Call Girl in Busapeste escrita por Isadora Nardes


Capítulo 6
Palavras com "E".




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Depois que a crise de risos em conjunto acabou, George resolveu vencer a viadagem e voltar para a sala, ignorando os protestos de Angel. Afinal, não ia ter medo de seus pais. Tinha 22 anos.

A sala estava mais lotada à cada minuto. George foi nadando ente o mar de gente – que parecia não caber mais ali – até achar uma janela ao lado da estante de livros. Deixou Angel sentada ali, olhando pra fora.

–- Eu já volto – George avisou. Angel pareceu em pânico.

–- Onde você vai? – ela perguntou.

–- Já volto – George repetiu. Sentiu os olhos de Angel em suas costas enquanto se afastava em direção ao corredor.

Ás vezes, Angel era meio assustadora. Só de vez em sempre. E, às vezes, não dava pra ter certeza se ela gostava de George. Ou se ela gostava de alguém. Com aquela indiferença inexpressiva e assustada que ela demonstrava, a palavra “gostar” parecia meio fora de contexto.

George passou pelo corredor – com paredes amarelas – e foi até a última porta do corredor. Abriu-a. Ali estavam algumas coisas que ele se lembrava de sua infância – a velha mesa de computador com figurinhas dos Smurfs, uma caixa cheia de jornais velhos, uma gaiola de animais que estava ali desde que os dinossauros andavam sobre a terra...

George foi fuçando entre as coisas até achar um violão. Velho, gasto pelo tempo, mas bonito. George pegou-o, encaixou-o e tocou uma corda. O som encheu a sala e George sorriu.

As cordas não tinham enferrujado ainda.

George saiu da sala e bateu a porta atrás de si. Atravessou o corredor, andou novamente pelo mar de gente e encontrou Angel parada, no mesmo lugar, folheando um livro de Ian. George apenas sorriu pra ela quando ela levantou os olhos pra ele.

Puxou uma cadeira de madeira dobrável. Posicionou-a em frente a lareira e sentou-se. Havia esfriado, e o fogo crepitava mais e mais na lareira. O tempo lá fora havia ficado cinza. Ali dentro parecia tudo muito quente e familiar.

Algumas pessoas se viraram para George. Angel arregalou os olhos, e George riu da expressão dela. Fred voltou pra sala, carregando mais uma travessa de biscoitos, e ficou parado a alguns metros de George.

George tocou uma nota. Depois duas. E mais uma.

E foi tocando.

Já tinha planejado fazer aquilo desde que pensara na viagem. Desde que chegara a Budapest. Desde que acordara de manhã. Desde que entrara na casinha de Ian. Desde que ajudara Fred a fazer os tão aclamados biscoitos.

Por mais apavorada que Angel parecesse, ela ficou quieta, olhando inexpressivamente para George, que teve que tomar coragem pra começar a cantar. As palavras ficaram entocadas em sua garganta por um momento, até ele começar.

–- White lips, pale face. Breathing in snowflakes Burnt lungs, sour taste.

George viu Angel limpar a garganta.

–- Light's gone, day's end. Struggling to pay rent. Long nights, strange men.

Angel mordeu o lábio. A porta abriu e mais pessoas chegaram. Aquilo,porém, nada importou. As pessoas continuavam paradas como se o tempo não passasse. E Angel cobriu a boca com a mão.

–- And they say she's in the Class A Team, stuck in her daydream. Been this way since eighteen, but lately her face seems slowly sinking, wasting, crumbling like pastries. And they scream, the worst things in life come free to us.

Angel não se mexia.

Os pais de George pareciam indignados e embasbacados ao mesmo tempo. Não falavam nem faziam nada, e nem era preciso.

George terminou a música olhando apenas para seu violão. Não conseguia levantar o rosto pra ver a expressão de Angel. Talvez nem tivesse sido uma boa ideia fazer aquilo. Fazê-la se sentir pior? Não era a ideia.

Quando soou a última nota, palmas fizeram-se ouvir. George se levantou e foi recebido com apertos de mão e “ois”, mas ele não ouviu nada realmente. Só quando tomou coragem para olhar para a garota sentada na janela que o mundo pareceu voltar a fazer sentido novamente.

