Doce Fruto de um Passado Amargo escrita por XxLininhaxX


Capítulo 20
POV Milo/ POV Hyoga


Notas iniciais do capítulo

Yooo pessoas ^^/

Tudo bem? Passando para deixar mais um cap...
Vou tentar escrever o máximo enquanto ainda posso, pois minha vida vai começar com a correria de novo XD
Esse cap foi meio encheção de linguiça, mas era necessário... sorry XD

Non vou me prolongar mto aqui...
Agradeço a quem está acompanhando e deixando reviews...
Sei q tem um tempo q non respondo eles, mas leio todos e um dia eu vou responder todos tbm... só peço q tenham um pouco de paciência, pq eu sou lerda msm XD
Espero q gostem...
Boa leitura...

=**

^^v



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Eu estava chegando em casa mais cedo que o normal. Eu estava feliz pela conquista dos meus amigos. Era uma conquista para mim também, claro. Também estava feliz com a surpresa, em poder rever amigos tão queridos. Mas definitivamente aquele não era um bom dia. Desde que Camus me contara sobre o motivo de Hyoga estar chorando tanto, não consegui parar de pensar no loirinho. Ficava me perguntando como era possível que eu tivesse me apegado a ele daquela forma. Shaka, por exemplo, tinha a desculpa de ter conhecido Natássia e de terem sido grandes amigos. Mas eu não tinha motivo algum para me apegar aquele garoto. Muito pelo contrário. Acredito que muitos em meu lugar estariam esperneando e implorando para que ele não ficasse conosco. Mas como eu podia explicar aquilo? Não podia ser só pelo fato de que sempre quis ser pai. Tinha algo mais. Aqueles olhos azuis. Quando eu olhava dentro deles, parecia que estava mergulhando em um oceano de incertezas, de medo, de solidão. Óbvio que não era algo pelo qual eu deveria me sentir atraído, afinal não eram sentimentos bons. Mas havia algo mais ali. Algo que estava tão profundo que apenas o olhar não seria suficiente para dizer. E não era uma coisa simples. Parecia que me chamava para conhecer mais e mais. Aquilo parecia loucura, mas de alguma forma eu conseguia me conectar com aquele algo que eu sequer sabia o que era. De qualquer forma, a questão é que eu tinha me apegado ao moleque e agora estava imensamente preocupado com ele. A história daquele garoto não tinha sido nada fácil. Acredito que nem eu nem Ikki, ambos com histórias traumáticas, conseguíamos entender a dor que Hyoga sentia. Ikki e eu sofremos muito na vida antes de conhecer o que era o amor, seja ele em qualquer forma. Mas Hyoga conheceu o maior e mais puro amor de todos, para então perdê-lo e sofrer. Parecia incrivelmente cruel. A única coisa que conseguia imaginar próximo disso seria minha separação de Camus. Só de pensar meu coração já se apertava e meus olhos ficavam marejados. Mas, apesar de saber que Camus e eu tínhamos uma ligação muito forte, eu também sabia que em nada se comparava ao amor de uma mãe para com um filho. Natássia mesmo havia sido uma mãe sensacional, ao ponto de negar a própria felicidade para que o filho tivesse uma esperança de futuro. Ela abrira mão da própria vida para que o filho pudesse viver. Mesmo que Hyoga fosse muito pequeno naquela época, ainda assim a separação deve ter doído inimaginavelmente.

Aquele turbilhão de pensamentos não parava em minha cabeça. Eu queria saber como aquele loirinho estava. Será que Camus conseguiu acalmá-lo? Será que os dois haviam se entendido de alguma forma? Será que ele já estava dormindo? Será que conseguiria dormir? Eu realmente estava muito preocupado. Senão fosse por Camus, eu já teria despachado aquele povo todo da nossa casa e teria ficado bem grudado em Hyoga até que ele se sentisse melhor. Mas eu entendia o lado de Camus de que isso não seria certo. Kanon, Saga e Aiolos vieram de longe apenas para comemorar conosco. Seria extremamente sem consideração fazer aquilo. E agora que eu já tinha curtido com eles um pouco, eu estava voltando para o lugar de onde nem deveria ter saído; minha casa. Eu esperava que estivesse tudo bem. Camus estava estranho mais cedo. Como se estivesse tentando esconder algo de mim. Eu o conhecia o suficiente para deduzir aquelas coisas apenas pelo jeito como ele me olhava ou por como gesticulava. Não havia nada sobre Camus que eu não conhecesse a fundo. E justamente por isso é que eu tinha ficado ainda mais preocupado. Se Camus estivesse mesmo escondendo algo de mim, com certeza não era coisa boa. Eu esperava que eu estivesse errado.

