Sete coisas para se fazer nos últimos sete dias escrita por River Herondale


Capítulo 7
Sete chances de se permitir


Notas iniciais do capítulo

ESTOU DE FÉRIAS, YAAAAAAAAAAY
E chegamos no fim :( espero que gostem.



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BERLIM – ALEMANHA

Estudo na escola mais coxinha de Berlim. Estudo em uma escola chata, um colégio interno onde os pais mandam os filhos com a desculpa de que será bom para nosso crescimento, mas a verdade é que eles só querem se livrar de nós.

E disseram que o Holocausto foi ruim.

Mas sabe o que é ruim? Você ser um virgem de dezessete anos que tem apenas sete caralhentos dias para comer uma dama e gozar como se não houvesse amanhã.

SE HOUVER AMANHÃ!!!

Olho para meu amigo Johannes quando voltamos para nossos quartos depois do anúncio do diretor Karl que o mundo está acabando. Kaboom! Assim, do nada e irreversível.

– Porra, Bruno! Eu vou morrer virgem! – O gordo do meu amigo disse. Está vendo? Ele entende.

– Eu sei! O mundo vai acabar e eu só posso pensar em como vou entrar na estatística dos jovens que morreram virgens do planeta Terra.

– Isso é uma merda.

– Uma merda bem grande.

– Uma merda bem cagada.

– Uma merda como a sua cara.

– Ei! – O gordo se insulta.

– Ok, Johannes, e você sabe o que isso significa?

– Que teremos que nos matar?

– Não! Que precisamos transar!

– Eu hein! Não quero transar com você!

– Não, seu burro! Precisamos arrumar alguém pra transar.

– Cara... duvido que as prostituas queiram trabalhar agora que o mundo está acabando. Quer dizer, quem gostaria?

– Você é muito burro, Johannes! Meu Deus, como é que é possível? Minha ideia é que a gente vá atrás de algumas garotas. Tipo uma competição.

– Uma competição?

– É! Quem perde a porra da virgindade antes!

– E o que acontece com o perdedor?

– Bem... Terá que morrer sem uma bela transa. Há algo pior, meu amigo?

Nossos pais nos buscam no outro dia de manhã. Johannes e eu temos tudo pronto. Vamos pegar nossas coisas, roubar o carro do pai dele e então embarcar em uma viagem sem volta contra a virgindade safada.

Todos os pais estão reunidos no salão principal do colégio, onde o Diretor cospe palavras de despedida e reflexão coxinha. Enquanto isso Johannes cumprimenta seus pais e pega do bolso de seu pai a chave do carro sem que ele perceba. Eu quero comemorar, vibrar, mas não sei se posso fazer isso sem que chame muita atenção.

Quando estamos no estacionamento, estou pulando de animação, e Johannes destrava o carro como um expert.

– Sabe dirigir? – Pergunto.

– Claro que sei! Que bosta não sabe?

Fico quieto porque não sei.

– Qual seu plano? – Ele me pergunta.

– Fiz uma rápida pesquisa na minha mente virgem em quais lugares podemos encontrar garotas loucas para dar.

– Ok, só espera a Bertha chegar.

– O quê??? Você convidou a Bertha?

Bertha é nossa amiga de escola. Somos um trio de melhores amigos fracassados e Bertha se qualifica no tipo menina-que-se-dá-melhor-com-meninos-e-discute-feminismo-com-caras-que-ela-chama-de-machistas-mas-que-ela-continua-amiga-porque-nós-somos-incríveis.

– Qual o problema? Não somos o trio inseparável?

– Você só esqueceu do detalhe que estamos saindo para tentar transar, e Bertha com certeza nos julgará por isso, nos chamará de fúteis, que não pensamos em nada além de putaria e então ela se irritará e colocará no player para tocar uma daquelas bandar suecas bizarras de punk rock. Não, cara, não quero.

– Ela concordou em vir. Cara, ela disse que os pais dela não param de chorar e repetir que não sabem o que fazer da vida, e ela está a ponto de estourar! Você não quer que Bertha estoure, quer?

Reluto em aceitar, mas Bertha está correndo em nossa direção.

– Obrigada por me salvarem da fossa que é meus pais.

– Por nada, madame. – Diz Johannes, que acelera. – Como você sabe que seus pais estão na fossa?

– Eles me ligaram ontem de noite quando descobriram sobre o fim do mundo e ficaram duas horas falando o quanto me amavam, como eu era preciosa para eles e outras coisas piegas que os pais falam para os filhos quando eles estão morrendo de câncer ou o mundo está acabando.

– Por que você trouxe uma bolsa? Não estamos saindo de férias ou coisa do tipo. – Digo.

– Trouxe algumas bebidas. Por quê? Você não quer?

– Como você conseguiu bebidas?

– A enfermeira tem praticamente um estoque escondido no seu quarto. Eu entrei pela janela e peguei, por isso me atrasei.

– Nossa, como eu te amo! Já disse que te amo hoje? – Exclamo enquanto pego uma garrafa de cerveja da bolsa de Bertha.

– Na verdade você nunca disse que me amav...

– Eu te amo, Bertha! Muito! – E então dou um beijo na bochecha dela, porque mesmo que Bertha esteja usando uma camiseta com os dizeres #MulheresNoComando e tenha espalhado cartazes pelos corredores do colégio sobre direitos das mulheres, ela é incrível.

– Você é impossível. – Ela resmunga. – Então, garotos, onde vamos?

– A procura de uma transa! – Grita Johannes, e então Bertha me encara, pronta para dar o bote.

– O quê?!

– Johannes devia aprender a dobrar a língua às vezes.

– Vocês ainda estão com essa fixação em querer penetrar esses seus pênis imundos em alguma coitada? Ninguém merece esse castigo!

– Não seja dramática! Nós ainda somos uns românticos! – Digo.

– Românticos?

