com a luta de espadas, e golpeia os inimigos com um sorriso no rosto e os sapatos manchados de sangue.

"Kise, termina isso logo! Vamos pegar as coisas e cair fora!"

Kasamatsu guarda as flechas e pega a adaga, correndo até a primeira carruagem e abrindo a porta. Lá dentro, o amigo do Rei e sua esposa choram, com medo, abraçados sobre o banco de veludo preto.

"Não quero machucá-los. Passem todo o ouro. Suas joias também, madame."

Com as mãos trêmulas, os nobres entregam tudo o que tinham consigo, e Kasamatsu afasta-se da carruagem com a sacola um pouco mais pesada. Ele segue para a segunda, que aparentemente está cheia de comida. Os cavalos estão agitados e o cocheiro segura as rédeas como se fossem salvar sua vida.

"Não me mate por favor."

"Não quero matá-lo. Só entregue a carruagem e pode ir embora."

O cocheiro pula do banco alto e corre para o meio da mata, desaparecendo de vista. Kasamatsu sorri de satisfação ao abrir a porta e ver as mais diversas comidas lá dentro. Ele pega as rédeas e guia os cavalos pelo meio das árvores.

"Kise! Vamos embora!"

Kise ainda estava na estrada, agora frente a frente com um único homem, cercado de corpos no chão. Os dois se encaravam, e Kise sorria com aquele desafio. Kasamatsu sabia que Kise poderia derrotar aquele cara num segundo e que estava só fazendo seu charme usual, mas deixou o garoto se divertindo enquanto levava a carruagem para a clareira na beira do penhasco e amarrava os cavalos em uma árvore grande.

Quando voltou para o lugar da batalha acompanhado de um único cavalo, Kise ainda brincava com o guarda, que tinha vários cortes pelo corpo e parecia cansado.

"Kise, termina isso aí logo."

"Espera." o homem ergue as mãos e deixa a espada cair. "Eu me rendo."

"Se rende?" Kise quase ri na cara do homem, "Que hora inoportuna pra se render, hein?"

Kise gira a espada, já preparando-se para matar o homem, mas Kasamatsu coloca uma mão sobre seu ombro. "Deixa ele pra lá. Já temos o que precisamos. Vamos embora agora."

"Senpai!" Kasamatsu dá-lhe um olhar sério, e Kise bufa, guardando a espada. "Tem razão."

"Tá olhando o quê? Cai fora antes que eu mude de ideia!" Kasamatsu grita para o guarda, que corre para o meio das árvores. "Coloquei as coisas na clareira do penhasco. Me encontra lá."

Kise sacode a cabeça e corre na outra direção. Kasamatsu suspira e abre a porta da carruagem.

"Vocês aí!"

"N-Não nos mate, por favor!" os convidados do Rei ainda pareciam em pânico. A moça tinha a maquiagem borrada.

"Peguem esse cavalo e sigam a estrada até a vila. Digam ao vosso precioso Rei que os ladrões da floresta adoram gente rica. Agora vão!"

Kasamatsu larga as rédeas do cavalo nas mãos daqueles nobres e corre para o meio do mato também, seguindo para a clareira onde encontraria Kise.

O penhasco tinha uma bonita vista de toda a vila e do castelo do Rei, além de vários e vários quilômetros de plantações e do rio que cortava o Reino. Era bonito de se olhar. Kise parecia ainda mais brilhante na luz amarelada do sol enquanto acarinhava os cavalos pretos.

"Conseguimos bastante coisa, né, senpai? Os moradores da vila vão ficar muito felizes. Ah, e tem salameeee!" o rapaz sorria para o cavalo e passava os dedos entre os pelos lisos da crina.

"As joias vão dar um ouro do caramba. Pra falar a verdade, acho que isso aqui é uma opala..."

"O quê? Mentira. Deixa eu ver."

Kise chega e apoia o braço no ombro de Kasamatsu olhando para a pedra nas mãos dele.

"Pra mim parece uma opala..." Kasamatsu revira o anel nos dedos, erguendo-o contra a luz.

"Pode ser mesmo! Caramba, senpai, a gente se deu bem nesse-"

Os dois ficam em silêncio ao mesmo tempo, erguendo os olhares para as árvores bem à frente.

"Ouviu alguma coisa?" pergunta Kise.

"Ouvi."

A brisa bate, fazendo as folhas sacudirem. Kise lança-se em cima de Kasamatsu, jogando-o para longe da mira de uma flecha que veio diretamente do topo daquela árvore escura.

