Leigh sempre foi uma pessoa muito centrada e madura. Mas haviam três coisas que conseguiam tirar sua concentração e o deixar confuso.

A primeira delas, era seu irmão mais novo, um rapaz avoado e esquecido, que sempre conseguia se perder e consequentemente o deixar preocupado.

A segunda, era a sua loja de roupas, a qual ele batalhou muito para conseguir manter e assim realizar seu sonho. Finanças e instabilidade da área de vendas sempre o deixavam sem saber o que fazer. Mas sendo o seu sonho ele sempre dava o seu melhor e de alguma forma, conseguia se livrar das situações mais complicadas.

A terceira e última, era Rosalya, sua namorada a pessoa mais entusiasmada com seu sonho. Ele tinha consciência de que era muito ruim em demonstrar o afeto que tinha por ela, e nunca sabia o que fazer, mas acima de tudo, se era por ela, Leigh sempre tentaria.

Era por essas três coisas que Leigh conseguia seguir em frente, olhar para o futuro e almejar por ele. Os sorrisos de Lysandre e Rosalya, e a prosperidade da sua loja, sempre o davam forças para seguir em frente.

Leigh não imaginava que houvesse espaço para outras coisas em seu coração.

***

Era feriado de carnaval na França e as vendas na loja estavam fracas, então Rosalya sugeriu que fizessem uma edição especial de carnaval, onde Leigh faria fantasias para ajudar nas vendas desse mês. Era uma ideia brilhante, ele tinha que admitir que não conseguiria pensar nisso sozinho. Mas a ajuda de Rosalya parava por aí. A garota tinha ganhado um concurso que tinha como prêmio uma viagem com tudo pago para aproveitar o famoso carnaval brasileiro, eram quatro passagens e ela queria levar Leigh, mas ele não poderia deixar a loja sozinha por vinte dias, pois ela com certeza entraria em déficit. Rosalya havia ficado muito chateada, mas por fim entendeu, e decidiu ir pular carnaval junto de Lysandre, Lynn e Castiel.

Leigh também não era a pessoa mais feliz por essa situação. Ele amava Rosalya e adoraria passar o carnaval com ela em um lugar paradisíaco como o Brasil. Mas de uma coisa ele sabia, se a loja ão funcionasse a todo vapor, ele não teria dinheiro, se ele não tivesse dinheiro, ele seria obrigado a desistir de seu sonho. Desistir de Rosalya. E ele não queria isso.

Era final da tarde de sábado, e Leigh estava sentado no balcão dando os últimos retoques em alguns croquis de fantasias que foram encomendadas, o plano de Rosalya estava dando certo. As fantasias tinham que ser pesadas para suportar o frio do carnaval francês, o que as deixava relativamente mais caras e consequentemente tiravam a baixa que a loja sofreria nesse período festivo. Ele tinha que agradecer Rosalya quando ela voltasse.

Ele tinha acabado de se levantar para verificar seu estoque de tecidos quando o seu smartphone vibrou em seu bolso, ao desbloquear a tela, ele viu uma mensagem de Rosalya.

“Leigh, o Brasil é i-n-c-r-i-v-e-l! A vista noturna é maravilhosa! O Cristo Redentor é mil vezes mais bonito do que nas fotos! Até o Lysandre está impressionado! Eu queria tanto que você pudesse ver isso... Como estão as coisas aí na França? Frio? Porque o Rio de Janeiro faz jus ao apelido Rio 40°C! Nunca senti tanto calor na minha vida! Estou até com saudades das nevascas daí. Xx”

Ele sorriu com a mensagem e se sentou novamente para respondê-la.

“Aposto que é. Fico feliz que esteja se divertindo Rosa. Faça um favor para mim, peça ao Castiel que fique de olho no Lysandre, eu não duvido que ele se perca por aí. Eu adoraria ver isso, quando a loja estiver prosperando eu planejarei uma viagem mil vezes mais incrível que essa, só nós dois. Aqui está com cara de que vai nevar á qualquer momento. Tomem cuidado todos vocês, usem protetor e não vão pegar uma insolação! Se divirtam por mim. Xx”

Não demorou muito tempo antes de uma nova mensagem chegar.