– Claro! Transar seria fácil. Tanto eu quanto Johannes poderíamos ter feito isso há muito tempo. Mas não. Nós somos românticos incorrigíveis e procuramos nossa primeira vez perfeita, como a de um conto de fadas!

– Para de ser baitola, Bruno! – Johannes resmunga, e eu suspiro, cansado.

– Ok, talvez não um conto de fadas. Mas pode ter certeza que não desperdiçaremos nossa única transa com qualquer uma. Não mesmo! Vamos ir nos melhores bares, nos melhores shoppings com lojas da Dior sendo furtadas por garotas gostosas e desesperadas por passar os últimos dias na moda!

– Eu não quero fazer parte desse complô!

– Bertha! Bertha, Bertha, Bertha, escute seus amigos aqui! Você não tem vontade de saber como é?

– O quê?

– Transar!

– Não!

– Por quê?

– Suor masculino misturado com meu suor feminino, um cara fazendo movimentos bruscos em cima de mim e ainda ter que tomar cuidado com a camisinha para ela não nos trair e eu ficar grávida.

– Você é muito trágica! E além disso o mundo está acabando, se permita!

– É fabuloso! Admita, Bertha! – Johannes diz.

– Não, não é!

– Nós não vamos voltar atrás. – Digo.

Ela suspira irritada, e então concorda.

– Ok, eu vou acompanhar vocês. Mas só para eu me divertir e rir da cara de vocês quando não conseguirem dormir com ninguém. Porque eu sei que não vão.

Johannes para o carro em uma boate, o que surpreendentemente estava tocando música. Provavelmente a festa estava acabando, já que deve ser umas nove da manhã. Entramos e juro, era como se estivéssemos entrando no inferno.

O DJ era o diabo, e aquele amontoado de pessoas dançando e assaltando o bar eram os demônios e anjos caídos que povoavam o reino do satã. Não havia nenhum barman ou funcionário. Era só um bando de povo louco querendo passar seus últimos dias dançando na madrugada uma música impossivelmente alta com um DJ chapadão que provavelmente queria passar seus últimos dias alucinado também.

– Tem certeza que encontrará alguém aqui para vocês transarem? – Perguntou Bertha enquanto encarava o pandemônio que era a boate.

– Essas garotas estão tão chapadas que com certeza vão querer dar! – Johannes tentou falar mais alto que o som da música.

– Cara, você é gordo. – Eu disse.

– Alguma das garotas chapadas deve gostar de caras gordos!

E então uma garota com o menor vestido que já vi em toda minha vida se esfregou em Johannes e então ela já estava beijando ele. Eu podia morrer ali mesmo, naquele momento.

– O que é mesmo que você disse, Bruno? – Bertha me olhava enquanto eu queria morrer.

Me sentei no bar enquanto Johannes ainda beijava – e cara, nada é mais nojento que ver seu amigo gordo dando uns amassos em uma gostosa que deve ser cinco anos mais velha que ele -. Já estava pensando em pedir para Cristo que me enviasse alguma garota agora, ou então um cometa para foder logo com o planeta quando uma menina sentou do meu lado.

– Está sozinho?

– É, eu vim com uns amigos aí.

– E você sobrou?

Eu ri, porque não queria responder. Ela tinha uma negra e um cabelo cacheado muito bonito. Sua legging brilhante fashion não combinava com o ambiente decadente em que estávamos.

– Qual seu nome? – Ela perguntou.

– Bruno. – Respondi. – E o seu?

– Heidi. Gostei do seu nome! Combina com você.

– Era o nome do meu avô. Ele morreu em um campo de concentração e eu odeio o Hitler por isso – Eu não sei porque disse isso, e me arrependi. Não é algo que você diz quando conhece alguém.

– Bem, acho que todos nós odiamos. Se você não odeia o Hitler você meio que é um babaca.

– Se você não odeia o Hitler você é uma pessoa horrível.

– Uma pessoa horrível. – Ela sorriu. – Até porque, eu provavelmente seria morta na época. Ele matava homossexuais.

E meu mundo caiu. Por um momento eu realmente achei que eu + ela = nheco nheco, mas o mundo não gosta de ser legal comigo.

– Ah, entendi.

– Então, eu só queria saber, Bruno, se você poderia acender meu baseado pra mim.

– Baseado?

– É. Por quê? Você quer?

Faço que sim com a cabeça. Foda-se. Estou morrendo mesmo e quero ficar loucão pelo menos uma vez na vida.

Acendo para ela o baseado e ela acende o meu pra mim. Afogo com a fumaça, mas depois vou acostumando. É meio doce, e então entendo de onde vem o cheiro do ar de toda a boate.

Bertha me encontra com ela e me arrasta para fora da boate. Estou só indo. Estou pisando em nuvens. O mundo está confuso, não tenho chão. Alucinado, devo estar em outro mundo...

– Seu maconhado! – Grita Johannes e então me localizo. Estou deitado no banco de trás do carro e Bertha está dirigindo para fora. – Você estava usando altos becks e não me convidou? Que bosta de amigo você é?

– Dá pra calar a boca, Johannes? – Pede Bertha, que parece concentrada na estrada.

– Como saímos de lá? – Pergunto?

– A culpa é toda da Bertha. – Johannes diz com os braços cruzados.

– Minha culpa? Não sei se você não percebeu, mas aquela garota que você estava ficando tinha um bilau!

– O quê?

– Um pau, um pinto, uma piroca, um piru. E eu não tenho nada contra transexuais. Mas eu sei que você odiaria chegar no vamos ver e encontrar um pirulito quando ela tirasse a roupa, e você provavelmente fugiria, humilharia ela e eu não vou deixar um ignorante como você dizer coisas horríveis para ela.

– Eu beijei um cara!? – Johannes começou a limpar a língua com a borda da sua blusa. Eu estava rindo nesse momento.

– Está vendo sua reação? Odiaria que você ferisse os sentimentos dela.

– Eu sabia que havia algo de errado nisso! Quem quer um gordo melequento como você?