Abri a porta de casa lentamente. Eu não queria fazer barulho, pois eles já poderiam estar dormindo. As luzes estavam apagadas, então eles provavelmente não estariam acordados. Andei o mais suave possível, mas ao chegar à sala me espantei. Camus estava sentado no sofá, tudo escuro. Ele apoiava a cabeça, inclinada, nas mãos que tinham os cotovelos apoiados nas pernas. Aquela não era uma cena muito agradável de se ver. Claro que meu marido era lindo de qualquer jeito, mas raramente eu o via tão cabisbaixo como naquele momento. Aquilo me deixou atordoado. Então realmente alguma coisa não estava certa. Camus não era de transparecer tamanha carga emotiva. E isso me preocupava ainda mais. Ele estava tão absorto em pensamentos que sequer notou minha presença ali. Aproximei-me dele e coloquei minha mão em seu ombro. Ele levantou a cabeça um pouco exaltado, mas logo suspirou aliviado.

— Voltou cedo, mon ange. – ele disse enquanto eu me assentava ao seu lado.

— Não estava com cabeça para ficar lá. Achei melhor voltar mais cedo mesmo.

Ele me sorriu meio desanimado e voltou a ficar em calado. Por certo ele sabia que não ficaríamos em silêncio por muito tempo. Afinal, aquele comportamento dele me deixava ainda mais inquieto.

— Está tudo bem? Não me lembro da última vez que te vi tão arrasado. É alguma coisa com o Hyoga? – eu perguntei e ele suspirou ainda mais pesado. – Eu sabia.

Fiz que ia levantar. Iria ao quarto de Hyoga imediatamente para entender o que tinha acontecido para deixar Camus naquele estado. Porém, senti Camus segurando minha mão, impedindo-me de seguir meu caminho.

— Milo, aconteceu uma coisa com Hyoga sim, mas agora já está tudo bem. Ele está dormindo.

Voltei a me sentar. Já esperava que alguma coisa tivesse acontecido. Eu apenas queria estar enganado, pois isso queria dizer que Camus mentira para mim. Sinceramente, não era algo comum e, talvez por isso, me chateava mais do que devia. Principalmente por ser algo relacionado a Hyoga. Aquilo não daria certo se Camus resolvesse que eu não poderia participar da educação do menino. Seria como dizer que eu não fazia parte daquela família por não compartilhar laços sanguíneos. Eu não queria começar as coisas daquele jeito. Mas esperaria Camus se explicar, embora eu duvidasse que ele pudesse dizer algo que realmente justificasse.

— Então...? – comecei. – O que houve?

Camus suspirou pesadamente antes de responder.

— Hyoga e Ikki saíram de casa sem autorização de ninguém.

— Quando foi isso? – perguntei, já em tom magoado.

— Um pouco antes de vocês saírem.

— E por que não me disse nada quando eu perguntei?

Camus me olhou significativamente, como se já esperasse aquela pergunta, mas não estivesse preparado para responder.

— Eu não queria estragar um momento feliz com algo que só o preocuparia desnecessariamente. Você conhece o Ikki. Ele sai, mas sempre volta. E antes que vocês saíssem, eles já tinham retornado. Então eu...

— Resolveu me deixar de fora de algo que não me caberia tentar resolver. – eu o interrompi.

— Mon ange, por favor, nem pense nisso. – ele segurou minhas mãos e olhou para mim, quase que em desespero. – Em momento algum eu quis excluí-lo de nada.

— Imagina se quisesse. – eu desviei o olhar.

Eu realmente ficara chateado. Camus não podia ter mentido para mim daquela forma. Independente de qualquer coisa, éramos um casal. Eu não escondia nada de Camus e ele também não poderia esconder de mim. Principalmente com relação ao nosso filho. Sim, nosso filho. Eu podia não fazer parte do passado dos dois, mas com certeza eu faria parte do futuro. E, mentindo para mim, era como se Camus não quisesse que eu participasse daquela história. Isso me deixava extremamente inseguro, como só Camus conseguia deixar.

