Arco e Baquetas escrita por Stella


Capítulo 5
Sol


Notas iniciais do capítulo

A música de hoje é Epitáfio, dos Titãs. Boa leitura!

26/02/2015



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– Ok, é aqui. Chegamos. – anunciou Malu animadamente.

Respirando de forma ofegante por causa da maratona que acabara de fazer, Felipe olhou para as paredes pichadas do estabelecimento comercial que estava à frente deles. Havia uma placa que ele se esforçou para ler, mas alguém tinha pichado por cima da tinta desbotada, tornando impossível a identificação do lugar. De qualquer forma, o estabelecimento estava fechado.

– O que é isso? – perguntou Felipe, sério como sempre.

– Espere e verá – respondeu a garota, tirando um enorme molho de chaves da mochila. Devia haver umas cinquenta chaves ali, mantidas juntas em um chaveiro grande e esquisito.

Ela destrancou três fechaduras para abrir a porta de aço e apontou o indicador para dentro do lugar, convidando Felipe a entrar. Ele não pensou duas vezes antes de fazê-lo. Se tivesse pensado, provavelmente não entraria.

Malu veio logo atrás dele e fechou a porta. Lá dentro, era completamente escuro. A garota tateou por dentro da mochila até encontrar seu celular. Iluminou o rosto de Felipe com a luz do aparelho.

– É agora que você me dopa com clorofórmio e arranca os meus rins pra vender no mercado negro? – ele perguntou, tentando em vão descobrir que tipo de lugar era aquele. Estava escuro demais.

Ela riu alto.

– Poxa, achei que estava sendo super discreta. Você descobriu meu plano maligno rápido demais.

A garota encontrou rapidamente a caixa de energia do estabelecimento e ligou os disjuntores.

O ambiente se iluminou por completo, revelando cinco pistas de boliche e uma área de lanchonete com mesas e cadeiras empilhadas.

– É o negócio da família, sabe? Minha mãe vive reclamando que devia ter feito concurso público em vez de abrir esse lugar.

Um boliche. Felipe nunca tinha ido a um lugar como aquele. O cenário lhe era estranho. Luzes azuis enfeitando a pista, bolas de boliche coloridas, paredes pintadas de cores vibrantes. Era como se ele não devesse estar ali.

– Seus pais deixam a chave desse lugar com você? Por quê?

– Sabe como é, exploração do trabalho infantil. Às vezes, eles me pedem pra vir aqui passar um paninho nas bolas de boliche ou limpar o balcão da lanchonete. – Malu explicou, enquanto mexia numa tela que ficava ao lado das pistas.

– Você traz muitas pessoas aqui?

– Ah, não. Só os caras asiáticos violinistas que nunca sorriem e que gostam de descontar suas frustrações em arcos indefesos.

Pela cara que ele fez, Malu soube que ele não era o tipo de plateia fácil para as piadas dela.

Felipe viu os pinos serem colocados automaticamente no fim da pista.

– Você já jogou alguma vez? – a garota perguntou, enquanto escolhia uma bola.

Felipe fez um sinal negativo com a cabeça, e Malu entregou imediatamente a bola de boliche pra ele.

– É fácil. Você segura a bola desse jeito – ela demonstrou rapidamente – e arremessa. Com força, de preferência. Sabe aquelas frustrações que você descontou no seu arco, hoje? Canalize todas elas para aquele pino do meio.

Felipe olhou para a bola amarela que estava segurando.

– Isso é uma perda de tempo. Eu devia voltar pro conservatório. Daqui a pouco começa a minha aula de…

– Ah, para de ser chato. Anda, arremessa essa bola de uma vez. - interrompeu Malu, impaciente.

Então, Felipe arremessou. Malu imaginou que a bola iria direto para a canaleta, o que acontece com quase todo iniciante. Mas em vez disso, sabe-se lá como, a bola fez uma trajetória inusitada: voou pelos ares, como numa partida de arremessamento de peso, aterrissou na pista com um estrondo enorme e aí sim, foi direto para a canaleta da esquerda.

– Se os pinos estivessem no teto, você com certeza teria feito um strike. – Malu brincou, oferecendo outra bola para ele.

Dessa vez, Felipe pegou a bola e a arremessou de imediato. De novo, não acertou nada. Tentou outra vez, e outra vez. Obstinou-se a derrubar aqueles pinos de qualquer jeito, ainda que precisasse jogar mil vezes. Insistiu tanto que começou a pegar o jeito, aos poucos.

– Ei, olha só, Malu. Agora, eu faço um strike. Dessa vez, vai. – falou Felipe, animado e concentrado ao mesmo tempo.

Era estranho para a garota ouvir a voz dele soar tão descontraída.

Ele arremessou. Pela trajetória centralizada da bola, Malu soube que seria strike.

Quando a bola acertou o pino central e todos os outros nove foram derrubados, Felipe gritou comemorando. Então, Malu viu que ele estava sorrindo. Meu Deus, ele estava sorrindo.

– Você viu isso? Foi incrível! – ele vibrou.

Quando sorria, os olhinhos dele quase fechavam. A garota riu enquanto assistia aquela cena histórica.

Era como se, a partir daquele momento, ele se tornasse uma pessoa diferente.

Os dois passaram a tarde entretidos com o jogo. Felipe sorriu outras vezes. Malu continuou se surpreendendo em cada uma dessas vezes.

– Isso foi, hã… Legal. Foi divertido. – disse o garoto, depois de avisar que estava na sua hora de ir.

– É. Foi mesmo. Mas não vai agora. Eu ainda tenho uma coisa pra te mostrar, vai ser rápido.

Ela pegou sua mochila e Felipe o estojo de violino. Eles caminharam até um corredor onde havia um aviso de área restrita e uma escada. Subiram até a laje do estabelecimento.

– Chegamos na hora perfeita. O sol está se pondo. – disse Malu, enquanto se sentava para observar as construções e prédios da cidade serem iluminados pela luz laranja do sol que começava a sumir do horizonte.

– O que você está fazendo? – o garoto perguntou, com estranhamento.

– Estou vendo o sol se pôr, ué.

– Por quê? – questionou Felipe, enquanto se sentava ao lado dela. Encarou o horizonte, tentando ver o que ela estava vendo. Parecia que estavam olhando coisas diferentes.

Malu sorriu.

– Quando eu tinha treze anos, eu tive uma crise asmática muito louca. Achei que fosse morrer. Vai ver, foi exagero meu. Mas eu tive aquele momento de ficar pensando em tudo o que eu queria ter feito e não fiz, sabe? Depois desse dia, eu comecei a pensar em certas coisas que eu nunca tinha cogitado.

– Como o quê? – Felipe quis saber.

– Eu não quero terminar a minha vida com aquela ladainha de música dos Titãs, sabe? Queria ter amado mais, trabalhado menos, ter visto o sol se pôr e blá blá blá. Então, eu decidi viver de verdade, enquanto eu ainda estou aqui. Eu quero ver o sol se pôr, enquanto eu posso fazer isso.

Felipe olhou para ela fixamente.

– Então você não me trouxe até o teto, com essa bela visão do pôr do sol, pra dar em cima de mim? – ele perguntou, sorrindo de forma acusadora.

– É claro que não, seu bobo. Anda, pega o violino e toca o concerto nº3.

Ele pegou o instrumento e providenciou uma trilha sonora perfeita para a despedida do sol.


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Notas finais do capítulo

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