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47

Eu não lembro como vim parar nesse inferno chamado Utopia. Só sei que todos os dias eu tenho que engolir as larvas oferecidas no refeitório, calibrar a arma e sair à caça de nêmesis. Admito que nos primeiros dias a simples idéia de colocar os pés além da cerca me provocava calafrios, mas agora é tudo tão usual que já nem me importo com os gritos dos novatos sendo partidos ao meio. Exceto quando o sangue esguicha em minhas botas, aí eu fico furiosa até a noite, quando recebemos os tranquilizantes para dormir. Nunca nos disseram o motivo de injetararem essa coisa, só sei que essa droga faz com que você tenha alucinações muito reais. A propósito, meu nome é 2430AG47, mas meus amigos me conhecem por 47 e talvez você possa me chamar assim, apenas talvez.

Esse código comprido é o modo como somos identificados e ainda que eu considere nomes como Beatrice ou Kate muito mais simples de serem usados, o General sempre desaprova e me pune com dois dias de solitária por "Perturbar a ordem geral e questionar a minha autoridade!" A verdade é que poderia passar a eternidade na solitária contanto que eles mantivessem minha dose diária de alucinógeno.

Era transcendental. Eu nem sei ao certo o que essa palavra significa, mas foi a definição dada por Oito quando eu contei sobre os sonhos. Ele pareceu muito interessado e foi assim que percebi que ele também tinha as alucinações, ainda que tivesse negado todas as vezes em que eu perguntei. Por um tempo, deixei de lado, parei de perguntar porque sabia que ele escondia algo e forçar o Oito a falar sempre demandava mais energia e tempo do que eu costumava ter.