– Para de ser gordofobico, Bruno!

– E você para de ser chata! Poxa, Bertha, você não dá paz.

– E que história é essa de estar usando drogas? Está maluco? Já estamos enjoados de ouvir aquelas palestras chatas na escola sobre os males das drogas.

– Mas eu não vou viver até os 90 anos, Bertha. Tem uma bomba relógio apontada no planeta, e vai estourar daqui cinco dias, e usar maconha não vai machucar ninguém.

– Maconha medicinal, Bertha. Já ouviu falar? – Johannes aponta enquanto tenta provocar um vômito enfiando seu dedo na garganta.

– Canabis. – Digo.

– Bagulho. – Johannes fala

– Erva.

– Trem doido.

– Marijuana.

– Há tantos nomes para essa inofensiva plantinha de Deus! – Johannes exclama, porque o gordo é exagerado e chamativo.

– Ok, maconha medicinal é compreensivo, mas não é o caso. O que vocês têm?

– DPFDM. – Respondo.

– O quê?

– Depressão Pré Fim Do Mundo. Só com tratamento à base de maconha que se cura.

– Eu também estou com isso. – Diz Johannes. – E DPBT.

– ???

– Depressão Pós Beijar Traveco.

Só estou esperando Bertha querer bater na gente, porque ela está vermelha de raiva.

¨¨¨

Entramos em um shopping, e Johannes vai correndo até o banheiro e é possível ouvir o som dele vomitando. Bertha ainda está irritada.

– Descobri que além de machistas vocês são homofóbicos. Por que sou amiga de vocês mesmo?

– Porque somos incríveis! – Respondo.

– Se toca, Bruno! E vá ver como Johannes está. Provocar vômito é horrível.

Entro no banheiro, e vejo o balofo do Johannes vomitando o mundo no vaso sanitário. Um bom amigo seguraria seus ombros para ele vomitar. Um ótimo amigo limparia a boca do balofo com a costa da mão e o diria que tudo ficaria bem. Um amigo com problemas mentais pediria para ele vomitar na cara do coleguinha, mas eu não. Eu sou o amigo que divide o quarto do internato, e isso significa que vou apenas foder mais ainda a vida do gordo.

– Johannes, ela tem pinto.

Ele vomita.

– Ela pira num gordão.

O barulho de vômito saindo.

– Cala a porra da boca, Bruno!

Ele fecha a porta do banheiro e eu fico rindo sozinho, olhando aquela pia gigante somada com um espelho gigante.

Me encaro no espelho. Não sou feio. Não sou bonito. Não sou inteligente, mas não sou burro. Não sou alto, mas não sou baixo. Bem, magro eu sou. Um palito. Quem gosta de palitos? Só se for pra tirar sujeira do dente. Ok, sou mais ou menos.

Magrelo, pele muito branca e cabelo preto. Uma sedução. Não sei como ainda sou virgem.

No nosso colégio interno os garotos dormiam de um lado e as garotas do outro. Durante meus anos lá apenas um casal foi pego no ato, e eles foram expulsos. Foi bem assustador já que era meu primeiro ano lá.

Sendo uma escola de coxinha bem rígida onde a maioria dos alunos também são coxinhas, dificilmente alguém lá era um não-virgem, então me sinto menos mal por isso. Eu era meio que um intruso, juntamente com Johannes que é um desmiolado e Bertha que tem como gosto político Anarquismo.

– O que você está se encarando no espelho? Quer que o espelho quebra, isso?

– Nossa, que engraçadão você! – Desconverso. – Estou tentando apertar uma espinha, é isso.

Johannes é um cara zoado. Loiro, gordo e com bochechas de Papai Noel. As tetas dele são sem dúvida maiores que a da Bertha, o que não é uma missão difícil. Já vi aqueles mamilos rosadinhos tantas vezes na minha vida que a imagem está fixa na minha retina.

– Vamos, pode falar a verdade! Não tem o que esconder, amigão. O mundo está morrendo mesmo.

Cogito a ideia, mas penso em dizer. Talvez seja o efeito da maconha.

– Eu sou feio? Seja sincero! Eu sou tão feio assim pra ainda ser virgem?

– E eu vou achar homem bonito agora?

– Johannes, você beijou um homem hoje.

– Argh! Ok, já que estou todo baitola hoje, vou jogar a real. Você tem uns membros grandes demais, muito magrelo, muito branco, um cabelo desgrenhado e de cor sem graça. Mas tirando tudo isso, você é sim um cara vistoso. Se a garota for míope você até que fica gostosinho.

Dou um tapa no ombro dele de brincadeira. E te juro, é o ombro mais carnudo da face da Terra.

– A Bertha está esperando a gente lá fora. Vamos?

Bertha estava – pasmem – conversando com um cara. Eu não sei porque fiquei incomodado, provavelmente porque ele poderia ser um filho perdido do David Beckham porque o cara tinha um cabelo perfeito, abdome definido e eu não estou acostumado a admitir que homens são bonitos, muito menos que homens bonitos podem dar em cima de uma chata como a Bertha.

– Olha, meus amigos chegaram. Obrigada por esperar comigo.

Bertha vem até nós e parece satisfeita com alguma coisa.

– Você não deveria falar com desconhecidos em um shopping sendo saqueado quando o mundo está acabando. – digo a ela meio frustrado.

– E você está com ciúmes.

– O QUÊ?! NÃO!

– Ele só estava me fazendo companhia.

Vamos até a frente da loja Forever 21 porque de acordo com Bertha é aí onde garotas tolas que escutam pop comercial e tiram foto com iPhone postam #selfie compram suas roupas. Mas elas parecem homens da caverna correndo e tomando toda a roupa para si, e eu não quero transar com nenhuma garota prefere pegar roupa para os próximos cinco dias de vida do que fazer algo único e memorável como fugir com seus melhores amigos, usar maconha e procurar uma transa.

Decidimos comer um Big Mac, mas trocamos por algo muito mais divertido que é colocar a boca embaixo de uma máquina de sorvete abandonada.

