O sol fraco mostrava o rosto inchado dos dois, ali, deitados na relva perto de algumas árvores. Katt nao havia dormido nem sequer um momento naquela noite, como se alguma coisa mais profunda dissesse que havia algo de errado.
E havia.
O sol nunca era fraco ali. Era sempre da mesma cor. E agora o céu parecia apenas uma coberta cinza. Podia jurar que não era realmente o céu. Tirou esses pensamentos da cabeça e olhou para Thomas, que estava ao lado da garota. Mostrou-lhe um pequeno sorriso e se levantou, puxando Katt consigo.
– Vamos, eu estou com muita fome. É sério, Katharina, acho que deveríamos roubar comida antes de passar a noite acordados. Isso é para loucos!-- Ele disse já andando em direção ao refeitório, onde estavam a maioria das pessoas.
–- Calma, garoto! É só comida! E aliás, uma noite sem comer não é nada que você já não tenha feito.- Ela resmungou o seguindo.
Também estava com fome.
Não se importava se olhariam estranho para seu rosto, pois parecia que havia chorado. A pura e única verdade era que a garota o havia realmente feito. Primeiro seus olhos se cruzaram com os de Teresa, que comia um pedaço de pão. Katt lhe lançou um sorriso e procurou por outro rosto.
Newt.
O garoto de olhos tempestuosos estava sentado em uma mesa vazia, os braços escondendo o rosto, a posição mostrando o cansaço. Katt caminhou até o garoto e o abraçou por trás. Newt tomou um susto, mas logo percebeu que era a ruiva e sorriu cansadamente, a puxando para se sentar.
–- Parece tão cansado...-- Ela comentou baixinho, passando a mão pelo rosto de Newt.
–- Você por acaso viu a cor do céu?-- Ele tentou mudar de assunto rapidamente.
–- Sim, mas...-- A garota tentou voltar ao assunto de mais importância: O loiro.
–- Não se preocupe, Katt.-- Ele disse colocando sua mão por cima da mão da garota.-- Vou ficar bem. Isso apenas me preocupa mais do que acho que deveria.
–- Newt...
–- O que?
–- Não sente que há algo de errado? Não digo apenas o céu, mas tudo. Sinto que mais do que um céu da cor errada.-- Ela murmurou pensativa.
–- Na verdade, não. E sei que a maioria aqui também não sente isso. Olhe para o jeito que comem, entediados.-- Ele disse apontando para os garotos e Teresa.
–- Você esta escondendo algo de mim, Newt.-- Katt disse decidida.
Sabia que havia algo de errado até com o garoto. Nada estava se encaixando direito. Agora Newt a olhava de maneira estranha, mordendo o lábio inferior, como se estivesse em guerra consigo mesmo. Piscou um pouco e olhou para fora, para as árvores. Katt seguiu seu olhar. Eram apenas as árvores, apenas um olhar vazio.
–- Não tenho o que esconder de você, Katt.-- Ele disse afagando-lhe as madeixas curtas.
Ela começou a se irritar com o comportamento estranho de Newt. A expressão em seus olhos não era normal. Definitivamente, Newt estava lhe escondendo algo. A garota suspirou e fechou os olhos. Queria esquecer aquilo.
Forçou um sorriso e olhou para o loiro. O garoto não percebeu a falsidade estampada no rosto de Katt.
–- Tudo bem.-- Ela falou.-- Vou comer algo. Estou morrendo de fome.
Se levantou e pegou algumas frutas, leite e cereais. Sentou-se em outra mesa, onde estavam Minho e alguns Corredores.
Os garotos faziam uma expressão preocupada desconhecida por Katt. Todos sempre pareciam tão vívidos, mesmo no lugar onde estavam. Sempre tão felizes correndo de coisas que, mesmo sem memórias, Katt sabia que não eram normais.
Minho sorriu para a garota, a fazendo sorrir de volta. Notou que Thomas conversava com Teresa, e Katt sentia um clima rolando entre eles, mesmo em meio a toda a tensão. Estava terminando de comer quando viu os dois saindo do salão. Achou fofa a maneira que se olhavam.
Saiu do Refeitório e caminhou pela Clareira, procurando alguma coisa que mostrasse a ela que estava certa sobre algo de errado acontecendo. Observou os mesmos pequenos besouros brilhantes correndo pelos muros, as mesmas árvores, mesmo tudo. Mas havia algo de errado.
Havia algo de errado, certamente.
Suspirou e saiu correndo em direção ao portão para o Labirinto. Era como se estivesse em um transe, não conseguia fazer o que queria, estava fora de si. Lentamente, sua visão foi ficando escura, mas tinha conhecimento de que seu corpo continuava a se mover.
Agora, sua visão era outra, estava vendo a sala de tortura de Ava Paige. Estava em pé, frente a frente com Ava. A mulher loira sorria diabolicamente.
–- Realmente acha que Newt te conta tudo? Acha que ele fala sempre a verdade?-- A mulher perguntou.