— Mon ange, olhe para mim. – ele chamou minha atenção e eu apenas o olhei, demonstrando o quão magoado eu estava. – Eu sei que eu errei. Eu peço perdão por isso. Mas é que... – ele deu uma pausa, como se estivesse muito aflito para continuar. – Eu não sabia o que fazer. Eu estava apavorado. Eu nunca senti isso antes. Eu nunca me senti tão inseguro e tão impotente em toda minha vida. Eu pensei que se eu te falasse, poderia estragar sua noite de comemoração. Eu sei que não justifica, sei que não costumo agira assim. Mas eu realmente não estava em meu estado normal. Como ainda não estou. Por isso eu te peço que me perdoe e, por favor, tente entender que eu jamais faria algo assim com a intenção de te magoar ou lhe excluir de algo.

Eu olhava atentamente para meu marido. Ele realmente não estava bem. Não menti quando disse que não me lembro da última vez que o vira tão arrasado como naquele momento. Eu não gostara nem um pouco do que ele fez, mas vê-lo naquele estado também não me deixava feliz.

— Tudo bem, Camye. Dessa vez passa. Mas se fizer de novo...

— Não terá uma próxima vez. E você sabe que sou um homem de palavra.

— Mas, afinal, se está tudo bem agora, por que continua nesse estado?

— Porque eu tive que disciplinar Hyoga.

Você o que? — não acreditava que ele teve coragem.

— Eu sei que você não gosta desse tipo de método, mas eu já tinha avisado para ele. Eu não podia voltar atrás na minha palavra ou ele não me respeitaria.

— Mas Camye, pense nas circunstâncias em que estamos. Não era momento para isso! O garoto já estava de castigo!

— Eu sei! E é por isso que estou tão arrasado. Milo, eu nunca fiz algo com tanta incerteza na minha vida. Nunca me doeu tanto ter que tomar uma atitude que eu julgasse correta. Eu agi racionalmente, como usual, mas dessa vez parece que, por mais certo que fosse, eu estava fazendo algo errado. – ele falava aquilo como que desabafando. – Milo, eu não sei lidar com isso. Eu não sei se conseguirei ser o pai que Hyoga precisa e merece.

Aquela declaração me chocou. Camus nunca me disse ser incapaz de fazer qualquer coisa que fosse. Camus não era aquele homem inseguro e cheio de medos que estava a minha frente naquele momento. Muito pelo contrário, o inseguro da relação era eu. Eu é que, normalmente, diria coisas como aquelas, por mais orgulhoso e exibicionista que eu parecesse ser. E agora, quem não sabia o que fazer era eu. De qualquer forma, eu tinha que tentar amenizar as coisas. E tudo que eu podia fazer era apoiar meu marido, talvez assim ele se sentisse mais seguro de que tinha tomado a decisão certa, embora nem eu mesmo acreditasse muito naquilo.

— Camus, eu não sei se essa foi uma decisão certa ou errada. Tudo que posso dizer é que estou do seu lado. Se for pra acertar, acertaremos juntos, e se for para errar, erraremos juntos. Mas mesmo que Hyoga ache que você errou em algum aspecto de sua educação, uma coisa ele não poderá dizer; que você não pensou no que seria melhor para ele. Mesmo que ele não entenda agora, tenho certeza que no futuro ele vai lhe agradecer por ter sido esse tipo de pai. Pois eu não tenho dúvida de que é você que ele precisa e merece, do jeito que você é.

Ele olhou para mim de maneira mais suave e eu lhe sorri de leve, tentando passar que tudo ficaria bem. Ele segurou de leve em meu rosto e me beijou. Foi um beijo calmo, porém bastante necessitado. Como se ele estivesse me dizendo, através daquele gesto, o quanto precisava de mim. Eu ficava impressionado com o quanto Camus tinha poder sobre mim. Eu estava magoado agora há pouco e, com um único beijo, ele conseguira me acalmar e me mostrar o quanto ele tinha se arrependido e o quanto ele me queria ao seu lado. Demorou até que eu aprendesse a entender os gestos singelos e sutis de Camus. Foi difícil aprender a ouvir sua voz através de simples atitudes, mas com o tempo eu fui percebendo que Camus falava mais com ações do que com palavras.

Afastamos-nos lentamente.

— Obrigada por estar ao meu lado, mon ange. Sei que te magoei com o que fiz e, mais uma vez, peço perdão por isso. Mas eu não vou conseguir continuar se você não estiver ao meu lado. Como pôde perceber, parece que terei que aprender do zero como ser pai. Sinto que isso é mais natural para você do que pra mim.

— Eu realmente acredito que você será um excelente pai, Camye. Caso contrário, jamais teria me casado com você, por mais sedutor que você seja. – brinquei, tentando deixar o ambiente mais leve e ele sorriu. – Bom, o que acha de irmos deitar então? Hoje foi um dia cansativo.

