Exílio Soturno escrita por Kirialini


Capítulo 7
Apunhalados


Notas iniciais do capítulo

A fanfic foi abandonada por um tempo, mas aqui está o capítulo novo e também o PENÚLTIMO. A fanfic passou por várias reformulações e a gente resolveu finalizá-la de uma vez, sem enrolações.



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28 de outubro de 2014
Ponto de Vista de Salsicha
Estou aqui. A única coisa que posso enxergar sou eu. Não há nada ao meu redor, só uma escuridão sem fim. O frio é tanto que mal consigo mexer meus dedos e estou tremendo de uma forma tão intensa que nunca havia acontecido antes, nem mesmo quando estive no Himalaia. Não há chão, céu ou horizonte, pelo menos não ao alcance da minha visão. Pareço flutuar em meio ao nada. Não há sinal de qualquer alma viva, digo, há eu aqui, mas tenho dúvidas quanto a parte “viva”, principalmente depois do que aconteceu. E se minha vida se foi? E se acabo de descobrir a resposta que muitos buscam? Uma resposta desanimadora, devo dizer. Será isso o que encontramos após a morte? Um vazio eterno e gelado?
Meus questionamentos são interrompidos por uma voz que ecoa clamando por mim. Procuro pela origem do som, mas a escuridão continua a mesma. A voz que antes parecia distante, aos poucos se aproxima de mim. Apesar de eu ainda não ver de quem ela é, quanto mais próxima ela chega, mais familiar ela soa.
— Scooby?
Subitamente, me encontro em outro lugar, Scooby ao meu lado e também, mais afastados da gente...nossos amigos, desacordados, estirados no chão acorrentados, assim como nós dois. Olho ao redor e vejo dezenas de cópias nossas.
Ponto de Vista de Simone Lenoir:
Eu a olho deitada na cama, seu rosto ferido, e só consigo sentir ódio. Ódio daqueles que fizeram isso com ela e mais ódio ainda de Sarah. Avisei-a para não subestimar o da barbicha e seu cachorro estúpido, avisei que poderia ser perigoso enviar Lena para vigiá-los, uma vez que ela estaria impossibilitada de adquirir sua forma felina pelo feitiço de charme ao qual estaria submetida. Mas é claro que ela não me ouviria, em sua visão somos ignorantes demais para opinar sobre as ações que devem ser tomadas.
Depois de horas desacordada, finalmente vejo seus olhos se abrindo.
— Como você está? — me aproximo velozmente de sua cama.
— Mone, sinto muito — ela me diz ainda meio desnorteada, mal se ouve sua voz. — Eu falhei!
— Não diga isso — eu toco sua mão gelada. — Você não falhou, conseguiu ativar o feitiço — sorrio na tentativa de consolá-la. — E Sarah cuidou dos outros dois, não sei por que ela não fez isso tudo sozinha antes, seria bem mais rápido e fácil — eu respiro fundo.
— Ela nunca nos entregaria a liberdade de bandeja, você sabe disso — ela parece devastada.
— Você ainda não me respondeu — na verdade, não preciso da resposta, mas sinto a necessidade de ouvi-la dizer. — Como está se sentindo?
— Nada bem — ela leva sua mão até a nuca. Faz isso de forma extremamente lenta, pela fraqueza. — Não entendo, por que ela não alivia essa dor incessante, eu achei que ela seria poderosa o suficiente para isso, não foi por isso que fizemos essa aliança? Ou será isso uma punição pelo meu fracasso? Eu deveria tê-la escutado sobre tomar cuidado.
— Não! — digo com hostilidade, mas reajusto meu tom, quando noto a expressão assustada de Lena. — Me perdoe, Lena, é que...quem deveria ter nos escutado era ela. Fomos arruinadas uma vez por subestimar os dois, por isso a avisamos para não cometer o mesmo erro. Se ela tivesse nos dado ouvidos, você não estaria nessa situação — meus olhos lacrimejam numa mistura de ódio e frustração. — Mas não se preocupe, logo estaremos livres para retornar ao lar e viver uma vida normal, finalmente. Estive conversando com Sarah, temos trabalhado em uma forma de nos livrar da maldição do Gato, não precisaremos mais nos preocupar com a lua cheia. Nunca mais — eu digo a ela com uma expressão incentivadora. — Pelo visto, aguentá-la tem seu lado bom — debocho.
— É, Sarah disse que eles seriam necessários para nossa libertação, e é isso o que os mantêm vivos agora — ela cerra os punhos. — Eu teria acabado com eles com muito prazer se não fosse por isso.
— Se acalme — aliso seu cabelo com as mãos. — Pense que em breve estaremos em casa, no nosso lar. — sorrio, mas ela não parece tão ansiosa quanto eu.
— Bem, não sei se vai ser tão fácil voltar para casa — ela diz com receio. — Enquanto estive fora, fiz umas pesquisas, e parece que depois que partimos, a Ilha foi disputada por muitos. Uma família se instalou ilegalmente lá para iniciar a produção de peças com couro de jacaré. Depois uma indústria pesqueira tentou comprar terrenos na ilha, mas quem arrematou no final foi uma empresa de molho de pimenta e conservas — Lena diz desapontada.