“Não se preocupe, já tinha pedido isso para ele antes disso! Vou cobrar essa promessa, fique atento. Sim mamãe, tomaremos cuidado. E, Leigh. Por favor, não fique dentro da loja o tempo todo. Dê uma saída e aproveite também, ok? Não gosto de pensar que você se mata de trabalhar enquanto eu me divirto. Eu te amo. Xx”

Leigh conferia o estoque quando a mensagem chegou, ele colocou a prancheta e o lápis na mesinha de trabalho que ele tinha nos fundos da loja onde ele fazia suas criações e leu a mensagem, sorrindo ao terminar de ler.

“Não se preocupe Rosa, eu ficarei bem. Mas se você se preocupa tanto eu vou sair para jantar fora essa noite, no barzinho aqui na esquina. Aproveite o carnaval. Eu te amo. Xx”

O que ele recebeu minutos depois, não foi outra mensagem escrita, mas sim uma foto. Rosa e Lynn estavam na frente, com roupas estranhamente coloridas e cheia de anúncios¹ e atrás delas estavam Castiel e Lysandre, com o ruivo nas costas do amigo, enquanto esse tinha a maior cara de interrogação do universo. Atrás de todos estava a vista do mar noturno, iluminado pelas luzes artificiais da cidade do Rio de Janeiro. Eles pareciam estar se divertindo muito. Com essa constatação, Leigh sorriu e guardou o celular no bolso novamente, se preparando para fechar a loja.

Agora já faltavam menos de vinte dias para ele ver Rosalya e seu irmão novamente.

***

Ao trancar a loja, Leigh já sentia o vento gelado do inverno francês, que parecia querer cortar seu rosto em pedaços. Ele afofou o cachecol cinza e cruzou os braços para tentar fugir do frio, mas nada pareceu diminuir o frio cortante, então ele apenas seguiu rapidamente para o barzinho na esquina. Entrando no estabelicimente ele respirou aliviado ao constatar a presença de um aquecedor. Era um lugar bem simples, com um palco, uma pequena pista de dança, um barzinho e algumas mesas, era um lugar bem acolhedor com as luzes baixas, quase vintage. Do jeito que Leigh gostava.

Tirando o cachecol ele foi se sentar no barzinho, onde pediu um copo de vinho quente e um hambúrguer com fritas, e esperou, deixando sua mente viajar. Imaginava o que Lysandre e Rosalya faziam no momento esperando que não fosse algo perigoso, mas preferindo confiar na prudência de Lysandre.

Girou na cadeira e observou o estabelecimento, procurando inspirações ou apenas algo para se distrair enquanto esperava sua janta. Observou a banda no palco que tocava um cover de um single qualquer, e viu as pessoas dançando como se não houvesse amanhã. Ele estava começando a ficar entediado quando o seu pedido finalmente chegou e ele começou a comer. Leigh gostava da comida daquele lugar, mas gostava principalmente daquele vinho quente, era a melhor coisa em dias frios como esse. Ao terminar de comer, ele não sentia a mínima vontade de ir embora, principalmente com aquele aquecedor ali.

Foi quando ele a viu.

Ele não pensara que ela era parecida com Rosalya, porque ela não era. Seus cabelos eram loiros e curtos até onde ele podia ver, e ela não era muito alta, se não fosse pela maquiagem forte e roupa sensual, seria facilmente confundida com uma estudante que acabara de entrar no ensino médio. Mas não foram exatamete essas coisas que chamaram a atenção dele. Vê-la ali, dançando e se divertindo, era exatamente a mesma imagem que ele tinha de Rosalya pulando carnaval no Brasil. Linda e cheia de vida.

Bem, até agora.

Homens suspeitos se aproximaram da garota e agarraram o pulso dela, tentando persuadi-la a ir a algum lugar. E Leigh sabia que não tinha nada a ver com isso, mas a garota parecia bêbada e sem forças, mas mesmo assim não queria acompanhá-los. E ele fez o melhor para ignorar, beber seu vinho quente, alguém iria ajudá-la, não há como alguém ignorar aquela situação.

Não há como ignorar aquela situação.

E antes mesmo que se desse conta, Leigh estava na pista de dança, após deixar seu pagamento rapidamente no balcão. Ele colocou a mão no ombro de um dos homens que o olhou com raiva. Ele também parecia bêbado.

— O que foi? Não vê que estou ocupado? – O bêbado disse as palavras de forma embolada e Leigh sentiu o forte cheiro de bebida em seu hálito.

— A senhorita não deseja acompanhá-lo, por que não para de importuna-la? – Tentou afastá-lo apenas com palavras.

