Doce Fruto de um Passado Amargo escrita por XxLininhaxX


Capítulo 23
POV Camus/POV Hyoga


Notas iniciais do capítulo

Oi pessoinhas!!
Aqui vai mais um capítulo dessa fic!!
Não prometo q vou postar até o final, pq ela é mto grande e eu sempre tenho esses lapsos de criatividade...
Mas postarei o máximo q puder..

Please, não desistam dessa fic, pq eu não vou desistir dela...
Por mais q eu demore a postar ^^"

Agradeço a todos q tem acompanhado ^^/
Vcs são uns lindos ^^/

=**
^^v



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Saí com a senhora Valéria pouco depois que Milo e Hyoga partiram. Esperava que Milo não forçasse nada com Hyoga, ainda mais nas atuais circunstâncias. Confiava em meu marido. Ontem ele soube lidar muito bem com a situação, ele teria o mesmo bom senso hoje. Eu não poderia perder essa oportunidade de que a senhora Valéria realizasse exames sem que Hyoga soubesse. Embora, pela minha experiência como médico e pelo que ela me confidenciara, eu soubesse que a situação era grave, precisava de algo mais concreto para determinar o tratamento correto. Só esperava que não fosse tarde demais. Se algo acontecesse com ela, nem queria pensar no tamanho do sofrimento que causaria em meu filho. As coisas já não estavam tão bem assim. Ontem foi quando ele deu algum sinal de que tudo poderia melhorar. Mas o fato d’ele estar sensibilizado pela data da morte de Natássia, não me trazia a confiança de que a mudança seria permanente. Ele parecia instável, lutando contra algo que eu sequer tinha consciência. Afinal, o que mais poderia existir para lutar contra? De certa forma, os problemas que ele possuía na Sibéria, já não existiam mais. Agora ele estava comigo! Tinha condições de dar a ele tudo que ele sonhara e até mais. Então, por que ele parecia tão incerto? Por que parecia querer construir uma barreira entre nós? Por que lutar contra algo que apenas lhe faria bem? Não fazia sentido! Acreditava que nem mesmo a senhora Valéria entendia exatamente o que se passava na mente de Hyoga.

Estava silêncio no carro. O hospital não era muito longe, mas como eu estava perdido em meus pensamentos, o caminho parecia mais longo que o normal. A senhora Valéria olhava para frente, mas seu olhar também parecia perdido. Lembrar do dia da morte de Natássia provavelmente não devia ser fácil. Eu sequer estava lá e só de tentar imaginar, já sentia uma fincada no peito. Não sabia dos detalhes, mas pelo que Hyoga contara, a imagem de Natássia sorrindo em um barco afundando parecia bem palpável em minha mente. Ela era assim; sorria, mesmo querendo chorar. Mesmo que estivesse receosa, com medo, com raiva, lá estava o sorriso mais gentil do mundo em seus lábios. Era o tipo de atitude que eu esperava dela, mesmo em uma situação como aquela. E pensar que mesmo tendo passado por algo assim, a senhora Valéria ainda teve forças para chegar até aqui. Não sabia ao certo quando ela começou a ter problemas de saúde, mas parecia vir de antes de Natássia falecer. Isso significava que ela lutava para viver desde então. Dada a idade em que se encontrava e aos problemas que adquirira, era praticamente um milagre que ela ainda estivesse viva. Por mais que não tivesse muito embasamento científico, só poderia existir uma explicação plausível. Seu amor por Natássia era tão grande que lhe deu forças e determinação de permanecer viva até que cumprisse com sua promessa. Como médico, raramente eu encontrava casos em que isso pudesse justificar uma resposta do corpo humano. Porém, não tinha outra coisa que sustentasse sua existência. Era impressionante! E não me surpreendia que isso fosse por Natássia. Ela costumava ter esse poder sobre as pessoas.

Chegamos ao hospital. Estacionei o carro na minha vaga. Desci do carro e abri a porta, para ajudar a senhora Valéria a descer.

— Obrigada. – disse ela gentilmente.

— Imagina. Não faço mais que minha obrigação.

