Dias de Liberdade escrita por Eagle Wings


Capítulo 6
Capítulo 5: Abandonado e Condenado


Notas iniciais do capítulo

Me atrasei séculos pra postar esse capítulo, mas tá ai...



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Minha carona chegou atrasada. Nem cogitei reclamar. Menti para os meus pais que iria com uns colegas à pré-estreia de um filme de terror que ocorreria à meia noite em um shopping ali perto e corri pela porta para que eles não tivessem tempo de fazer mais perguntas. Assim que saí do pátio, avaliei o carro que veio me buscar. Como já estava escuro não consegui identificar o modelo, mas não parecia grande coisa. Algum popular. Não que aquilo importasse, lógico. Abri a porta e entrei rapidamente, cumprimentando o Lucas e alguns outros garotos do terceiro ano artilharia que eu mal lembrava o nome com um “oi” e um aceno de mão. O menino bonitinho de cabeça raspada que estava dirigindo arrancou da minha rua sem demora e adentrou a avenida que costeava o rio guaíba e nos levaria até a zona norte.

Já era sexta-feira, e assim como o esperado, havia ficado a par de uma aparentemente boa festa em um bar no centro histórico da cidade. Como não consegui nenhuma maneira de me deslocar sozinha até lá, me aproveitei do fato de que soube que o Lucas e seus amigos estavam indo a uma social na região e paguei algum dinheiro a eles em troca de uma carona, dando uma desculpa de que iria me encontrar com uns primos que moravam em uma cidade vizinha e não tinha locomoção. O Lucas pareceu um pouco confuso quando eu pedi, dizendo que não sabia que eu já tinha familiares no sul, mas depois que expliquei que meus pais são gaúchos ele não perguntou mais nada. Ainda bem.

Demoramos cerca de 40 minutos para chegar até o destino, já que a distância entre onde morávamos na zona sul e o centro histórico não era pequena, além do fato de que devido a um jogo de futebol o trânsito estava lento. Olhei no visor do meu celular e marcava 23:15 h. Deveria ter me encontrando com o garoto que conheci no Tinder quinze minutos antes, mas tinha certeza que ele não daria bola pra demora. Eles nunca dão, só querem arranjar alguém pra comer por uma noite, pensei. Exatamente por esse motivo eu sabia que assim que entrasse no local teria de achar uma maneira de dispersar-se dele se quisesse aproveitar a noite sem arranjar confusão. De fato era um pouco arriscado, mas normalmente é a única maneira que pude pensar para que tivesse a oportunidade de conhecer os lugares e até mesmo algumas pessoas.

Me despedi dos garotos e esperei até que o carro sumisse de vista para que pudesse atravessar a rua e chegar à entrada do tal bar, que mais parecia um clube. A princípio achei a fachada do lugar bem legal, com várias estaquetas de madeira e um vidro que permitia ver o interior, mas já tinha certeza que não era o tipo de festa que eu estava procurando. Muito fina pro meu gosto, com gente de cara esnobe se esbanjando já logo na entrada. Faz parte, pensei.

Não precisei procurar muito até reconhecer o garoto com o qual estava mantendo contato, Antônio. Ele estava vestido de preto e escorado contra a parede do prédio vizinho conversando com alguns caras que deveriam ser os seus amigos. Pareciam ter 21, 22 anos. Pelo que o Antônio me dissera, todos estudantes da mais cara universidade de Porto Alegre. Levantei minha mão assim que eles olharam na direção de onde eu estava e ele soltou um sorriso sincero, acenando para que eu me aproximasse. Tinha os cabelos castanhos bem penteados sobre o rosto em uma aparência tão fofa que quase senti pena do quanto estava lhe usando. Quase.

“Natalia! Ual, tu és igualzinha a tua foto do perfil.” Ele me olhou de cima a baixo, e então voltou a falar. “Gostei da blusa.” Soltei um falso sorriso de sem graça e agradeci. A blusa não tinha nada demais. Nem o meu look no geral. E aliás, as pessoas não são supostas a serem igual as suas fotos de perfil? Depois me apresentou aos seus amigos, que lançaram pra mim olhares bem amistosos e então mostraram ao segurança do bar uns convites vips que nos permitiram entrar sem problemas. Olhei ao redor e percebi que o lugar era muito maior do que parecia de fora. E mais lotado também. Seria fácil de fingir me perder por ali.