— Nem me fale.

Levantei e Camus me seguiu. Andamos pela casa tentando não fazer muito barulho. Subimos para o segundo andar e, ao passar pelo quarto de Hyoga, não consegui resistir. Eu queria vê-lo. Mesmo que ele estivesse dormindo. Eu apenas queria ver como estava meu garoto.

— Espere um pouco, Camus. Apenas quero ver se Hyoga está bem.

— Tudo bem, mon ange.

Camus ficou atrás de mim, esperando. Eu abria a porta do quarto tentando não fazer muito barulho. Não queria acordá-lo. Abri a porta lentamente e fiquei surpreso, pois Hyoga não estava na cama.

 

POV Hyoga

 

Ouvi a porta do meu quarto se abrindo lentamente. Suspirei. Pelo visto que não poderia ter meus tão preciosos momentos de solidão ali. O dia hoje tinha sido puxado, mas mesmo assim eu não conseguia dormir. Quando deitei no colo do meu pai, fechei os olhos por um tempo, apenas para que ele pensasse que eu tinha dormido. Eu sabia que ele estava exausto depois do que aconteceu. Admito que apanhar do meu pai igual um molequinho de cinco anos não foi uma coisa agradável. Mas eu apenas aceitei. Eu sabia que merecia até mais do que aquilo. Acredito que se meu pai soubesse de minhas verdadeiras intenções, talvez até pensasse que uma surra seria pouco. E o que eu tinha feito tinha sido errado mesmo, eu tinha consciência daquilo. Mas, novamente, não o fizera com a intenção de provocar meu pai e nem nada. Eu apenas queria me distrair um pouco para não ficar chorando na frente dos outros. Já tinha chorado na frente de meu pai e Milo, ninguém mais precisava ver aquilo. No fim das contas, não resolveu de nada, pois acabei chorando na frente de Shaka. Eu também estava exausto. Meu emocional estava devastado. Fazer as coisas que eu sabia que deixariam meu pai preocupado, chateado ou irritado, não era nada fácil. Não que eu tivesse feito coisas que considerasse extremamente grave, mas ver meu pai alterado, de qualquer forma, não estava sendo tão fácil quanto eu pensei que poderia ser. E depois que meu pai saiu do quarto eu apenas me levantei e fui sentar no parapeito da janela, observando a noite. Apenas sentindo o vento bater em meu rosto, sentindo o cheiro das árvores ao redor invadir minhas narinas; tudo para que minha mente pudesse viajar pelo vazio. Só assim eu conseguia me acalmar um pouco. E já que eu não conseguiria dormir mesmo, pelo menos poderia apreciar aquela noite.

Meus devaneios foram interrompidos quando Milo entrou no quarto. Ele me olhou com uma expressão preocupada e, logo, meu pai também entrou no quarto. Eu não sabia como encarar meu pai. Eu estava um pouco envergonhado e vulnerável demais para fingir estar revoltado ou algo assim. A quem eu estava querendo enganar? Eu não ia conseguir seguir com aquele plano idiota. Talvez fosse melhor desistir. Depois do que acontecera naquele dia, eu tive a certeza de que mesmo que eu agisse como um filho detestável, meu pai, ainda assim, sofreria ao me perder. Então, já que o resultado seria igual, independente de como eu fosse agir, não tinha o menor sentido em continuar forçando ser o que eu realmente não era. Eu só precisaria tomar cuidado para não acabar falando mais do que deveria.

— Está tudo bem, meu filho? – disse meu pai, vindo em minha direção junto com Milo.

— Está sim. Apenas estou sem sono. – falei de forma bem educada, como eu realmente era.

— Sem resposta atravessada? Tem certeza que está bem? – disse Milo, com ar de brincadeira.

— Se preferir do outro jeito, posso lhe fazer esse favor. – entrei no clima e Milo sorriu. – Não se preocupem. Podem ir dormir. Eu vou ficar bem.

— E vai passar a noite em claro? De jeito nenhum. – disse Milo.

— Não é como se eu não estivesse acostumado com isso. – falei em um tom mais melancólico do que eu queria.

Os dois se entreolharam preocupados. Eu era um idiota! Tinha acabado de pensar que teria que tomar cuidado e lá estava eu, fazendo tudo errado.

— Você acha que não conseguiria dormir de forma alguma? – meu pai perguntou.

— Sério, vocês não precisam se preocupar comigo. Eu me viro aqui.

