The Untouchable Family escrita por Isadora Nardes


Capítulo 5
Priscila Artner.




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Eu peguei a ficha de Priscila. Nem me incomodei em mostrar a Aurélio. Ele parecia tão absorto na arte de amarrar o próprio cadarço que eu resolvi não incomodá-lo sem necessidade – também se deve ao fato de que minha mente estava a mil por hora.

Priscila Artner – 15 anos – namorando – sem filhos – morta por hemorragia externa.

Eu fiquei olhando para a foto de Priscila. Tinha uma pele morena permanente, com olhos castanho-escuros, e cabelos cacheados até a cintura. Eu levantei os olhos para o Sr.Krastburn, perplexa.

Como eu não havia ligado tudo?

Eu apenas passava meus olhos de Aurélio (que ainda examinava atentamente o cadarço do tênis) para Priscila. Eu arfei. Ele levantou os olhos, atento.

–- Algum problema, Martha? – ele perguntou.

Eu não pude evitar dar risada.

–- Estava tão na cara – eu disse. – Meu Deus, a Priscila é sua filha!

Ele pareceu refletir.

–- Hm, não, eu já matei várias pessoas, mas nunca pulei a cerca.

–- Ah, você sabe. Ela representa sua filha.

Ele riu.

–- Agora sim. Você tem de aprender a se expressar melhor, Martha.

Eu estava ocupada demais refletindo sobre minha nova descoberta para dar atenção ao que ele dizia. Fiquei parada, ligando as peças em minha cabeça, quando uma ideia se materializou repentinamente na minha mente.

–- Você... – eu comecei. Tive de morder o lábio, e respirar fundo. – Você fez isso antes?

–- Isso o que? – ele perguntou.

–- Você está matando uma pessoa para cada membro da sua família que foi de algum modo marcante pra você. Você... Já matou antes, não matou? Não podem ter sido apenas cinco pessoas.

Ele me fitou. Tinha uma admiração forçada, como se ele se segurasse para manter a máscara, mas eu vi algo que me disse que ele se colocou na defensiva.

–- Você definitivamente não é burra, Martha.

Eu tive vontade de sair aos pulos de alegria. Não porque ele tinha me elogiado, não porque ele tinha matado mais gente, mas porque eu descobri aquilo. Murilo poderia ter descoberto, algum estagiário poderia ter descoberto, mas não. Fui eu.

Eu estava orgulhosa de mim mesma por ter decifrado mais um dos segredos doentios da mente dele. Estava orgulhosa por ter sido apta para aquele trabalho, me deixando levar pela emoção apenas uma vez. Estava orgulhosa por Murilo não ter feito mais que uma intervenção. Estava orgulhosa, principalmente, por ter chegado até a última vítima sem chorar nem vomitar. E, definitivamente, estava orgulhosa por ter descoberto mais uma parte de mim que eu não tinha ideia que existia, e provavelmente não teria descoberto se o Sr.Krastburn não tivesse matado toda aquela gente.

Eu guardei toda aquela felicidade dentro de mim, para poder saboreá-la e filosofar sobre ela com mais tempo depois. Eu me recompus. Precisava descobrir quem eram as outras vítimas, e onde estavam enterradas. Mas, primeiro, tinha de ter o relato dos motivos do Sr.Krastburn, e como ele associava a quinta e última vítima a sua própria filha. O que uma garota de 15 anos podia ter feito para merecer, até mesmo na doente mente dele, ser morta?

–- Sr.Krastburn – eu disse, anulando a emoção em minha voz. – O que sua filha fez? Você não pode ter simplesmente decidido matar alguém parecida com ela. Não é esse seu modus operanti.

Ele deu uma gargalhada.

–- Nossa, você absolutamente não é burra – ele suspirou. – É o seguinte...

***

Aurélio andou até o quarto de Carrie.

A porta, recentemente trocada, já tinha coisas penduradas na porta. Ele girou a maçaneta. Deu de cara com a filha falando frenética e animadamente no telefone. Quando ela o viu, revirou os olhos e empurrou a porta.

Aurélio apenas ficou ali, fitando a porta, até ter coragem o suficiente para abri-la novamente.