— Ora seu...! – Leigh gostaria de dizer que revidou o soco que recebeu no rosto, que se jogou na briga e saiu como herói, mas isso não aconteceu. Ele sabia que o soco viria, mas mesmo assim não desviou, nem revidou, suas mãos e instrumentos de trabalho eram importantes demais para arriscá-las em uma briga de bar. Sentiu a dor aguda assim que sua cabeça foi jogada para o lado com força juntamente com seu corpo, que cambaleou miseravelmente para trás. Ele se endireitou e olhou para o grupo de bêbados que importunava a desconhecida. Eles ficaram brancos e saíram correndo assim que viram o filete de sangue que escorria pelo canto da boca de Leigh.

Suspirando aliviado, ele virou para a garota, que olhava impressionada para ele, como se ele fosse um anjo ou algo assim, porém ele não teve tempo de fazem nenhum questionamento, pois no segundo seguinte, a garota havia pulado em seu pescoço, abraçando-o.

— Meu herói! – Ela tinha uma voz infantil e levemente arrastada, certamente um efeito da bebida. – Vamos, vou te pagar uma bebida como agradecim... – Ela começou a puxá-lo pelo mas Leigh permaneceu parado ela virou para ele confusa, e ele conseguiu enxergar suas pupilas dilatadas.

— Não acha que bebeu demais? – Questionou.

— Não o suficiente para esquecer. – A garota de repente se tornou sombria e o brilho saiu de seus olhos, parecendo subitamente sóbria, ela ofereceu á ele um sorriso fraco. – Poderia então me acompanhar enquanto chamo um táxi? Aqueles caras podem voltar.

— Claro... – Ele concordou hesitante e foi com ela para fora do bar, sentindo a vento gelado da noite invernal, esperou com ela até que um táxi passasse e a acompanhou até a porta do mesmo. Ele abriu a porta para ela e a garota entrou no táxi, mas antes que ele pudesse fechá-la e se despedir, ela se pronunciou.

— Espera. – Ele á olhou confuso, e antes que pudesse reagir, a menina puxou-o pelo seu cachecol cinza, depositando um cálido beijo em seus lábios secos pelo frio. – Obrigado por tudo.

E a garota foi embora. Sem falar seu nome e nem perguntar o dele, deixando-o para trás na noite fria, petrificado pela surpresa.

Só para depois ser assolado pelo devastador sentimento de culpa.

***

Leigh mal pregou o olho durante a noite toda, com a culpa correndo por seu corpo como veneno. Rosalya nunca havia se afastado de perto dele desde que começaram a namorar, e nos primeiros dias em que ela foi se divertir com os amigos, ele traíra ela.

Ok, não foi exatamente um traição, certo? Ela o pegou de surpresa, não como se ele tivesse se jogado nos braços dela.

...ou era nisso que ele queria acreditar.

Rezou fervorosamente para que ele nunca mais a encontrasse em sua vida. Entretanto, parecia que o destino não estava em seu favor, pois no dia seguinte, não muitas horas depois de ter aberto a loja, ele a viu entrando correndo na loja, fugindo da leve nevasca que acabara de começar. Seus cabelos loiros curtos estavam cobertos de neve e ela usava roupas pesadas, e quando ela o olhou mostrando seus olhos violeta-acinzentado, ele a achou estranhamente familiar.

— Eu conheço você! – Leigh entrou em pânico, ele tinha certeza que ela iria dizer algo sobre a noite passada e aumentar a culpa sobre si. – Você não é aquele cantor, Lysandre? – Ela perguntou e Leigh soltou a respiração, surpreso. – Ainda que pareça diferente das fotos da Nina...

Ela o estava confundindo com Lysandre. Talvez a bebida tenha nublado suas lembranças? Ele agradeceria de joelhos aos céus se esse fosse o caso.

— Eu sou seu irmão mais velho, Leigh. – Recuperado do susto, ele lhe ofereceu o seu melhor sorriso de negócios e o esclarescimento atravessou a face da mulher á sua frente.

— Oh, que coincidência! Eu sou a irmã mais velha de Nina, a presidente do fã clube do seu irmão! Meu nome é Mia. – Ela disse com um sorriso acolhedor e Leigh finalmente entendeu de onde vinha a familiaridade naquela garota, ela parecia uma versão mais velha da menina que vivia grudada em Lysandre e se dizia sua fã. – Bem que eu achei estranho que Nina tenha insistido tanto para eu vir aqui...