— Não foi isso que perguntei, Hyoga. – ele falou um pouco mais sério e eu suspirei.

— Não vou conseguir dormir. Sempre tive o sono muito leve, pois ficava preocupado com a minha avó. O pouco que eu conseguia dormir era o tempo de ter pesadelos e acordar. Isso não mudou com anos e não vai ser agora que vai mudar.

— Mas você já tentou tomar algum remédio? – dessa vez foi Milo.

— Tentei, mas não deu certo mesmo assim.

— Não é saudável que ele fique tomando remédios para dormir também não, Milo. Teremos que pensar em outra forma. – disse meu pai.

— E se assistirmos um pouco de TV? Podemos colocar em um programa aleatório e talvez você consiga dormir. – Milo sugeriu.

— Não sei se isso vai dar certo. – falei receoso.

— Podemos tentar. – Milo veio em minha direção e segurou em minha mão. – Vamos.

Nem tive tempo de responder e Milo já estava me levando para fora do quarto. Eu sabia que eles estavam perdendo o tempo deles, mas Milo já estava tão animado que nem tive coragem de dizer que não queria. Queria passar no quarto da minha avó para ver se ela estava dormindo bem, mas não consegui sequer atrasar Milo um pouco. Quando dei por mim já estava na sala, sentado no sofá. Meu pai não estava ali, o que eu achei estranho, pensei que ele estava atrás de nós. Ele deve ter ido dormir, imagino que ele estava bastante cansado. Eu admito que deva tê-lo feito ficar exausto emocionalmente falando. Eu sabia que meu pai não era muito sentimental, por isso o jeito mais fácil de esgotá-lo era atingindo seu emocional. O meu erro foi não pensar que atingindo o dele, também atingiria o meu. Eu também estava esgotado. Se não fosse aquela época do ano, provavelmente eu já estaria dormindo e só acordaria na tarde do dia seguinte. Mas não importava o que eu fizesse, nada me fazia dormir naquela época do ano.

— Então, o que prefere assistir? – Milo me tirou de meu leve devaneio.

— Tanto faz. – falei com um pouco de desinteresse.

— Claro que não, Hyoga. Tem que ser algo específico! Chato o suficiente para te deixar com sono.

— Mas eu tenho um gosto bem eclético. Qualquer coisa que você colocar, eu vou assistir bastante interessado.

— E se eu colocar programação infantil?

— Aí eu me mato. – eu disse naturalmente e Milo começou a rir.

Fazer Milo sorrir me trouxe uma paz por dentro que eu não saberia explicar. Não fazia muito sentido, pois Milo já era alguém muito feliz. Por que então eu iria gostar de fazê-lo mais feliz ainda? E por que eu achava que poderia fazê-lo? Eu estava me envolvendo demais. Isso era muito perigoso.

— Já que não quer escolher, eu escolho. – disse Milo.

Milo colocou um filme qualquer e sentou ao meu lado no sofá. Milo parecia tão cansado quanto eu, mas também parecia mais preocupado em me fazer dormir do que em assistir o filme. Mal sabia ele que o filme que ele colocou era um dos meus favoritos.

— Por que você e Camus simplesmente não vão dormir? Eu me viro. – tentei fazê-lo mudar de ideia.

— Porque não queremos que você passe por um momento assim sozinho. Infelizmente hoje surgiram alguns imprevistos, mas amanhã eu prometo que não vamos te largar nem por um minuto. – ele falava aquilo com os olhos brilhando, o que me deixou um pouco sem graça. – Acredito que será um bom dia, principalmente porque você desistiu desse negócio de ser um rebelde sem causa.

Assustei-me com sua declaração. Como ele...? Como ele percebia essas coisas? Eu estava tão óbvio assim? Definitivamente Milo era bem mais esperto e inteligente do que eu poderia imaginar. Eu tinha a sensação de que se eu passasse mais do que uma hora com ele, provavelmente ele descobriria tudo ao meu respeito, até aquilo que eu não queria que ele descobrisse. Talvez eu tivesse que acelerar os planos ou tudo poderia ir por água abaixo. Eu só precisava de uma oportunidade. Eu pensaria em algo, mas não naquele momento. Seria difícil, mas eu deveria ser mais esperto que Milo. E para isso, eu precisava entendê-lo um pouco melhor. Todo mundo tem um ponto fraco e eu descobriria qual era o de Milo. Não para chantageá-lo, mas para usar como oportunidade.

