Me preparo para uma noite de drama.

É de certa forma egoista eu pensar assim. Retiro o que eu disse, não que mude muita coisa.

Levo a minha mão até a pequena cômoda ao lado da minha cama, abro a primeira pequena gaveta e retiro a ampulheta que Maggie me deu. A quanto tempo eu não recebo algo assim, algo que desse vontade de abraçar e passar a noite, ou simplesmente ficar olhando por vários segundos.

Eu sempre gostei de ampulhetas, é como se o tempo de certa forma estivesse na minha mão. Se eu pudesse o controlar, fazer do meu jeito. As coisas estão tão loucas, o tempo hoje em dia é tão precioso, é bom agora eu possuir um símbolo disso.

Tinha a sensação de que isso nunca iria passar. O medo da morte, o medo do tempo.

Enfim, chega disso. As coisas passam.

Prendi o cabelo e fiz o possível para me sentir bem.

Olho pela janela do quarto, afastando a cortina para observar o dia indo de levemente. Imagino como deve ter sito ruim observar a vida pelo vidro de uma janela.

Na velocidade da luz virei o rosto para a porta que se abria, Daryl surgia segurando uma bolsa nada pequena.

Abri minha boca para falar, mas depois fechei de novo.

Ele depositou aquela bolsa em uma das cadeiras e se propôs a me encarar, com seu jeito de ser.

Estou me sentindo bem agora, nesse fim de tarde. A noite já vem.

–--- O que carregava ali? Um cachorro? ---- perguntei passando o cabelo para trás da orelha

Ele não segurou seu torto sorriso sem jeito, aquele sim era um sorriso. Já tinha saudades dele, afinal os melhores sorrisos ele só manda quando estamos sozinhos.

Me orgulho disso.

Gosto de pensar que o faço sorrir.

–--- É sério Daryl, o que é? ---- digo sorrindo, mas foi um sinal para ele me levar a sério

–--- Umas coisas, disse que queria comida de verdade ---- ele diz puxando o zíper da bolsa

–--- O que trouxe?

–--- Sua terceira maior paixão ---- ele responde me olhando ---- chocolate ---- ele segura uma barra prateada na altura da cabeça, sorrio com isso

–--- Isso não é comida de verdade! ---- respondo sorrindo

–--- Não estraga ---- ele responde

Ele se senta e me estende aquela mistura de açúcar e paraíso. Rasgo seu papel alumínio e dou uma mordida a barra, que se choca no meio.

Mastigo um pouco sem jeito enquanto encaro seus olhos mais uma vez.

Ele continua me encarando do mesmo modo que me encarou ontem a noite, enquanto eu não entrar em outra confusão ele não vai perceber que estou bem aqui.

–--- Então ---- digo colocando o que sobrou ao meu lado e me preparando para falar ---- eu sei que foi uma merda passar por tudo que você passou, mas eu estou aqui Daryl, e estou bem, eu sei que você não foi feito para ficar sozinho e fico preocupada com o quanto isso te afete, mas.. ---- faço uma longa pausa, procurando uma reação para com minhas palavras, toco sua mão com a minha, pálida e fria de ser ---- eu vou estar sempre aqui, tá? ---- dou um pequeno sorriso de lado ---- quer dizer, não aqui mas.. você entendeu

Ele sorri.

Muitas vezes você não entende. Um olhar, por exemplo, pode provocar uma mudança. Uma mudança drástica no tempo. É assim que vivemos, hoje e sempre, conversamos sem usar muitas palavras. Nos entendemos da nossa forma, por isso as coisas são tão incríveis.

A noite chega, o frio chega, tudo chega ao mesmo tempo.

Inclusive minha vontade de quebrar a janela e pular, voltando para minha casa e para minha verdadeira cama. Cheia de cobertores e boas lembranças.

Isso só me lembra que! Ai meus Deus, eu estou grávida! Tipo, não é pura certeza claro, estou em fase pós-morte. Mas aquela sensação de mãe que não pode ser ignorada.

