O Reflexo escrita por Jéssica Sanz
Notas iniciais do capítulo
Demorou um pouquinho por causa do feriado, mas aqui está.
– Eu sinto muito pela sua amizade, Wes – disse Artie.
– Desculpem, eu estou estragando o jantar de vocês.
– De forma nenhuma – disse Mary Ann.
– Com licença.
Fui ao toalete e limpei o rosto. Eu não estava nada bem. Pra melhorar, como todo toalete, um espelho bem na minha frente. Fiquei observando a água pingar do meu rosto, me lembrando de quantas vezes eu tinha ficado encarando minha própria imagem, sonhando com o momento em que eu reencontraria Reflexo. Isso me deixa confuso, porque ainda não sei se, de fato, o encontrei. E, se o encontrei, ele parece não ter me encontrado.
Thomas entra no banheiro, aparentemente ele percebeu que há algo errado.
– Você está bem, Wes?
Hesito um pouco, e respondo.
– Sim. Estou.
– Sei. O casal deixou você estranho. O que aconteceu?
– Eles me trazem lembranças ruins. No entanto, eu sei que eles não têm culpa. Eles não têm nada a ver com a minha vida.
– Você quer ir pra casa? Já estamos no fim da noite.
– Não – respondo prontamente. – Eu não posso deixar meus problemas transparecerem para os clientes. Thomas... Eu quero servi-los. Quero servi-los todos os dias a partir de hoje.
– Sério? Eles te trazem problemas e você quer se aproximar em vez de se afastar?
– Aí é que está, Thomas. Eu preciso saber qual é a deles. Preciso de intimidade.
– Bom... Se quer mesmo fazer isso, precisa terminar o serviço.
– Eu sei. Vamos, temos que trabalhar.
Saímos. Eu pego uma bandeja e vou até a mesa.
– Posso tirar os pratos de vocês?
– Pode. Wes... Está tudo bem com você? Acho que deixei você mal por causa daquela conversa...
– Está tudo bem comigo, Senhor Artie. Obrigado por perguntar. Eu já estava com um pouco de dor de cabeça antes de vocês chegarem, mas eu já tomei um remédio. – Nós, garçons, aprendemos que não devemos compartilhar esse tipo de coisa com os clientes. Mas eu precisava ficar bem próximo daqueles dois. – Já estou melhorando.
– Que bom que está melhor – disse Mary Ann, com um doce sorriso. – Pode nos trazer a conta?
~
– Então, nos vemos no mês que vem?
– Certamente, Wes – disse Artie. – Foi um prazer estar com você hoje.
Cada palavra dele parecia uma facada. Mas eu sorri e me despedi.
No mês seguinte, eles voltaram, mas eu estava mais preparado. Eu os recebi com um grande sorriso.
– Boa noite! Sejam bem-vindos de volta.
– Boa noite, Wes – disse Artie.
Eu fui o garçom perfeito. Os atendi rápido, sugeri o mesmo vinho. Foi uma noite ainda mais maravilhosa. No fim de tudo, nos despedimos novamente. Essas noites incríveis se prolongaram por mais quatro meses, em que viramos mais que garçom e cliente. Viramos amigos. Até que, em uma noite, antes de trabalhar, eu conferi minha folga. Ela cairia no último sábado do mês.
– Até mês que vem, Wes.
– Na verdade, senhor, infelizmente, acho que não nos veremos no mês que vem.
– Por que não? – Perguntou Mary Ann, preocupada.
– Minha folga cairá no último sábado do mês, o dia que costumam vir.
– Isso não é problema – disse Artie. – Podemos vir na sexta, ou no sábado anterior, não é, querida?
– Tenho uma ideia melhor. Artie, o que acha de vir ao Cafe Boulud jantar conosco no mês que vem?
Estranhei o convite. Não era normal um casal convidar o garçom para jantar em sua folga, muito menos se o garçom não fosse conhecido. Eu só os conhecia havia dois meses.
– Jantar com vocês? Eu adoraria fazer isso, de verdade, mas não acho uma boa ideia. O Chef Aaron pode não gostar disso. Sem falar nos outros garçons.
– Então vamos os três juntos a outro restaurante.
– Outro restaurante? – Perguntou Mary Ann, confusa.
– Eu acho que pode ser uma boa ideia – disse ele. – Sempre frequentamos o Boulud, sempre comemos a mesma coisa. Acho que diferenciar desta vez seria também uma ótima oportunidade para conhecer nosso querido garçom, que na verdade, agora é mais um amigo.
Eu estava surpreso. Queria me aproximar deles, mas eu não esperava por isso. Mas seria uma oportunidade e tanto.
– Eu agradeço os elogios e o convite. Vocês são muito especiais.
– Então aceita o convite? – Perguntou Mary Ann, sorridente.
– Mas é claro!
– Que ótimo – disse ela, abrindo sua pequena bolsa. – Bem, estamos com pressa agora, mas esse é o cartão da clínica onde trabalho. Ligue para lá em horário comercial para combinarmos tudo.
Peguei o cartão, que para mim era uma barra de ouro. Eu já sabia que Mary Ann era a única recepcionista de uma clínica odontológica, e que Artie trabalhava em um estúdio de fotografia. Quando eu descobri isso, associei imediatamente à velha câmera de Reflexo e suas fotos. Mas eu decidi não dizer nada por enquanto. Guardei o cartão com carinho e me despedi deles. Quando ele saíram, fui para o balcão ver as mesas para trabalhar. Thomas estava lá, e estivera observando minha despedida. Ele não estava com uma cara muito boa.
– O que você estava fazendo, Wes? Foi impressão minha ou pegou o número da senhorita Mary Ann na frente do acompanhante dela?
– Não fale bobagens, Thomas. Eles me convidaram para jantar.
– O quê? – Thomas quase gritou, e olhou para trás, cauteloso, sussurrando em seguida. – Não deveria ter aceitado. Obviamente eles convidaram por educação.
– Não é verdade. Somos amigos, e isso já faz muito tempo.
– Você é quem sabe. Espero que não traga seus “amigos” para o trabalho. E fique esperto com a senhorita Mary Ann. Que os protetores dos garçons oprimidos não me ouçam, não gosto de falar assim dos clientes, não é certo. Mas ela não me parece ser uma garota muito fiel.
– Não se preocupe. Não estou interessado nela.
~
Liguei para Mary Ann dois dias depois. Ela atendeu como uma secretária de dentista, de fato. Expliquei que era eu. Nós conversamos, e ela me pediu para, na qualidade de garçom, indicar um bom restaurante que não fosse o meu. Depois de alguns meses morando em Nova York e sendo um bom apreciador da gastronomia, eu já conhecia alguns lugares. E, com esses meses próximo a Artie e Mary Ann, eu já os conhecia o suficiente para saber como surpreendê-los bem. E, claro, eu tinha meus contatos para garantir uma noite maravilhosa.
– Você já sabe onde vamos? – Perguntou ela.
– Sim. Na época em que a Lei Seca surgiu, foram criados os Speakeasy, que eram bares ilegais e escondidos que garantiam que as pessoas continuassem bebendo. Hoje eles já são legais, mas ir até eles é sempre uma aventura. E eu sei o lugar perfeito.
– Hum, parece interessante. Qual é o nome do lugar?
– Por favor, não conte.
– Só tenho que contar para o Artie. Qual é o nome?
– Por favor, não conte. Esse é o nome do lugar.
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Uh, parece legal, não? Vamos ver no que isso vai dar...