Ficamos calados por alguns minutos, apenas assistindo o filme. Milo parecia muito cansado. Meu pai resolveu não aparecer mesmo. Mais alguns minutos, Milo iria cair no sono e eu poderia ir para meu quarto e ficar sozinho de novo. Era fato que eu não conseguiria dormir. Então, pelo menos, queria ficar sozinho. Eu tinha muito que pensar e se a vontade de chorar viesse, eu não precisaria fazer esforço para segurar o choro. Olhei para o lado, apenas para conferir se Milo tinha cochilado. Qual não foi minha surpresa ao perceber que ele estava de olhos fechados. Era minha chance.

— Desculpe a demora. – quando fui me levantar, meu pai entrou na sala e acabou acordando Milo também.

— O que estava fazendo? – Milo perguntou, agora mais acordado.

— Eu fui dar uma olhada na senhora Valéria. Ela foi dormir muito cedo, então pensei que poderia estar acordada e sem graça de sair do quarto nesse horário. Mas ela continua dormindo bem, o que me deixou mais tranquilo. – meu pai disse, me deixando feliz e surpreso. – Também fui fazer um chá para Hyoga.

Ele veio em minha direção e me entregou uma xícara de chá quente. Ele se sentou ao meu lado, me deixando entre ele e Milo. Fiquei um pouco desconfortável com aquilo, mas resolvi deixar de lado. Logo os dois estariam dormindo e eu poderia voltar para meu quarto. Agradeci pelo chá e resolvi tomar um pouco. Assim que coloquei o chá na boca, senti uma lágrima descer por meu rosto. Foi inevitável.

— Esse chá... – eu sequer conseguia falar.

— É um chá especial. Receita antiga da minha família. Minha avó quem me ensinou. Esse chá tem um efeito relaxante. Achei que talvez ajudasse você a dormir um pouco.

— Você ensinou minha mãe a fazê-lo. – foi uma afirmação.

— Ah sim! – ele sorriu de leve, como que se lembrando de alguma coisa boa. – Lembro que quando sua mãe estava em época de provas na faculdade, ela ficava muito ansiosa e não conseguia dormir. Ensinei-a fazer esse chá e foi a única coisa que a ajudou a dormir.

Ouvir aquilo me deixou um pouco emocionado. Minha mãe costumava fazer aquele chá para mim quando eu tinha dificuldade para dormir à noite. E realmente era algo que ajudava muito. Infelizmente ela falecera antes de me ensinar a fazê-lo. E por conta dos vários traumas que sofri, uma noite bem dormida era algo que eu não sabia mais o que era. Descobrir que meu pai foi quem ensinou minha mãe a fazer aquele chá fez com que eu me sentisse mais próximo dele, como se desde antes de conhecê-lo, eu já soubesse quem ele era. Parecia bobeira, mas era bom saber que pelo menos em um aspecto, meu pai fizera parte do meu passado, mesmo que indiretamente. Como se naqueles momentos de insônia, fosse ele quem me ajudava a dormir. Sorri com aquele pensamento. Eu estava tão carente que via conexões entre eu e meu pai que, na prática, não existiam. Patético. Definitivamente, Camus não precisava disso na vida dele.

Encostei-me ao sofá. Já tinha desistido de ir para o meu quarto. Terminei de tomar o chá e fiquei assistindo o filme. Quando dei por mim, Milo já tinha deitado a cabeça em meu ombro e dormia pesado. Meu pai ainda estava acordado. Aquele momento parecia algo único, que eu jamais vivenciaria novamente.

— Parece que Milo passou na nossa frente. – ele disse baixinho, para não acordá-lo.

— Ele já estava cochilando antes de você vir para a sala. – respondi.

— E você? Ainda sem sono?

— Acho que sim.

Meu pai me olhou preocupado. A verdade é que eu estava começando a ficar com sono, mas a posição estava muito desconfortável para dormir. Vi meu pai levantando do sofá e saindo da sala. Logo em seguida ele retornou com dois cobertores. Ele cobriu Milo, que logo virou para o outro lado, tirando a cabeça do meu ombro. Ele pegou o outro cobertor e me cobriu, logo sentando ao meu lado e se cobrindo também. Ele me puxou para mais perto, como em um meio abraço e colocou minha cabeça encostada em seu peito, acariciando meus cabelos. Eu não sabia o que fazer diante daquele gesto. Eu queria chorar, mas também queria sorrir. Achei melhor fazer a única coisa que poderia; fechar meus olhos e dormir aconchegado no singelo carinho do meu pai.

Continua...


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