8 Horas escrita por VCA


Capítulo 2
Capítulo 2 - Poeira e deserto




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/598529/chapter/2

Mariana sentiu seus braços tremerem enquanto segurava o volante com força e tentava acalmar sua respiração. Olhou para trás, pelo espelho retrovisor, ainda procurando o homem que a perseguiu. Sabia que ele não poderia mais estar atrás dela enquanto ela andava nessa velocidade, mas parte dela ainda gritava em pânico enquanto sentia a adrenalina abaixar em seu corpo.

Até então tentara isolar seu pai para o fundo de sua mente mas conforme a adrenalina abaixava sua preocupação não deixava que desviasse seus pensamentos nem por mais um momento. Sentiu em seu peito a culpa crescer. Como pôde deixá-lo para trás assim?

Começou a reduzir a velocidade do carro até que tivesse parado no acostamento. Não que fosse fazer diferença onde ela parasse o carro, mas era força do hábito.

Olhou para trás, a imensidão negra continuava lá, estática. Amaldiçoou a noite por estar nublado e não haver a menor luz da lua sequer.

Sentia como se devesse voltar atrás e encontrar seu pai, deixá-lo para trás foi a pior coisa que podia fazer. Mas que opção tinha? No entanto, por mais que repetisse tal pensamento na cabeça, não podia conter o tão conhecido sentimento de culpa que crescia em seu peito. Mais uma vez causara mal para alguém que amava.

Lágrimas afloraram de seus olhos e lhe escorreram copiosamente pela face. Encostou a cabeça no volante e chorou por seu pai, por sua incapacidade de ajudá-lo, por toda a culpa que sentia, por tê-lo deixado para trás hoje e por seus atos passados. Soluços faziam com que seus ombros tremessem, tamanha a violência do desespero que a tomou de súbito. Não pôde conter um gemido em sua garganta enquanto batia no volante como se o objeto fosse o culpado de sua fraqueza e deslealdade. A dor das pancadas subiu pelo braço enquanto ela abraçava os joelhos no banco e chorava, tentando manter o controle.

“Chorar não vai ajudar agora” tentou dizer a si mesma, mas não conseguia se acalmar. Tentou respirar fundo, mas tremeu enquanto o ar preenchia seus pulmões.

Tinha de fazer alguma coisa por seu pai, não podia deixá-lo para trás com aquele homem. Mas e se voltasse e o encontrasse de novo? O que faria?

Secou as lágrimas com as mangas do casaco e tentou respirar em pequenos goles. Sentia como se os espasmos violentos de choro quisessem dominá-la novamente. A única opção que tinha no momento era voltar, e isso seria suicídio. No entanto, se dirigisse rápido o suficiente e encontrasse uma cidade poderia chamar a polícia. Voltaria no local do acidente, encontrar seu pai e talvez ainda poderia ajudar as vítimas da batida.

Girou a chave na ingnição. O motor respondeu enquanto ela rapidamente engrenava a marcha e partia, acelerando o mais rápido que conseguia em busca de uma cidade próxima. Não tinha ideia de para onde iria. Não conhecia o local e não se lembrava de ter visto muita coisa.

Pegou o celular caido aos seus pés no chão. Nenhum sinal ainda. Poderia ligar para a emergência ou usar o GPS para encontrar algum lugar próximo mas não teve a menor sorte com isso. Ligou a luz da cabine e abriu o porta-luvas. Havia uma pequena flanela e uma pilha de papéis que ela não reconhecia. Puxou todos e os jogou no banco do carona. Com sorte um deles seria um mapa.

Passou a mão por entre o emaranhado de folhas buscando alguma coisa que parecesse um mapa, mas só encontrou envelopes de contas, notas fiscais e panfletos. Socou o volante, enfurecida. Sentiu mais uma vez a dor lhe subir pelo braço, mas dessa vez era tão grande que teve de baixá-lo e mantê-lo sobre o colo. Sem muitos movimentos.