Baunilha. Gelada. Direto. Na. Boca.

Essa é a prova de que Deus existe.

Roubamos uma troca de roupa também, porque ainda estávamos de uniforme da escola de coxinhas, e não quero parecer coxinha.

Johannes veste uma camisa amarela e um jeans preto e ele parece um Minion gordo. Eu visto um jeans normal e uma camisa xadrez. E é meio assustador quando Bertha sai do vestiário usando sua mesma camiseta feminista, um jeans apertado que mostra mais curvas do que não pensei que ela tinha e uma blusa de frio cheio de corações partidos, e tudo combina com seu cabelo castanho cortado pelos ombros, sua franja em cima dos olhos e seu esmalte preto.

– O que vocês estão olhando? – Bertha pergunta, envergonhada.

– Você é uma mulher! – Johannes exclama escandalosamente, como tudo que ele faz.

– Jura? Pensou que eu também era travesti?

– É que eu estava acostumado a te ver de uniforme, e não de jeans agarrado na bunda.

– Você ficou bonita assim. – Digo, e estou sendo sincero. Espero que ela não note minhas bochechas vermelhas.

– Cala a boca! – Ela empurra Johannes e então diz para nós irmos logo em busca da próxima aventura.

Johannes está dirigindo dessa vez e decidimos sair de Berlim. Não é como se não amássemos os vestígios do Muro de Berlim, dos turistas ou coisa do tipo, mas o interior parece convidativo para encontrar pessoas interessadas em sexo.

¨¨

Está anoitecendo, e estamos entediados. No rádio só toca música de boyband, e eu não sou obrigado a ouvir isso. Johannes está concentrado em dirigir, e cada vez que tentamos falar com ele, ele diz: “não me desconcentrem! ” E então ficamos calados. Eu queria falar sobre MMA, mas Bertha odeia MMA, então não podemos conversar sobre isso. Bertha prefere Boxe, e eu acho Boxe entediante. Então Bertha tem uma ideia:

– Vou recitar poemas!

– Não! – Johannes e eu suplicamos em uníssono. – Tudo menos poemas! Lembra da professora de literatura recitando poemas? Chaaato.

– Mas esse você vai gostar! É Bukowski.

– Por que eu gostaria de Bukowski? – Reclamo. Poemas são chatos.

– Porque ele é um velho tarado, bêbado e fumante que escreve seus devaneios sobre putas nas madrugadas?

– Recite! Pelo amor do santo Deus, recite! Adorei esse cara! – Johannes exclamou, e cara, não sei como pude virar amigo desse gordo exagerado.

– Sorte de vocês que sem de cor alguns de seus poemas. Vou recitar “Poema dos meus 43 anos”

“terminar sozinho
no túmulo de um quarto
sem cigarros
nem bebida—
careca como uma lâmpada,
barrigudo,
grisalho,
e feliz por ter um quarto.
…de manhã

eles estão lá fora
ganhando dinheiro:
juízes, carpinteiros,
encanadores , médicos,
jornaleiros, guardas,
barbeiros, lavadores de carro,
dentistas, floristas,
garçonetes, cozinheiros,
motoristas de táxi…
e você se vira
para o lado pra pegar o sol
nas costas e não
direto nos olhos.”

Bertha termina e eu olho para a cara gorda de Johannes.

– Eu não entendi...

– Nada! Porra nenhuma! Que merda de poema, Bertha! Sinceramente, você já foi melhor... – Johannes disse e acelerou o carro.

– Charles Bukowski é um gênio! Vocês não compreendem porque são uns desmiolados.

Paramos o carro para abastecer, e a cena mais inusitada da minha vida surge diante dos meus olhos.

Imagine que você está em uma estrada e do lado do posto de gasolina tem um convento. Nada disso seria estranho se na frente do convento, cruzando a estrada tem a porra de um motel!

UM MOTEL!!!

É a linha tênue entre o paraíso e o inferno. Deus e diabo. E só posso dizer que o mundo quando quer ser zoado ele consegue.

Não pense ainda que é um motel chique ou coisa do tipo. É daqueles beira de estrada que psicopatas levam prostitutas para assassinar com uma facada no estomago. É daqueles decadentes e que fedem naftalina e não trocam a roupa de cama, ficando com esperma ressecado no lençol. Eu poderia vomitar só de imaginar. E eu estou quase vomitando quando imagino Johannes pelado naquela cama com a travesti da boate.

– Você sabe o que é isso? – Eu estava bem animado. – É o destino zoando com a nossa cara, nos ajudando a ter os melhores últimos dias da vida. Johannes, você está com o mesmo pressentimento que o meu?

– Cara, eu estou com fome. Tipo, muito.

– Eu também! Só não sei se nossa fome é a mesma...

– Para com isso, Bruno! – Bertha se intrometeu. – A gente pode assaltar a lanchonete do posto de gasolina. – Ela sugeriu.

A lanchonete do posto já estava com o vidro quebrado e com as prateleiras caídas no chão. Alguém já devia ter passado a mão por ali.

– Não acho uma boa ideia. – Digo. – Tipo, só imagina quantas baratas e ratos já se divertiram com toda aquela comida espalhada no chão. Não quero encontrar nenhum pelo cinza de rato na minha barrinha de chocolate.

– Mas eu estou com fome! – Exclamou exageradamente Johannes, e eu quis dar um soco na boca dele para ver se ele calava a boca.

– Podemos então ir no convento, sei lá. – Digo, meio desgostoso. Com certeza não vou ter uma transa nesse lugar. – As freiras podem nos servir um dos seus peixes multiplicados por Jesus e o vinho que ele bebeu na Santa Ceia.

– Argh, sério? Não me obriguem a fazer isso. – Bertha resmungou.

– Só porque você não acredita em Deus não significa que não pode entrar em um convento! – Disse Johannes, que olhava esperançoso para o convento. – E elas não vão recusar comida para nós.

