Cristal de Gelo escrita por DreamingAboutLife


Capítulo 3
Capitulo 2 - Vidas sob o solo


Notas iniciais do capítulo

Primeiro que tudo, obrigada a todos os que leram o primeiro capítulo, espero que tenham gostado (:
Depois apenas quero avisar que há a probabilidade de o capítulo 3 demorar mais um bocadinho a sair do que os restantes uma vez que continuo bloqueada. É muito fácil imaginar e construir os pontos críticos e mais importantes de uma história quando comparado com os restante que a preenche e lhe dá corpo. Eu estou a ter um pouco de dificuldade com estes últimos. Sei perfeitamente onde quero levar a história, mas para isso há um timming de eventos a ser respeitado e preencher esse timming está um pouco complicado. Peço antecipadamente desculpa por alguma demora que possa ocorrer (:
E bem, espero que gostem deste capítulo!



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Viu a expressão dos seus olhos azuis mudarem. O azul de céu e mares tornou-se gelo. E por momentos, ela sentiu medo.

A mão que segurava a sua escorregou para as laterais do corpo do jovem rei. Lyaris tragou uma respiração profunda e voltou à sua tarefa. Silêncio preencheu os aposentos, infiltrando-se na sua pele como a brisa gelada do inverno que nem a mais quente das roupas podia afastar.

Quando estava satisfeita com a aparência dos cortes colocou o pano de lado e pegou num recipiente de barro com um emplastro verde. Espalhou a substância com a maior delicadeza que podia, mas mesmo assim podia perceber os tremores que percorriam o corpo de Robb cada vez que um espasmo de dor o abatia.

Foi apenas quando se deslocou na cama improvisada para tratar os ferimentos das costas que o Jovem Lobo cortou o desconfortável silêncio.

– Não vos devíeis culpar Senhora. – Lyaris encolheu-se com aquelas palavras. Como podia não se culpar? – Abandonastes a segurança do vosso lar e viajastes para sul para nos avisar. Só vos posso agradecer.

Concentrou-se nas feridas para tentar escapar aos pensamentos sombrios que a rodeavam.

– Talvez se tivesse partido mais cedo… Quando chegamos perto das Gémeas, a única coisa que podíamos fazer era procurar por sobreviventes.

– Foi assim que me encontrastes?

Ela assentiu. E então lembrou-se que ele não a podia ver.

– Sim. Procurávamos já havia alguns dias quando vos encontrámos Vossa Graça. O vosso lobo estava a arrastar-vos para um parte mais densa da mata. Ele foi muito… protetor em relação a vós. – um pequeno sorriso formou-se nos seus lábios perante a memória. Vento Cinzento tinha a sua cabeça apoiada na cama. Conseguiu ver Robb passar a mão afetuosamente pela cabeça do lobo. – Ele esteve ao vosso lado durante todo este tempo. Durante a primeira semana não saiu sequer para caçar.

– Encontraram muitos sobreviventes? – ouviu a voz de Robb perguntar quando começou a aplicar o emplastro nos cortes das suas costas.

As costas do Jovem Lobo eram, provavelmente, o local mais mal tratado do seu corpo. Apesar de superficiais, muitas eram as feridas que adornavam a parte baixa do seu tronco. A maioria pareciam ter sido provocadas por fricção. Vento Cinzento havia arrastado o rei por um longo caminho em direção a norte, afastando-o o mais possível das Gémeas. Não duvidava que muitos dos ferimentos deveriam ter sido causados dessa forma.

– Menos do que gostaríamos de ter conseguido encontrar. – Lyaris respondeu pesadamente. – Alguns não sobreviveram, mesmo após os termos resgatado. Neste momento vivem na aldeia aproximadamente cento e cinquenta pessoas. Cinquenta são homens que vieram comigo da Última Lareira, quarenta sobreviventes das Gémeas. Os restantes são aldeões, sobreviventes da guerra e refugiados que viram as suas aldeias serem queimadas e os seus familiares passados pela espada. Não tinham para onde ir. Não podia deixá-los desamparados quando tínhamos um sítio seguro onde poderiam ficar.