Segui com ela para dentro do hospital. Ao me verem lhe ajudar, logo apareceu uma enfermeira com uma cadeira de rodas. Agradeci e ela me deixou cuidar do resto. Pedi para que a senhora Valéria se sentasse e comecei a guia-la até o setor que eu queria. Eu não usava meu jaleco, mas todos me conheciam naquele lugar. Confesso que não me agradava muito ser o centro das atenções, mas se não era conhecido por meus feitos, era conhecido pela frieza.

Parei em frente à sala de enfermagem. Esperava encontrar a pessoa que poderia me ajudar com os exames da senhora Valéria. Ele raramente estava na sala de enfermagem, mas quem sabe eu não daria sorte. Ainda era cedo. Bati à porta e logo veio quem eu esperava.

— Camus? O que faz aqui, amigo? Não está de férias? – falou aquela imensa e amigável figura.

— Aldebaran! Era com você mesmo que eu queria falar! Que sorte lhe encontrar aqui, meu caro. – falei, fazendo com que ele soltasse uma alta risada.

— Diga lá, chefe! Seus desejos são uma ordem. – ele falava com seu bom humor de sempre.

— Não vem com essa de chefe. – detestava quando ele falava assim. - Perdoe-me a falta de cortesia. Como estão as coisas aqui? Tudo bem?

— Ah! Você sabe que sem você aqui, esse lugar não é a mesma coisa. Precisa de uns três plantonistas pra te substituir. – ele voltou a rir. – Mas fora isso, está tudo nos conformes. E você? Não consegue ficar longe desse lugar?

— Acredite em mim, gostaria de estar descansando em casa. Mas precisei dar um pulo aqui para realizar alguns exames em minha amiga. – voltei-me para a senhora Valéria. – Deixe-me lhes apresentar. Senhora Valéria, esse é meu colega de trabalho e grande amigo, Aldebaran. Aldebaran, essa é a senhora Valéria.

— Muito prazer, senhor Aldebaran. Perdoe-me não levantar para lhe cumprimentar. – disse a senhora Valéria, com sua habitual gentileza.

— Não seja por isso! Posso ir até você. – ele se abaixou para cumprimentá-la. – Prazer. Amigos de Camus são meus amigos! – ele voltou-se para mim. – E então? Quais exames você quer que sejam feitos nessa mocinha?

— Ah sim! Você teria tempo de fazê-los você mesmo? Não confio em outra pessoa para isso, mas não quero atrapalhar seu trabalho.

— Pra você, meu caro, tenho todo tempo do mundo. – ele falava sorrindo e acabei sorrindo de volta.

— Ótimo! Fico lhe devendo essa.

— Opa! Ter o melhor médico desse lugar me devendo um favor é uma grande coisa!

— Para de ficar puxando o meu saco e anote os exames que quero.

Aldebaran era o chefe da enfermagem. Era extremamente competente no que fazia, um dos poucos em quem eu confiava naquele hospital. Além do que, era uma figura extremamente agradável. Não era a toa que era tão requisitado. E eu precisava que alguém assim realizasse todos os exames, pois queria o maior número de detalhes possível. Claro que eu acompanharia tudo, mas não teria tempo para avaliar muita coisa. Precisava ser rápido e eu queria o resultado o mais breve possível.

Expliquei tudo que queria para ele e nos dirigimos ao local dos exames. Esperava não demorar muito, para que Hyoga não desconfiasse de nada.

 

POV Hyoga

 