–Idiota - murmurou, xingando a si mesma.

Passou por uma placa, alertando sobre o limite de velocidade. Não tinha tempo para pensar em desacelerar, cada minuto que perdia era menor a certeza de que encontraria seu pai. Esse pensamento fez com que o sentimento de culpa e preocupação viessem à tona mais uma vez. Forçou-o fundo no peito e tentou reprimí-lo.

Sentia seus membros pesarem. Não tinha percebido quão cansada estava. Acordara muito cedo no dia anterior pra ir pescar com seu pai, e logo o dia seguinte amanheceria. Pensou mais uma vez no fim de semana que teve com ele e achou curioso o quão distante aqueles dias soavam agora. Seus olhos se inundaram novamente ao pensar que nunca mais veria seu pai.

–Foco! -gritou para si mesma. Enquanto percebia que sua mente estava se perdendo e caso se deixasse vagar dessa forma logo começaria a cochilar. O corpo estava cansado e tentava se recuperar de um rompante brusco de adrenalina. Ela necessitava de um descanso.

Um retangulo verde brilho na lateral da estrada chamou sua atenção, enquanto passava, refletindo a luz dos faróis.

“Cristalina - 5km” dizia a placa. Não tentou conter um sorriso esperançoso no canto da boca enquanto segurava o volante com mais firmeza. Na linha do horizonte o céu começava a tomar um tom cinzento, como chumbo. Com essa injeção de ânimo, sentiu o otimismo crescer em seu peito e tentou mantê-lo ali por mais tempo. Precisava disso pra continuar. Salvaria seu pai.

Dirigiu por mais alguns minutos até finalmente ver uma placa que dizia “Cristalina” e apontava para uma pequena estrada de chão. Sem pensar duas vezes adentrou a estrada, ainda em velocidade.

A estrada fazia com que o carro chacoalhasse e forçou-a a reduzir a velocidade. O ambiente começou a tomar um tom esbranquiçado matutino com pastos de grama bem baixa dos dois lados, sem muito mais a observar. Após passar uma porteira com uma casa bem atrás, numa das laterais da pista, continuou por mais alguns minutos, até avistar uma curva e a estrada se tornar pavimentada por paralelepipedos.

Subiu a estrada e seguiu em frente, enquanto pequenas casas começavam a aparecer esparsamente na lateral da pista. Mais alguns metros e as construções se tornavam mais frequentes e algumas delas eram pequenos comércios, de no máximo dois andares. Suas pinturas eram antigas e descascadas, comuns em cidades de interior. As ruas estavam desertas, mas ela não esperava movimento numa cidade as seis da manhã. Continuou em linha reta, vagarosamente, buscando a delegacia.

Quadras a frente passou por uma praça grande. Uma calçada de concreto circundando um espaço grande de terra com poucas árvores. Um parquinho de crianças feito de metal, com balanços e um trepa-trepa, com pintura descascada e um pouco enferrujado. Seguiu rodando pela cidade por mais alguns minutos. Numa das ruas paralelas a rua da praça encontrou a pequena delegacia. Uma construção pequena, pintada de amarelo. A porta de vidro da frente estava trancada. Empurrou para tentar forçar a entrada, mas não conseguiu nada.

Olhou para o celular, pouco depois das seis da manhã. Nunca soube que polícia tinha expediente, mas deveria começar por volta das sete ou oito. Não estava decidida no entanto de esperar por todo esse tempo.

Dirigiu até a praça, estacionou o carro e se sentou no capô, pensando no que fazer agora. Andou até o porta malas, abriu a mochila, pegou uma cartela de comprimidos e fechou-o. Foi até a cabine, jogou um comprimido na garganta e bebeu um gole do resto de uma lata de Coca-Cola que estava no porta copos. Quente, sem gás, mas pelo menos era algo para ajudar a engolir. Guardou a cartela no bolso de trás da calça e saiu mais uma vez.