Encontramos uma mesa em um mezanino de madeira que ficava logo no centro do prédio, logo em frente ao palco onde uma banda fazia um cover de Little Talks, do Of Monsters and Men. A pista de dança logo abaixo da gente estava cheia com um pessoal um pouco mais velho segurando garrafas de champagne importado como se fossem algum tipo de chaveiro. Assistir aquela cena enquanto conversava com o Antônio e seus amigos me vez começar a ficar extremamente entediada depois de uma meia hora. Mesmo tomando uma maravilhosa garrafa de Keep Cooler (que aliás, custava uma pequena fortuna ali dentro), já tinha certeza de que teria de encontrar uma maneira de cair fora logo. O problema era que os garotos estavam sendo tão legais comigo que ficava difícil de encontrar uma desculpa qualquer. Agir de forma educada e comportada com eles não era algo difícil pra mim, mas eu de fato não gostava. Aquele não era nem mesmo meu objetivo pra aquela noite. Me perguntei como fui parar em um lugar daqueles, e me senti frustrada. Esse é o problema de se conhecer as pessoas pela internet, você nunca sabe com certeza com quem está se metendo. No meu caso, acabei com um pessoal comportado demais. Mas foi no meio do tédio que toda a minha noite mudou.

Enquanto observava de maneira vaga todo o lugar, já que estava no melhor ponto estratégico pra isso, encontrei um grupo que com certeza também não fazia parte dali. Eram em quatro pessoas, todas escoradas contra a parede que levava aos toaletes, pelo que eu podia ver de onde estava. Três garotos e uma garota que aliás era bonita pra caramba. Tinham expressões fechadas e impacientes no rosto, além de não combinarem nada com o ambiente usando roupas metálicas demais. Só poderiam estar esperando por alguma coisa. E eu tinha quase certeza de que sabia o que era.

Terminei de tomar minha Keep Cooler em um grande gole, o que causou um olhar esquisito do garoto educadinho demais que continuava falando comigo mesmo que minha atenção já havia ido embora a algum tempo. Olhei pra ele com a cara de chateação que estava escondendo até o momento.

“Tá tudo bem contigo?” Perguntou, gritando pra que fosse possível que eu o ouvisse.

Parte de mim queria simplesmente dizer a verdade e ir embora, mas outra parte dizia com mais força que isso não seria o melhor a fazer.

“Tá, tudo bem sim.” Sorri e tirei uma pausa para continuar a falar. “Eu só preciso ir ao banheiro e já volto, ok?”

Ele assentiu e me levantei antes que os amigos dele voltassem com mais algumas garrafas de bebida. Desci as escadas do mezanino e segui apressada pela pista assim que percebi que o pessoal da parede não estava mais ali. Olhei em volta e não os encontrei em lugar algum. Decidi entrar no corredor que levava aos banheiros e me deparei com uma fila gigante que seguia indefinidamente pelo corredor seguinte. Foi quando reparei novamente naqueles cabelos rebeldes e roupas que pareciam importadas de um catálogo da Abbey Down. Exatamente como eu suspeitava, aqueles quatro estavam agora conversando com um quinto individuo, quase imperceptivelmente colocando algo em seu bolso enquanto o mesmo os entregava dinheiro aparentemente sem motivo. Bingo. Eles não tinham nenhuma cara de vendedores, então só estavam atravessando. Mas de onde? Não poderia ser algum lugar longe dali. Eu simplesmente necessitava descobrir.

Depois que se afastaram do homem quem os havia pago, vi a garota furar a fila do banheiro e entrar sem muita cerimonia, enquanto os garotos continuaram do lado de fora dessa vez ainda mais impacientes. Considerei minhas opções. Estava parada no meio do corredor e logo seria percebida os observando se não saísse dali, ao mesmo tempo em que não poderia voltar para a pista pois os mauricinhos poderiam notar minha presença lá. De qualquer maneira, não tinha a mínima vontade de acabar o dia sem descobrir algum lugar descente. Resolvi por seguir a garota, recebendo alguns olhares raivosos das mulheres com caras de histéricas da fila. Assim que entrei pela porta literalmente me trombei nela, que nem havia se dado o trabalho de se mover para a frente mesmo que eu a tenha dado uma vantagem de pelo menos 15 segundos. Percebi o porquê assim soltei um fraco “desculpa” e seus olhos se viraram para mim.

“O que que tu qué, hein guria?” Me perguntou.

Merda, merda, merda.

“Han?” Tentei transparecer a maior naturalidade possível. Acho que falhei.

“Ah, qual é. Qualquer idiota vê que tu tava nos seguindo. Por que?”

Como assim qualquer idiota? Eu não estava sendo assim tão óbvia. E muito menos almejando parecer uma idiota que fica seguindo os outros. Ou estava?

Que se dane, pensei. Eu queria uma festa decente e era o que eu tinha que conseguir. Qual seria o ponto em desperdiçar a oportunidade, já que ela perguntou?

