Os Corvos de Bridget Hill escrita por Lianel


Capítulo 3
Requiem


Notas iniciais do capítulo

Olá :D (espero não estar falando sozinha), antes de começar a ler o capítulo, gostaria que soubesse que esse capítulo estava programado para ser postado na semana que vem, mas como eu vou estar em provas resolvi aproveitar o carnaval para posta-lo, já que eu não tenho certeza se vou ter tempo de fazer isso no tempo programado. Bom, é só isso, obrigada pela atenção e paciencia :3



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Quando saí da prefeitura dei de cara com uma multidão que se juntava ao redor de um telão. Pelo que via dali, a notícia se tratava do desaparecimento de mais um membro do conselho, Jin Woo, e, muito provavelmente, foi obra dos "Piratas". Os Piratas eram os únicos que conseguiam lutar igualmente com os ataques alienígenas pelo tempo nos jornais e na conversa das pessoas quando atacavam. Muitos achavam que eles eram um grupo que queria tomar o poder, outros, consideram-os heróis, já que já haviam nos protegido de um ataque alienígena inesperado, onde as forças do governo não haviam chegado a tempo.

Os ataques alienígenas eram rápidos. Os mísseis eram teletransportados de seu planeta, e, portanto, era quase impossível de detecta-los a tempo de colocar um campo de proteção para evitar a tragédia. No primeiro ataque desse mês, o míssil não foi detectado a tempo, quer dizer, pelo menos não pelo governo, fazendo com que os piratas providenciassem por contar própria um campo de força, salvando mais de seiscentas pessoas. O grupo foi, aparentemente, responsável pelo sumiço de dois membros do conselho, contando com o mais atual desaparecido, o que, em algum momento de minha vida, me fez pensar na possibilidade de meu pai também ter sido levado por eles, possibilidade essa que logo fora descartada, pois as atividades do grupo em questão haviam começado a apenas um ano. Apesar de serem um grupo relativamente novo, um ano foi mais do que suficiente para que as pessoas tomassem suas posições em relação aos piratas. Os mais amedrontados temiam que eles estivessem em busca do poder de uma forma não diplomática, outros, mais radicais e digamos... criativos, diziam que o governador já fora morto, e o que víamos agora era um alienígena disfarçado, daí os atentados dos piratas à vida do suposto "governador". Havia também os Anarquistas, que juravam piamente que o Piratas eram apoiadores de suas ideologias, e queriam liberar a pangeia de qualquer liderança, e havia também, é claro, os que não ligavam, contanto que eles continuassem a nos salvar de ataques.

Seja lá qual for a intenção deles, o grupo dividia a primeira página com os ataques quando entravam em ação, e também roubavam a atenção da invenção do pobre Abhijat. Eu, sinceramente, compartilhavam uma opinião mais parecida com o grupo dos que não ligavam. Não poderia considera-los heróis ainda, pelo menos não sem saber os motivos dos atentados à vida do governante e do desaparecimento dos membros do conselho, apesar de isso não afetar tanto a mim quanto ao povo da área urbana, pois eu, como boa moradora da área pobre da Vila, sabia que ele não era um governador tão bom assim, mas, de certa forma, me sentia agradecida pelas vidas que eles salvaram, e isso eu não podia negar.

Vez ou outra os piratas eram vistos sobrevoando Bridget Hill ou a Capital em seu Zepelim gigante. O Zepelim era, obviamente, bem mais tecnológico que os Zepelins antigos, começando pelo fato de de não ser movido a vapor. Nada mais era movido a vapor atualmente. Mesmo quando o governo recebia informações sobre a localização deles, os Piratas se teletransportavam para sabe-se lá onde antes que o governo se teletransportasse ao seu encontro, com uma vantagem de milésimos de segundos. O teletransportador instantâneo demorava, no máximo, 1 segundo para nos levar até o nosso destino, mas o tempo variava de acordo com o tamanho da coisa a ser teletransportada, ainda assim, o zepelim pirata, apesar do seu tamanho, se teletransportava tão rápido quanto uma formiga, ao passo de que o governo, mesmo usando jet-skis voadores ou trajes a jato ao invés de seus carros habituais, chegavam com milésimos quase imperceptíveis de atraso.