Moveu-se para pegar nas ligaduras frescas e levantou-se, começando a enrola-las em volta do tronco de Robb. Colocou o dedo indicador firmemente sobre a ponta antes de começar a enrolar, retirando-o apenas quando se certificou que esta estava firmemente segura e de que deixara tecido suficiente para atar as pontas.

– Foi gentil da vossa parte acolhe-las Senhora.

– Não se trata de gentileza. – ela respondeu – Estas pessoas estão a sofrer porque os seus lordes decidiram partir para a guerra. Foram apanhadas em batalhas que não são as delas e perderam tudo para que alguém se sente no trono. – Lyaris parou imediatamente todas as suas ações, apercebendo-se do que tinha dito. Um rubor subiu às suas bochechas e os seus olhos arregalaram-se. Podia sentir os olhos de Robb a observá-la intensamente. – Eu… Imploro o vosso perdão Vossa Graça, eu não deveria ter…

– Não. – o rei interrompeu-a, a voz baixa e pesada – Nada mais dissesteis que não a verdade. Normalmente não é no povo que os lordes pensam quando partem para a guerra.

O silêncio voltou a preencher de novo o quarto. Mais pesado e mais denso do que o anterior. Lyaris sentia-se pequena perante o olhar intenso que Robb ainda lhe dava. O pai sempre a ensinara a mostrar respeito por aqueles que, de alguma forma, eram superiores. E ali estava ela, acabando de ofender indiretamente o seu rei. O que diria o seu pai se a visse naquele momento?

Lyaris… Tens o coração demasiado perto da boca. Há pensamentos que devem continuar a ser isso mesmo, minha pequena princesa do norte.

– Os meus irmãos… - ouviu o rei começar hesitantemente o que a levou a olhar nos seus olhos azuis. – Foram mortos por Theon ou…

A morena baixou de novo os olhos, concentrando-se no nó das ligaduras.

– Temo que esse pecado continue a pertencer a Theon Greyjoy, Vossa Graça.

Recuou então um pouco, admirando o resultado do seu trabalho com as ligaduras. Lyaris esperava que o tempo que havia passado com o Meistre da sua Casa e o que havia aprendido com ele fosse o suficiente para curar o Jovem Lobo, bem como todos os feridos a que tentava atender todos os dias na aldeia. Eram mais do que ela gostaria de poder admitir e poucas as mulheres que a pudessem ajudar com o trabalho.

– As restantes ligaduras foram trocadas recentemente, penso que não deve ser necessário atender a elas hoje. Não quero causar-vos mais dor do que o necessário. – ela informou-o, recebendo um pequeno sorriso e um baixo obrigado como resposta. – Vou proceder para que vos seja trazida comida. Para qualquer coisa que Vossa Graça necessitar está sempre um homem da Última Lareira à vossa porta, basta apenas chamar.

– Agradece-vos imenso, Lady Lyaris.

Ele não estava apenas a falar do tratamento dos seus ferimentos, ela percebeu. O mais pequeno dos sorrisos tocou os seus lábios enquanto ela assentia em resposta. Recolheu todos os itens que Sor Clarck lhe havia trazido e, desculpando-se educadamente, abandonou o pequeno quarto que servia de aposentos ao jovem rei. Sor Clarck encontrava-se do lado oposto em posição de guarda. Baixou levemente a cabeça quando a jovem Lady entrou no seu campo de visão.

Fora um dos cavaleiros de maior confiança do seu pai, encarregue de a proteger quando ele partira para sul. Tinha trinta anos mas uma força e fluidez que deixaria jovens cavaleiros com inveja. Alto e de ombros largos, sempre tivera nos seus olhos âmbar gentileza quando se dirigia a Lyaris. Descendente do sul, mas com verdadeira alma do norte. Com os seus escuros cabelos hirsutos e a grossa barba escura que mantinha curta, ninguém poderia dizer que fora um dia nascido em Ponta Tempestade.