– A gente ainda pode dançar e cantar, tipo A Noviça Rebelde. – Eu disse enquanto olhava para Johannes pedindo ajuda para convencer Bertha.

– The hills are alive with the sound of music... – Johannes começou a cantar a música de A Noviça Rebelde, e eu me surpreendi em lembrar da letra também.

– With songs they have sung for a thousand years... – completei.

– The hills fill my heart with the sound of music
My heart wants to sing every song it hears! – Cantamos juntos, e estamos prestes a interpretar. Nossos braços estão abertos, gesticulando a música.

– Ok, ok, parem! Pelo amor, querem me torturar? Vamos logo para esse convento!

– Isso aí! – Johannes comemorou, e abraçou ela.

Na frente do convento, apertamos a campainha, e esperamos esperançosos que alguém atendesse.

– Sempre imaginei como seria um convento. – Confessou Johannes.

– Sério? Por quê? – Bertha questionou com uma sobrancelha arqueada.

– Eu já assisti muito pornô com freiras! É tipo um clássico na indústria pornográfica, e se eu contasse todas as sacanagens que estou imaginando aqui nessa minha mente fértil, você se assustaria.

– Ela está querendo dizer que está imaginando freiras gostosas amarrando ele na cama e se lambuzando de bacon e pizza. Porque nada é mais prazeroso para um gordo como Johannes. – Digo, e quando Johannes vai se defender, uma freira abre a porta.

Se um dia Johannes teve algum pensamento impuro com as freiras, todos eles acabaram nesse exato momento.

A freira parecia um híbrido de bruxa com um suíno rosinha. Era baixa, rechonchuda e... bem, parecia até Johannes caso ele fosse mulher e tivesse sessenta anos.

– Como posso ajuda-los?

– Precisamos de algum lugar pra ficar. – Eu disse, já que notei que Johannes estava incapaz de falar. – E de comida. Estamos famintos.

A freira não hesitou em nos deixar entrar. Deve ter alguma conduta onde conventos são obrigados a recolher necessitados. Oh, amor divino que planta bondade no coração dos fiéis, mas não desvia cometas de colidirem com a Terra!

– Qual o nome de vocês, garotos? – A freira pergunta enquanto nos leva pelo corredor escuro até onde acredito ser a cozinha.

– Me chamo Bruno. – Digo. – E esses são Johannes e Bertha.

Ao chegarmos na cozinha, nos sentamos na longa mesa de jantar, onde outras freiras se aproximam com pratos de comida. Elas usam aquelas roupas pretas e longas com aquele pano na cabeça que deixa tudo muito patético. Mas sou surpreendido quando vejo que uma delas não deve ter mais que dezoito anos e seria incrivelmente linda se não usasse aquela droga de pano no cabelo que a deixa sem vida.

Bertha deve ter notado meu olhar porque bate no meu ombro disfarçadamente quando as freiras saem. Na mesa tem um ensopado e te juro, nunca comi um ensopado com tanto prazer.

– É amedrontador. – Sussurrou Bertha enquanto esperava sua sopa esfriar na colher. – Eles colocam Jesus preso em uma cruz em cima da mesa e espera que nós possamos comer bem, sem pensarmos “Oh, tem um homem sangrando e com cara de dor na sala de jantar!”.

– Amedrontador é como uma garota tão gata estar presa nesse convento. – comentei, e Bertha tinha o inferno no olhar.

A madre gentilmente nos deu quartos. Bertha foi arrastada longe de nós, e Johannes e eu tivemos que dividir um cafofo. O gordo não parava de resmungar:

– Um dia a mais está indo embora. Um dia a menos de vida. Vamos morrer, Bruno. E virgens.

– Ei, já está desistindo, grandão?

– Eu acho que eu deveria voltar para casa. – ele disse, e eu não podia acreditar no que ouvia. – Me despedir direito de meus pais.

– Não pensei que você fosse tão sem graça, Johannes.

– Eu me importo com as coisas de vez em quando.

– Bom, eu só agradeço de estar dividindo o quarto com você e não com Bertha. Ela reclama mais do que você, puta que pariu.

– Você viu o olhar que ela deu quando teve que se separar de nós? Clássico.

– É assim que começa nos filmes de terror, cara. Eles dividem o time, e matam de um e um. Aqui é um cenário perfeito para os assassinatos.

– Ok, Bruno, já entendi. Agora deixa o gordinho dormir em paz.

Não demorou para eu ouvir o ronco alto de Johannes que eu aturei por tantos anos no internato. Depois de alguns minutos tentando dormir eu fiquei impaciente, e decidi sair do quarto.

O corredor escuro e comprido só comprovava minha tese de que ali era o cenário perfeito para um filme de terror. Eu ficava imaginando em qual daquelas portas estaria o quarto de Bertha, e então tentei afastar o pensamento; não me interessava o quarto de Bertha.

Um quadro pendurado na parede do lado esquerdo chamou minha atenção. Estava escuro para ver os detalhes, mas era inegavelmente muito bem feito. Doeu um pouco quando pensei que todas essas artes reproduzidas e aprimoradas pela humanidade sumiriam do universo como se nada tivesse existido um dia e como isso é cruel.

Uma mão tocou meu ombro. Me virei e antes mesmo que pudesse dizer alguma coisa a garota do convento me beijou. Não podia ser verdade. Devia ser um milagre divino, não havia outra opção! Ela beijava tão desesperadamente que acompanhar seu ritmo era difícil.

– O que...?

– Eu acredito. Acredito que o mundo acabará. – ela falou.

– ...?

– Não quero acabar meus dias aqui nesse convento. Quero que me leve com você.

– Oi?

– Quero ter meus últimos dias em uma aventura. Sei que Deus me perdoará. Sei que Deus entende que estou apenas procurando minha felicidade.

– Você pretende fugir?

– Aonde quer que você vá.

Ela então voltou a me beijar. Era bonita, mas eu não sentia. Era estranho.