Quando o jornal acabou, continuei meu caminho para minha casa pensando em como os testes para entrar na academia poderiam ser. Eu sabia que eram divididos em três categorias: Teste físico, teste psicológico, e teste de habilidades específicas, onde a mais valorizada era a mecatrônica, seguida não tão de perto pela cosmologia, astrofísica e biologia. Eu não me sentia confiante para nenhum dos testes. Apesar de saber que eu eu era boa com tecnologia, não fazia ideia do nível dos outros matriculados, e, portanto, não podia contar esse teste como garantido. Quanto ao psicológico, eu nem ao menos tinha uma ideia de como me sairia. Eu não era uma pessoa medrosa, na verdade, mamãe e papai sempre disseram que raramente me encontravam assustada com algo, e acho que lido bem com a pressão, mas não sabia se isso era o suficiente. O teste físico seria o pior. Sempre fui esguia, em parte por não comer muito, temendo que mamãe e Jimmy não comam o suficiente, e em parte por genética, já que meus pais, mesmo quando tinham jantares fartos, eram quase tão magros quanto eu, e, se tenho alguma força, que duvido que seja suficiente, é por causa do trabalho braçal na construção de próteses.

Quando dei por mim, estava perdida. Provavelmente fiz alguma curva errada no caminho para o transportador enquanto listava meus prós e contras, tentando analisar a porcentagem de chances de virar uma corvo. Eu estava em um beco estreito, e a noite acabara de chegar. Os letreiros e refletores começavam a acender, e os hologramas, que ficavam na frente das lojas para atrair clientes, começavam sua publicidade. As paredes das laterais do beco eram metálicas, e o chão, como no resto da cidade, limpo o suficiente para ver seu reflexo. Alguns canos furados saíam das paredes e seguiam subindo toda extensão do prédio alto ao meu lado. Estava escuro e era possível escutar o barulho das gotas caindo dos canos ecoando. Quando dei um passo para trás, decidida a dar meia volta e pedir informação, senti minhas costas batendo em algo, e logo depois mãos segurando meus braços. Virei rapidamente e me deparei com um jovem, com seu vinte e poucos anos, usando um casaco cinza cuja gola ia até pouco acima do seu nariz e botas metálicas por cima da calça preta acompanhado de um homem alto e forte, aparentemente mais velho que ele. Já virada de frente para o garoto, murmurei um "desculpe" e dei um passo para o lado, na esperança de poder seguir em frente, mas uma não agarrou o meu braço.

"Perdida, gatinha?" Murmurou o mais novo.

"Não. Pode me soltar, por favor? Apenas dobrei na rua errada, sei exatamente como voltar para o caminho correto."

"Se quiser pode acompanhar a gente, podemos conseguir alguns alucinógenos bons para você. Faço questão de pagar." Tentei me livrar da mão dele, mas ele só apertou o meu braço com mais força. "Por que está tentando fugir? Estou sendo cavalheiro aqui, pelas suas roupas, dá pra ver que não conseguiria pagar nem meia pílula de alucinógeno sozinha. Se me acompanhar, posso dar a você mais do que alucinógenos, se me fizer um favorzinho em troca."

Depois de insistir que não precisava e de tentar me desfazer várias vezes de seu aperto, sem sucesso, sabia que ele não me deixaria ir, então, com o braço livre, dei um soco em seu rosto, depois um chute no meio de suas pernas. Tentei correr, mas o homem mais velho segurou-me, me apertando contra seu corpo. Aproveitei nossa diferença de altura para dar uma cabeçada em seu nariz e, quando ele me soltou, dei o primeiro passo para correr, achando que estava livre, até uma mão segurar meu tornozelo, fazendo-me cair no chão bem encerado. O garoto mais jovem apoiou-se com o joelho nas minhas costas, impedindo-me de fugir.