–--- Daryl ---- digo colocando a mão na testa, ele me encara ---- eu sinto que estou grávida

Ele continua me encarando e pisca alguns segundos, provavelmente querendo que eu continue minhas explicações.

–--- Eu estou dizendo que nada mudou, é como eu estava me sentindo semanas atrás, a mesma sensação de asia e mudança de humor, dá vontade de fazer várias coisas ao mesmo tempo, é uma quase certeza, te garanto que continuo sentindo as mesmas coisas de antes ---- me empolgo com a ideia

Mal tinha parado para pensar nisso, nada mudou, nada está diferente.

–--- Já é um milagre ela estar aqui, imagina ter sobrevivido a tudo isso? Ela pode fazer isso fácil, é minha filha ---- sorrio vitoriosa, encaro seu rosto confuso e feliz, sei que ele ama a ideia de continuar a geração Dixon, ainda mais ter mais uma coisa para se apegar

Ele não responde, pensando na ideia. Ele deve estar com mil pensamentos rodando na cabeça, mil idéias de como me enfiar em um buraco livre de todo o resto do mundo para a minha segurança. Eu simplesmente sinto, ainda estou segura e amarrada a essa idéia, carrego um milagre junto a mim.

Ponto.

Conversamos sobre esse lugar e como aqui parece ser seguro, mas é como uma mirage, que eu sei. Uma hora vai sumir. Espero que demore, sei lá anos, para isso acontecer.

Sinto as pontas dos meus dedos se gelarem, uma noite fria ao que parece. Puxo mais o cobertor, e me encolho mais para me aquecer.

Daryl percebe minha reação e se levanta das cadeiras, se aproximando e me fazendo o encarar. Dou um meio sorriso e toco seu braço com minha mão, o trazendo para mais perto.
Passo a mão pelo seu pescoço e o abraço, fazendo meu coração acelerar por esse pouco tempo.

Eu vou o soltando lentamente, enquanto ele vira o rosto e nos encaramos.

Me encaro em seu olhos e me perco ali por um longo momento. Até que finalmente tomo coragem para tocar seus lábios uma outra vez.

"Cada vez como se fosse a última". Assim se resume nossos momentos.

Meu coração continua se acelerando, e nem me lembro que sentia frio. É aqueles momentos que você se sente viva, como se o que há lá fora não importasse mais. Mas nos afastamos e eu derramo uma lágrima involuntária, eu não estou triste, pelo contrário. Foi meio automático. A lágrima quente aquece o meu rosto, até finalmente cair em algum lugar.

Passo os dedos pelo rosto e o seco rapidamente. Sigo com os olhos Daryl se sentar onde antes estaria meu travesseiro.

Sorrio.

Me aproximo e me deposito no corpo de Daryl, que puxa aquele cobertor e me envolve. Passo o cabelo para trás da orelha e sinto outra lágrima quente.

Não existe outro lugar que eu queria estar, realmente. Nem minha cama teria essa magia do momento.

Minha pele se aquece lentamente, junto com o resto do meu corpo. Me encolho e penso na ideia de viver assim, passar todas as noites assim. É tudo tão incrível.

–--- Acho que eu nunca disse, mas.. ---- ele tenta dizer, mas não passa de um sussurro ---- eu amo você

Meu rosto se queima e eu o cubro com a mão. Sou tomada por lágrimas de repente. Me aperto mais a ele e ele me abraça com mais força. Mas que droga Daryl, por que não disse isso amanhã?

Levanto o rosto e o encaro, as lágrimas não param.

–--- Eu também te amo ---- respondo finalmente

Abaixo a cabeça e ele beija meus cabelos, me coloco de volta a meu lugar e tento controlar toda essa emoção. Passo de novo os dedos pelo rosto, em uma tentativa de me recompor.

Fico encarando a pequena grade bege na cama, dou um sorriso fraco.

O tempo vai passar, pessoas vão morrer, vamos mudar.

Mas eu não me importo mais, sempre vou ter um par de olhos azuis para me vigiar.

Me sinto segura. Me sinto viva.

Isso ninguém pode me tirar. É a prova de que o amor supera tudo e todos afinal.