Ela estava olhando pra ele, e pra mais ninguém. Um braço estava apertado contra a barriga, e o outro estava apoiando a cabeça dela. George foi até ela e ficou parado, olhando para o rosto pálido e os lábios rachados.

Os olhos dela brilhavam de um jeito que não deveriam brilhar.

–- Hum... – George começou. – E então?

–- E então o que? – Angel perguntou.

–- O que você achou?

Angel olhou pra baixo.

–- Foi bom – ela disse, simplesmente.

–- “Bom” – George repetiu. – “Bom” bom, ou “bom”... Bom?

–- Foi legal, George.

–- Foi mesmo?

–- Não – Angel negou. – Foi espetacular.

George não se permitiu sorrir de alívio até Angel estender a mão para a sua.

–- Você prestou a atenção – ela murmurou.

–- No que? – George perguntou.

–- No que eu te disse aquele dia – Angel levantou os olhos. – Sobre aquele cara.

–- O Ed? Claro que prestei atenção. Por que não prestaria?

Angel encolheu os ombros.

–- As pessoas não costumam prestar a atenção em mim. E quando prestam, não é e um jeito muito bom.

–- Deixe de besteira – George disse. – Você é fascinante.

Angel esquadrilhou o rosto de George. Para não ficar sem palavras, ele pediu:

–- Me fale mais alguma coisa sobre o Ed.

Angel deu de ombros.

–- Ruivo.

–- Como o Fred?

–- Mais ruivo. Parecia que tinha um gato laranja na cabeça dele.

George riu.

–- Isso é legal – George disse. – Ele comprou uma revista, certo?

–- Sim – Angel concordou. – Comprou.

–- Isso foi legal da parte dele.

–- É. E meio humilhante.

George balançou a cabeça em negação e tomou as duas mãos de Angel. Ficou balançando-as, inertes, sincronizadas. A porta se abriu e Ian saiu dali, com uma sacola de mercado na mão. Tinha um sorriso maluco no rosto.

–- Adivinhem o que eu achei? – Ian perguntou.

–- Nozes? – George apostou.

–- Nozes! – Ian confirmou, erguendo o pacote. George riu e Ian comemorou. Aproximou-se dele e de Angel e estendeu uma noz para cada, indo imediatamente para a cozinha, de onde emergiu um Fred elétrico.

–- Esplêndido – Fred disse, se voltando para George em passos rápidos. – Espetacular. Esplendoroso.

–- Só vai usar palavras com “E”? – George perguntou.

–- Palavras com “E” – Fred repetiu. – Esquecimento. Esqueça. Ele. Elétrico. Enérgico. Esconder. Escondido. Evidente.

George riu e começou a brincar com a noz em suas mãos. Angel bateu repetidas vezes a sua no batente da janela, até a casca rachar, ruir, quebrar e desabar no chão. Angel estendeu a parte de dentro da noz para George.

Ele abocanhou e mordiscou, depois engoliu. Fred saiu de vista.

–- Estão muito boas – George comentou. Quebrou sua voz no batente da janela também, depois estendeu a parte de dentro pra Angel.

–- Muito – Angel concordou, sorrindo pela primeira vez desde que George pegara o violão. Ela olhou pra trás, na janela, depois para dentro novamente. – Está com frio?

–- Eu não – George disse. – Você está?

–- Pra cacete.

George arrancou seu moletom e o estendeu para Angel, que negou.

–- Não precisa.

–- É claro que precisa – George insistiu. – Que tipo de ser humano eu seria se não oferecesse meu agasalho a uma donzela indefesa?

Angel o empurrou, mas deu risada. George também. Desvirou o moletom e colocou-o em Angel, puxando os cabelos dela pra baixo. Ela se ajeitou e puxou os cabelos pra fora da roupa. Olhou para George.

–- Não vai me perguntar como você está? – George perguntou.

–- Não – Angel replicou. – Não quero saber.

–- Você está espetacular – George disse, se curvando para Angel. Ela sorriu e passou os braços em volta do pescoço de George, depois beijou seu pescoço George reclamou: -- Beijo no pescoço é covardia.

Angel beijou de novo.

–- Mas pode – George retorquiu, puxando Angel pra cima.


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Notas finais do capítulo

Não escrevi o capítulo com todo amor e carinho pra vocês não comentarem.



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