– Senhora. – ela ouviu-o cumprimentar ao que apenas assentiu. Deslocou-se para o centro da sala em que entrara, depositando o conteúdo que trazia nos braços numa grosseira e tosca mesa de madeira. – Como está o Rei?

Lyaris dirigiu-se para o canto esquerdo da divisão, onde uma panela de ferro fervia ao lume de uma pequena fogueira. A pequena cozinha era a divisão principal da pequena casa que reclamara como sua quando haviam descoberto a aldeia. Tinha apenas um quarto, para o qual movera o rei após o terem encontrado. Uma cama improvisada tinha sido feita para si num canto mais escondido da cozinha. Sor Clarck pendurara um pesado pedaço de tecido para dividir o espaço e lhe dar um pouco mais de privacidade.

Mexeu o conteúdo aguado da panela, verificando a cozedura do caldo.

– Melhor do que seria de se esperar. As feridas ainda irão levar tempo a curar, mas não tanto quanto a alma. – suspirou então.

Uma ligeira dor surgiu nas suas têmporas, espalhando-se rapidamente pelo seu crânio e intensificando-se. Uma respiração aguda deixou-a e então foi como se o chão lhe tivesse sido tirado violentamente debaixo dos pés. Sentiu-se cair e fechou os olhos, esperando a dor do impacto no seu corpo no duro e frio chão. Mas o que sentiu foram dois braços fortes a ampará-la.

– Senhora. – ouviu a voz aflita do cavaleiro. Sentiu que ele a sentava num dos bancos que rodeava a mesa. – Sentis-vos bem, Lady Lyaris?

– Sim. – ela respondeu tremulamente mantendo os olhos fechados, esperando que ajudasse a aliviar a dor. – Foi apenas uma tontura.

– Há quanto tempo não dormis Senhora? Há quanto tempo estais sem comer?

Lyaris respirou profundamente, sentindo o peso da sua cabeça dissipar-se lentamente.

– Eu estou bem Sor. Prometo que descansarei um pouco mais logo. Ainda há muito a ser feito.

– Tudo pode ser feito após terdes descansado devidamente.

Lyaris abanou a cabeça. Não, não podia. Todos os que habitavam naquela vila estavam sob a sua responsabilidade. Muitos deles estavam feridos ou doentes. Batedores iam e vinham com informações sobre o que os rodeava à superfície e esperando por novas diretrizes. Mais de cem bocas precisavam de ser alimentadas, algumas delas sendo crianças, a maior parte destas órfãs. No quarto ao lado o seu rei precisava da sua ajuda para recuperar devidamente. Não, eles não podiam esperar até que ela estivesse devidamente descansada e alimentada. E como para provar a sua assertividade, um soldado abriu abruptamente a porta da sua casa.

– Senhora, perdoai-me, mas sois precisa na enfermaria.

– O que se passou? – perguntou preocupada, apoiando-se em Sor Clarck para se levantar.

– Um dos homens Stark que resgatamos junto às Gémeas está a delirar e tornou-se violento. Atacou uma das mulheres e uma pequena rapariga que lá estava a aprender o oficio. Fomos capazes de o restringir, mas ele continua a debater-se e ninguém sabe o que fazer.

Lyaris dirigiu de novo a sua atenção ao seu protetor.

– Por favor, assim que o caldo acabar de ferver façai com que uma tigela, juntamente com algum vinho e pão, seja levado a Vossa Graça. Ele precisa de comer para recuperar forças.

E com isto dirigiu-se à porta, acompanhando o soldado que viera em busca do seu auxílio.

