Sete coisas para se fazer nos últimos sete dias escrita por River Herondale


Capítulo 6
Sete chances de estar aqui


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente desculpa pela demora desumana para postar!
Provas na escola, preguiça e Netflix decidiram ocupar meu tempo, e essa é a razão da demora :/
Espero que gostem e agora só falta um conto OMG!



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SYDNEY - AUSTRÁLIA

Tente visualizar essa cena:

Imagine que você é um cara que trabalha em uma companhia chata e é casado há cinco anos e tem um filho dessa idade. Imagine que você está em seu carro, e ao seu lado está sua esposa gritando coisas chatas no seu ouvido quando sua paciência matinal é mínima. Imagine que seu filho começa a chorar porque a escola é chata e ele não quer ir. E você está perto de enlouquecer. Você quer gritar, mandar todo mundo calar a boca e então fugir pra qualquer lugar que esteja longe de qualquer responsabilidade, porque agora seu maior temos não é se conseguirá passar na prova de física do colégio. Porque agora sua preocupação é se conseguirá pagar as contas do mês, porque agora você tem uma família e a simples ação de sentar no sofá – que você está pagando ainda, aliás – e beber cerveja enquanto assiste televisão parece um ato glorioso e distante. Muito distante.

E subitamente sua esposa cala a boca e manda eu e o menino também calarem. A música do rádio parou e uma notícia começa.

Escuto atenciosamente as palavras do cara. Tento imaginar que deve ser alguma piadinha, mas algo me diz que não, não é.

O mundo está acabando.

– Craig – Riley me encara horrorizada. – O que foi isso?

Virei o carro, tirando da rota que normalmente fazíamos toda segunda-feira. Não só eu fiz isso, o que pude perceber.

– Onde está indo?

– Não preciso trabalhar hoje.

– Como?

– Não ouviu? O mundo está acabando!

– Vai acreditar nisso? Craig!

– Mamãe, o que está acontecendo? – Ouvi Guy perguntar do banco de trás.

– Não é nada não, meu amor. Hoje você não precisará ir na escolinha, ok?

Só pude ouvir ele comemorando.

Os pensamentos passavam rápidos demais. Ok, de acordo com o que eu tinha entendido daqui sete dias tudo que conhecíamos ia se extinguir. Eu estava confuso pra burro, principalmente porque eu não conseguia pensar no que faria. E Guy? Ele tem apenas cinco anos!

Riley chorava ao meu lado quando estacionei o carro na frente de casa. Ela tirou Guy da cadeirinha e me olhou. Estava fora de si.

– Eu não quero morrer! – Ela gritou como se estivesse sendo torturada, o que fez com que Guy ficasse espantado.

– Está assustando nosso filho! – Gritei de volta.

– Eu não acredito no que está acontecendo comigo! E toda essa dieta que eu fiz, e todo meu sonho de conhecer Las Vegas, e toda vez que andei na linha, tudo isso foi um desperdício! Eu vou morrer! O que eu fiz? Craig, eu não fiz nada!

– Nada? Você está me chamando de nada? Quer dizer que casar comigo foi nada?

– Não complica, vai!

– E seu filho? Guy é nada?

Guy começou a chorar quando viu nós dois brigando.

– Guy, não chore, filho! – Riley foi atrás dele, carregando-o. – Mamãe te ama, meu amor.

Ela olhou feio para mim e disse com a voz sendo claramente controlada para não gritar.

– Não que isso vá ter alguma importância agora, mas eu estou grávida.

– Vamos ter um filho? – Perguntei assustado. Não podíamos ter outro filho com o pouco de dinheiro que tínhamos.

Iríamos ter um filho. Em apenas sete dias de vida que temos não acho possível.

A vida estava um caos.

Riley falava no telefone com sua mãe, consolando-a e reclamando. Guy assistia seu DVD infantil em paz na sala e eu bebia minha cerveja na cozinha, incapaz de fazer nada. Não consigo deixar de fantasiar o que teria acontecido conosco se a vida continuasse, se eu tivesse mais esse filho, se o salário continuasse miserável e Riley insatisfeita. Não se se aguentaria.

Me acho um covarde em dizer que o fim do mundo estava trazendo um conforto?