"Você tá bem?" pergunta Kasamatsu, olhando para Kise. O mais novo ergue-se rapidamente e procura o arqueiro entre os galhos grossos. "Seu filho da puta, eu tô te vendo!"

Kasamatsu puxa o arco e uma flecha, mas antes que possa mirar, é obrigado a saltar para o lado, desviando de outra flecha. No segundo que põe o joelho no chão, a flecha voa silenciosamente para o alto da árvore e ouve-se um grito, seguido de um baque no chão.

"Que desgraçado. Pegando a gente de surpresa..."

Kasamatsu coloca o arco no suporte e vira para ver Kise, que continua parado no lugar, mas com o olhar completamente aterrorizado.

"Ki-"

Kise treme da cabeça aos pés. Seu olhar abaixa lentamente, focando na flecha atravessada em seu peito. Ele ergue as mãos, segurando-a. Kasamatsu deixa as flechas caírem no chão, seus joelhos moles, a respiração ficando descompassada.

Ele corre até Kise e o segura pelos ombros, mantendo o garoto em pé. Kise treme e balança para os lados, ameaçando cair a qualquer segundo.

"Kise! Kise, não!" Kasamatsu consegue ver o olhar de pânico estampado nos olhos dourados do garoto, e como aquela mancha vermelha que surge em sua camiseta passa longe de ser suco de framboesa. "R-Rápido, senta aqui!"

Kasamatsu guia Kise até a árvore mais próxima e senta o garoto entre as raízes, jogando a mochila no chão e espalhando o conteúdo na grama.

"Ai meu Deus, eu esqueci o álcool em casa... Tô sem curativos. Kise, se você esperar dez minutos eu juro que-"

Kise, com o rosto ficando pálido, segura na mão de Kasamatsu e balança a cabeça. Ele abre a boca pra respirar melhor, e seus lábios ficam sujos de sangue.

"Kise."

"Senpai, n-não... Não precisa..."

"Kise, o que você tá falando?! Você tá ferido! Eu vou correr em casa e eu tiro essa flecha de você em dois minutos e-"

"Senpai, tá tudo bem."

A pulsação de Kasamatsu vai às alturas, vendo como o rosto de Kise vai ficando cada vez mais branco e sua camisa, mais vermelha. O sangue começa a fazer uma poça no colo do garoto.

"CALA A BOCA. CALA A BOCA. VOCÊ VAI FICAR BEM, TÁ ME OUVINDO?"

Kise sorri, mostrando os dentes sujos de sangue. Sua respiração parece molhada, e Kasamatsu, olhando para o jovem rapaz, viu que não havia jeito de fazer suas palavras uma realidade.

"Kise, por favor!"

"S-Se você for até em casa..." Kise sorri tristemente, "Não..." seus olhos ficam cheios de água, e ele agarra a frente da camisa branca de Kasamatsu com sua mão cheia de sangue. "N-Não quero morrer sozinho..."

"Você não vai–"

Kasamatsu sentiu como se tivesse tomado um soco no estômago. Era mais do que óbvio que Kise ia. Mesmo que ele negasse. Mesmo que ele fosse até em casa e pegasse os curativos, em dez minutos... Mesmo que negasse, era impossível...

Kasamatsu sente seu interior pegando fogo, ao mesmo tempo que não tem mais forças pra fazer nada a não ser ficar jogado ao lado de Kise, ouvindo-o respirar com dificuldade e olhando para ele com aqueles olhos dourados.

"E-Eu sabia que um dia eu iria morrer mas... Tão cedo..."

Kasamatsu agarra os ombros de Kise e encara o rosto dele como se fosse adiantar alguma coisa.

"O que há com essa cara, senpai? Não precisa... Ficar preocupado..."

"Não faça isso comigo. NÃO FAÇA ISSO COMIGO, KISE!"

"Relaxa, senpai." o garoto sorri de novo, fazendo força para deixar a cabeça erguida. "A gente roubou tanto... Pra onde será que eu vou...?"

Outro soco no estômago. Kasamatsu se contrai e fecha os olhos.

"A-A gente roubou, mas foi pro bem maior. Kise, a gente roubou mas fizemos bem. Não se arrependa agora. Nós salvamos tanta gente..."

"Hehe, eu sei..." Kise deixa a cabeça encostar contra o tronco da árvore. "Não me arrependo. De nada."