Aquela manhã estava mais agitada do que eu esperava. Milo conversava no telefone com meu pai e eu apenas esperava no banco do carona, para que pudéssemos ir a algum lugar tomar o café da manhã. Podia dizer que tivera mais emoção do que queria ter naquele dia. Tudo que eu pensava era em ficar deitado em minha cama, sem ninguém pra me incomodar. Mas Milo conseguiu me surpreender. Eu ficava assustado com o quanto ele bom em saber o que eu precisava. Não sabia se era empatia ou se ele tinha algum poder estranho de ler a mente das pessoas. Claro que eu não acreditava em poderes psíquicos, mas aquilo estava começando a me assustar. O que ele fizera não foi nada demais, foi algo simples. Mas o significado daquilo ia muito além do gesto em si. Primeiro que, para entender o quanto aquilo seria importante para mim, ele tinha que ser extremamente sensível. Segundo, ele estava abrindo espaço na vida de meu pai para lembranças de um amor passado. Mesmo que minha mãe não estivesse aqui, duvidava que ele não se sentisse inseguro com aquilo. Então, ou ele amava muito o meu pai ou ele queria muito que eu o visse como pai e estreitasse os laços com ele. Eu esperava que fosse a primeira opção. Eu não queria estreitar laços com ninguém naquela cidade. Quanto mais eu me apegasse, mais difícil seria conseguir o que eu queria. Mas, como eu poderia não me apegar? Por mais que eu não confiasse muito na boa intensão das pessoas, Milo me fez algo que não tinha dinheiro no mundo que pagasse. Mesmo que eu estivesse mais estável, ainda assim esse gesto me abalaria. E agora? O que eu faria? Aceitaria que aquela era minha nova realidade e deixaria tudo para trás? O que aconteceria se eu fizesse algo assim? Não! Eu não podia! Meu pai não merecia aquilo! Milo não merecia aquilo! Se eu me importava com eles, o mínimo que fosse, eu não poderia me deixar levar. Por mais sofrimento que aquilo fosse causar, que eu fosse o único a sair dali ferido.

Balancei a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos. Isso só faria com que eu ficasse pior. Se Milo suspeitasse de alguma coisa, no estado em que eu estava, poderia colocar tudo a perder. Eu precisava ser forte. Só esperava ser forte o suficiente. Afinal, eu não estava com um bom pressentimento. Eu não sabia quanto tempo aquela situação perduraria. Mas eu precisava aguentar.

— Vamos então? – Milo perguntou, desligando o celular.

— Sim.

— Tenho certeza que vai amar esse lugar. Toda vez que Camus e eu tomamos café da manhã fora de casa, vamos a esse lugar. – ele falava empolgado.

Só consegui sorrir para ele. Eu não tinha muito o que falar. Não podia dizer que estava ansioso. Se eu pudesse, ficaria o dia todo sentado naquele banco. Se eu fechasse meus olhos, conseguia ver a silhueta de minha mãe andando por aquele lugar. Tudo ali resplandecia a luz de seu sorriso, a cor de sua aura. Eu podia sentir o perfume de seus cabelos sendo carregado através do vento. Era como se ela me abraçasse suavemente e cantasse em meus ouvidos, bem baixinho. Era engraçado pensar que eu sentia sua presença ali, tão forte. Eu não existia na época em que ela estivera ali. Era como se sua presença deixasse uma marca tão forte, que mesmo não estando mais no local, era possível senti-la. Eu nem conseguia acreditar que estava vivenciando aquilo. Eu nem queria sair da Sibéria, justamente por pensar que cortaria minha conexão com ela. E, lá estava eu, descobrindo coisas novas, como se ela ainda estivesse viva. Parecia mentira! Queria que minha vó pudesse estar ali também. Queria que ela pudesse ter a mesma experiência que eu. Com certeza teria que trazê-la ali outro dia. Eu não tinha entendido a razão dela ter que ir com meu pai para o hospital, mas nem pude argumentar. De fato, meu pai sabia ser bem firme quando ele queria.

Eu olhava para frente e via Milo me olhando de vez em quando. Ele parecia preocupado comigo. Não pude deixar de sorrir. Chegava a ser fofo, na verdade. Apesar de aparentar estar sempre um passo a minha frente, de vez em quando ele tinha esse ar de insegurança. Como se não quisesse pisar em falso e me perder. Talvez fosse muita petulância minha pensar que ele pudesse ter esse medo. Afinal, por que ele teria medo de me perder? O que eu poderia significar para ele? Eu era alguém indesejado ali. Uma figura estranha que viera para assombrar seu casamento. Ele parecia se dar muito bem com meu pai. Não precisava de alguém para atrapalhar. Tá, ele disse que sempre quis ser pai. Mas não seria melhor adotar alguém que não tivesse laços nem com ele e nem com meu pai? Com certeza, o fato de que eu era fruto de um amor passado de meu pai, devia incomodar Milo. Não é possível que ele fosse me aceitar assim, tão fácil. Ou será que era? Tudo que ele fazia parecia tão sincero. Ele não parecia estar jogando comigo ou querendo ganhar pontos com meu pai, ele não precisava disso. Então por que? Não sabia se realmente não entendia ou se não queria entender.