Riley desligou o telefone com lágrimas nos olhos e foi até mim e tomou a garrafa da minha mão, bebendo ela mesma. Olhei para ela espantado, e então ela me levantou pela camiseta, me tascando um beijo violento. Não havia nada de romântico, mas acompanhei o beijo. Fazia tempo que nós não nos pegávamos com mais intensidade, e então ela já tinha me empurrado na parede. As lágrimas do seu rosto estavam salgadas e eu via raiva no rosto dela. Ódio. Tentei argumentar que Guy estava no cômodo ao lado, mas ela me ignorou e começou a arranhar minhas costas. Não havia paixão, mas raiva. Como se ela descontasse sua raiva e insatisfação com sua vida em mim.

Então ela parou subitamente e me encarou. Seus olhos azuis quase brancos não eram mais os mesmos que eu tinha me apaixonado. Parecia uma cobra pronta para dar o bote.

Ela pegou a chave do carro na mesa e saiu calada, correndo. Fui atrás dela, argumentando que me explicasse o que estava acontecendo e só ouvi Guy gritando atrás, chamando a mãe.

Ela abriu o carro e entrou. Eu batia no vidro para ela abrir, mas ela imitava que eu não existia. Saiu rapidamente, me deixando gritando e sozinho na minha casa com meu filho.

Minha vontade era de queimar viva aquela desgraçada, mas o som de Guy berrando dentro de casa estava me perturbando e voltei para dentro e carreguei ele, mandando-o ficar quieto. Nunca fui muito paciente.

– Onde está mamãe?

– Ela não vai voltar.

– Eu quero mamãe.

– Você está cansado, garotão. Acho melhor você voltar a dormir.

Ainda era de manhã então foi fácil convencer Guy a dormir. Enquanto isso fiquei tentando colocar meus pensamentos no lugar.

Primeiro descubro que o mundo vai acabar.

E então minha mulher me abandona com uma criança.

Estou ferrado.

Nos conhecemos no Ensino Médio, o que parece que foi há décadas. Mas não, foi apenas há cinco anos, e fico espantado. Naquela época em que tínhamos todos nossos sonhos, quando ser do time da escola e ir nos fins de semanas para festas era o máximo que eu fazia e ela tinha um longe e bem cuidado cabelo loiro e essa era sua única preocupação. O que me restava então? Casar logo depois de se formar?

Jogo a garrafa de cerveja que eu estava bebendo para longe, que se estilhaça inteira no chão. Ouço Guy começar a gritar do seu quarto, e vou até lá e o carrego, abrindo rapidamente seu guarda-roupa e colocando tudo em uma mala.

– Onde nós vamos?

– Férias, filhão.

– Vamos sem a mamãe?

– A mamãe já saiu para as férias dela.

– Nós vamos encontrar ela quando chegarmos?

Não sei o que responder. Decido confirmar.

Segurando na mão de Guy e com a mala cheia de roupas minhas e dele, vamos pegar o transporte público. Digo a ele que iremos primeiro comer no McDonald’s antes, mas quando chegamos lá, está abandonado. Mesmo assim há várias pessoas dentro, preparando seus próprios alimentos. Acho estranho, mas tento agir naturalmente para não deixar Guy espantado.

Trago batatinhas fritas para nós dois e Guy come rapidamente e me conta que estava com fome. Não sei o que fazer. Não temos onde ir, mas eu não podia ficar mais um segundo naquela casa. Digo para ele que vamos ver os peixes no aquário, e ele fica animado.

Os lugares públicos da cidade estão abandonados também. Observo Guy encarando os peixes estranhos curioso, e começo a sorrir. Guy olha para mim e diz:

– Quero trabalhar no mar quando crescer, papai.

Isso me deixa mal. Não sei reagir ao fato que Guy nunca terá essa oportunidade e isso me faz querer acabar com tudo o mais rápido possível.

Saímos de lá depois de meia hora, e levo Guy para o parque.

Enquanto ele brinca e eu observo, fico pensando no que fazer. Parece quase um dia normal, um dia de feriado. Não sei se é melhor imitar que nada está acontecendo ou agir de algum modo. Não sei se valeria a pena.

Guy corre para meu colo, assustado. Quando vejo, do outro lado da rua tem um grupo de vândalos quebrando tudo. Carrego-o e vou andando pela rua, desejando estar com o carro. Ele chora, e não sei para onde ir. Não quero voltar para casa.

Entro com ele na biblioteca pública. Deixo-o sentando em uma das mesas em enxugo suas lagrimas. Seu cabelo loiro está empapado e seus olhinhos inchados. Me sinto impotente por não poder fazer nada.

– Onde estamos, papai?

– Na biblioteca.

– Quero ir pra casa.

– Mas já cansou de passear? Não gostou do aquário, do parque, de comer fora?