"Kise, por favor..."

"Foi tão legal ter te conhecido... A gente fez tanta coisa junto. Ei, senpai, obrigado, tá?"

"Cala essa sua maldita boca! Você não vai-"

"Obrigado por... Por ter me ensinado a usar a espada... E por tentar fazer o bem comigo... Eu fico tão feliz que-que a gente se conheceu..." os olhos de Kise voltam a ficar marejados, e ele encara Kasamatsu como se fosse a única coisa que o prendesse à terra. "Eu fico feliz por... Por ter gostado de você. Você me fez tão bem..."

Kise tosse e uma grande quantidade de sangue escorre pela sua boca e queixo. Sua camisa estava completamente vermelha, e o sangue se acumulava na grama ao redor, sujando a calça de Kasamatsu, que continuava ao lado de Kise, sentindo cada palavra como se fosse uma facada no peito.

Certamente doeria menos.

"Eu sabia que ia morrer mas..." as lágrimas que escorrem limpam o sangue do rosto de Kise. "Mas, senpai, eu tô com medo."

"K-Kise"

"S-Será que vai doer?" Kise ria por baixo do choro. "Pra onde eu vou? Eu tô com medo, senpai. Não me deixa ir, por favor. Eu tô com tanto medo."

"Merda. Merda. MERDA!!" Kasamatsu não consegue mais e as lágrimas pipocam dos seus olhos também, molhando a gola de sua camisa. "Kise, por favor. Não fica com medo. Eu tô aqui com você, ok?" ele tenta sorrir enquanto balança a cabeça, mal enxergando o rosto sujo do garoto. "Eu tô aqui contigo, e não vou sair do seu lado. Eu prometo pra você, Kise. Eu vou contigo pra onde quer que você vá. Não vou te deixar sozinho."

"Ah..."

Kise tosse mais, e mais sangue voa em sua camisa. A respiração dele fica fraca e desregulada.

"Obrigado, senpai... Não tô... mais com medo."

Kise sorri de novo, fechando os olhos por um breve momento, depois abrindo-os e encarando a vista do penhasco logo a frente. Kasamatsu segura suas mãos com força, mordendo tanto o lábio que chega a sangrar.

"Olha, senpai." Kise continua sorrindo, olhando por cima do ombro de Kasamatsu para o penhasco e o sol que começava a se pôr. "O céu... É da cor dos seus olhos."

"E você sabia, Kise?" Kasamatsu continuou, mesmo sabendo que Kise não estava mais ouvindo. Ele chorava desesperadamente, sentindo várias facadas ao redor do corpo. "Sabia que os seus são da cor do pôr-do-sol? Que nem esse... Que nem esse que você tá vendo..."

Kasamatsu encosta a testa na de Kise e grita, assustando os pássaros das árvores próximas. Ter o peito esfaqueado doeria menos. Quebrar a perna doeria menos. Aquela dor não dava pra ser comparada, muito menos suportada. Por isso Kasamatsu gritou e chorou contra o rosto de Kise enquanto o sol se punha, porque era justamente da cor dos olhos dele. E aquela cor fazia tudo doer, tudo, tudo.

Quando conseguiu se afastar do corpo do garoto, o sol já tinha sumido do horizonte, e Kise estava frio e pálido. O sangue de sua boca e de seu peito já tinha parado de escorrer, e ele agora parecia dormir profundamente.

Kasamatsu apoiou um joelho na poça de sangue e tirou a espada de Kise da bainha, e, com a ajuda dela, ergueu-se, encarando o castelo lá embaixo.

"Desculpe, Kise. Eu queria ter mais tempo pra ficar de luto, mas..."

Kasamatsu sacode a espada e a finca na grama a sua frente, sacando suas adagas. O que sentia dentro de si era selvagem, cru. Era pesado e escuro, e parecia dominá-lo do mesmo jeito que a água faz quando se pula num rio.

"Mas eu tenho um Rei para matar."


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Notas finais do capítulo

Breve continuação: Kasamatsu enterra sua espada no peito do Rei. Os dias que se seguem são tensos - ainda não se sabe como o povo reagirá à morte do monarca. Devido à popularidade do ladrão mais famoso do Reino e seu passado prestativo, o povo elege Kasamatsu Yukio como o novo Rei.

Todos os dias ele vai até o penhasco e observa o pôr-do-sol.

(só Deus sabe o quanto eu chorei pensando e planejando esse capítulo)



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