“Por favor.” Bufei antes de continuar. “O que você acha?” Fiz outra pausa enquanto aqueles olhos verdes continuavam me encarando. “De onde veio a bala? Esse lugar é um saco e dá pra ver isso em cinco minutos. Tem que ter algo melhor nessa cidade. ”

Ela soltou uma risada.

“De fato é um saco. Mas é cheio da grana, também.” Apontou para as pias de mármore do banheiro. Reparei então que algumas das loiras de cara sem sal estavam nos observando. A garota também pareceu perceber, pois me puxou mais para o canto e abaixou o tom de voz.

“Vou confiar em ti porque gostei disso.” Levantou sua mão e tocou na tatuagem do meu ombro, que eu nem percebi que estava visível já que a minha intenção era esconde-la. “Primeiro, como já dá pra ver que nem daqui tu é, aviso que não fica se seguindo ninguém não. Segundo, aquilo nem bala era. E terceiro, o que tu tem na cabeça pra falar isso alto num lugar desses?”

A encarei sem saber o que falar. Como assim não era bala? Era o que então? Minha intenção também não era me envolver com coisas muito mais pesadas que isso.

Ela deve ter percebido minha confusão, pois tornou a falar.

“Bom, não importa. Se tu quer vir com nós, beleza. Só preciso de um incentivo...” Olhou pra mim com uma expressão divertida e estendeu a mão. Considerei. Poderia não ser o que eu procurava de novo, mas valia o risco. Vasculhei meu bolso.

–--//---

O carro parou bem próximo ao centro da cidade, em uma zona tão vazia que não se via nada além de prédios velhos, alguns abandonados, e comércios fechados. Tampouco se via alguém na rua. Todo o pessoal, que afinal nem tinha se dado o trabalho de se apresentar para mim, desceu. Os segui, tendo certeza que estaria um pouco receosa da situação em que eu mesma tinha me colocado se o efeito das Keep Coolers tomadas as pressas não estivesse me alterando um pouco.

Caminhamos por dois ou três quarteirões até que paramos na frente de um prédio velho que parecia com qualquer outro. A única diferença é que haviam algumas pessoas escoradas na esquina. No escuro, eu não conseguia identificar muito bem onde estava e muito menos a fisionomia de todos, enquanto se aproximávamos deles. Um dos garotos que estava com a gente se aproximou ainda mais e falou algo, fazendo com que uma daquelas sombras em formato de pessoa se movimentasse para o lado, abrindo caminho a uma espécie de porta de ferro que eu não havia percebido antes. Assim como todo mundo, passei por ela e começamos a subir as escadas. Logo depois dos dois primeiros lances, uma porta aberta, pintada com vários designs de grafite, escancarava algum lugar de onde saía som alto e luzes irregulares pra todo o lado.

“Acho melhor tu ficar por aqui mesmo...” Disse a garota que afinal me levou até ali. Me incomodava o fato de não saber nem o seu nome, mas aquilo não importava tanto assim, na prática. Levei alguns segundos para entender porque ela havia dito aquilo, enquanto quase os continuei seguindo por impulso. Estavam começando a subir outro lance de escadas, e eu não estava convidada. Assenti e entrei pela porta rapidamente pra não ficar parada com cara de idiota.

A princípio, devo admitir, a fisionomia do lugar me surpreendeu. Estava muito mais lotado do que se poderia esperar, levando em consideração que do lado fora nem parecia haver alguém ali dentro. Um salão amplo se abria coberto por luzes de projetores e uma batida repetitiva eletrônica parecia sair de lugar nenhum, já que não havia DJ. A maioria das pessoas, as quais as faces eram impossíveis de distinguir naquela pouca presença de luz, estavam ou aglomeradas no meio do espaço ou jogadas sob as paredes, que eram assim como a porta cobertas por gravite. Uma enorme rachadura, daquelas impossíveis de passar despercebidas, atravessava todo o teto. O prédio deveria estar condenado. Ninguém parecia estar dando bola. Alguém loiro, acho que um garoto, passou correndo por mim com um tremendo empurrão e o ouvi vomitar logo atrás de mim. Evitando ver a cena, me afastei rapidamente e adentrei a multidão. De uma forma ou de outra, aquele lugar tinha cara de alguma diversão.


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Notas finais do capítulo

Ficou um pouco pequeno, já que resolvi fazer umas mudanças de ultima hora e cortar os últimos parágrafos pra emenda-los no próximo, que aliás, eu prometo que vou tentar caprichar.

Bom, é isso aí, se quiser comentar, comente (já que eu adoro comentários). Criticas, sugestões e até correções são bem-vindas.

Inté +