A Esperança - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 10
Capítulo 10




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Estou trêmulo, amarrado com correntes a uma cama no laboratório. As memórias ficam indo e vindo na minha mente. Veneno de teleguiadas injetado em minhas veias. A cor preferida de Katniss é verde. A cabeça de um pacificador pendendo em minhas mãos. Sinto ânsias. Todo esse tempo... Johanna estava sendo, violentada. Não consigo suportar isso. Lembro de mim, como se fosse outra pessoa, avançando no desgraçado, e desferindo socos e mais socos sobre ele. Johanna, apesar de sua debilitação, foi rápida o suficiente para alcançar uma faca no cinto dele, e lhe cortar a garganta, enquanto eu, segurei com força a cabeça dele, e a puxei. As lágrimas de dor, medo, frustração, e arrependimento quase me sufocam. Mas, eu saí de mim, ao ver Johanna sendo submetida aquilo. Em seguida senti os choques em meu pescoço, e desabei. Agora estou aqui. E imagino o que está por vir. Thread entra no laboratório, acompanhado por Snow. Para meu horror, um pacificador entra trazendo Moira amarrada.

– Você, seu merda, e aquela vadia, mataram um de meus homens – Thread grita, e dá uma bofetada em meu rosto.

Sinto gosto de sangue em minha boca. O fito, descrente.

– Vocês sabiam o que estavam fazendo com ela! E não fizeram nada! – grito em resposta, e arfo, com a dor em minhas costelas.

Snow me olha. Frio.

– Dra. Moira, inicie o procedimento. Fiquei muito grato pela sua ajuda em desenvolver um novo protótipo do veneno – Snow diz, sem me olhar.

– Me forçando daquela maneira, não teria como eu negar – ela diz, e fita Snow, em desafio.

Moira não pode enfrenta-lo. Isso só resultara em mais mortes. Minha cabeça começa a latejar, e uma dor sufocante me acomete. Eu preciso falar com Katniss novamente. Ela tem que parar. Por causa dela aconteceram essas coisas horríveis com Johanna. A dor fica ainda mais forte. No que estou pensando? Snow tem que pagar por tudo isso. A dor é tanta que eu tenho vontade de gritar. Katniss tem que pagar por tudo isso.

O pacificador desata as mãos de Moira, e ela caminha até mim.

– Vai ficar tudo bem, querido – ela sussurra.

– Como está Johanna? – pergunto em resposta.

Ela fita o chão.

– Vai ficar bem.

Engulo em seco. Nós nunca ficaremos bem novamente.

Moira faz o mesmo ritual. As agulhas em minhas veias. Os tubos. O liquido cor âmbar. Os bips do monitor. E quando está prestes a abrir o pequeno registro, Snow a empurra.

– Deixe que eu faço isso, Dra.

Cerro os dentes, mas nada poderia me preparar para a dor que sinto. Não consigo enxergar mais nada. As pessoas ao redor se tornam apenas vultos. Consigo distinguir apenas a rosa branca na lapela de Snow. Sinto como se minhas veias estivessem pegando fogo. Parece que alguém está enfiando os dedos em minha cabeça e arrancando meu cérebro. Grito. Mas nada faz essa dor parar. As memórias passam como um turbilhão em minha mente. E todas elas são sobre Katniss. Minha vida gira em torno de Katniss, e do meu amor por ela. Mas o que ela está fazendo? Armando planos com rebeldes, enquanto estou preso na capital. Lutando ao lado de Gale... Sempre Gale. Me lembro de quando ela dormiu com o rosto tão próximo ao dele, na ocasião em que ele foi chicoteado. E de quando ela preferiu falar com ele a respeito de uma fuga. O bip fica extremamente acelerado. Katniss nunca pensou em mim de fato. Mesmo quando arriscou sua vida, foi apenas por medo de ficar sozinha na arena. Tudo era mera encenação. Ela nunca me amou. Ela destruiu minha vida. As lágrimas agora me deixam sem ar. Eu continuo a gritar. É ainda mais doloroso entender que tudo sempre foi uma mentira. Que talvez, Katniss tenha sempre me feito de bobo. Que eu fui o tolo garoto padeiro, que faria qualquer coisa por ela. Katniss destruiu minha vida. O bip para, enquanto ouço Moira gritar desesperadamente meu nome.