Dirigiram-se para o sul da vila, em direção à grande alcova no solo, suportada por grandes vigas de madeira, que usavam como enfermaria. No exterior das casas poucas pessoas se viam. Algumas mulheres e homens feridos passaram por eles, enquanto caminhavam apressados, baixando levemente as cabeças ao que a morena lhe sorria. Dois rapazes estavam perto da enfermaria, na pequena praça que existia em frente, com um teto adornado por raízes de árvores da largura do tronco de um homem. Tinham meios-elmos grandes demais para as suas cabeças, caindo-lhes repetidamente sobre os olhos, e lutavam com dois paus, fingindo que se tratavam de espadas. Risos vinham dos dois e Lyaris não pode evitar sorrir perante a sua inocência infantil que, mesmo na situação precária em que vivam, com guerra a acontecer mesmo por cima das suas cabeças, brincavam alegremente com duas crianças em tempos de paz.

Uma grande comoção se havia levantado dentro da enfermaria. Gritos animalescos eram ouvidos na extremidade mais afastada. Lyaris apressou-se em direção ao som. Um soldado entroncado era segurado por pelo menos cinco homens, que tentavam evitar que se levanta-se da cama e que os seus braços e pernas, que se moviam descontroladamente atingissem alguém. Ela lembrava-se perfeitamente dele. Fora um dos primeiros homens que haviam encontrado nas suas incursões ao largo das Gémeas. Sofrera severos golpes e por pouco não perdera uma das pernas. Não estavam a conseguir combater a infeção nas suas feridas e a febre atormentava-o constantemente. Não era o primeiro episódio de devaneio febril que ele sofria.

Desviou a sua rota em direção às mesas e prateleiras onde guardava a ervas medicinais que tinha conseguido encontrar nas redondezas e alguns remédios que fizera com a ajuda das outras mulheres e de duas curandeiras que também haviam encontrado refúgio na vila. Ambas encontravam-se à superfície com alguns homens procurando algumas ervas que tinham em pouca quantidade.

– Preciso de água quente. – disse rapidamente a uma mulher que se encontrava nas proximidades. A mulher assentiu e rapidamente se apressou a cumprir o pedido da jovem Umber.

Lyaris recolheu três diferentes tipos de ervas medicinais dos seus molhos e colocou-as num almofariz, moendo-as. Quando ficou satisfeita com os aspeto da mistura transferiu-as para um copo de barro. Não demorou muito para que a aldeã chega-se com um grande bule de ferro com água quente. Indicou-lhe o copo e a mulher despejou um pouco da água. Esta depressa adquiriu uma cor púrpura.

Sem perder mais tempo, Lyaris pegou no copo e dirigiu-se à cama do soldado que ainda se debatia violentamente.

– Segurai-o bem. – pediu ela aos cinco homens que pareceram aumentar a força o seu aperto em volta do soldado.

Com dificuldade forçou o líquido a descer pela garganta do homem, que cuspiu metade durante o processo. O líquido quente irritou levemente a pele dos seus dedos. Não demorou muito para que o homem parasse de se debater, até que escorregou para a inconsciência. Um suspiro de alívio pareceu sair das bocas de todos os que os rodeavam.

Uma hora depois Lyaris retornou a sua casa. Os seus passos lentos e as suas pálpebras pesadas. Abriu lentamente a porta dos aposentos do rei, verificando que este dormia profundamente. Vento Cinzento, deitado ao lado da sua cama, ergueu a cabeça quando a porta abriu, arrebitando as orelhas pontiagudas quando a viu e libertando um som baixo. A rapariga sorriu-lhe. Fechou então a porta suavemente e dirigiu-se à sua cama. Adormeceu assim que se deitou sobre as cobertas e que a sua cabeça encontrou a almofada.

Acordou apenas horas depois, quando Sor Clarck a puxou de volta à consciência para a informar de que os homens precisavam de permissão para ir à superfície enterrar um corpo. O soldado havia falecido.


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Notas finais do capítulo

E só me resta dizer o mesmo de sempre: um comentário não leva muito tempo e deixa um autor feliz (:



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