Talvez eu estivesse com sono.

Ela é uma freira, pensei. É como se todas suas fantasias sexuais estivessem sendo realizada.

Não.

Me afastei dela e me virei, mas senti sua mão segurando meu pulso.

– Nós temos um acordo?

– Não sei. Onde quer ir? – Perguntei.

– Onde você for.

– Tenho que ver com a galera.

– Eu te dou o que você quer.

Me virei e encarei ela. Tinha um olhar muito parecido com o de Bertha, como se sustentasse o peso do mundo em suas costas, mas seus olhos mantinham a dureza necessária para passar confiança.

– É melhor eu voltar para meu quarto.

– Eu sei o que você quer. – Ela disse. – Eu ouvi sua conversa com seu amigo. Eu não me importaria.

– Importaria?

– Vou morrer mesmo. Deus brevemente perdoará todos nossos pecados. O pecado carnal que cometeríamos seria o menor dos problemas. Eu estou pronta, e eu quero.

– Você está....? – Puta que pariu.

Ela levou minha mão que ela segurava até dentro de sua blusa, e eu tremia. Caralho, eu finalmente iria perder a virgindade?

– Quando? – Perguntei.

– Agora. – Ela disse.

Ela me arrastou até um dos quartos. Caralho, estava mesmo acontecendo. Deitamos na cama, e ela tirou minha camiseta. Sua veste comprida agora estava levantada até seus joelhos e eu beijava ela com força. Ignorei onde estava, ou qualquer coisa do tipo.

Antes que eu pudesse tirar a roupa dela alguém escancarou a porta do quarto.

A madre-mor.

Porra.

Eu sou o ser humano mais cagado do mundo.

– Abigail! – A madre gritou, horrorizada.

Levantei com um pulo da cama e peguei minha roupa espalhada do chão. O olhar da madre me dava medo e confesso, cortou todo o tesão.

– Venha aqui agora, Abigail!

– Não vou, madre! Não quero!

– Como?!

– Eu vou embora com Bruno! O mundo está acabando, madre, eu não quero desperdiçar o resto de vida que me sobra aqui nesse convento idiota!

– Vá pedir perdão a Deus por isso, Abigail! Seu pai te mandou aqui para se tornar uma mulher melhor.

– Meu pai me mandou aqui porque ele nunca teve paciência para cuidar de mim! Agora se me dá licença...

Espera! Que história é essa de “Eu vou embora com Bruno”? Não convidei ela coisíssima nenhuma! Subo o zíper da minha calça jeans e faço o que Bertha disse que sempre faço: fujo.

Atrás de mim só consigo escutar Abigail gritando. Não tenho muito tempo. Entro como um furacão no quarto em que estava dividindo com Johannes e chacoalho os ombros gordos dele, tentando acorda-lo. Johannes resmunga, e então eu grito:

– Fodeu, cara. Pega as coisas e vamos embora!

– Estou dormindo, porra!

– Acordaaaaaaaaaaa!

Esbofeteio a cara dele, e então ele levanta como um urso.

– Desculpa, cara. Mas é sério o bagulho. Pega as coisas e dentro do carro. Eu vou procurar Bertha.

Sem esperar resposta, saio correndo do quarto e entre em outro corredor na procura de Bertha.

Ouço alvoroço, e imagino que seja relacionado ao ocorrido. A notícia já se espalhara? Caramba. Tento ver se algo sinaliza onde estou, e então não vejo saída a não ser gritar o código que só Bertha e Johannes entenderia. Como estudávamos em um colégio interno, fugas no meio da noite eram algo comum, e se levar em consideração que fugíamos com uma garota, o que é estritamente proibido meninos e meninas se misturarem depois das dez da noite, o nível de ousadia já extrapolava.

– A águia, a águia! – Comecei a gritar. Tentei afinar minha voz para não ficar tão claro que eu sou homem.

Nada.

– A águia! – Repeti e depois de um pouco de silencio, consegui ouvir um barulho de pássaro.

Ela me ouviu.

Devolvi o barulho de pássaro e então Bertha apareceu atrás de uma das portas. Ela correu até mim e me olhou com curiosidade.

– O que aconteceu? Por que todo esse alvoroço?

– Só pega suas coisas e vamos embora. Rápido.

Ela me encara temerosa e eu empurro ela para frente, incentivando-a ir.

Um minuto depois ela volta com sua mochila e pego sua mão, correndo para a porta do convento.

Quando eu ia abrir a porta, ouvi alguém gritando.

– Bruno! Me espere!

Abigail. O que eu faço?

Bertha me encarou, confusa e vermelha. Qual desculpa eu usaria?

– Me desculpe, mas tenho que ir.

Segurei na mão de Bertha e a arrastei para fora. Entramos como um foguete no carro, e quando pude finalmente respirar nós já estávamos na estrada.

– Ok, agora explique por que tivemos que fugir no meio da noite? – Bertha perguntou interrogatória.

– Aquelas mulheres eram loucas.

– Elas são freiras! E por que aquela mais nova te chamou pelo nome e pediu para esperar, hein?

– Bertha, ela é louca. Queria fugir do convento!

Bertha me encarava nos olhos. Ela sabia bem quando eu estava ocultando alguma coisa.

– Mentira. – Ela disse por fim. – E se você não contar eu juro que te mato.

Johannes apenas ouvia, e eu não suportava toda aquela pressão.

– Talvez eu e ela estivéssemos envolvidos em alguma coisa. – Respondo, tentando usar as palavras de modo mais cuidadoso possível.

– Envolvidos no quê? – Bertha mostrava que já tinha sacado, mas ela precisava ouvir da minha boca.

– Puta que pariu, não acredito que você comeu a freirinha?! – Johannes berrou, e eu juro que pensei em me jogar para fora do carro naquele momento.

– Você não fez isso?! – Bertha me queimava com o olhar.

– Não fiz. – Disse, envergonhado. – Mas tentei.