Começou a caminhar de volta para a delegacia. A cidade estava empoeirada, deserta. Era como se fosse uma cidade fantasma. Não havia uma banca de jornal aberta ou padaria. Não havia o menor movimento.

Mariana se jogou no chão ao lado da porta da delegacia, na calçada, e ficou observando a rua. Sentia os membros pesados, a cabeça começava a latejar. Sacou o celular e olhou pelo sinal de novo. Nada. Observou o céu nublado e cada uma das casas da rua. Nenhuma delas com o menor movimento sequer.

Levantou-se, atravessou a rua e olhou por cima dos muros baixos deliberadamente. Frequentemente não conseguia ver muito longe ou até mesmo por cima dos muros. Ela era muito baixa para tal feito, porém, os que viu, não percebeu nem o mínimo movimento ou sinal de que alguém estivesse acordado.

Talvez estivesse exagerando por se preocupar com isso, mas algo soava muito estranho. Não passavam carros, nem pessoas e faltavam poucos minutos para as sete horas.

Mariana estacou. Seus olhos então mantiveram-se vidrados pra dentro de um dos quintais das casas. Não estava certa do que estava vendo. Não acreditava que tal ato de selvageria poderia ser feito.

Uma corrente presa ao muro estava ligada a coleira de um cachorro, o pelo amarelo dourado estava manchado com sangue. Sua cabeça jazia esmagada, um paralelepídedo do lado apresentava marcas de sangue em duas pontas diferentes, assim como marcas de dedos.

Começou a se distanciar dali mais uma vez sentindo o choro se embolar na garganta. Maldita seja essa cidade deserta onde não tem ninguém. Maldita seja.

–Maldita seja, cidade dos infernos! - gritou a plenos pulmões.

Ouviu seu grito ecoar bem pouco na rua, ou talvez só em seus ouvidos.Mas não ouviu a menor resposta. Não sentiu o menor olhar. Nada.

Estava definitivamente sozinha.

–Que merda tá acontecendo aqui? - perguntou para si mesma furiosa enquanto corria de volta para o carro sentindo sua cabeça pulsar violentamente.

Antes de entrar no carro, porém, começou a ouvir um zumbido bem baixo.

Talvez fosse um rosnado.

Se aproximava rapidamente.

No meio do silêncio era um tanto irreconhecível.

Ao alcançar distância suficiente ela percebeu. O barulho na verdade era um ronco de motor. Alguém estava a caminho. Tinha esperança de que fosse um carro de polícia mas seria muita sorte, e hoje ela não estava com a menor que fosse.

Parou ao lado do carro de seu pai e virou-se em direção de onde vinha o som, mas parecia mais distante do que ela imaginava. O barulho era estrondoso quando o Jeep virou a esquina. O carro desacelerou e parou assim que se aproximou dela. Dois homens desceram do carro. O motorista, um homem alto, musculoso, pele negra com traços no rosto bem fortes. Nariz largo, lábios grossos, o rosto arredondado, com as maçãs do rosto bem pronunciadas. A cabeça era lisa. Taciturno, a fitaram. Vestia calça com bolsos laterais, uma camisa branca e um colete com mais compartimentos do que ela podia contar. Do outro lado desceu um homem loiro, menor, mais magro. Os olhos verdes observavam Mariana com interesse enquanto um sorriso irônico se desenhava em seu rosto fino e comum, cheio de escarnio. Vestia bermudas e botas de caminhada, uma camisa preta.

Andou em direção a ela esfregando as mãos.

–Oi bonitinha - disse com uma voz fina e rasgada - Faz um bom tempo que não vemos uma menininha como você por aí. - abriu um sorriso largo, revelando a longa fileira de dentes amarelados.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Seria interessante ouvir sobre ritmo, percepções dos leitores sobre a história e críticas. Onde estou errando? Se tiver algum desses comentários ficaria muito feliz em ouvir. Obrigado por ler e espero que goste!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "8 Horas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.