– Quero a mamãe.

Suspiro, cansado.

– Venha aqui, vamos ler algum livro.

Pego para ler um livro ilustrado de Moby Dick. Lembro de quando era criança e minha mãe lia para mim antes de dormir. Parece que faz uma eternidade.

– Minha mãe leu este livro para mim quando eu era pequeno. Se chama Moby Dick. – Eu comecei a contar para Guy, que estava sentado no meu colo. Estávamos no chão e cercados por livros. – E conta a história de um homem que trabalha no ramo marítimo.

– Mar! Eu amo mar! – Guy exclamou.

– Eu sei que ama, filhão. E então esse homem queria matar uma baleia. Era tudo que ele mais queria.

– Por quê? – Guy fez uma expressão triste.

– Ele tem ódio pela tal baleia. E essa baleia se chama Moby Dick, por isso o nome do livro.

Abro o livro, e a figura de uma baleia salta do livro. Começo a ler:

– “Chamai-me Ismael”...

É estranho. Aliás, tudo isso é estranho. Eu não sou um bom pai, nunca foi. E hoje, estar aqui com Guy, só nós dois se mostrou especial. Nunca tive tempo para ele por causa do trabalho, e percebi que pouco sabia e entendia desse menininho. Estar aqui lendo para ele, suas mãozinhas curiosas virando cada página que termino de ler me dá aconchego.

Atendo seu pedido depois que termino o livro. Voltamos para casa no fim da noite.

Guy dorme imediatamente enquanto prefiro bebericar uma garrafa de cerveja assistindo televisão. Aparentemente o jornalismo ainda estava funcionando, mas eu não queria assistir mais nada em relação ao fim do mundo. Fui ver quais DVDs eu tinha para assistir.

Olhando cada título, encontrei perdido no meio o DVD da gravação do meu casamento. Meu coração dispara. Éramos tão jovens e a esperança que tínhamos naquela época mostra-se extremamente inocente hoje.

Coloco no DVD Player.

Estávamos mais jovens, mais sorridentes. A música de introdução faz que eu queira vomitar. E então ela entra, o vestido branco arrastando no chão da igreja.

Bebo o último gole da cerveja, e me sinto furioso. Seis dias para morrer, e me sinto inútil. Muito inútil.

Atiro a garrafa na televisão, que faz um barulho horrível quando é quebrada.

Guy começa a chorar em seu quarto.

¨¨¨

Tenho dois dias de vida. Nos últimos dias eu e Guy passamos por bons momentos de pai e filho. Na maioria das vezes na biblioteca, que se tornou nosso lugar favorito do mundo. Guy confessou para mim ontem:

– Quero também ler todos os livros da biblioteca um dia. Até aquele mais grosso na prateleira de cima. Quero ler tanto quanto quero trabalhar no mar.

Guy passava uma maturidade que não condizia com seus cinco anos, e me assustava. Tendo um pai e uma mãe infantis que ele tem, é de se surpreender como um garotinho como ele podia ter tantos sonhos grandes e um brilho nos olhos de determinação que eu nunca tive.

Hoje eu prometera para ele que levaria ele para o mar.

Ajudo ele a tirar sua camiseta, e ele cai na água. Eu o deixo ir, porque sei que é o que ele mais gosto. Em outros casos estaria preocupado com sua segurança, mas quem está seguro?

Brinco com ele na água, e quando ele se cansa de pular ondas, deitamos na areia. Guy olha para mim e diz:

– Queria que a mamãe estivesse com a gente.

Sei que ele pensa em sua mãe todos os dias. Mas é difícil, pois não sei se devo falar a verdade ou não. Guy é forte, mas e eu? Eu sou?

Acho que não.

Na maioria das vezes estou apavorado, mas imito que estou bem para não o assustar. Ele não merece saber que o mundo é cruel. Não enquanto é criança.

A verdade é que Guy é o que me mantem são. Se não fosse ele eu estaria enlouquecido. Não quero deixar de ser o herói dele, mesmo sabendo que dessa vez não poderei salvá-lo.

Me sinto horrível por um momento.

Voltamos para casa no anoitecer. Mesmo não tendo mais carro, temos sorte de ter bicicletas abandonadas, e coloco Guy sentado na minha frente e vamos para casa sentindo o vento bater em nossos rostos.