¨¨¨

Dormimos no carro depois de dirigir por uma hora e meia. O sono nos consumiu, e a única coisa que me confortava naquele momento era estar ao lado de meus melhores amigos. É gay, eu sei, mas não sei se conseguiria sem eles. Provavelmente não.

Acordamos e é umas onze da manhã. Johannes é o primeiro a sair do carro e vai logo mijar atrás de uma árvore. Olha, a visão daquela bunda gorda caída é uma das piores coisas que você pode ver na vida. Não recomendo.

Bertha se espreguiça, e sai também do carro sem nem falar comigo. Acho estranho.

– Ainda está brava?

Ela não responde. Ou seja, está.

– Olha, nós podemos ir aonde você quiser hoje. Escolha!

– E o plano de perder a virgindade de vocês, como fica? – Tinha desprezo na sua voz.

– Podemos esperar um dia. – Digo.

– Temos só mais dois dias de vida. – Ela responde. – Não desperdiçaria meu momento se fosse você.

– Olha, pode parecer que eu só me importo com sexo, mas não é verdade, ok? Eu me preocupo com outras coisas. – Falo com seriedade.

– Tipo...?

– Tipo... tipo comida. Me importo realmente com comida boa. Quanto menos saudável melhor! Vamos, você pode escolher onde vamos comer!

– Quero ir em um parque. – Ela responde com rapidez. – Qualquer parque de diversões.

Johannes aceita de imediato nossa proposta de ir à um parque.

– Mas alguém sabe onde tem um parque? – Pergunto.

– Eu sei! – Johannes exclama. – Quando eu era pequeno, papai sempre me levava no Parque Palhacinho Feliz, onde a entrada é um Palhacinho Feliz gigante com seu nariz obscenamente gigante e vermelho. Levará umas três horas daqui, eu acho.

– Sabe chegar lá?

– Eu sou gordo, não burro! Confiem, amiguinhos.

Durante a viagem nós paramos em postos de gasolina para comer e botar combustível no carango. O porta malas do carro está atolado de doces e garrafas de bebidas. Eu estou bebendo um Red Bull quente enquanto Bertha beberica uma caixinha de leite.

Todas as janelas estão abertas. É bom o vento batendo no rosto, faz com que eu sinta que estou vivo. Tento apreciar o momento, pois não sei quando isso repetirá.

Bertha adormece no banco de trás. Eu estou sentado no banco da carona enquanto Johannes dirige. Ele desliga o rádio e diz:

– Ela gosta de você.

Levo tempo para absorver.

– O quê?

– Bertha. Ela estava grilada de ciúmes ontem de madrugada enquanto você dormia, e me contou.

– O que você quer que eu faça?

– Que tente ser gentil com ela. Porque ela odeia quando você faz suas brincadeiras de mau gosto, suas imaturidades.

Fico pensativo. Bertha gosta de mim?

Nossa viagem para o parque se atrasa, e chagamos três e meia da tarde no parque. É triste observar o Palhacinho Feliz desligado, o parque desértico e nada brilhando em LED, o som irritante de música infantil.

Procuramos o gerador do parque, e depois de uma busca pela central, encontramos. As luzes começam a brilhar, e decidimos relaxar por um momento.

Entramos na Caverna Encantada, onde bonequinhos cantam enquanto estamos no barquinho. Resolvemos fazer o que sempre sonhamos fazer: sair do barco e explorar a caverna. Johannes arranca um dos bonequinhos da caverna e o chacoalha, enquanto Bertha passa a mão pela água do riozinho da caverna.

Depois vamos para o Barco Viking. Eu mexo na caixa de comando e consigo milagrosamente fazer o brinquedo funcionar. Ficamos na ponta do barco e aproveitamos a adrenalina por um bom tempo. Tendo o parque só para nós tem a vantagem de não ter tempo limite de diversão.

Horas depois, decidimos ir embora. Quando estamos voltando para o portão, Bertha exclama:

– Casa dos espelhos!

– Mais conhecido como a atração mais tediosa do parque. – Disse Johannes. – Vamos embora.

– Eu sempre quis ir em um desses. Vamos, vai!

– Vai você. Eu preciso mesmo tirar a água do joelho. - Johannes volta a falar.

– Eu vou com você. – Digo, e Bertha me olha com curiosidade.

– Vou esperar os dois no carro. – Johannes diz, e vejo pelos seus olhos que há algum segredo entre nós.

Entremos na Casa dos espelhos e já fico atordoado. Bertha começa a rir quando se olha no primeiro espelho da esquerda.

– Olha como estou gorda!

– Parece até Johannes. – Comento, e ela bate em meu ombro. – E eu tenho belas curvas! – Exclamo quando me olho no espelho ao lado, que aumenta na região do peito e quadril.

– Johannes vai querer te pegar desse jeito. – Bertha fala. – E vocês finalmente perderiam a virgindade.

– Sabe, eu acho que estou desistindo dessa aposta.

– Sério?

– É. Digo, eu estou aprendendo outras coisas nessa viagem. Nunca pensei que viver exige tanto... aprendizado. É como se eu estivesse vivendo no piloto automático, faz sentido?

– E como faz...

– E eu nunca valorizei o certo. Eu ria das coisas erradas, me preocupava com coisas fúteis e agora, só agora na véspera do dia em que a Terra se revoltará e mandará todo mundo para o forno.

– Secretamente acho que alguém sobreviverá. – Bertha diz. – Tipo no livro Guia Dos Mochileiros Da Galáxia. Arthur Dent sobrevive, e ele então descobre que a Terra foi encomendada por ratos em uma agência que cria planetas. Imagina como ele se sentiu ao descobrir que tudo que ele acreditava na verdade era uma mentira. Que seu lar foi encomendado, e que quando precisaram destruir seu único lar, em uma fração de segundos colocaram tudo ao chão. Não é horrível?

– Agora fiquei perturbado.

Andamos mais um pouco. Esse espelho me distorce, deixando-me pequeno.