–Wolfgang, vigie o beco, vou dar um jeito nessa aqui.-Eu ri com a ideia desse homem grande e forte regendo uma filarmônica, apesar do gênero mais popular de música atualmente seja a música eletrônica. Minha mãe sempre reclamou da minha mania de continuar achando graça das coisas mesmo nos piores momentos, mas, em minha cabeça, o momento não muda a piada, certo? Talvez mude nossa reação a ela, mas eu nunca fui muito boa em reagir de forma convencional às coisas, o que significa que a piada é a mesma, então continua igualmente engraçada para mim, mesmo que você esteja acompanhada de um homem prestes a fazer algo bem ruim a você.

"Do que você está rindo? É por acaso maluc-" A frase foi interrompida por um grunido de dor, seguido do barulho de sua cabeça batendo no cano de metal ao lado.

Quando tirei minhas bochechas do chão, pude ver o reflexo de um homem alto parado atrás de mim. Antes que eu pudesse me virar para vê-lo, ele seguiu em direção ao homem mais velho, que também já seguia em sua direção. O Homem grande falhou em socar o garoto, que abaixou com rapidez e socou o homem de volta, que cambaleou. Depois de esperá-lo recuperar o equilíbrio, voltou a se mover em sua direção e, depois de ter um chute alto bloqueado pelos grandes antebraços do homem, chutou a barriga do mesmo, fazendo-o cair pra trás. Enquanto levantava, o jovem postou-se atrás do homem, e deferiu um golpe em sua nuca, provavelmente o mesmo golpe dado no mais novo, deixando-o igualmente desacordado.

–Você está bem?- Perguntou o garoto, caminhando em minha direção.

–Sim- Respondi, segurando a mão que ele estendeu para ajudar-me a levantar.

–Você por acaso vem sempre por aqui? Não entenda mal, não é uma cantada, mas você não me parece ser uma usuária de substâncias ilícitas, apesar de ter agido como uma -disse ele, com uma sobrancelha arqueada.

–Não, não uso nada ilícito... Agir como uma?" Questionei, arregalando meus olhos.

–Bem, não fique ofendida, mas eu não vejo pessoas rindo enquanto estão prestes a ser estupradas com frequência. Ah, a menos, é claro, que você seja uma espécie de ninfomaníaca, nesse caso...

–Não!-Contestei-o, um pouco mais alto do que gostaria- Eu não estava rindo de felicidade, apenas achei algo engraçado.

–E poderia compartilhar este algo engraçado o suficiente para fazer qualquer desgraçado rir? Estou pensando em visitar condenados a morte amanhã e contar sua piada.

–O nome do grandão ali- falei, apontando para o corpo desmaiado do sujeito- era wolfgang.

–E...?

–E eu imaginei-o regendo uma orquestra.

Ele me encarou por alguns segundos, com as sobrancelhas arqueadas, e, depois, jogou a cabeça para trás, começando uma risada melodiosa.

–Olha, isso é realmente um pouco engraçado, mas sabe o que é realmente engraçado?- gesticulei com a cabeça, negando -É você ter achado isso engraçado o suficiente para rir em um momento como aquele. Por acaso você é um pouco obtusa?

–Por acaso está me chamando de burra? -respondi, tentando concentrar-me em minha gratidão por ser salva para não ficar irritada.

–Bom, estava, mas tentei fazer isso de uma forma delicada.

–Não acho que haja uma forma de inferiorizar alguém de forma delicada, senhor...?

–Kim, meu nome é Kim. E não me chame de senhor, acabei de fazer 17 anos.

–Então, Kim, você tem a minha gratidão por ter me salvado, de verdade. Infelizmente, não tenho dinheiro para recompensa-lo, e espero não estar ferindo seus sentimentos de cavalheiro e herói pensando que está esperando uma recompensa pela sua atitude- falei, tentando esconder o tom de gozo na ultima parte, apesar de minha gratidão ser verdadeira -Agora, se não se importa, voltarei para casa.

–Não quer que eu a acompanhe? Quer dizer, alguém obtusa como você poderia...