Guy é um menininho loiro e rechonchudo, e se não tivéssemos a mesma cor dos olhos e cabelo, nada teríamos igual. É deprimente tentar imaginar como seria o futuro, mas é impossível não o fazer. Fico pensando que Guy com certeza não seria como eu que odiava a escola e estava mais interessado em beber com os amigos. Que ele estudaria e seria chamado de “nerd” pelos babacas do time de futebol. Que ele preferiria ficar em casa na internet do que ir no baile de formatura. Que faria uma ótima faculdade enquanto esses caras do time do futebol se tornariam perdedores como eu me tornei. E se eles tiverem a sorte que tive, teriam um filho como Guy.

Chego em casa e meu carro está estacionado na garagem. Da porta da sala sai Riley, e Guy corre até ela gritando “Mamãe”.

Eles se abraçam e eu não posso acreditar que ela voltou. Foi covarde e fugiu, mas agora está aqui e por quê? Pra tirar toda a paz que estou tendo?

– Riley? O que faz aqui?

– Vim ver Guy. – ela respondeu olhando para nosso filho, que transbordava alegria.

– Você não é benvinda aqui. – digo apressadamente, tirando Guy das garras dela.

– Você tem um tempo?

– Não, eu não tenho tempo pra você.

– Vem aqui.

Ela me puxou pela camisa, me levando para trás do carro. Eu não queria ouvir o que ela diria, mas não havia escolha.

– Eu estava desesperada.

– Percebi! Pegar o carro e sair sem falar um nada. O que você estava pensando, sinceramente?

– É muita pressão pra mim.

– Sempre foi, não é? Cuidar do Guy, se casar, deixar para trás a juventude e se tornar mãe. Me desculpe se não teve a vida que desejava! – eu queria gritar, mas não podia assustar Guy.

– Você está errado...

– Não minta, Riley! O mundo está acabando mesmo, então qual o problema? Pode dizer na cara! Não terei tempo o suficiente para te odiar.

– Você está errado. – Ela chorava. – Eu nunca trocaria Guy, ou a vida que tive aqui nem se tivesse oportunidade. Eu posso parecer esse monstro insatisfeito que você diz que sou, mas eu só estava assustada. Com medo. Não pode me culpar por sentir.

Abri a porta do carro e fiz um sinal para ela entrar no carro. Ela não entendeu, e então eu disse:

– Diga tchau para sua mãe, Guy.

– Não vá embora, mamãe! – Guy choramingou.

Riley me encarou e entrou brava no carro. Parecia que ela chorava.

– Tchau, meu bebê. – Ela falou pela janela do carro para Guy. – Mamãe te ama. Muito. Papai vai te proteger, tudo bem? Não chore, meu amor. Não chore.

E sumiu.

¨¨¨¨

Último dia de vida.

A sensação que tenho é de impotência. Não foi difícil pra mim. Quero dizer, aceitar que o mundo estava morrendo. Não sei. Provavelmente porque mundo interno também estava. E aquelas palavras que ouvi no rádio, a notícia do fim do mundo, bem... nem foi tão assustadora quando se espera que seja.

Usei como pretexto para aproveitar. Vivi momentos únicos com meu filho e pude pensar. Talvez esse fosse meu problema; eu não tentava consertar. Eu não tentava entender. Eu fugia.

Estou na biblioteca com Guy. É um bom lugar, não é? Para morrer. No meio de tanta história, tantas vidas, tantos momentos. Tenho vidas aqui desde a idade da pedra até o suposto futuro. Tenho peixes catalogados, livros da Era Vitoriana, livros sagrados de várias religiões do planeta. Tenho deuses gregos e egípcios, manual de instruções e folhas de jornais do começo do século passado. História de amores trágicos e livros teóricos. A Kama Sutra, o Harry Potter, A Alice No País Das Maravilhas.

Eu tenho um mundo.

É uma pena que tudo isso sumirá junto. Os livros são puros porque são um retrato da sociedade de quando foi escrita. Essa mesma sociedade que morrerá agora.

Olho para a janela como se esperasse ver o tal cometa explodir. Não vejo. Nem sinto. Do nada tudo fica claro, e Guy segura minha mão, e estivemos aqui. E acaba. E nada mais importa. Um dia vivemos, e esquentamos nossa cabeça com questões jamais explicadas. Um dia pisamos nessa rocha resfriada que é a Terra, e a chamamos de lar. Chamamos nossos problemas de impossíveis para no final acabar como um passe de mágica. Porque tudo tem um fim, e talvez não seja a chegada que importe, mas sim o caminho. E acaba. Acabou.


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Notas finais do capítulo

Gente, como eu demorei tanto pra postar, que tal um review dizendo que ainda estão aí? hahaha



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