Quando acordo, estou deitado no chão. Me levanto mas logo caio devido a dor. Rastejo até a porta. E desta vez não há fechadura. É uma porta de metal, parece ser bem resistente, e arrisco dizer que só abre pelo lado de fora. Isto é de fato uma cela. Não há nada ao meu redor. Nem sequer banheiro. Apenas as paredes brancas. Perto da porta, escuto um bip, em seguida ela se abre para o lado e Thread entra. A porta se fecha automaticamente a seguir.

Ele apenas me olha. Eu recuo e me encosto até a parede, desejando ardentemente que ele não faça nada comigo. Eu não aguento mais.

– Você está preso, por assassinato – ele diz, e se abaixa, ficando com o rosto em frente ao meu. – Só não foi condenado a morte, por Snow lhe achar útil para algo, ainda. Porém, terá que pagar de algum jeito.

Ele anda até a porta, e pressiona seu dedo onde deveria haver a fechadura. Escuto um bip novamente e a porta se abre. Dois pacificadores entram segurando uma espécie de balde, porém enorme. Thread me segura pelo pescoço como se eu fosse um boneco, e me faz ficar de joelhos.

– Se tiver a oportunidade um dia, agradeça a sua noiva por me proporcionar tamanha diversão – ele diz, antes de enfiar minha cabeça no balde, que descubro conter agua, extremamente gelada.

No começo tento prender minha respiração. Mas não consigo por muito tempo. Quando começo a me afogar, penso apenas em Katniss. Eu não acredito que ela saiba o que está causando. Será que ela de fato está causando tudo isso? Sinto a agua entrando por meu nariz, e queimando como fogo, apesar de estar gelada. Com ânsias, sinto o vomito subindo pela minha garganta, de encontro com a agua que engulo. Tudo o que eu queria, era sentir a respiração de Katniss enquanto ela dorme aninhada a mim. Tudo o que eu queria, era que esse sofrimento acabasse. Tudo o que eu queria, era que Katniss pagasse pelo que está fazendo.

Quase sem sentidos, sinto o ar entrando em meus pulmões, enquanto vomito agua, e um liquido ácido e amarelado. Enxergo Thread e seu sorriso tremeluzindo a minha frente. Ele então com esforço, vira toda agua gelada sobre mim, e vai embora me deixando tonto, vomitando e tremendo de frio.

Adormeço e não sei se é em meus sonhos, mas escuto nitidamente pessoas falando sobre um bombardeio no distrito 13, que matará Katniss. Sorrio, pensando em como isso será bom.

Acordo agitado. O cheiro é terrível. Uma mistura de suor, urina, e vômito. Mas nada disso surte efeito sobre mim, pois eu preciso avisar Katniss. Eles vão matá-la. Não posso deixar isso acontecer. Sem saber o que fazer me encolho contra a parede. Não consigo me lembrar os traços de Katniss. Mas seus olhos são cinzentos. Eu já pintei tantos retratos sobre ela. E eu não consigo me lembrar. Escuto um bip familiar, em seguida a porta se abre. Vejo Moira entrando com uma expressão de pavor.

– Peeta, pare! O que você está fazendo! – ela grita, enquanto me afasta da parede. Um líquido quente escorre por meu rosto, então me dou conta de que eu estava batendo minha cabeça na parede.

– O que está acontecendo comigo, Moira? – pergunto, apavorado.

– Nada, nada – ela diz, me abraçando. – fique calmo, querido.

Meu peito parece explodir de tanta dor. Minhas pernas estão bambas, e tremendo.

– Calmo? – explodo e a empurro para longe de mim. – Como você quer que eu fique calmo? Sabendo que Katniss vai morrer?

Moira me fita, perplexa.

– Você não está feliz com isso? – ela pergunta.

Encaro-a, horrorizado.

– Você está louca? Eu amo Katniss, incondicionalmente. Eu preciso alertar ela – grito, em desespero.

– Peeta – Moira diz, e me abraça apertado. – Você terá uma entrevista hoje. Fale para ela. O bombardeio ocorrerá esta noite, eu ouvi Snow falando sobre isso com Thread. Eles querem pegar o 13 de surpresa, mas você pode alertá-los.

De repente uma calma estranha me envolve.

– Alertá-los? Por que eu faria isso? – pergunto, satisfeito com a informação. Katniss estará morta.

Moira fita o chão.

– Por nada, querido. Venha, vão te arrumar.

Minhas mãos são algemadas, fazendo a pele que estava se cicatrizando ficarem em carne viva novamente. Sou escoltado até um quarto onde duas mulheres de cabelo roxo me aguardam. Elas têm a pele quase dourada, o que fica assustador acompanhado de batons preto e vermelho. Sou jogado numa banheira, esfregado em seguida vestido num terno branco. Deixo trabalharem em mim sem dizer palavra alguma. Estou centrado no que acabo de descobrir. Katniss vai morrer. Eu deveria me sentir feliz com isso, certo? Mas por que tudo que sinto é uma agonia crescente?