— Eles não demoliram a mansão, demoliram? — eu levo a mão até a boca, preocupada.
— Felizmente, não — ela sorri, mas rapidamente desfaz. — Um dos diretores se apaixonou pela casa e se mudou para lá com a família.
— Nós vamos recuperá-la de alguma forma, tenho fé — digo confiante. — Só espero que ele não tenha colocado aparelhos televisivos lá.
— Sei o quanto você odeia televisões — Lena ri ainda sem forças. Mesmo assim, isso me alegra.
— Sra. Lenoir — A menina, Tress, interrompe. — Sarah pediu para que a chamasse caso os rapazes despertassem — ela parece ter um pouco de medo em se dirigir a mim, pois evita contato visual.
— Você vai ficar bem, Lena? — eu pergunto, temendo que seu estado piore.
Ela me responde com um meio sorriso. Eu me despeço de com um gesto e volto minha atenção à menina que espera junto à porta.
— Fique aqui e cuide dela, não hesite em me chamar caso algo ocorra — falo com rigidez. — Entendido? — eu a questiono, encarando-a de uma forma que a faz suar frio.
— Sim — ela responde, trêmula.
Deixo o local, mas antes, aproximo meu lábios do ouvido esquerdo da garota, sussurrando pausadamente:
— Nunca mais me interrompa.
Eu desço até o porão e uma sensação maravilhosa toma conta de meu corpo. Uma das melhores da minha vida nenhum pouco curta. Ver os corpos desses cinco jovens estendidos no chão, apenas esperando o momento certo para serem atirados à morte, ou algo até mesmo pior que ela, me traz um prazer inimaginável. O garoto e o cachorro estão trêmulos e não param de olhar com espanto para as paredes espelhadas que os cercam.
— Olá, rapazes, ficarei sentida se disserem que não se lembram de mim — eu digo para os dois, e isso só os deixa piores. — Vocês deveriam ver as suas caras...espera — eu dou uma breve risada debochada — Vocês podem fazer isso. Odeio admitir, mas Sarah tem perspectiva. — eu os encaro por um tempo, mas tudo o que fazem é tremer e soluçar. — Que eu me lembre bem, nem eu, nem meus gatos comeram suas línguas da última vez, então, o que foi? Viram um fantasma?
Minha pergunta não é respondida. Eles me lançam olhares, mas nenhuma palavra sequer, seus olhos estão cheios de lágrimas e suas expressões são dificeis de compreender, eu diria que se trata de uma combinação de ódio e medo, mas é dificil definir.
— Vejo que não estão com humor para um papinho — sorrio sarcasticamente. — Vou deixá-los a sós com seus amigos, tenho certeza que vocês têm muito para conversar — sigo em direção a escada, mas antes de chegar nela interrompo meus passos e volto-me aos dois. — Quase esqueci de agradecer sua gentileza, trazendo uma lembracinha — estendo o frasco de conteúdo violeta, suas feições agora são tomadas pela surpresa. — Não precisavam se dar ao trabalho, mas, mesmo assim, estamos lisonjeadas — me despeço com as mãos e sigo meu rumo.
Decido ir até o quarto de Sarah para avisá-la sobre os dois imbecis e confirmar como devo proceder, apesar de odiar toda essa sujeitação, é necessário. Antes que eu possa bater na porta, ruídos, como sussuros, vindo de dentro do quarto me fazem sucumbir a tentação. Muito se comenta sobre o alcance da audição canina, que se esquecem que os gatos também têm tal sentido muito mais aguçado que o dos humanos. Mesmo na minha forma humana, os sentidos são superiores aos homens comuns, porém, é incomparável a quando estou transformada. Concentro-me em atingir a forma felina intermediária e logo sinto meu rosto se movendo e contorcendo para efetuar a transformação, é um pouco doloroso, mas não sofro, afinal, são mais de duzentos anos cumprindo esse mesmo ritual. Agora, depois da transição, a sensação é de estar ao lado de Sarah, como se ela falasse diretamente a mim. Mas, aquela era uma declaração a qual não estava preparada para ouvir.
Ponto de Vista de Salsicha:
Continuo em silêncio, bem, ao menos tento fazer isso. Scooby está deitando em meu colo ganindo e chorando. Eu tento controlar minha angústia e desespero para pensar em uma forma de nos salvar. Cada vez que olho para o meu reflexo, através dos espelhos que me cercam, me sinto mais fraco e impotente. Como pude deixar a situação avançar de tal forma? Talvez devêssemos nos esforçar mais em seguir os passos do resto da turma, talvez isso teria nos ajudado a visualizar um luz no fim desse túnel no qual nos encontramos acorrentados e indefesos.