–- O que quer dizer com isso?-- A garota sussurrou baixinho.-- O que está fazendo comigo?
–- Pergunte a ele sobre os sonhos, sobre a saída. Estamos enviando a ele algumas instruções, mas o medo desse meu filho me impede de continuar o plano, por isso estou aqui, com você.-- Ela disse.
–- O que?-- Katt disse abismada.
–- Olha aqui, garota, sem essa coisinha de 'o que?', 'como assim?'. Você esta vendo isso porque eu quero que vocês concluam a fase dois. Escute bem as instruções.-- Ela disse.-- Vocês sairão pelo buraco dos Verdugos, e quem quiser ficar, morre. Ja disse isso para meu Newt, mas ele não está pronto pra isso.
–- Não entendo... Achei que ele confiasse em mim...-- Murmurou olhando para o chão.
–- Não confia. Acho que você se esqueceu de que Newt, acima de tudo, é meu filho, sangue do meu sangue. Logo verá que ele é mais parecido comigo do que você pensa.-- Ela disse rindo maldosamente.-- Bom, ja dei meu recado, então trate de avisar, porque hoje à noite tudo mudará. E lhe prometo que se não fizer o que digo, todas as noites, os Verdugos levarão alguém.
Katt soltou um grito estridente, fechando os olhos com força. Começou a sentir seu corpo correndo novamente, o suor correndo pelo corpo. Quando abriu os olhos, encharcados por lágrimas, viu que estava no Labirinto novamente.
Como Newt pôde? Como pôde faze-la pensar que era confiável, que contaria tudo a ela, e então fazer isso? Seus olhos ardiam. Enquanto corria sem parar, acabou tropeçando e caindo. Acabou rasgando os joelhos e cotovelos. Cambaleante, se levantou e continuou, com o corpo ardendo.
Quando chegou na Clareira, avistou Newt conversando com Thomas e Minho, perto da Sede. Correu até lá, sem conter lágrimas.
–- EU ACHEI QUE CONFIASSE EM MIM!-- Berrou.
Newt a olhou assustado. E ao ver seu estado, uma onda de preocupação invadiu sua face.
–- Katt, o que aconteceu?-- Newt perguntou preocupado.
–- Eu achei que confiasse em mim, eu achei que confiasse em mim, Newt!-- Ela gritou com a voz mais do que chorosa.
–- Mas eu confio em você.-- Ele disse tentando se aproximar.
–- NÃO! Não chegue perto de mim! Se confiasse em mim teria me contado sobre os sonhos que anda tendo!-- Gritou, soluçando.
–- Como sabe disso?-- Ele perguntou assustado.
–- Ava Paige. Acha que é o único a ter a cabeça atormentada por essa mulher?- Ela disse mais baixo, mas ainda severa.
–- Que história é essa?-- Perguntou Minho.
–- A história é que ele sabe como sair daqui! Tem todas as instruções e não contou para ninguém!-- Ela aumentou novamente a voz.
–- Eu achei melhor assim!-- Ele aumentou a voz também, agora pegando forte no pulso de Katt.-- Achei melhor não alarmar! Maluca do jeito que essa mulher é, não tenho certeza de que ela não nos quer todos mortos!
–- Devia ter nos contado!-- Minho disse bravo.-- E não desconte em Katt porque ela não merece! Olhe para seu pulso, daqui a pouco vai quebrá-lo! Achei que fossemos amigos, Newt. Realmente, essa mértila é grande!
O loiro soltou o pulso de Katt, e logo depois Minho a abraçou, tentando acalma-la. Os soluços da garota já eram de dar medo, contando com o stress que Katt possuía. Minho começou a afastá-los de Thomas e Newt, que a olhava com um olhar desolado.
A garota estava totalmente decepcionada. De repente, parou de andar e se ajoelhou no chão, agarrando a grama que roçava em suas mãos e arrancando tudo o que podia. Fechou us olhos e soltou um grito de furia.
–- Eu confiava em você, Newt.-- Sussurrou, cabisbaixa.
–- Vamos, Kattie.-- Minho a pegou no colo gentilmente.
Thomas chegou perto dos dois e disse algo para Minho, que assentiu e entregou-lhe Katt. Thomas a carregava até um banheiro, onde ligou o chuveiro na agua quente e tirou a blusa de Katt vagarosamente, tentando não machuca-la. Não precisavam ter vergonha, afinal, eram irmãos.
–- Pode ser que arda um pouco, mas preciso limpar seus cotovelos e joelhos.-- Thomas disse enquanto passava sabonete em Katt, que soluçava.
...
Thomas havia ajudado Katt a limpar os cortes e passado um curativo neles. Estava na hora do almoço, mas Katt não estava com fome. Seus soluços haviam parado a pouco e seu coração parara de bater tão rapidamente. Mas nada encobria a dor que sentia por Newt. Se sentia traída.
Mas havia algo maior: A saída dos Clareanos. Teriam de fugir. Katt não duvidava do poder de Ava Paige. E agora precisariam dar um jeito de sair dali.