Milo parou o carro em frente a uma casa de estilo simples, mas com certo ar de requinte. Nada que me chamasse muito a atenção. De certa forma isso era bom, não estava a fim de ficar reparando aqui e ali. Queria paz, ficar mais com meus pensamentos, lembranças, sentimentos. Depois de tudo que Milo havia conseguido desencadear, eu só queria parar e apreciar cada detalhe das memórias e imagens que vinham a minha mente.

Milo desceu do carro e eu lhe acompanhei. Entramos na casa e logo alguém veio ao nosso encontro para nos levar a alguma mesa. Antes que pudéssemos nos sentar, ouvimos alguém chamando.

— Milo! – eu não sabia quem era, mas vi aquele parvo do Seiya sentado à mesa. Suspirei.

— Saga! Aioros! Por que não me surpreendo de encontrá-los aqui?! – Milo disse, já se direcionando para a mesa onde eles estavam.

— Você bem sabe que sempre que estamos em Paris, tomamos café aqui. – respondeu o homem de longos cabelos azul-petróleo.

— Junte-se a nós, amigo. – disse ou outro homem, de cabelos castanho escuro.

— Claro! Bom que vocês já conhecem o novo integrante da minha família! – Milo logo me puxou para seu lado, em um meio abraço. – Esse é Hyoga, meu filho. Hyoga, esses são os pais do Seiya, Saga e Aioros.

— Prazer. – falei educadamente e tentando sorrir de maneira natural.

— Prazer, meu jovem. Seja bem vindo a essa família. – disse Aioros, sorrindo.

— Prazer, Hyoga. – disse Saga. – Por favor, sentem-se. Confesso que estava curioso para conhecê-lo desde ontem. Camus me falou por alto sobre a situação.

— Pois é. Acho melhor que ouçam tudo dele, saberá explicar melhor. – disse Milo.

Eles começaram a conversar e eu me desliguei do assunto. Não estava muito interessado em conhecer mais pessoas, embora Saga me parecesse familiar de algum modo. Estava começando a desgostar do fato de Milo me apresentar como filho toda vez que encontrava um amigo. Primeiro que ele parecia ser alguém muito sociável, devia ter mais de uma dúzia de amigos. Quanto menos gente soubesse da minha existência, melhor seria. Mas do jeito que as coisas seguiam, parece que eu seria apresentado a toda a cidade de Paris. Segundo que quanto mais Milo me apresentasse como seu filho, mais o vínculo entre nós aumentaria. Eu me sentia quase que como um novo bichinho de estimação de uma criança. Ele me exibia com todo o orgulho possível. Novamente, era fofo seu entusiasmo. Porém, eu não queria desenvolver nenhum sentimento de pertencimento. Isso só dificultaria as coisas. O que deveria fazer? Talvez não houvesse modo das coisas serem fáceis, desde o início. E por que eu achava que seria? Nada na minha vida tinha sido fácil até então. Por que eu continuava com aquela esperança infantil de que qualquer coisa que eu quisesse seria fácil? Será que seria inteligente ficar lutando contra algo que viria de forma tão natural? Afinal, tanto Milo quanto meu pai não pareciam pessoas difíceis de se gostar, de se apegar. Não precisava falar muito de Milo, já que pelo número de amigos que ele possuía já era um sinal claro do quão querido ele era. Mas até meu pai, não tinha como não me apegar. Por mais frívolo que ele aparentasse ser, eu me identifiquei muito com ele. Já havia notado várias coisas em comum entre nós dois. E quanto mais o tempo passava, mais coisas eu descobriria. E como não me apegar a ele? Ao homem que eu sempre quis conhecer?! Eu sabia que estava lutando contra tudo que eu não deveria lutar. Minha mãe... ah! Ela devia estar tão triste naquele momento! Olhando para mim e vendo que eu queria estragar aquilo pelo qual ela deu sua vida. Eu iria me arrepender disso? Obviamente que sim!

— Hyoga?! – Milo me tirou de meus devaneios.

— Sim?

— Está tudo bem? – ele me olhava preocupado.

— Está sim. – respondi sorrindo, não queria chamar atenção.

— Certeza? – ele me olhou desconfiado.