– Talvez estivéssemos sempre vivendo em um sonho. Ou então Matrix estava certo, e Platão sempre soube tudo. Não sei e não faz importância agora.

Quando ela termina de falar, noto que se encara intensamente no espelho. Seu cabelo batendo em sua clavícula, sua jeans preta, e meu Deus, algo cresce dentro de mim. Pela primeira vez vejo Bertha de verdade, e noto que ela sempre esteve ali, e fui cego demais pra notar.

Fugiu comigo, me salvava nas provas da escola, se metia em encrencas, tudo por mim.

Agarro sua nuca e a beijo como nunca pensei que conseguiria. Nossos lábios se encontrar e se encaixam naturalmente, e nossa, não encontro explicação. Dois corpos foram feitos realmente para se conectarem, não vejo dúvidas nisso.

Sua pele quente em contato com a minha passa fortes correntes elétricas. Ela retribui o beijo com a mesma força, e não precisamos falar nada. Eu sei, ela sabe. Nós sabemos como esse momento deve ser aproveitado e apreciado.

É tão precioso.

Ela tira minha camisa, traçando um caminho com o dedo em meu abdômen. Era um toque natural, que enviava correntes elétricas por todo o corpo.

Os espelhos distorcem nossa imagem, mas não mente: estamos juntos.

O mundo podia acabar imediatamente lá fora que nós não perceberíamos.

Voltamos depois de um tempo para o carro. Johannes nos encara como se soubesse o que havíamos acabado de fazer. Talvez realmente soubesse.

– Parece que eu perdi a aposta, não é mesmo. – Johannes comentou enquanto a gente se aconchegava no banco de trás, abraçados.

– Só dirija, ok? – Bertha disse.

Uma música calma tocava no rádio quando pegamos no sono. Bertha dormia no meu braço, e Deus, esse devia ser seu eterno lugar por direito. Provavelmente não teríamos mais essa chance, e meu peito apertou imensamente. Decidi aproveitar enquanto podia, e também acabei dormindo.

Quando abri os olhos, reconheci onde estava.

Tínhamos voltado para Berlim.

– Por que nos trouxe de volta pra Berlim? – Questionei Johannes.

– É o último dia.

– E daí?

– E daí que eu tenho certeza que você gostaria de ver seus pais uma última vez.

– Você sabe que não quero.

– Você sabe que isso não é verdade.

Johannes parou na frente da casa dos meus pais. Eu não queria fazer isso. Mas Bertha que tinha acabado de acordar me incentivou a fazer isso.

Bati na frente da porta. De lá saiu minha mãe e meu pai, seus olhos inchados.

– Desculpa se sumi... – Comecei, mas eles me calaram com um abraço.

– Que bom que apareceu. – Minha mãe disse entre soluços. – Nós pensamos em você toda hora, Bruno, toda hora...

Retribuí o abraço, e sem notar lágrimas vazavam de meus olhos também.

– Eu odiei tanto vocês. – Digo sem nem notar. Meu coração estava esvaziando do que pesava. – Por me despacharem para aquela escolha ridícula, por nunca me ouvirem, por nunca se importarem. Vocês foram os piores pais do mundo, sabia?

Eles me abraçam mais forte, e ignoro o que Bertha ou Johannes estão pensando enquanto observam essa situação.

– Falhamos com você, filho, mas nunca te amamos menos. Nunca. – Meu pai fala. – Preocupamos tanto com seu futuro que esquecemos do mais importante: do presente. É tarde demais, eu sei, mas... mas...

Decidimos deixar por ali mesmo. Era mais do que qualquer um de nós esperávamos um dia.

Bertha e Johannes também fora com suas famílias. Experimentei pela última vez a comida da minha mãe e descansei pela última vez na minha cama.

Na televisão só falavam da hora que o mundo acabaria. Tínhamos mais vinte minutos. Reprises de grandes acontecimentos da humanidade passavam incansavelmente na tela da tv. Eu não suportava esse clima. Não conseguia.

Saí correndo de casa, tentando chegar até Bertha e Johannes. Nunca desejei tanto saber dirigir.

Não, eu não fazia parte dos grandes acontecimentos da humanidade que mostravam na tv. Não, eu não fui um monge budista que atingiu o Nirvana, ou a Joana D’Arc que venceu uma guerra. Eu nunca doei sangue, não virei membro de honra da família real britânica. Não descodifiquei nenhum código terrorista. Eu não fiz nada de grande nesse meu curto tempo na Terra. Mas tudo que eu queria agora, tudo que eu podia fazer era estar com essas pessoas que passaram comigo os últimos melhores sete dias da minha vida.

Corri, corri até eles, corri o mais rápido que pude.

E das sete coisas que eu poderia fazer nos últimos sete dias, nunca pensei que amor seria uma delas.

E o mundo se apagou como se desliga a luz do quarto antes de dormiu. Click, já foi.


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Notas finais do capítulo

Lembro que comecei a escrever em janeiro, e era férias. Havia prometido que terminaria as sete histórias em uma semana.
No fim enrolei seis meses pra terminar.
Mas não podia estar mais feliz. Foi uma experiência especial. Até alguns amigos leram essa fic e gostaram, elogiaram, falaram que é um dos meus melhores. Me senti muito feliz e realizada!
A reflexão em relação a fim da humanidade é muito grande. Como encararíamos? Como seria deixar tudo que conhecemos para trás? É triste e inevitável o foto de que nosso berço, a Terra, um dia não será mais nosso lar. Realmente acredito nisso. Mas com uma visão mais poética e filosófica, quão cruel é isso?
Confesso que de todas as histórias, a de Nova York (sdds chato Howie) e de São Paulo foram minhas favoritas. E a de vocês, qual foi?
Agradeço a todos que leram e se aventuraram por diversos pontos do mundo comigo. E não se esqueçam: bora viver a vida enquanto ela tá aí. Vida tem que ser sentida



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