–Já disse que não sou obtusa!- retruquei, perdendo a paciência- Na verdade, farei os testes de entrada para a Academia Preparatória de Futuros Líderes amanhã. -Tentei passar orgulho na minha voz, mas acho que talvez eu tenha falhado. Quero, sim, entrar, mas ao contrário da maioria, não me sinto orgulhosa por isso. Só me sentirei orgulhosa quando puder fazer algo por todas as pessoas dos arredores das vilas, e me sentia um garotinho sonhador tomando esse como meu objetivo de vida.

–Bom, meus parabéns. Já eu, recusei a proposta de matricula semana passada. Só falar o nome dessa instituição já me deixa cansado. -Olhei para ele, perplexa, não pelo fato dele não ter entrado, pois, se não vivesse onde vivo, provavelmente não cogitaria a ideia também, mas por conhecer outro gênio, o que era algo raro. O que ele falava era, de fato, verdade. Ele usava a insígnia prateada que reluzia na escuridão de um corvo no colete de seu traje, que agora já não estava coberto pelo seu longo casaco preto elegante que chegava no meio das suas coxas.

Tirei a insígnia que me deram na saída da prefeitura do bolso e coloquei em meu macacão, para mostrá-lo que eu também não mentia.

–Só isso? Sem nenhuma reação de espanto? Nenhuma pergunta sobre por que eu não entrei na academia? Gênios costumam ser mais curiosos.

–Não, nenhuma pergunta. Acho que também não entraria se não morasse na parte pobre da cidade e soubesse que as coisas não andam bem. As pessoas precisam de um governante que as ajudem.

–Bom, morando na parte pobre ou não, acho admirável e altruísta da sua parte entrar na academia pelos motivos corretos.-falou, sorrindo.

Nesse momento, um letreiro, que provavelmente estava com problema, ligou, zumbindo, iluminando o rosto do garoto.

Ele parecia ter descendência asiática, um pouco distante, mas tinha. Tinha os olhos quase imperceptivelmente puxados, porém grandes e com um tom azul acinzentado, a combinação era rara, mas não inacreditável por causa da miscigenação. Seu rosto era excepcionalmente equilibrado; era delicado, sem deixar de parecer másculo. Suas mandíbulas eram grossas, e seu nariz era fino e reto. A pele branca dele fazia contraste com seu cabelo negro e longo, na altura de seus ombros, parcialmente preso atrás da cabeça. Ele era alto, magro, porém parecia ter músculos por baixo do casaco, e tinha ombros largos, e uma tatuagem com algo escrito em alguma língua que se usava antes da unificação rodeando o pescoço. Ele era bonito, pensei. O tipo de pessoa que estampava as capas das revistas eletrônicas de moda da mamãe. Corei com o pensamento, e fiquei feliz do letreiro estar iluminando apenas o rosto dele. Eu não tinha segundas intenções. Na verdade, a única coisa que eu desejava era voltar para casa e contar para mamãe e Jimmy que eles poderiam morar em lugares decentes, já que gênios recebiam certa quantia em dinheiro antes de entrarem na fase ativa.

–Aliás, qual o seu nome, flor?

–Astrid- respondi, tentando não me irritar com o apelido.

–Belo nome, flor. Venha comigo, vou acompanha-la até em casa.-pensei em perguntar porque ele perguntou meu nome se continuaria a usar esse apelido ridículo, mas preferi dizer que eu poderia ir sozinha. Ele insistiu, e, depois de algum tempo de discurção, combinamos que ele me deixaria até a estação de trens bala.

Depois de uma caminhada silenciosa de apenas cerca de 2 minutos, paramos na frente da estação.

–Adeus, Kim. E obrigada novamente pela ajuda.

–Até logo. Aliás, vocês tem olhos lindos, se me permite dizer.

Virei rapidamente para me encaminhar até a plataforma antes que ele percebesse que estava corada, quando virei novamente para trás, ele ainda me encarava. Acenei para ele, que acenou de volta, com um sorriso, e virou, se misturando com a multidão.


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