Quando as mulheres dão por terminado o trabalho, sou conduzido até o telhado, mas por não conseguir andar, me arrumam uma bengala. Seria um gesto cortes se não fosse acompanhado de um tapa em meu rosto a cada vez que eu me desequilibrasse. Quando o aerodeslizador levanta voo, institivamente eu sei o destino. Após alguns minutos aterrissamos na fabulosa mansão de Snow. Meu corpo não para de tremer. E a maquiagem escorre devido ao meu suor.

Sou conduzido até o gabinete de Snow. Ele me aguarda sorridente. Não consigo me concentrar em nada. Mal lembro do caminho que fiz para chegar até aqui. Sem ser convidado, me jogo numa cadeira que há a sua frente, por mal conseguir ficar em pé.

– Sr. Mellark, é com pesar que lhe informo que os rebeldes continuam a agir. Estão cada vez mais ousados. O fogo da rebelião está se alastrando. Você é o único que pode apaga-lo. Ou você, ou o sangue de milhares de inocentes.

Eu o olho, confuso. Sobre a escrivaninha, há uma foto, de uma bela garota.

– Quem é esta garota? – pergunto.

Snow sorri.

– Sunny, minha neta. Meu raio de sol, nestes dias turbulentos.

– Ela é bonita – digo e pego a foto em minhas mãos.

– Vocês formam um belo par – Snow sugere.

Eu o olho.

– O que quer que eu faça? – pergunto e mudo de assunto. A menção sobre formar um belo par com alguém me deixa desconfortável.

– Há um discurso preparado. É só ler ele sem acrescentar nem tirar palavra alguma. E eu já ficarei muito satisfeito.

Assinto.

Um pacificador surge, e me levanta violentamente me arrastando para fora do gabinete. O cheiro de rosas ainda está impregnado em minhas narinas.

Há uma sala, lindamente decorada. Um pódio dourado. Uma cadeira, parecida com um trono, e um mapa de Panem logo atrás. Há câmeras e telões por todo o lado. É tudo tão branco, as paredes, o piso. Branco é sinal de pureza. O que não existe na capital.

Há dois pacificadores me observando. Um homem muito baixo e gorducho me mostra onde meu discurso estará passando. Numa pequena tela, bem ao lado da câmera central. Começo a lê-lo. Quantas coisas destruídas. Quantas vidas já foram perdidas... Katniss é mesmo um monstro por deixar isso acontecer. Katniss Everdeen. Oh meu Deus... Eles vão matá-la. Esse pensamento me atinge com tanta força que eu caio de joelhos no chão. Os pacificadores se aproximam de mim, e me seguram enquanto me debato debilmente. Não posso deixar isso acontecer, não posso.

– Eles vão matar ela. Não posso perde-la de novo. Não posso – grito o máximo que posso, até que um choque em meu pescoço me faz uivar de dor, e me imobiliza. Quando o efeito vai passando, me levam até a cadeira e lá me sentam. Até quando vão fazer isso comigo? Começo sentir um ódio tão grande de Katniss, que se eu pudesse eu mesmo a mataria.

Alguns minutos se passam, até que Snow adentra a enorme sala. Sua postura está impecável como sempre. Não há uma rosa branca na lapela de seu terno branco, desta vez.

– Preparado? – ele pergunta, lançando um sorriso gentil para mim. Mas há algo assustador em seus olhos. Apenas assinto.

A luz da câmera fica verde.

Minha cabeça dói, enquanto Snow fala. Eu me pergunto como Johanna está. Katniss pagará por tudo isso. Tento focar na tela onde está meu discurso, mas não consigo. Pisco. Meus olhos parecem seco. Tento controlar os tremores em meu corpo. Snow me olha. E de repente me sinto cansado. Mas sei que está ao vivo. Ao meu lado há uma tela onde está passando a filmagem. É horrível o estado no qual me encontro. Mesmo com toda a maquiagem não dá para disfarçar os hematomas em meu rosto. As olheiras. Eu nem pareço... Eu mesmo.

Volto a olhar para a tela. Meu discurso ainda está lá. Pigarreio, e começo a falar.