O que me deixa mais indignado comigo mesmo é que as habilidades que me esforcei a adquirir ao decorrer do tempo são totalmente inúteis numa situação extrema como essa, são bobas e superficiais. Se estivéssemos falando de tomar a chave da dispensa da mansão Blake para nos empanturrar com todas aquelas comidas de alto nível, teríamos o plano perfeito. Se estivéssemos falando de qualquer coisa fútil do tipo, teríamos o plano perfeito. Eu queria que nosso maior problema fosse comer comidas de luxo. Queria que a saída fosse tão simples quanto distração e captura. Mas...talvez pudesse ser.
— Scooby — sussuro e ele olha para mim, com olhos irritados de tanto chorar. — Lembra aquela vez que conseguimos a chave do Jenkins para a dispensa da mansão Blake? — ele assente. — Vamos repetir a dose.
Começamos uma baderna, na tentativa de chamar a atenção de alguém. Arrastávamos as correntes, berrávamos, mas não obtíamos resultados. Numa última tentativa, um pouco desesperada, preparo Scooby para o próximo passo.
— Proteja-se!
No mesmo instante, ele se encolhe e coloca as patas na cabeça para sua proteção. Quando vejo que ele está pronto, atinjo a parede de espelhos com o cotovelo, usando toda a minha força. Rapidamente sigo o exemplo de Scooby e me encolho em defesa, enquanto fragmentos espelhados chovem sobre a nós. Como resultado, ganhamos algumas escoreações no corpo, mas, por outro lado, também ganhamos a atenção que tanto queríamos.
Eu encaro por uns segundos a menina que acabou de descer a escada numa velocidade surpreendente. Seus cabelos são castanhos, sua pele tem uma estranha palidez, abaixo de seus olhos, marcas profundas de cansaço. Com certeza, uma das meninas desaparecidas. Quando ela vê a situação, ela demonstra admiração.
— O que vocês fizeram? — ela coloca as mãos na cabeça, preocupada com a situação. — Eu desapontei a Suprema, e a desapontei — suas mãos estão tremendo.
Eu a olho com mais atenção e seu nome vem à minha mente.
— Joanne Brunhild? — pergunto. Ela parece surpresa por eu saber tão informação. — Sua mãe está à sua procura, está devastada — tento comovê-la.
— Irônico — ela sorri. — Quando eu estava ao lado dela, eu nunca tive sua atenção — acrescenta. — Mas isso não importa agora, porque eu tenho uma família que me quer, que precisa de mim — ela parece maravilhada. — Tenho irmãs.
— Você não pode estar falando sério — estou um pouco preocupado. — Não vê que isso está acabando com você? Olhe para o seu redor, para os espelhos — eu argumento. — Olhe o que você se tornou, veja você mentindo para si mesma. Eu sei que sua mãe pode não ter sido...
— Chega! — ela me interrompe e se aproxima, pronta para por suas mãos em minha garganta, mas recua no último instante. — Não posso fazer isso, não são as ordens — ela diz a si mesma inúmeras vezes enquanto se retira do local.
A única certeza de que é seguro continuar com o plano, é o barulho da porta se fechando, uma vez que ela fica num ponto cego.
— Conseguiu, Scooby?
— Sim — ele levanta a cauda e lá está o molho de chaves.
— Esse truque me lembra dos velhos tempos. — sorrimos um para o outro. — Agora só temos que descobrir qual delas vai nos soltar daqui.
— Vou poupar o tempo de vocês — uma voz surge e logo ouvimos passos na escada. — Meio desapontada por acharem que seria tão fácil se livrarem daqui — sua risada maligna ecoa por todo o lugar.
A cada passo dado, a imagem vai se revelando e no final, uma versão não fantasmagórica de Sarah está em nossa frente. Vestido roxo longo, cabelos castanhos mesclados com grisálio, mas o sorriso debochado e egocêntrico continuava inalterado.
— Não entendo — eu gaguejo. — Nós vimos seu livro queimar. Como você pode estar aqui?
— Tem coisas, lugares, seres, que vão além do entendimento de vocês — ela responde com tranquilidade enquanto caminha pelo cômodo com os braços para trás. — Se eu tivesse mais tempo, eu explicaria, mas tem algo que tenho fazer agora mesmo — ela expõe seu sorriso sarcástico junto de um punhal em sua mão. — Vocês têm três segundos para se despedirem da ruivinha e do loirinho, aproveitem! — ela caminha na direção dos corpos de Fred, Velma e Daphne.
No momento que ela está pronta para concretizar seu plano, o barulho da porta a paralisa. Ela gira seu corpo na direção do som. E grita autoritária:
— Quantas vezes eu já disse...
Sarah é calada por uma criatura que avança sobre seu corpo numa velocidade inacreditável. A criatura mantém seu corpo sobre o de Sarah no chão e sua arma é arremessada longe com a queda. Após a criatura finalmente deixar de ser um vulto veloz, percebo que conheço a fera, ela se chama Simone Lenoir.


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