Imperfeitas escrita por Isadora Nardes


Capítulo 2
Yolanda.




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Eu estava me sentindo uma imbecil.

Ali, no meio do palco, eu dava um sorriso que praticamente gritava: “Eu sou falso! Eu sou falso!”. Tão falso quanto minha cintura violão, tão falso quanto minha pele uniforme.

Agora, no camarim, no meio de todas aquelas garotas “bonitas”, eu me jogava numa cadeira e bebia o máximo de água que conseguia. Minha boca ficara seca. Eu me olhei no espelho: meu batom borrara por causa da garrafa, e minhas bochechas doíam de tanto sorrir.

Peguei o demaquilante mais próximo de mim, sem me importar se era de alguém, e joguei um pouco num chumaço de algodão. Comecei a passar nos olhos. Senti o líquido frio e molhado por cima de minhas pálpebras, e escorrendo por minha face. Eu respirei fundo algumas vezes.

Quando abri novamente os olhos, dei de cara com meu rosto absolutamente natural. Vi alguns cravos no meu nariz, cujo era terrivelmente grande. Meus lábios eram um pouco grandes demais, também.

Eu era um pouco grande demais.

Meus 1,80 eram terrivelmente expostos. Eu evitava usar saltos muito grandes. Eu evitava parecer gigante demais.

Olhei para o lado, onde Vanessa fungava, e era amparada por Janete. O camarim tinha paredes beges glamourosas, espelhos tilintando de tão novos, e bancadas já sujas de maquiagem.

Eu revirei os olhos e observei enquanto Úrsula retirava delicadamente seu vestido branco e brilhante, cheio de prendas. Porém, o vestido era simples: liso, com um bordado que poderia ser brega, mas não era.

Ela não precisava de algo muito chamativo. Ela, por si só, já chamava os olhares; ela parecia nunca suplicar nada de ninguém. Ela tinha uma luz, um fogo... Faíscas saíam de sua pele e de seus olhos; suas palavras ardiam, seus cabelos queimavam. Todos amavam o fogo, e ela, apenas ela, em sua essência, era o fogo, era a ardência que crepitava na noite, era as chamas que tremeluziam e ardiam, em todos os lugares.

E eu? Eu era a água fria, gelada, congelante; eu era o olhar frio, o vento gélido, a ardência do gelo, a sensação fria que o inverno trazia, as dores da escuridão antecipada...

Um baque surdo me tirou de meu torpor. A maçaneta do lado de dentro da porta havia caído no tapete. Estava solta, sempre esteve. Lílian, a competidora que estava mais perto da porta, se abaixou e pegou a maçaneta, tentando encaixá-la de volta. Porém, um segundo baque fez-se ouvir. A maçaneta do outro lado tinha caído, também. Lílian tentou encaixar a maçaneta de volta, mas seu pânico não deixava.

–- Calma – Janete pediu, sem alterar. Levantou-se e foi até a porta, tentando encaixar novamente. Porém, mesmo calma, ela não conseguiu.

Estávamos presas.

30 garotas bonitas, histéricas, desesperadas e em pânico, presas numa sala de 30x30m, com maquiagens, demaquilante e spray de cabelo como armas em potencial.

Ótimo. Simplesmente ótimo.

Outras garotas se juntaram para tentar abrir a porta. Começaram a bater na madeira e esmurrar. Se bater em madeira dava sorte, todas elas ganhariam o concurso, ao mesmo tempo. Eu fui a única preguiçosa o suficiente para não me levantar.

Estendi a mão e agarrei meu celular. Vasculhei na agenda o número de Harold, o homem que nos “preparou” para o concurso. Disquei o número dele, mas vi que ali não havia nenhum sinal de telefone.

Joguei meu celular de volta na bancada.

Não ia me juntar ao coro de pânico tão fácil. Pelo visto, Úrsula também não.

Ela pegou um grampo em cima da bancada e abriu espaço entre as garotas. Não empurrou nenhuma delas; elas simplesmente aderiram ao espaço, foram abrindo caminho, se esquivando das chamas.

Úrsula se ajoelhou na frente da fechadura e enfiou o grampo, girou algumas vezes e tentou puxar a porta. Não cedeu. Girou mais e mais, fazendo o metal da fechadura tintilar, mas não conseguiu nada.

Eu me levantei. Ninguém olhou muito pra mim, graças a Deus. Porém, quando eu me aproximei da porta, não foi para bater histericamente nela. Eu me afastei da porta um pouco. Acho que o gelo que emanava de mim também dispersava as pessoas, pois não senti ninguém protestando.

Eu chutei a porta uma vez.

Nada.

Chutei a segunda.

Meu pé começou a doer.

Nada.

Chutei uma terceira.

As garotas gritaram quando a porta veio ao chão.

Eu arquejei, e as garotas saíram correndo e gritando. Eu fiquei observando enquanto elas corriam.

–- Muito esperta – ouvi uma voz atrás de mim. Virei-me, e Úrsula estava ali, parada, de braços cruzados, fitando-me com as faíscas habituais nos olhos. Seus lábios estavam repuxados em uma expressão que não identifiquei, e ela mantinha o nariz empinado.

–- Hã... – Eu gaguejei. – O-obrigada.

Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, ela saiu pela porta, em passos decididos, deixando o calor inebriante atrás dela. Eu me apoiei na porta. Meu pé ardia um pouco, e eu me lancei novamente em direção à garrafa de água na bancada.

Bebi um pouco. Foi como se o encontro com o fogo que Úrsula emanava tivesse causado em mim o efeito oposto: eu jamais me sentira tão fria como agora. Era como se a água que descesse por minha garganta congelasse instantaneamente, formando pequenas espadas de gelo que me cortavam por dentro.

–- Yolanda! – ouvi a voz de Harold. Abri os olhos e olhei pra ele, parado na batente da porta, com as mãos na cintura.

Deixe-me explicar: Harold é uma bicha enrustida. Uma bicha enrustida amarga, que reprime a vontade de arrombar a porta do armário e sair aos pulos, mas que não faz isso. Descobri que ele era gay semana passada, quando peguei o celular dele e vi várias fotos de um dos jurados do concurso, Leonardo.

–- Ouvi que você botou toda essa sua testosterona pra fora – Harold provocou. – Ui, Parece que ambos temos uma coisinha em comum, não é?

–- Cala a boca – eu disse, fechando a garrafa e fazendo questão que batê-la o mais forte possível contra a bancada. Fui até a porta, sem me deixar intimidar. O corredor estava com o único grupo de garotas juntas e murmurando, enquanto outros estagiários se obrigavam a não olharem muito pra elas. Harold levantou as mãos, em sinal de uma redenção afetada, e disse:

–- Ui!

Ele só fazia aquilo para me provocar. Eu sabia disso. Porém, eu parei e o encarei. Ele tinha ombros largos e era musculoso, o tipo de cara pelo qual as garotas do concurso arfavam. Eu encarei seus cabelos cor de mel por um instante, até gritar, para o corredor:

–- O Harold é bicha de armário!

“E o Harold?”, você se pergunta. Bom, ele empalideceu e deu um passo atrás. Depois, assumiu uma expressão de raiva. Ele apontou o dedo pra mim, e disse:

–- Eu vou garantir que você jamais ganhe um concurso novamente!

Eu o observei se afastar em passos rápidos e irritados.


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Notas finais do capítulo

Desculpe demorar pra postar. Achei que não estava fazendo sucesso (e não está, mas isso nunca me impediu).



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