— Está sim, não se preocupe. – ele não pareceu acreditar muito, mas sabia que não era hora ou lugar para levar aquela conversa para frente.

— Por que não escolhe o que deseja comer? Eu já sei o que quero, então não preciso do cardápio. – disse ele, me entregando o mesmo.

Abri o cardápio e comecei a ver as opções. Confesso que queria muito provar um croissant. Fui passando o olho em tudo e parecia que cada opção era melhor que a outra. Então fui ver o preço, por curiosidade. Meu estômago embrulhou só de ver o valor. Não sabia se eu conseguiria comer algo tão caro sem sentir peso na consciência.

— Estou sem fome. – disse e fechei o cardápio.

— De jeito nenhum! Você precisa comer alguma coisa! – Milo disse, abrindo o cardápio novamente. – O que você gosta de comer?

— De verdade, não quero nada. – insisti.

— Você não está evitando só por causa do preço, né? – ele me olhou, como se estivesse lendo meus pensamentos.

— Não, não é por isso. – tentei disfarçar, mas senti minha face corar de leve.

— Tá, se você não vai escolher nada, eu escolho para você.

Eu sequer tive tempo de contra argumentar e ele já estava chamando o garçom e fazendo o pedido. Suspirei. Milo era incontrolável. Eu precisava encontrar uma estratégia para lidar com ele. Será que se eu fizesse o jogo dele, aceitando tudo que ele dizia e fazia, seria mais fácil? Talvez se eu apenas dançasse conforme a música, ele me deixasse mais solto. Era difícil saber. Ele parecia entender tudo que se passava na minha cabeça, como se realmente pudesse ler cada pensamento.

— Hyoga, acho melhor desistir de tentar contrariar o Milo. Esse aí é implacável. – disse Aioros com humor.

— Estou começando a perceber. – respondi, também com humor.

— Mas diga, Hyoga. – disse Saga, chamando minha atenção. – Você não é daqui, é?

— Não. Nasci na Sibéria.

— Então fala russo também. – concluiu.

— Sim senhor.

— Por favor, sem formalidades. É até estranho ouvir isso de alguém tão jovem assim. – Saga deu uma leve risada. – E deseja aprender mais alguma língua?

— Na verdade, fora o russo e o francês, também sou fluente em alemão e inglês. – eu falei e surpreendi a todos, menos Milo. Minha avó já devia ter contado pra ele.

— Isso lhe abre muitas possibilidades. Você gosta de ler?

— Sim, muito.

— Ah! Música para meus ouvidos. Adoraria ter um aluno assim em uma de minhas classes. Os jovens hoje não querem saber de estudar. O Seiya, mesmo, é um custo.

— Não é assim também. – Seiya falou, meio que com ciúmes. Coitado!

— O senh... – parei assim que vi seu olhar me repreender. - ... você é professor?

— Sou sim, de uma universidade em Atenas.

— Você não é Saga Katsopolis, é? – falei um tanto quanto surpreso.

— Sou eu sim. Por quê?

— Ah! É que eu li todos os seus livros que tinha disponível em inglês na cidade onde eu morava. Eram os meus preferidos. – falei um tanto quanto sem graça.

— Você leu meus livros? Quantos anos tem? – ele pareceu mais surpreso que eu.

— Tenho 14 anos. Por que? Tem classificação de idade?

— Não, não é isso. É que não é o tipo de literatura que costuma atrair jovens da sua idade. Fiquei um tanto quando surpreso com isso, além de honrado.

— Ah, pronto! Amaciou o ego dele. – disse Milo, em tom de brincadeira.

Saga deu de ombros e Milo e Aioros começaram a rir. Nunca pensei que fosse conhecer um dos meus autores preferidos naquela cidade. Claro, eu entendia o que ele queria dizer. Os livros que ele havia escrito eram todos de filosofia e sociologia. De fato, eu sabia que não era algo que atraía jovens da minha idade. Mas também não posso dizer que eu tinha muitas opções na cidade que eu morava. E, de certa forma, acabei me interessando por esse tipo de leitura. Até para praticar meu inglês, pois era um dos poucos livros nessa língua que estava disponível.