— Em que posso ajudá-la? – Ainda meio tenso e se sentindo o pior namorado do mundo, Leigh perguntou, saindo de trás do balcão onde estava.

— Ah, claro. – O rosto de Mia se tornou sombrio novamente, e isso intrigou o jovem á sua frente. – Eu quero uma fantasia. Para uma festa que vai acontecer no fim do carnaval.

— Hmm, e poderia me se há algum motivo para querer a fantasia? Isso pode me ajudar a ter uma melhor ideia. – Uma mentira descarada, pois ele só queria saber o que levaria Mia a ter uma expressão tão sombria. E Leigh se odiava por isso. Principalmente por ter a impressão de saber o motivo.

— Eu quero surpreender alguém... – Ela disse em voz baixa e hesitante, mas logo levantou a cabeça e olhou-o diretamente nos olhos. – Eu quero fazer com que ele se arrependa muito de ter me abandonado. – Afirmou com certeza, com seus dois olhos parecendo um lago congelado.

Logo Leigh teve a ideia perfeita para a fantasia de Mia.

— O que acha de uma princesa do gelo? – Ele perguntou e Mia o olhou confusa.

***

Depois de passar praticamente o dia todo discutindo com Mia a melhor forma de criar a fantasia e chegar ao croqui perfeito, eles combinaram de tirarem as medidas no dia seguinte. Quando Mia foi deixar a loja, ele notou como a nevasca tinha aumentado, e sem opções, ofereceu o único guarda-chuva que tinha na loja.

Ao entregar o mesmo para a garota, ele sentiu o roçar de seus dedos nos dela, recebendo uma onda de calor que fez com que ele quisesse sentir toda a temperatura do corpo dela.

Leigh se achava um monstro por isso.

Mas era inevitável, a conexão entre eles já estava feita.

A conexão física de um puro sentimento que ele não sabia identificar. Um sentimento irracional. Irracional, perigoso e assustador.

***

Mia não parecia se lembrar do beijo, mas seu corpo sim, toda vez que eles tinham algum contato, seu corpo tremia e se arrepiava, mesmo com um roçar de ombros e ele percebia isso, percebia com cada fibra do seu ser. Com o passar dos dias e com a evolução da criação da fantasia, o clima entre os dois estava mais intenso. Como se houvesse um ímã que os atraíssem um ao outro.

E junto com isso, atraía a culpa que açoitava Leigh violentamente.

***

Quando ela finalmente provou o resultado final do trabalho Leigh ficara estupefato. A fantasia de princesa do gelo havia caído muito melhor do que no mais alto pensamento dele, seu corpo se ajustava perfeitamente ao vestido pesado, e seus olhos violeta-cinzentos davam á ela um ar solene de realeza. Leigh quase pode ver o vapor do frio saindo por sua boca, e um cenário mágico de gelo em sua volta, exatamente como uma princesa do mundo gelado.

— Ficou muito estranho? – A voz infantil de Mia o despertou de suas alucinações e ele a olhou encantado. Aquele era, sem sombras de dúvidas, o seu melhor trabalho.

— ... – Permanecendo em silêncio, Leigh se aproximou lentamente da mulher á sua frente, sentindo o mundo pesar nas suas costas em cada passo que dava. Pensou em Lysandre e o quanto ele desaprovaria esse comportamento. Pensou em Rosa, e em como ela ficaria chateada. Pensou em si mesmo, tentando amenizar o sentimento tanto pesado, quanto libertador, mas que ainda, não o livrava da hesitação.

Ele nunca mencionara á ela que tinha uma namorada.

E ele disse para si incontáveis vezes ao passar dessa semana: Eu só não sou bom em lidar com o fato de eu ter uma namorada, está tudo bem não sair anunciando isso por aí para qualquer desconhecido.

Mas por que isso soava tanto como uma desculpa?

E mesmo com a cabeça á mil, ele se aproximou de Mia, tão perto que podia sentir o seu hálito refrescante em sua bochecha, tomando conhecimento de seus sentimentos naquele momento.

— Leigh? – Ele ficou petrificado ao ouvir a voz de sua namorada. Rosalya havia chegado, três dias antes do previsto, mas havia chegado.

Porém já era tarde demais. Pois o rapaz de cabelos negros e olhos escuros, já tinha começado a pensar que a infidelidade já não era tão monstruosa assim.