–- Que foi? – Carrie perguntou impaciente, quando deu de cara com ele pela segunda vez.

–- Você não recolheu sua roupa do varal – Aurélio disse.

–- E daí? Mamãe tá aí pra isso!

–- Sua mãe não vai estar aqui pra sempre pra você. Você vai recolher sua roupa. Agora.

–- E quem vai me obrigar?

Aurélio a fitou. Tinha plena consciência de que seu “olhar de morte” não funcionava com a filha, pois ela tinha o mesmo olhar. Ah, merda, porque ela tinha de puxar a teimosia de Aurélio?

–- Escuta aqui – Aurélio interviu. – Você vai recolher suas roupas. Para de ser preguiçosa.

–- Para de encher o saco – Carrie disse, irritada. Empurrou o pai até a porta, fechou-a e trancou-a.

***

Ele não deixou aquele ritmo emocionante e macabro se perder de sua voz. Mas eu disfarcei minha incredulidade com um comentário sincero.

–- Hum – eu observei, com as sobrancelhas franzidas. – Você é absolutamente doente, Krastburn. Doente. Me diga... Como você matou Priscila? Não deve ter sido difícil – eu perguntei.

–- Hum, na verdade foi bem fácil.

***

Priscila sempre ouvia barulhos dentro de sua casa. Era uma casa cheia de correntes de ar, cheia de portas batendo e cheia de coisas propensas a cair. Então, não se surpreendeu quando ouviu barulhos indescritíveis no andar de baixo.

Porém, deu um grito agudo e estridente quando sua porta foi arrombada. O homem avançou sobre ela, tapou seu grito, e deu-lhe uma pancada para tirar-lhe os sentidos.

Quando ela acordou, abriu os olhos e a luz do sol a cegou. Ela se mexeu, e se arrependeu de ter feito isso. Olhou para baixo, e percebeu de que estava mais alto do que deveria. Olhou pra cima, e as nuvens estavam mais perto do que ela pensava.

Ela olhou para os lados, e deu de cara com o nada.

Estava pendurada no seu terraço.

Ela arfou, gritou e gemeu, mas não adiantou. Os 15 metros continuavam abaixo dela, perpétuos e implacáveis, prontos para não segurá-la se ela caísse – o que era bem provável, já que ela mechia os pulsos, por onde estava pendurada.

Ela olhou pra cima novamente, e deu de cara com o rosto do homem. Olhos azuis impenetráveis, uma boca retorcida estranhamente, como se alguém, pegasse ódio e prazer, colocasse num liquidificador, batesse e estampasse no rosto dele.

–- Eu pendurei você no varal agora – o homem disse. – O que acha disso?

Priscila se contorceu, mas nada aconteceu. Os ventos continuavam ventando, o tempo continuava passando, e ela estava ali. Gritou, gritou, gritou. Nada nem ninguém parecia se importar. Ofegava e gritava de novo.

Sentiu as cordas sendo cortadas. Contorceu-se mais, tentando se impulsionar pra cima, mas as cortas foram se soltando. O primeiro braço caiu, e ela se debateu. Agarrou a ponta do terraço, e seus pés tatearam em busca de apoio. Porém, logo o outro braço se soltou, e ela agarrou a ponta do prédio.

Os olhos azuis olharam-na friamente e o homem brandiu a faca. Priscila usou toda a sua força para gritar, e gritou ainda mais quando sentiu o frio metálico da faca entrando em sua pele.

Ela fraquejou.

Seus braços se soltaram, e seus sapatos bateram contra a parede da casa. Mas ela continuou caindo. O ar subia em direção ao homem. Os fios de cabelo de Priscila balançavam em frente a seus olhos, enquanto um grito se perdia no vazio. Seus membros balançaram descontrolados até ela deixar pra lá, e deixar o ar tomar conta dela. O pânico foi sendo substituído por adrenalina, e ela não sentiu nada ao se chocar contra o chão de concreto.

* * *

Eu limpei a garganta.

Pisquei algumas vezes para espantar as lágrimas que ainda não haviam se formado. Levantei-me, e saí da sala em passos largos.


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Notas finais do capítulo

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