Depois de mais alguns assuntos aqui e ali, nossos pedidos finalmente chegaram. Estava com uma cara ótima, embora doesse pensar o quanto custava aquilo. Acabei comendo ou Milo ia ficar no meu pé até que eu cedesse. E embora o clima estivesse agradável, eu não estava me sentindo muito confortável naquele ambiente. Eu me sentia um peixe fora d’água. É, eu não estava acostumado com aquele ambiente familiar. Nunca me acostumei. Sempre que as coisas estabilizavam, o destino vinha brincar comigo e minha vida voltava a girar. Paz? Essa palavra não existia no meu vocabulário. Se ela acontecia em minha vida era sinal de que algo ruim ia acontecer.

— Com licença, vou ao banheiro. – falei, já me levantando.

Segui para os fundos do salão, onde estava sinalizado ser o banheiro. Entrei e apenas abri a torneira para molhar meu rosto. Olhei para o espelho. Patético! Eu nunca estive tão ruim em minha vida. Olheiras enormes, olhos vermelhos, cabelo revirado, magro, pálido. Não posso dizer que era extremamente vaidoso, mas também nunca tinha chegado naquele nível de desleixo. A verdade é que nada mais importava. Desde a morte de minha mãe, minha vida já não tinha muito valor. Eu sequer sabia porque minha avó lutava tanto por mim. Minha existência era sinônimo de problema. Ninguém que entrou em contato comigo teve um fim muito agradável. Mentira! Tinha uma pessoa. Mas ligar minha vida a essa pessoa parecia tão podre. Talvez esse fosse o meu lugar. Eu apenas tinha que me contentar que ainda existia um lugar pra mim, por mais sujo e miserável que fosse. Talvez, se eu aprendesse a me colocar em meu lugar, as coisas começariam a dar menos errado. Afinal, uma existência insignificante como a minha não tinha muito direito de um lugar ao sol.

Saí do banheiro praticamente me arrastando. Não queria voltar para onde os outros estavam. Olhei para o lados e vi uma porta de vidro, que dava para uma espécie de quintal com um pequeno jardim. Achei melhor ficar ali. Não tinha ninguém. Parecia ser o local para fumantes. Tinha um banco encostado à parede. Sentei ali e recostei minha cabeça à parede, olhando para o céu. Estava tão azul, sem uma única nuvem. Era tão limpo, tão claro, tão bonito. Senti lágrimas escorrerem por meu rosto. Se existia vida após a morte, com certeza eu não iria para o mesmo lugar onde minha mãe estava. Afinal, como pode um anjo conviver com um demônio? Como um anjo deu à luz a um demônio? Não podia ser coincidência o fato dela ter voltado para o céu. Limpei minhas lágrimas. Aquilo era ridículo! Eu realmente odiava ter que passar por isso todos os anos. Reviver aquele momento infernal e ter que encarar quem eu realmente era. Como doía!

— Está tudo bem? – ouvi uma voz me chamando. Era Saga.

— Ah! Sim, tudo bem. – tentei fingir que não estava chorando.

— Não é o que parece. – ele se sentou ao meu lado e eu suspirei.

— Não é nada que mereça sua preocupação. Bobagem de adolescente. – tentei sorrir de leve.

— Não parece ser bobagem. Algo que faça um jovem como você chorar até os olhos ficarem tão vermelhos assim. – droga! Por que raios todos esses adultos tinham que ser tão observadores assim?

— Você já deve ter passado por algo assim com Seiya, não?

— Seiya? – ele deu uma risadinha. – Só se for depois de uma surra. E mesmo assim, é só até que eu o conforte. Fora essas ocasiões, é muito difícil vê-lo chorar dessa forma.

— Isso faz de mim um jovem estranho, suponho. – isso soou mais melancólico do que eu queria.

Saga, que até então não estava olhando para mim, virou-se e me olhou profundamente nos olhos.

— Não diga isso. – ele falou bem sério. – Não importa o motivo dessas lágrimas, nada justifica que você se menospreze. – ele se levantou e estendeu a mão para mim. – Você, agora, tem muitas pessoas ao seu redor que lhe darão o devido valor.

Segurei para não voltar a chorar. Por mais simples que fossem as palavras, no estado que eu estava, era suficiente para me abalarem. Dei a mão a ele e voltamos para o salão. O dia estava só começando.

Continua...


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