Melody

Eu havia saído para caçar. Estava de olho em um cervo moribundo, deitado na beira de um riacho. Precisava ter certeza de que ele estava totalmente incapacitado antes de tentar qualquer coisa, já que estava sozinha. De repente, ele se moveu. Parecia desesperado para fugir de algo, mas não conseguia se levantar. Ataquei-o, mordendo sua garganta. O pobre animal não demorou muito para sucumbir. Mas do que ele teve medo? Eu estava distante o suficiente para não ser detectada. Até que olhei para a margem do outro lado e a vi.

Uma loba alta, porém com a cabeça abaixada e muito magra, com vários ossos visíveis. Suas costas e a maior parte da cabeça e das patas eram negras, mas o pelo estava dem brilho. O restante do corpo provavelmente era branco, mas estava sujo. Havia acabado de abocanhar um peixe. Mas quando me encarou, reconheci seus olhos, vermelhos e fulminantes como lava.

"Sadie?"

O que diabos havia acontecido com ela? A mesma me ignorou solenemente até terminar de comer seu peixe. Depois, atravessou o riacho com dificuldade. Sadie tentou me lançar um olhar de alerta, mas chegava a ser cômico o quanto ela não parecia perigosa.

De qualquer forma, eu estava tão chocada que não reagi quando ela começou a comer a carne do cervo como se sua vida dependesse disso, e provavelmente dependia mesmo. Comeu uma quantidade razoável, virou as costas e caminhou apressada de volta para onde tinha saído.

Ela não podia simplesmente vir, comer minha caça e ir embora sem me dar explicações!

Eu a segui. Percebi que ela não estava tentando me despistar. Pelo contrário, parecia estar mais lenta de propósito, mas não dei atenção para isso.

Até que, de repente, ela desapareceu. Perdi o rastro de Sadie, e o vento não estava a meu favor. Porque ela fez isso? A resposta veio alguns segundos depois. O cheiro. Em seguida, encontrei a toca. Lá estavam quatro filhotes cinzentos. Pareciam ter mais de um mês de vida. O que diabos estava acontecendo?

Observei-os mais atentamente. Alguns possuíam pelos mais escuros no lombo, mas, no geral, eram todos de coloração cinza. A pelagem e os olhos da cor do céu me pareciam familiares, por alguma razão.

Definitivamente não estavam com o peso ideal, mas não estavam exatamente famintos. Sua mãe devia estar lhes oferecendo uma alimentação razoável.

Sua mãe...?

O cheiro dela estava em toda parte. Um pouco de sua reação foi explicada mas... Por que se afastar? Me aproximei mais, e os pequeninos se encolheram. Farejei-os, para confirmar quem eram seus progenitores. Um rosnado involuntário me escapou da garganta e olhei-os, cheia de ódio. Pude sentir o cheiro de medo.

***

Me afastei antes que eu fizesse qualquer imprudência. Ela ainda poderia me matar ou coisa assim. Corri por vários quilômetros até chegar ao local desejado.

Minha toca.

Meus filhotes.

Mas Sadie chegou primeiro.