– Um cessar-fogo tem que acontecer. Os rebeldes estão destruindo os bens essenciais as necessidades de todos os cidadãos de Panem. Uma barragem foi partida no distrito 7. Um trem descarrilou derramando um reservatório de resíduos tóxicos dos carros tanque. Celeiros foram incendiados.

Mas, de repente a voz de Katniss explode em meus ouvidos, e assustado, olho para o grande telão, onde agora, não há a minha imagem. E sim a de Katniss, andando em meio a destroços. Eu reconheço. É a padaria de meus pais. Estremeço. O que aconteceu?

— Peeta, esta é sua casa. Não foi ouvido falar da sua família desde o atentado. O Doze se foi. E você está pedindo um cessar-fogo? – Katniss está dizendo.

Então imagens vem a minha cabeça. Eu, com 9 anos, coberto de farinha, fazendo meu primeiro grande bolo. Meu pai sorrindo para mim, enquanto me ajudava. Meus olhos começam a arder. Minha família... está morta? Agora na tela, há a minha imagem novamente. Meu discurso ainda está na tela. Katniss está mentindo. Eles não estão mortos. O 12 não se foi. Katniss é uma mentirosa miserável.

– Houve também, um bombardeio numa estação de agua – continuo.

Mas então Finnick aparece na tela. Ele está vivo... Não posso acreditar. Quase rio de felicidade. Então ele começa a falar sobre a pequena Rue. Sua vida tão precoce foi levada pela capital. Sinto lágrimas em meus olhos. Se alguém tem que pagar por isso, esse alguém está ao meu lado. Olho, com raiva para Snow.

Katniss aparece novamente, desta vez há montes e montes de esqueletos em frente ao edifício da justiça, ou ao que restou dele no distrito 12. Então é verdade. Todos estão mortos. A doce voz de Katniss enche a sala. Ela canta uma música. Tordos acompanham sua bela voz. Eu preciso de Katniss. Agora as lágrimas ameaçam sair numa fúria arrebatadora. Levo minhas mãos ao rosto, desolado. Todos vão morrer. Todos. Snow grita ordens furiosas, enquanto a voz de Katniss entra cada vez mais em minha mente. Eu havia me esquecido o tom de sua voz. Sorrio, por ser contemplado com isso. Olho-a no telão, e ela parece bem. Ela é linda.

Snow sobe ao pódio novamente.

– Os rebeldes estão agora tentando interromper a disseminação de informações que acham incriminatórias, mas a verdade e a justiça reinarão. A transmissão integral será retomada quando a segurança for reestabelecida – ele anuncia, enquanto um musculo em sua mandíbula pulsa, tamanha sua raiva. Então eu me lembro que tudo isso está acontecendo, todo esse sofrimento a exterminação do doze e da minha família, é culpa de Katniss.

– Sr. Mellark. Dada a manifestação de hoje, o senhor tem algumas palavras para Katniss Everdeen? – ele pergunta.

Eu o fito, atordoado. Katniss destruiu minha vida. Matou minha família. Mas, por que eu ao mesmo tempo ela é tão importante para mim?

Minhas mãos tremem ainda mais.

— Katniss... como você acha que isso vai acabar? O que vai sobrar? Ninguém está a salvo – digo. Penso em Johanna e em como a maltrataram. Penso em Cinna. Moira. - Não na Capital. Não nos distritos.

Então me lembro... Eles vão matar ela. Isso seria bom.. Mas eu não consigo compactuar com isso. Eu não posso deixar que Katniss morra.

– E você... no Treze... — continuo. As palavras não querem sair. Katniss é a pessoa que está acabando com Panem. Minha cabeça parece a ponto de explodir. Lembro da doce voz de Katniss... Seus olhos... — estará morta pela manhã!

– Acabem com isso – Snow grita furiosamente.

Dois pacificadores correm em minha direção.

– Katniss – eu grito....

Eles seguram meus braços, enquanto eu luto furiosamente para escapar deles. O ar parece ter sido sugado do ambiente. Preciso dizer a Katniss que eu a amo. Que não importa o que ela faça, eu sempre vou amá-la. E que eu vou encontrar um meio, de ficar com ela novamente. Meu corpo inteiro se arrepia, quando eu vejo Thread se aproximando com sua luva incrustada de metais pontiagudos. Um grito de dor me escapa enquanto ele começa atingir violentamente meu rosto, rasgando a pele que mal havia se recuperado. Então eu sou jogado no chão, e fico ali, lambuzado por meu próprio sangue, absorvendo toda a minha dor, humilhação, e sofrimento. Nesse momento tenho apenas uma certeza. Apenas um desejo. O de matar Katniss Everdeen.


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